Tirando os véus da invisibilidade sobre a saúde dos presos brasileiros

Maria Cecília de Souza Minayo Sobre o autor

A Revista Ciência & Saúde Coletiva fecha mais um ano editorial, trazendo à tona um dos temas mais espinhosos, controversos e maltratados na aplicação das políticas públicas no Brasil e em várias partes do mundo.

São 25 artigos que percorrem os recônditos do país e mostram dados empíricos impressionantes sobre o sistema prisional brasileiro. O primeiro ponto que choca é o aumento da população que habita esse mundo apartado: segundo o último Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN), divulgado pelo Departamento Penitenciário Nacional11 Brasil. Ministério da Justiça. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN). Brasília: DEPEN; 2021., o total de presos hoje é de 749.233, e a tendência de elevação cresce cerca de 8% ao ano após ano desde o início deste século. Das pessoas encarceradas, 40,08% (300.268) cometeram crimes contra o patrimônio; 29,28% (219,28) foram presos por associação ao tráfico de drogas; e 14,35% (107.493) por crimes contra a pessoa. As tipificações de menor incidência são os crimes contra a administração pública cometidos por servidores ou particulares (0,34%), englobando 2.499 presos.

Há 11.374 presos idosos atualmente no sistema, o que corresponde a 1,52% da população carcerária nacional, mas cresce em ritmo mais acelerado do que o do conjunto dos encarcerados: 87% estão na faixa etária de 61 a 70 anos e 13% têm de 70 a mais de 80 anos.

O leitor constatará que as cadeias estão cheias de brasileiros pobres cujas histórias de exclusão começaram muito antes de sua carreira criminal, conforme mostra o estudo de Minayo e Constantino22 Minayo MCS, Constantino P, organizadores. Deserdados sociais: condições de vida e saúde dos presos do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2015. que acompanhou trajetórias dessa população no estado do Rio de Janeiro.

Dando corpo e alma aos números citados, os 25 artigos que compõem o volume especial podem ser agrupados nas seguintes categorias: análises situacionais dos presos sob os parâmetros dos direitos humanos; políticas e práticas, particularmente do campo da saúde, hoje em andamento; principais doenças infecciosas e enfermidades crônicas que predominam entre os presos, com ênfase na tuberculose, mas também nos agravos crônico-degenerativos; situação e sofrimento das mulheres presas, em contraste com os diagnósticos sobre os homens; manejo dos transtornos mentais e dos cuidados com as pessoas em sofrimento psíquico; e questionamentos acerca das dificuldades e da pouca criatividade a respeito da reinserção social.

Por percorrer o Brasil de Norte a Sul, os autores oferecem uma leitura compreensiva sobre essa população que precisa ser vista, mas sobretudo atendida, tendo em conta o ideal nunca alcançado da ressocialização. Ao contrário, os mais diferentes trabalhos questionam a organização do sistema que promove reincidência, fideliza pessoas a facções e torna os presos muito mais vulneráveis a doenças transmissíveis e crônicas. Em consonância com a literatura internacional, os presos estão mais doentes e envelhecem mais depressa do que seus iguais vivendo em liberdade.

Existe uma Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP) estabelecida em conjunto pelos ministérios da Saúde e da Justiça desde 201533 Brasil. Ministério da Saúde e Ministério de Justiça. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional. Brasília: PNAISM; 2015.. Mas ela ainda não “pegou”, embora exista um subsídio federal para sua implantação e implementação. Seu foco é trazer os princípios do SUS para dentro das cadeias e oferecer um tratamento integral aos que precisam.

Apesar de ter a seu dispor uma política tão bonita e tão bem formulada, o sistema prisional é a expressão cabal da desigualdade, das injustiças sociais e do sofrimento humano em grau extremo. Rever e repensar o sistema teoricamente conhecido como de ressocialização é um dever cívico que não pode ficar só nas mãos dos formuladores da justiça. Quem comete crime tem que pagar a sua pena, mas não ser humanamente torturado e maltratado.

Referências

  • 1
    Brasil. Ministério da Justiça. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN). Brasília: DEPEN; 2021.
  • 2
    Minayo MCS, Constantino P, organizadores. Deserdados sociais: condições de vida e saúde dos presos do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2015.
  • 3
    Brasil. Ministério da Saúde e Ministério de Justiça. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional. Brasília: PNAISM; 2015.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    Dez 2022
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