Consumo de alimentos ultraprocessados e fatores associados no primeiro ano de vida em Cruzeiro do Sul, Acre, Brasil

Mariana Bossi Nogueira Lalucha Mazzucchetti Paola Soledad Mosquera Marly Augusto Cardoso Maíra Barreto Malta Sobre os autores

Resumo

O objetivo deste artigo é avaliar o consumo de alimentos ultraprocessados (AUP) e fatores associados no primeiro ano de vida. Trata-se da análise de dados do seguimento de um ano da coorte de nascimentos MINA-Brasil. Foram coletados dados socioeconômicos, demográficos e obstétricos na maternidade e no seguimento de um ano (n = 774), investigando consumo alimentar do dia anterior à entrevista, a fim de avaliar o consumo de AUP. A razão de prevalência (RP) e o intervalo de confianças (IC 95%) para consumo ≥ 3 AUP foram estimados em modelo de regressão múltiplo de Poisson com variância robusta. A prevalência de consumo ≥ 1 AUP foi 87,5%; e ≥ 3 AUP de 40,5%, estando associado a: menor escolaridade materna (≤ 9 anos [RP: 1,97 IC 95% 1,38; 2,80] e entre 10-12 anos [RP: 1,58, IC 95% 1,13; 2,20) comparados com > 12 anos de escolaridade, índice de riqueza abaixo da média (RP: 1,26, IC 95% 1,04; 1,53) e ter mãe adolescente (RP: 1,28, IC 95% 1,06; 1,55). A ausência de diversidade da dieta foi inversamente associada ao desfecho (RP: 0,65, IC 95% 0,51; 0,81). O consumo ≥ 3 AUP se associou às características maternas de menores escolaridade, índice de riqueza e idade materna, e a diversidade da dieta ao maior consumo de AUP.

Palavras-chave:
Alimentação infantil; Alimento industrializado; Alimentação complementar; Estudo de coorte

Introdução

Os primeiros mil dias de vida de um indivíduo são caracterizados por um intenso processo de crescimento e maturação que constitui uma importante janela de oportunidades para promoção da alimentação e nutrição saudáveis. Nesse período, as escolhas alimentares do binômio mãe-bebê são determinantes para o perfil de crescimento e desenvolvimento neurocognitivo plenos, bem como para a redução dos riscos de diversas doenças e morbidades que terão repercussão ao longo de toda a vida11 Mizuno K. The first 1,000 days of life. Pediatr Int 2019; 61(1):3..

Dada a importância desse período, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o aleitamento materno exclusivo até os seis meses de vida, e complementado até os dois anos ou mais22 Kramer S, Kakuma R. The optimal duration of exlusive breastfeeding: a systematic review. Geneva: WHO; 2002.. Recomenda-se ainda que a alimentação complementar, iniciada a partir de seis meses, seja adequada e segura, não sendo ofertados alimentos ultraprocessados (AUP) nos dois primeiros anos, uma vez que geralmente são ricos em sódio, açucares e gorduras prejudiciais à saúde, além do baixo teor de fibras, vitaminas e minerais33 Monteiro CA, Cannon G, Levy R, Moubarac J-C, Jaime P, Martins AP, Canella D, Louzada M, Parra D, Ricardo C, Calixto G, Machado P, Martins C, Martinzes E, Baraldi L, Garzillo J, Santtamini I. NOVA The Food System. World Nutr 2016; 7(7):28-38.. Define-se alimentos ultraprocessados (AUP) como “formulações de ingredientes industriais contendo pouco ou nenhum alimento intacto”44 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos. Brasília: MS; 2019..

Sabe-se da importância dos primeiros anos de vida de um indivíduo no que diz respeito à formação de seus hábitos alimentares44 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos. Brasília: MS; 2019.. Estudos apontam que os alimentos consumidos por crianças com seis anos de idade coincidem com aqueles ingeridos por elas no primeiro ano de vida, denotando que hábitos alimentares não saudáveis nesse período repercutem ao longo da vida55 Rose CM, Birch LL, Savage JS. Dietary patterns in infancy are associated with child diet and weight outcomes at 6 years. Int J Obes 2017; 41(5):783-788.. Além disso, o consumo de AUP está atrelado ao aumento da epidemia de obesidade, diabetes e outras doenças crônicas não-transmissíveis33 Monteiro CA, Cannon G, Levy R, Moubarac J-C, Jaime P, Martins AP, Canella D, Louzada M, Parra D, Ricardo C, Calixto G, Machado P, Martins C, Martinzes E, Baraldi L, Garzillo J, Santtamini I. NOVA The Food System. World Nutr 2016; 7(7):28-38.. Revisão sistemática que incluiu 26 estudos concluiu haver associações positivas entre o consumo de AUP ​​e a gordura corporal na infância e adolescência66 Costa CS, Del-Ponte B, Assunção MCF, Santos IS. Consumption of ultra-processed foods and body fat during childhood and adolescence: a systematic review. Public Health Nutr 2018; 21(1):148-159.. O alto consumo de AUP, contudo, já é uma realidade. Relatório produzido pela Organização Pan Americana de Saúde (OPAS)77 Pan American Health Organization (PAHO). Ultra-processed food and drink products in Latin America: trends, impact on obesity, policy implications. Washington, DC: PAHO; 2015. constatou aumento de 48% na circulação/venda dos AUP entre os anos 2000 e 2013 em 13 países latino-americanos, evidenciando o atual contexto de modificação de hábitos e padrões alimentares onde as dietas de alta densidade energética ganham destaque88 Levy RB, Claro RM, Mondini L, Sichieri R, Monteiro CA. Distribuição regional e socioeconômica da disponibilidade domiciliar de alimentos no Brasil em 2008-2009. Rev Saude Publica. 2012; 46(1):6-15..

Apesar de a maioria dos estudos sobre consumo de AUP ter sido realizado com adolescentes e adultos, estudo transversal brasileiro com pré-escolares identificou que a idade média de introdução de AUP na dieta foi de seis meses de vida99 Longo-Silva G, Silveira JAC, Menezes RCE, Toloni MHA. Age at introduction of ultra-processed food among preschool children attending day-care centers. J Pediatr 2017; 93(5):508-516.. Além disso, a 2ª Pesquisa de Prevalência de Aleitamento Materno, conduzida nas capitais brasileiras e no Distrito Federal em 2009, já apontava um consumo de 11,6% de bebidas açucaradas e de 71,7% de bolachas e/ou salgadinhos por crianças com idade entre 9 e 12 meses1010 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de ações Programáticas e Estratégicas. II Pesquisa de Prevalência de Aleitamento materno nas Capitais Brasileiras e Distrito Federal. Brasilia: MS; 2009.. Outro estudo transversal de base populacional, utilizando dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNDS), apontou que 72,6% de crianças entre 6 e 12 meses consumiram “alimentos não saudáveis” (refrigerantes, sucos artificiais, bolachas e doces), considerados no estudo como proxy de AUP1111 Flores TR, Nunes BP, Neves RG, Wendt AT, Costa CS, Wehrmeister FC, Bertoldi AD. Consumo de leite materno e fatores associados em crianças menores de dois anos: Pesquisa nacional de saúde, 2013. Cad Saude Publica 2017; 33(11):e00068816.. Poucos estudos investigaram os fatores associados ao consumo de AUP nesse período da vida. A escolaridade materna e o tempo entre o nascimento e a primeira consulta da criança em unidade de saúde foram apontados em estudo transversal realizado em Embu das Artes, Brasil, com 181 crianças com idades entre 6 e 12 meses1212 Relvas GRB, Buccini GS, Venancio SI. Ultra-processed food consumption among infants in primary health care in a city of the metropolitan region of Sao Paulo, Brazil. J Pediatr (Rio J) 2019; 95(5)584-589..

Considerando-se a essencialidade das práticas alimentares infantis saudáveis, a elevação do consumo de AUP na infância, bem como a carência de estudos sobre consumo de AUP no primeiro ano de vida, o presente estudo teve como objetivo avaliar esse consumo e fatores associados no primeiro ano de vida em município da Amazônia Ocidental Brasileira.

Métodos

Trata-se de um estudo longitudinal de base populacional com dados obtidos da Coorte de Nascimentos MINA-Brasil: Saúde e Nutrição Materno-Infantil em Cruzeiro do Sul, Acre. Na linha de base, o recrutamento do binômio mãe-bebê foi realizado na única maternidade do município, entre julho de 2015 e junho de 2016, conforme descrição em publicação anterior1313 Cardoso M, Matijasevich A, Malta MB, Lourenco BH, Gimeno SGA, Ferreira MU, Castro MC. Cohort profile: The Maternal and Child Health and Nutrition in Acre, Brazil, birth cohort study (MINA-Brazil). BMJ Open 2020; 10(2):e034513.. Todas as mães internadas para parto, residentes em Cruzeiro do Sul, estado do Acre, foram convidadas a participar do estudo.

Após concordância por escrito, as mães responderam a um formulário estruturado sobre questões socioeconômicas, demográficas e histórico de saúde. Durante o período de recrutamento das participantes na maternidade, registraram-se 1.881 internações para parto. Dessas, 128 (6,9%) foram consideradas não elegíveis, sendo 112 abortos e 16 natimortos, totalizando 1.753 nascidos vivos, 184 mães dos nascidos vivos se recusaram a participar do estudo e 18 não foram contatadas pela equipe de pesquisa. Entre as 1.551 mães contatadas, 305 não foram incluídas por residirem em área rural. Para o seguimento de um ano de idade, 25 (2,0% dos 1246 elegíveis) se recusaram a participar dessa fase do estudo, quatro crianças faleceram, 38 se mudaram para a área rural ou outros municípios, 110 não compareceram à avaliação após três tentativas de agendamento e 285 não foram localizadas, de forma que foram acompanhadas 774 crianças (63,2% das elegíveis)1313 Cardoso M, Matijasevich A, Malta MB, Lourenco BH, Gimeno SGA, Ferreira MU, Castro MC. Cohort profile: The Maternal and Child Health and Nutrition in Acre, Brazil, birth cohort study (MINA-Brazil). BMJ Open 2020; 10(2):e034513..

Na maternidade, uma equipe de pesquisa previamente treinada entrevistou as puérperas, sendo coletados dados maternos como: data de nascimento para cálculo da idade materna, categorizada em (< 19 anos, 19-34, ≥ 35; e em adolescente: sim, não)1414 De Onis M. WHO Child Growth Standards based on length/height, weight and age. Acta Paediatr 2006; 95:76-85., cor da pele autorreferida (branco, pardo/preto/amarelo/indígena), escolaridade (0-4, 5-8, 9-11, ≥ 12 anos completos de estudo), recebimento do auxílio Bolsa Família (sim, não), mãe exerce atividade remunerada (sim, não), vive com companheiro (sim, não), mãe se autodeclarar chefe do domicílio (sim, não), primigesta (sim, não) e índice de riqueza (abaixo da média, acima da média).

O índice de riqueza foi utilizado como proxy do status socioeconômico familiar1515 Filmer D, Pritchett LH. Estimating wealth effects without expenditure data - or tears: an application to educational enrollments in states of India. Demography 2001; 38(1):115-132., e foi construído pela análise dos componentes principais, derivados dos seguintes bens domésticos: televisão, aparelho de som, computador, aparelho de DVD, internet, TV a cabo, geladeira, fogão a gás, liquidificador, micro-ondas, ferro elétrico, sofá, telefone fixo, celular, bicicleta, motocicleta, carro, posse de terra e criação de gado. Os escores gerados foram então somados e categorizados em acima ou abaixo da média. Maior detalhamento do método utilizado para essas análises na Coorte MINA-Brasil foi publicado anteriormente1313 Cardoso M, Matijasevich A, Malta MB, Lourenco BH, Gimeno SGA, Ferreira MU, Castro MC. Cohort profile: The Maternal and Child Health and Nutrition in Acre, Brazil, birth cohort study (MINA-Brazil). BMJ Open 2020; 10(2):e034513..

Durante a entrevista, informações sobre o número total de consultas de pré-natal foram obtidas da caderneta de pré-natal da mãe, e categorizadas de acordo com as recomendações do Ministério da Saúde1616 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria n° 569. Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento. Diário Oficial da União 2000; 1 jun. (< 6, ≥ 6 consultas). Dos prontuários hospitalares foram coletadas as seguintes informações: sexo da criança (feminino, masculino), peso ao nascer em gramas, posteriormente categorizado (baixo peso < 2.500, peso adequado 2.500-3.999, ou macrossomia 4.000) e idade gestacional em semanas completas. Trinta e quatro porcento das mães tiveram estimativa de idade gestacional confirmada por ultrassom realizado pela equipe MINA-Brasil, com uma diferença média aceitável em comparação com os registros hospitalares, conforme descrito em publicação anterior1717 Dal Bom JP, Mazzucchetti L, Malta MB, Ladeia-Andrade S, De Castro MC, Cardoso MA, Lourenço BA. Early determinants of linear growth and weight attained in the first year of life in a malaria endemic region. PLoS One 2019; 14(8):e0220513..

Quando as crianças completaram um ano de vida, membros da equipe de pesquisa entraram em contato, via telefone, com as mães para agendamento de uma avaliação presencial, realizada em unidades básicas de saúde. Realizou-se avaliação antropométrica das crianças, além de aplicação de questionário relativo às práticas alimentares gerais na primeira infância1818 Oliveira JM, Castro IRR, Silva GB, Venancio SI, Saldiva SRDM. Avaliação da alimentação complementar nos dois primeiros anos de vida: proposta de indicadores e de instrumento. Cad Saude Publica 2015; 31(2):377-394.: uso de mamadeiras (sim, não) e chupetas (sim, não), aleitamento materno no seguimento de um ano (sim, não) e aleitamento materno exclusivo ou predominante aos seis meses de vida (sim, não).

A coleta dos dados antropométricos foi feita em duplicata por integrantes da equipe de pesquisa devidamente treinados e seguiu procedimentos padronizados, com equipamentos devidamente calibrados1919 World Health Organization (WHO). Physical status: the use and interpretation of report anthropometry. Report of a WHO Expert Committee. Geneva: WHO; 1995.. Para as medidas de peso, foi utilizada balança portátil digital eletrônica, da marca Tanita, com capacidade de 150 kg e variação de 0,1 kg, e o comprimento foi obtido em infantômetro portátil. O estado nutricional das crianças no primeiro ano de vida foi realizado segundo cálculo de IMC para idade, sendo o escore Z > +2 considerado como excesso de peso, segundo padrão de referência da OMS1414 De Onis M. WHO Child Growth Standards based on length/height, weight and age. Acta Paediatr 2006; 95:76-85.. Para análise do comprimento para a idade, foram consideradas com déficit de comprimento para a idade as crianças que apresentaram escore Z < -21414 De Onis M. WHO Child Growth Standards based on length/height, weight and age. Acta Paediatr 2006; 95:76-85..

Para classificação antropométrica materna no período pré-gestacional, utilizou-se peso pré-gestacional autorreferido. Para mães com idade maior ou igual a 19 anos, foram calculados o IMC e o estado nutricional classificado segundo critérios da OMS (1995)1919 World Health Organization (WHO). Physical status: the use and interpretation of report anthropometry. Report of a WHO Expert Committee. Geneva: WHO; 1995.: baixo peso (IMC < 18,5 kg/m2); peso adequado (IMC 18,5-24,9 kg/m2); sobrepeso (IMC 25,0-29,9 kg/m2) e obesidade (≥ 30 kg/m2). Já para as mães com idade menor do que 19 anos, a definição do estado nutricional pré-gestacional foi realizada com auxílio do programa WHO Anthro Plus (2009), que calcula IMC em escore Z para idade em adolescentes, considerando-se os seguintes pontos de corte para sua classificação: baixo peso (escore Z < -2); peso adequado (escore Z -2 a < 1); sobrepeso (escore Z ≥ +1) e obesidade (escore Z ≥ +2).

A avaliação do consumo alimentar das crianças foi realizada mediante questionário de frequência alimentar estruturado referente ao consumo de alimentos e bebidas no dia anterior à entrevista, quando esse representou um dia habitual de consumo da criança. Para cada um dos 23 alimentos/grupos de alimentos questionados, e para a opção “outro alimento”, havia nove categorias de respostas (não consumiu, ao acordar, meio da manhã, almoço, meio da tarde, jantar, antes de dormir, madrugada, não sabe), podendo ser assinalados mais do que uma opção. A lista de alimentos foi adaptada de questionário elaborado por Oliveira e colaboradores1818 Oliveira JM, Castro IRR, Silva GB, Venancio SI, Saldiva SRDM. Avaliação da alimentação complementar nos dois primeiros anos de vida: proposta de indicadores e de instrumento. Cad Saude Publica 2015; 31(2):377-394., sendo inseridos os alimentos regionais selecionados segundo questionário utilizado por Castro e colaboradores em estudo amazônico2020 Castro TG, Baraldi LG, Muniz PT, Cardoso MA. Dietary practices and nutritional status of 0-24-month-old children from Brazilian Amazonia. Public Health Nutr 2009; 12(12):2335-2342.. Para os casos em que o dia anterior à entrevista não foi um dia de consumo alimentar habitual, foi solicitado à mãe ou cuidador que relatasse o último dia de alimentação habitual da criança. Em vista disso, foi aplicada a seguinte questão: “No dia de ontem, a alimentação da criança foi parecida com o que ela costuma comer?”

Os AUP incluídos no questionário aplicado foram: iogurte industrializado, suco artificial, refrigerante, guloseimas, biscoito, salgadinho de pacote, salsicha e macarrão instantâneo. Além desses, outros AUP mencionados durante a entrevista em pergunta aberta sobre consumo de “outros alimentos” também foram considerados (achocolatado, sorvete, gelatina, bolo e sopa industrializados). Para a estimativa da prevalência do consumo de AUP, considerou-se a ingestão de pelo menos um alimento dessa categoria no dia anterior à entrevista. Dada a elevada prevalência encontrada de consumo de um AUP no dia anterior à entrevista, comparada à recomendação do Guia alimentar para crianças brasileiras menores de dois anos44 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos. Brasília: MS; 2019. (de que não sejam ofertados AUP nessa fase da vida), optou-se por investigar os fatores associados ao consumo de três ou mais AUP.

A diversidade da dieta foi classificada segundo indicador de diversidade da alimentação complementar proposto pela WHO2121 World Health Organization (WHO). Indicators for assessing infant and young child feeding practices. Part 1: definitions. Washington DC: WHO; 2008., definido pelo consumo de ao menos quatro dos sete grupos alimentares recomendados (grãos, raízes e tubérculos; leguminosas e oleaginosas; produtos lácteos; carnes; ovos; frutas e hortaliças ricas em vitamina A, e outras frutas e hortaliças).

As características socioeconômicas, demográficas, obstétricas e perinatais das crianças acompanhadas no seguimento de um ano foram comparadas às perdas de seguimento pelo teste qui-quadrado. Quanto à descrição da população estudada, as variáveis discretas foram apresentadas em medidas de tendência central e dispersão (média e desvio-padrão - dp) e as variáveis categóricas foram apresentadas em frequências totais e segundo número de AUP consumidos no dia anterior à entrevista (não consumiu; consumiu de um a dois AUP; consumiu três ou mais AUP). As categorias também foram comparadas mediante teste qui-quadrado.

A razão de prevalência (RP) e o intervalo de confianças (IC 95%) para consumo de um AUP e três ou mais AUP no seguimento de um ano da coorte foram estimados em modelo de regressão de Poisson com variância robusta. Os modelos de regressão múltiplos foram baseados em uma estrutura conceitual hierárquica2222 Victora CG, Huttly SR, Fuchs SC, Olinto MTA. The role of conceptual frameworks in epidemiological analysis : a hierarchical approach. Int J Epidemiol 1997; 26(1):224-227. considerando as associações com exposições em níveis distal (fatores socioeconômicos e demográficos), intermediário (fatores obstétricos e perinatais) e proximal (práticas alimentares e estado nutricional no seguimento de um ano). A análise bruta para cada variável independente foi realizada retendo aquelas associadas ao desfecho em p < 0,20. Em cada nível de determinação, as variáveis associadas ao desfecho em p < 0,10 foram mantidas no modelo múltiplo final. As análises dos dados foram realizadas com auxílio do pacote estatístico Stata 14.0, ao nível de significância de p < 0,05.

O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi assinado pelas mães após explicações sobre o objetivo da pesquisa e a garantia de sigilo das informações. Para as mães adolescentes, o consentimento foi dado pelo responsável. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP parecer nº 872.613).

Resultados

No presente estudo foram avaliadas 774 crianças não gemelares, residentes em área urbana do município de Cruzeiro do Sul, Acre. Considerando as crianças acompanhadas no seguimento de um ano da coorte em relação aos não acompanhados (n = 450), observou-se que não houve diferença em relação à cor da pele materna autorreferida, à situação conjugal (viver ou não com companheiro) e ao fato de a mãe ser chefe de domicílio. Houve diferença significativa em termos estatísticos, com menores proporções de participantes acompanhados em relação aos não acompanhados, respectivamente, entre mães com idade < 19 anos (16,0% versus 23,3%; p = 0,002), com ≤ 9 anos de escolaridade (29,7% versus 45,7%; p < 0,0001) e abaixo da média do índice de riqueza (45,5% versus 58,7%; p < 0,0001) na linha de base do estudo. Quanto às características obstétricas e perinatais, não houve diferenças estatisticamente significantes para primiparidade, sexo e peso do bebê ao nascer.

No momento do parto, a idade média das mães foi de 25,5 anos (dp ± 6,6), variando entre 14 e 43 anos, das quais 16% eram adolescentes e apenas 19,7% havia completado pelo menos 12 anos de estudo (no momento do parto). Além disso, grande parte (36,9%) das mulheres recebia auxílio do Programa Bolsa Família (Tabela 1).

Tabela 1
Frequência (%) de consumo de alimentos ultraprocessados (AUP) no primeiro ano de vida segundo características socioeconômicas, demográficas e obstétricas. Coorte MINA-Brasil, Cruzeiro do Sul, Acre, 2016-2017.

Em relação às crianças, 96% receberam aleitamento materno no primeiro dia de vida, aproximadamente 6% tinham baixo peso ao nascer e a mesma porcentagem apresentou macrossomia fetal. A média de idade das crianças avaliadas no seguimento do primeiro ano de vida foi de 12,7 meses (dp ± 0,7). As frequências de déficit de comprimento para a idade e excesso de peso (IMC para idade) foram 2,2% e 6,6%, respectivamente.

No total, 87,5% (IC 95% 0,85; 0,90) das crianças consumiram pelo menos um AUP no dia anterior à entrevista, sendo que 47% (IC 95% 0,44; 0,51) consumiram um ou dois AUP e 40,5% (IC95% 0,37;0,44) três ou mais AUP. Biscoito, iogurte industrializado, guloseimas, salgadinho de pacote e suco artificial foram os alimentos que mais contribuíram para esse resultado em 66,4%, 53,2%, 18,1%, 17,9%, 14,7%, respectivamente (dados apresentados na Figura 1). Apenas 5% das mães (n = 39) afirmaram que a alimentação da criança no dia anterior à entrevista não representou um dia de consumo alimentar habitual.

Figura 1
Prevalências e intervalo com 95% de confiança (IC 95%) dos alimentos ultraprocessados mais consumidos no primeiro ano de vida da Coorte MINA-Brasil, Cruzeiro do Sul, Acre.

A Tabela 2 apresenta as análises brutas entre as exposições e o consumo de AUP no dia anterior à entrevista. Os fatores associados ao consumo de três ou mais AUP nas análises brutas foram: ter mãe adolescente, menor escolaridade materna, índice de riqueza abaixo da média, receber bolsa família, mãe não exercer atividade remunerada. A ausência de diversidade na dieta foi inversamente associada ao desfecho. A Tabela 3 apresenta os fatores associados ao consumo de três ou mais AUP no dia anterior à entrevista do seguimento de um ano. Após ajuste por sexo e idade da criança, as características associadas ao maior consumo de AUP foram: menor escolaridade materna (≤ 9 anos [RP: 1,97; IC 95% 1,38; 2,80] e entre 10 e 12 anos de escolaridade [RP: 1,58; IC 95% 1,13; 2,20]), em comparação com aquelas com mais de 12 anos de escolaridade, índice de riqueza abaixo da média (RP: 1,26; IC 95% 1,04; 1,53) e ser filho de mãe adolescente (RP: 1,28; IC 95% 1,06; 1,55). Ausência de diversidade da alimentação complementar foi inversamente associado ao consumo excessivo de AUP (RP: 0,65; IC 95% 0,51; 0,81).

Tabela 2
Análise bruta das exposições socioeconômicas, demográficas, obstétricas e características da criança ao consumo de três ou mais alimentos ultraprocessados (AUP) no primeiro ano de vida (n = 774). Coorte MINA-Brasil, Cruzeiro do Sul, Acre, 2016-2017.
Tabela 3
Razão de Prevalência e intervalo com 95% de confiança (IC 95%) para fatores associados ao consumo de três ou mais alimentos ultraprocessados (AUP) no primeiro ano de vida (n = 774). Coorte MINA-Brasil, Cruzeiro do Sul, Acre, 2016-2017.

Discussão

O presente estudo se destaca por ser o primeiro a investigar o consumo de AUP e fatores associados em crianças no seguimento de um ano de vida de uma coorte na Amazônia Ocidental Brasileira. Os resultados apontaram para uma elevada prevalência de consumo desse tipo de alimento, visto que 87,5% haviam consumido um ou mais AUP e 40,5% das crianças ingeriram três ou mais AUP no dia anterior à entrevista. Os achados evidenciaram uma realidade alarmante, tendo em vista que o Guia alimentar para crianças brasileiras menores de dois anos44 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos. Brasília: MS; 2019. (2019) preconiza que não seja ofertado AUP nessa fase da vida, alertando para a sua contribuição no crescente excesso de peso e obesidade infantil. Esse é um período fundamental do desenvolvimento, em que ocorrem diversas modificações fisiológicas, como a formação das papilas gustativas, determinantes para a preferência por alguns alimentos2323 Victora CG, Horta BL, Loret de Mola C, Quevedo L, Pinheiro RT, Gigante DP, Gonçalves H, Barros FC. Association between breastfeeding and intelligence, educational attainment, and income at 30 years of age: a prospective birth cohort study from Brazil. Lancet Glob Health 2015; 3(4):e199-205..

Em relação à proporção de crianças com diversidade da dieta adequada neste estudo (76,6%), é importante destacar que esse aspecto da alimentação complementar foi estimado a partir do indicador proposto pela OMS - cuja construção é composta por sete grupos de alimentos (grãos, raízes e tubérculos; leguminosas e oleaginosas; produtos lácteos; carnes; ovos; frutas e hortaliças ricas em vitamina A, e outras frutas e hortaliças) e considera que a alimentação da criança é variada quando consome pelos menos quatro desses grupos2121 World Health Organization (WHO). Indicators for assessing infant and young child feeding practices. Part 1: definitions. Washington DC: WHO; 2008.. Portanto, crianças que consumiram apenas alimentos dos grupos de carnes, ovos, grãos e lácteos, por exemplo, podem ter sido classificadas, inapropriadamente, como tendo uma alimentação variada1818 Oliveira JM, Castro IRR, Silva GB, Venancio SI, Saldiva SRDM. Avaliação da alimentação complementar nos dois primeiros anos de vida: proposta de indicadores e de instrumento. Cad Saude Publica 2015; 31(2):377-394..

Ainda em relação à composição do indicador proposto pela OMS, deve-se notar que o mesmo não diferencia o grau de processamento dos alimentos, portanto não penaliza o consumo de AUP2121 World Health Organization (WHO). Indicators for assessing infant and young child feeding practices. Part 1: definitions. Washington DC: WHO; 2008., apesar das evidências sobre eventos adversos para a saúde infantil relacionados ao consumo de AUP44 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos. Brasília: MS; 2019.. Por exemplo, segundo o indicador de diversidade da OMS, o consumo de hambúrguer é computado no grupo das carnes, embora seja um AUP. Assim, a frequência observada para diversidade da dieta adequada neste estudo pode ter sido superestimada, contribuindo para a associação positiva entre diversidade da alimentação e consumo excessivo de AUP. Os nossos resultados apontam para a necessidade de estabelecimento de indicadores de alimentação complementar que considerem as recomendações do Guia alimentar brasileiro para crianças menores de dois anos44 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos. Brasília: MS; 2019., incluindo como um indicador de alimentação complementar a avaliação do consumo de AUP, a fim de conseguir um monitoramento adeuado das práticas alimentares infantis.

Relvas e colaboradores1212 Relvas GRB, Buccini GS, Venancio SI. Ultra-processed food consumption among infants in primary health care in a city of the metropolitan region of Sao Paulo, Brazil. J Pediatr (Rio J) 2019; 95(5)584-589., em estudo transversal, avaliaram o consumo de AUP em 181 crianças menores de um ano em Embu das Artes, São Paulo, observando frequência de consumo de um ou mais AUP de 43,1%, o que correspondeu a quase metade da observada no presente estudo. Essa menor ocorrência pode estar relacionada ao uso de formulário com lista de alimentos restrita, o que poderia ter subestimado o consumo de AUP, enquanto no presente estudo todos os AUP consumidos no dia anterior à entrevista foram registrados com o uso de uma pergunta aberta sobre consumo de outros alimentos não incluídos na lista padronizada.

Nesta pesquisa, crianças de famílias com índice de riqueza abaixo da média apresentaram maior frequência de consumo de AUP. Na mesma linha, Martins e colaboradores2424 Martins APB, Levy RB, Claro RM, Moubarac JC, Monteiro CA. Increased contribution of ultra-processed food products in the Brazilian diet (1987-2009). Rev Saude Publica 2013; 47(4):656-665. identificaram contribuição crescente do consumo de AUP na dieta brasileira, principalmente em estratos da população de baixa renda. Além disso, Momm e Hofelmann2525 Momm N, Höfelmann DA. Qualidade da dieta e fatores associados em crianças matriculadas em uma escola municipal de Itajaí, Santa Catarina. Cad Saude Colet 2014; 22(1):32-39., em estudo realizado com crianças em escola municipal de Itajaí, Santa Catarina (n = 523), observaram 52,6% de inadequação na dieta a partir de questionário elaborado com base no Guia alimentar para a população brasileira. Os autores concluíram que a alimentação de melhor qualidade foi diretamente associada a maiores estratos de renda familiar e melhores níveis de escolaridade. Ainda nesse sentido, Keane et al.2626 Keane E, Layte R, Harrington J, Kearney PM, Perry IJ. Measured parental weight status and familial socio-economic status correlates with childhood overweight and obesity at age 9. PLoS One 2012; 7(8):e43503. e Kendzor et al.2727 Kendzor DE, Caughy MO, Owen MT. Family income trajectory during childhood is associated with adiposity in adolescence: a latent class growth analysis. BMC Public Health 2012; 12:611., em estudos conduzidos em países de alta renda, apontaram que o baixo status socioeconômico e a baixa escolaridade são fatores que podem contribuir para o sobrepeso e a obesidade infantil. Esses achados corroboram estudo de revisão sistemática que aponta associação positiva entre consumo de AUP ​​e gordura corporal durante a infância e a adolescência66 Costa CS, Del-Ponte B, Assunção MCF, Santos IS. Consumption of ultra-processed foods and body fat during childhood and adolescence: a systematic review. Public Health Nutr 2018; 21(1):148-159..

A associação entre maior consumo de AUP e menor nível de escolaridade materna identificada neste estudo confirma os achados de Saldiva e colaboradores2828 Saldiva SR, Venancio SI, Santana AC, Silva Castro AL, Escuder MM, Giugliani ER. The consumption of unhealthy foods by Brazilian children is influenced by their mother's educational level. Nutr J 2014. 13:33. de que, a partir de dados obtidos da 2ª Pesquisa de Prevalência de Aleitamento Materno conduzida nas Capitais Brasileiras e Distrito Federal em 2009, crianças com mães de menores níveis de escolaridade possuem frequência de consumo de AUP cerca de duas a três vezes maior, quando comparadas com mães de maiores níveis de escolaridade em análises brutas. Do mesmo modo, Relvas e colaboradores1212 Relvas GRB, Buccini GS, Venancio SI. Ultra-processed food consumption among infants in primary health care in a city of the metropolitan region of Sao Paulo, Brazil. J Pediatr (Rio J) 2019; 95(5)584-589. encontraram maior consumo de AUP em crianças filhas de mães com menor escolaridade.

Verificou-se, no presente estudo, que filhos de mães adolescentes apresentaram maior prevalência de consumo de AUP quando comparados aos filhos de mulheres adultas. De forma similar, estudo transversal (n = 112) realizado em Recife, avaliando o perfil alimentar materno e as práticas da alimentação complementar de crianças com idades entre 9 e 24 meses, encontrou maior consumo de alimentos ricos em açúcar, óleos e gorduras em filhos de mães adolescentes, quando comparados aos filhos de mães adultas2929 Costa KAO, Antunes MMC, Cabral PC, Silva GAP. Feeding style of adolescent mothers and complementary feeding practice of their infants. Rev Nutr 2018; 31(1):49-58.. Esse fato pode estar relacionado à tendência de o público mais jovem ter, cada vez mais, práticas alimentares que correspondem a dietas ricas em sódio, gordura e açúcares, porém carentes em hortaliças3030 Toral N, Conti MA, Slater E. A alimentação saudável na ótica dos adolescentes : percepções e barreiras à sua implementação e características esperadas em materiais educativos. Cad Saude Publica 2009; 25(11):2386-2394.. Estudo transversal realizado em Teresina, Piauí, avaliou o consumo alimentar de 80 jovens segundo a classificação de alimentos NOVA, que categoriza os alimentos de acordo com a extensão e o propósito de seu processamento. No total, 94% dos adolescentes consumiam AUP uma ou mais vezes ao dia3131 Coelho BMS, Macedo MAD, Pereira TG. Avaliação do consumo alimentar de adolescentes segundo a nova classificação de alimentos - NOVA. Revista Interdisciplinar 2017; 10(2):32-39.

Como limitação do presente estudo, deve ser considerado que foram avaliados apenas indivíduos residentes da zona urbana e peri-urbana de Cruzeiro do Sul, uma vez que há dificuldade de localização e acesso à zona rural da cidade, portanto os dados não podem ser generalizados para toda a população do município. Embora esta pesquisa seja de base populacional, perdemos o seguimento de alguns participantes, sendo maior o número de perdas de crianças nascidas de mães mais jovens, com menor escolaridade e mais pobres. Por outro lado, destaca-se que os resultados foram baseados em dados coletados prospectivamente em uma área pouco estudada, com procedimentos contínuos para verificação da consistência dos dados e constante treinamento da equipe de pesquisa.

Quanto ao consumo de AUP, utilizou-se questionário relativo à ingestão do dia anterior à entrevista, o que minimiza a possibilidade de viés de memória materna, melhorando a qualidade dos dados apresentados. Outra limitação foi a avaliação de apenas um dia de consumo alimentar, o que não representa o consumo habitual. Com o intuito de minimizar essa limitação, os avaliadores se atentaram em confirmar com as mães ou cuidadores se a alimentação do dia anterior teria sido a habitual da criança. Para 5% das crianças estudadas, o dia anterior à entrevista não representava um dia de alimentação habitual. Nesses casos, foi registrado o consumo do último dia habitual da criança.

O presente estudo revela um nível de consumo elevado de AUP em crianças no primeiro ano de vida em Cruzeiro do Sul, ressaltando a necessidade de ações para promoção da alimentação adequada nessa fase da vida. Cabe aos profissionais de saúde, gerentes e formuladores de políticas de saúde e nutrição enfrentar esse grande desafio. Recomenda-se a ampliação da divulgação do Guia alimentar brasileiro para menores de dois anos entre famílias e profissionais de saúde, a realização de intervenções educativas em ambientes de atenção primária à saúde, visando melhorar as práticas de alimentação infantil, e o monitoramento contínuo das práticas de alimentação na primeira infância, com base nas recomendações do Guia alimentar para crianças brasileiras.

Conhecer a situação da alimentação complementar no local é essencial para a aplicação de iniciativas já idealizadas e para a definição de políticas e programas de intervenção precoce que visem a promoção da saúde infantil, bem como o aperfeiçoamento e a maior divulgação de leis e regulamentações brasileiras para propagandas e comercialização de alimentos destinados a crianças, tais como a NBCAL - Norma Brasileira para Comercialização de Alimentos para Lácteos e Crianças de Primeira Infância, Bicos, Chupetas e Protetores de Mamilos. Os resultados deste estudo contribuem com evidências que reforçam a importância do incentivo a políticas públicas que desestimulem o consumo desse tipo de alimento, sobretudo entre os grupos de maior vulnerabilidade social.

Conclusão

O presente estudo apontou um alto consumo de AUP no seguimento de um ano de vida da coorte, dada a recomendação do Guia alimentar brasileiro de que não sejam ofertados AUP nos dois primeiros anos de vida. O consumo de três ou mais AUP no dia anterior à entrevista foi associado a características maternas de menores escolaridade, índice de riqueza e idade materna. A diversidade da dieta foi associada ao maior consumo de AUP, alertando para a necessidade de incluir a avaliação do consumo de AUP como um indicador de alimentação complementar, conforme recomendações do Guia alimentar brasileiro para crianças menores de dois anos, visando o monitoramento apropriado das práticas de alimentação infantil, além do desenvolvimento e implantação de estratégias sólidas para promoção da alimentação saudável desde a gestação, desencorajando a oferta de AUP nos primeiros dois anos de vida.

Referências

  • 1
    Mizuno K. The first 1,000 days of life. Pediatr Int 2019; 61(1):3.
  • 2
    Kramer S, Kakuma R. The optimal duration of exlusive breastfeeding: a systematic review. Geneva: WHO; 2002.
  • 3
    Monteiro CA, Cannon G, Levy R, Moubarac J-C, Jaime P, Martins AP, Canella D, Louzada M, Parra D, Ricardo C, Calixto G, Machado P, Martins C, Martinzes E, Baraldi L, Garzillo J, Santtamini I. NOVA The Food System. World Nutr 2016; 7(7):28-38.
  • 4
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos. Brasília: MS; 2019.
  • 5
    Rose CM, Birch LL, Savage JS. Dietary patterns in infancy are associated with child diet and weight outcomes at 6 years. Int J Obes 2017; 41(5):783-788.
  • 6
    Costa CS, Del-Ponte B, Assunção MCF, Santos IS. Consumption of ultra-processed foods and body fat during childhood and adolescence: a systematic review. Public Health Nutr 2018; 21(1):148-159.
  • 7
    Pan American Health Organization (PAHO). Ultra-processed food and drink products in Latin America: trends, impact on obesity, policy implications. Washington, DC: PAHO; 2015.
  • 8
    Levy RB, Claro RM, Mondini L, Sichieri R, Monteiro CA. Distribuição regional e socioeconômica da disponibilidade domiciliar de alimentos no Brasil em 2008-2009. Rev Saude Publica. 2012; 46(1):6-15.
  • 9
    Longo-Silva G, Silveira JAC, Menezes RCE, Toloni MHA. Age at introduction of ultra-processed food among preschool children attending day-care centers. J Pediatr 2017; 93(5):508-516.
  • 10
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de ações Programáticas e Estratégicas. II Pesquisa de Prevalência de Aleitamento materno nas Capitais Brasileiras e Distrito Federal. Brasilia: MS; 2009.
  • 11
    Flores TR, Nunes BP, Neves RG, Wendt AT, Costa CS, Wehrmeister FC, Bertoldi AD. Consumo de leite materno e fatores associados em crianças menores de dois anos: Pesquisa nacional de saúde, 2013. Cad Saude Publica 2017; 33(11):e00068816.
  • 12
    Relvas GRB, Buccini GS, Venancio SI. Ultra-processed food consumption among infants in primary health care in a city of the metropolitan region of Sao Paulo, Brazil. J Pediatr (Rio J) 2019; 95(5)584-589.
  • 13
    Cardoso M, Matijasevich A, Malta MB, Lourenco BH, Gimeno SGA, Ferreira MU, Castro MC. Cohort profile: The Maternal and Child Health and Nutrition in Acre, Brazil, birth cohort study (MINA-Brazil). BMJ Open 2020; 10(2):e034513.
  • 14
    De Onis M. WHO Child Growth Standards based on length/height, weight and age. Acta Paediatr 2006; 95:76-85.
  • 15
    Filmer D, Pritchett LH. Estimating wealth effects without expenditure data - or tears: an application to educational enrollments in states of India. Demography 2001; 38(1):115-132.
  • 16
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria n° 569. Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento. Diário Oficial da União 2000; 1 jun.
  • 17
    Dal Bom JP, Mazzucchetti L, Malta MB, Ladeia-Andrade S, De Castro MC, Cardoso MA, Lourenço BA. Early determinants of linear growth and weight attained in the first year of life in a malaria endemic region. PLoS One 2019; 14(8):e0220513.
  • 18
    Oliveira JM, Castro IRR, Silva GB, Venancio SI, Saldiva SRDM. Avaliação da alimentação complementar nos dois primeiros anos de vida: proposta de indicadores e de instrumento. Cad Saude Publica 2015; 31(2):377-394.
  • 19
    World Health Organization (WHO). Physical status: the use and interpretation of report anthropometry. Report of a WHO Expert Committee. Geneva: WHO; 1995.
  • 20
    Castro TG, Baraldi LG, Muniz PT, Cardoso MA. Dietary practices and nutritional status of 0-24-month-old children from Brazilian Amazonia. Public Health Nutr 2009; 12(12):2335-2342.
  • 21
    World Health Organization (WHO). Indicators for assessing infant and young child feeding practices. Part 1: definitions. Washington DC: WHO; 2008.
  • 22
    Victora CG, Huttly SR, Fuchs SC, Olinto MTA. The role of conceptual frameworks in epidemiological analysis : a hierarchical approach. Int J Epidemiol 1997; 26(1):224-227.
  • 23
    Victora CG, Horta BL, Loret de Mola C, Quevedo L, Pinheiro RT, Gigante DP, Gonçalves H, Barros FC. Association between breastfeeding and intelligence, educational attainment, and income at 30 years of age: a prospective birth cohort study from Brazil. Lancet Glob Health 2015; 3(4):e199-205.
  • 24
    Martins APB, Levy RB, Claro RM, Moubarac JC, Monteiro CA. Increased contribution of ultra-processed food products in the Brazilian diet (1987-2009). Rev Saude Publica 2013; 47(4):656-665.
  • 25
    Momm N, Höfelmann DA. Qualidade da dieta e fatores associados em crianças matriculadas em uma escola municipal de Itajaí, Santa Catarina. Cad Saude Colet 2014; 22(1):32-39.
  • 26
    Keane E, Layte R, Harrington J, Kearney PM, Perry IJ. Measured parental weight status and familial socio-economic status correlates with childhood overweight and obesity at age 9. PLoS One 2012; 7(8):e43503.
  • 27
    Kendzor DE, Caughy MO, Owen MT. Family income trajectory during childhood is associated with adiposity in adolescence: a latent class growth analysis. BMC Public Health 2012; 12:611.
  • 28
    Saldiva SR, Venancio SI, Santana AC, Silva Castro AL, Escuder MM, Giugliani ER. The consumption of unhealthy foods by Brazilian children is influenced by their mother's educational level. Nutr J 2014. 13:33.
  • 29
    Costa KAO, Antunes MMC, Cabral PC, Silva GAP. Feeding style of adolescent mothers and complementary feeding practice of their infants. Rev Nutr 2018; 31(1):49-58.
  • 30
    Toral N, Conti MA, Slater E. A alimentação saudável na ótica dos adolescentes : percepções e barreiras à sua implementação e características esperadas em materiais educativos. Cad Saude Publica 2009; 25(11):2386-2394.
  • 31
    Coelho BMS, Macedo MAD, Pereira TG. Avaliação do consumo alimentar de adolescentes segundo a nova classificação de alimentos - NOVA. Revista Interdisciplinar 2017; 10(2):32-39

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    Fev 2022

Histórico

  • Recebido
    24 Set 2020
  • Aceito
    26 Jan 2021
  • Publicado
    28 Jan 2021
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br