O uso do misoprostol na interrupção da gestação: revisão de estudos realizados no Brasil

Leticia Oening Machado Stella Regina Taquette Sobre os autores

Resumo

O uso do misoprostol com finalidade abortiva é um fenômeno observado no Brasil desde o final da década de 1980. O medicamento começou a ser utilizado nessa época para autoindução do aborto, quando passou a ser comercializado para o tratamento de úlcera péptica. Seu acesso foi restringido a partir de 1998, porém o fármaco continua sendo comercializado na ilegalidade. O objetivo desse artigo é sintetizar o conhecimento produzido em pesquisas no Brasil sobre o aborto induzido e o uso do misoprostol. Foi realizada uma revisão integrativa de estudos originais feitos no Brasil e publicados em revistas indexadas nas bases SciELO, PubMed e Lilacs. Foram encontrados 68 títulos e incluídos 28 artigos na revisão. A maioria das mulheres que induz a interrupção da gestação é jovem e o faz antes das 15 semanas de gestação. A taxa de utilização do misoprostol variou entre 89% e 36%. Esse medicamento é eficaz para a interrupção da gestação no primeiro trimestre e apresenta baixa taxa de complicações. Contudo, quanto mais vulnerável socialmente a mulher, maiores os riscos para a saúde no processo do abortamento. Conclui-se que a compra do misoprostol como abortivo é facilitada, apesar de proibida, e suas complicações estão associadas ao contexto de vulnerabilidade da gestante.

Palavras-chave:
Aborto; Misoprostol; Abortivos

Introdução

O uso do misoprostol com finalidade abortiva é um fenômeno observado no Brasil desde o final da década de 1980. Diante do contexto de ilegalidade do aborto no país, incluído no código penal em 1830 e reafirmado nos códigos penais de 1890 e 1940, o misoprostol começou a ser utilizado como alternativa para a autoindução do aborto, ainda que sua comercialização estivesse autorizada para o tratamento de úlcera péptica11 Lowy I, Correa MCDV. The "abortion pill" misoprostol in Brazil: women's empowerment in a conservative and repressive political environment. Am J Public Health 2020; 110(5):677-684..

Como o fármaco é uma prostaglandina, é contraindicado para gestantes, pois induz contrações uterinas devido à sua ação uterotônica. O conhecimento desse efeito colateral rapidamente se espalhou e o medicamento foi vendido em farmácias para mulheres que desejavam interromper a gravidez entre 1986 e 1998. Em 1998, sua venda foi proibida22 Faúndes A, Santos LC, Carvalho M, Gras C. Post-abortion complications after interruption of pregnancy with misoprostol. Adv Contracept 1996; 12(1):1-9.. Mesmo com a proibição, a comercialização do fármaco é feita de forma ilegal até hoje33 Diniz D, Medeiros M. Itinerários e métodos do aborto ilegal em cinco capitais brasileiras. Cien Saude Colet 2012; 17(7):1671-1681..

A ilegalidade não cessou a prática do aborto, visto que uma em cada cinco mulheres até os 40 anos de idade já realizou pelo menos um aborto em sua trajetória reprodutiva. Dados de estudo recente demonstram que são realizados anualmente pelo menos 503 mil abortos no Brasil, o que corresponde a 1.300 mulheres por dia44 Diniz D, Medeiros M, Madeiro A. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Cien Saude Colet 2017; 22(2):653-660.. Além disso, essa mesma pesquisa evidencia que 48% do total de abortos foram realizados com o uso de medicamentos. A taxa de utilização do misoprostol em estudos sobre o tema variou de 89% a 36%55 Chaves JHB, Pessini L, Bezerra AFSB, Guilhermina R, Nunes, Rui. A interrupção da gravidez na adolescência: aspectos epidemiológicos numa maternidade pública no nordeste do Brasil. Saude Soc 2012; 21(1):246-256.,66 Silva DFO, Bedone AJ, Faúndes A, Fernandes MAS, Moura VGAL. Aborto provocado: redução da frequência e gravidade das complicações. Consequência do uso de misoprostol? Rev Bras Saude Mater Infant 2010; 10(4):441-447..

As mulheres têm utilizado o misoprostol para interrupção da gestação como uma das opções para concretizar suas decisões sobre a vida reprodutiva77 Arilha MM. Misoprostol: percursos, mediações e redes sociais para o acesso ao aborto medicamentoso em contextos de ilegalidade no estado de São Paulo. Cien Saude Colet 2012; 17(7):1785-17947.. Após o sangramento decorrente do uso do medicamento, metade delas procura atendimento hospitalar para certificação do aborto completo e/ou tratamento das complicações44 Diniz D, Medeiros M, Madeiro A. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Cien Saude Colet 2017; 22(2):653-660.. A literatura aponta que as doses utilizadas do misoprostol são variadas, demonstrando uma lacuna em relação ao acesso às informações sobre a dose, às vias de administração, às contraindicações e aos cuidados necessários no pós-aborto33 Diniz D, Medeiros M. Itinerários e métodos do aborto ilegal em cinco capitais brasileiras. Cien Saude Colet 2012; 17(7):1671-1681..

Este estudo de revisão tem o objetivo de sintetizar o conhecimento produzido em pesquisas empíricas no campo da saúde focados na interrupção da gravidez com o uso do medicamento misoprostol, especificamente em estudos brasileiros. Dessa forma, pretendemos oferecer subsídios a políticas e programas que contribuam para a redução dos riscos à saúde das mulheres. Cabe ressaltar que as buscas na literatura foram realizadas com a palavra misoprostol, mas esse não é o único método utilizado no Brasil para autoindução do aborto, o que pode apresentar viés em relação aos outros métodos que não são objetos desse artigo.

Métodos

Trata-se de um estudo de revisão integrativa da literatura, de pesquisas realizadas no Brasil e publicadas em periódicos indexados nas bases de dados SciELO (Scientific Eletronic Library Online), PubMed (National Library of Medicine) e LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde). A busca foi realizada em 14 de março de 2020, com os descritores aborto e misoprostol na base SciELO, aborto, misoprostol e Brasil nas bases PubMed e LILACS. Foram encontrados 68 títulos. O filtro de estudos feitos no Brasil foi aplicado devido ao interesse das autoras em analisar a magnitude da utilização do medicamento para a autoindução do aborto no país, visto que o tema tem sido investigado desde a década de 1990.

Dos 68 títulos encontrados, foram removidas 22 duplicatas. Os 46 títulos e resumos restantes foram lidos, sendo excluídos 18, conforme os critérios: seis por abordarem outro tema, dois por não serem fruto de pesquisa empírica, quatro revisões de literatura, quatro pesquisas desenvolvidas em outro país, um título em alemão e um estudo não localizado (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma da pesquisa.

Foi feita análise de conteúdo dos artigos por meio dos seguintes passos: leitura e releitura crítica dos textos; busca de semelhanças e divergências; classificação dos dados em temas; e síntese interpretativa de acordo com os objetivos dos estudos. Os artigos foram classificados em cinco categorias: I) características sociodemográficas e reprodutivas das mulheres que interrompem a gravidez; II) percursos abortivos no contexto da clandestinidade; III) impactos na saúde das mulheres que interrompem a gravidez; IV) eficácia abortiva e teratogenicidade do misoprostol; e V) misoprostol na mídia e no judiciário.

Além dos 28 títulos incluídos na revisão (Quadro 1) e apresentados nos resultados, foram adicionados oito artigos11 Lowy I, Correa MCDV. The "abortion pill" misoprostol in Brazil: women's empowerment in a conservative and repressive political environment. Am J Public Health 2020; 110(5):677-684.,22 Faúndes A, Santos LC, Carvalho M, Gras C. Post-abortion complications after interruption of pregnancy with misoprostol. Adv Contracept 1996; 12(1):1-9.,44 Diniz D, Medeiros M, Madeiro A. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Cien Saude Colet 2017; 22(2):653-660.,3333 Swarc L, Vazquez SSF. "Lo quería hacer rápido, lo quería hacer ya": tiempos e intervalos durante el proceso de aborto. Sex Salud Soc 2018; 28:90-115.,3434 Cardoso BB, Vieira FMSB, Saraceni V. Aborto no Brasil: o que dizem os dados oficiais? Cad Saude Publica 2020; 36(Supl. 1):e00188718.,3838 Vauzelle C, Beghin D, Cournot MP, Elefant E. Birth defects after exposure to misoprostol in the first trimester of pregnancy: prospective follow-up study. Reprod Toxicol 2013; 36:98-103.,3939 Koren G, Schuler L. Taking drugs during pregnancy: how safe are the unsafe? Can Fam Physician 2001; 4(5):951-953.,4040 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Área Técnica de Saúde da Mulher. Atenção Humanizada ao Abortamento: norma técnica. Brasília: MS; 2005., uma tese de doutorado3232 Goes EF. Racismo, aborto e atenção à saúde: uma perspectiva interseccional [tese]. Salavador: Universidade Federal da Bahia; 2018, um capítulo de livro3636 Cook RJ, Dickens BM, Fathalla MF. Saúde reprodutiva e direitos humanos: integrando medicina, ética e direito. 1ª ed. Rio de Janeiro: CEPIA; 2004., dados de mortalidade por aborto do Ministério da Saúde (MS)35 e um documento oficial do MS para a introdução e discussão do tema em estudo4040 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Área Técnica de Saúde da Mulher. Atenção Humanizada ao Abortamento: norma técnica. Brasília: MS; 2005..

Quadro 1
Artigos revisados.

Resultados e discussão

A maioria dos estudos foi desenvolvido com métodos quantitativos (N = 15), nove investigações utilizaram abordagem qualitativa, três empregaram a combinação de métodos qualitativos e quantitativos e um se trata de relato de caso. Dos 15 estudos quantitativos, 11 foram pesquisas transversais, dois de caso controle, um ensaio clínico e um estudo de caso. Das nove investigações qualitativas, uma foi realizada por meio de pesquisa documental e entrevistas, uma por análise de narrativas e sete foram desenvolvidas por meio de entrevista.

A maior parte dos artigos foi publicada na década de 2010 (N = 19). Cinco artigos são dos anos 1990, apenas dois artigos na década de 2000 e dois em 2020/2021. Em relação à região geográfica, os resultados demonstram que nove investigações foram multicêntricas, 13 foram conduzidas na região Nordeste, quatro na região Sudeste e duas na região Sul.

Características sociodemográficas e reprodutivas das mulheres que interrompem a gravidez (Categoria I)

Seis estudos foram incluídos exclusivamente nessa categoria e dois foram considerados tanto da categoria I quanto da III, somando oito estudos na primeira categoria. As investigações evidenciaram que a maioria das mulheres que induz a interrupção da gestação é jovem9,10,11,27,29,31 e o faz antes das 15 semanas de gestação55 Chaves JHB, Pessini L, Bezerra AFSB, Guilhermina R, Nunes, Rui. A interrupção da gravidez na adolescência: aspectos epidemiológicos numa maternidade pública no nordeste do Brasil. Saude Soc 2012; 21(1):246-256.,99 Ramos KS, Ferreira ALCG, Souza AI. Mulheres hospitalizadas por abortamento em uma Maternidade Escola na Cidade do Recife, Brasil. Rev Esc Enferm USP 2010; 44(3):605-610.. A identificação da interrupção como induzida apresentou variação entre 25% e 94% dos casos estudados88 Nader PRA, Blandino VRPM, Maciel ELN. Características de abortamentos atendidos em uma maternidade pública do Município da Serra-ES. Rev Bras Epidemiol 2007; 10(4):615-624.,2828 Nunes Md, Madeiro A, Diniz D. Histórias de aborto provocado entre adolescentes em Teresina, Piauí, Brasil. Cien Saude Colet 2013; 18(8):2311-2318.. Ainda hoje, a identificação da indução da interrupção da gestação não é fácil de ser realizada, devido à criminalização do aborto no país.

Ramos et al.99 Ramos KS, Ferreira ALCG, Souza AI. Mulheres hospitalizadas por abortamento em uma Maternidade Escola na Cidade do Recife, Brasil. Rev Esc Enferm USP 2010; 44(3):605-610., em estudo desenvolvido em Recife/PE com 160 mulheres admitidas com características de abortamento até a 20ª semana, evidenciaram que a maioria delas tinha entre 20 e 29 anos (48,9%) e oito anos ou mais de estudo (72%). Apenas dez por cento não tinha companheiro. Em relação ao conhecimento de métodos contraceptivos, a totalidade das participantes conhecia a pílula e o preservativo masculino.

Chaves et al.55 Chaves JHB, Pessini L, Bezerra AFSB, Guilhermina R, Nunes, Rui. A interrupção da gravidez na adolescência: aspectos epidemiológicos numa maternidade pública no nordeste do Brasil. Saude Soc 2012; 21(1):246-256., em pesquisa desenvolvida em Maceió/AL com 201 adolescentes internadas em uma maternidade, corroboram Ramos99 Ramos KS, Ferreira ALCG, Souza AI. Mulheres hospitalizadas por abortamento em uma Maternidade Escola na Cidade do Recife, Brasil. Rev Esc Enferm USP 2010; 44(3):605-610. quanto à idade gestacional abaixo de 15 semanas predominante nos casos de aborto provocado. Além disso, o aborto provocado acontece majoritariamente em adolescentes sem filhos e com parceiros estáveis. A gravidez interrompida, na maioria das vezes, não foi planejada.

Estudo desenvolvido por Fonseca et al.1010 Fonseca W, Misago C, Freitas P, Santos FL, Correia LL. Características sociodemográficas, reprodutivas e médicas de mulheres admitidas por aborto em hospital da Região Sul do Brasil. Cad Saude Publica 1998; 14(2):279-286. na cidade de Florianópolis/SC com 620 mulheres admitidas em serviço hospitalar com diagnóstico de interrupção da gravidez reforça os dados encontrados por Ramos99 Ramos KS, Ferreira ALCG, Souza AI. Mulheres hospitalizadas por abortamento em uma Maternidade Escola na Cidade do Recife, Brasil. Rev Esc Enferm USP 2010; 44(3):605-610. com relação à predominância da idade entre 20 e 29 anos. Pesquisa desenvolvida em Fortaleza/CE com 4.359 mulheres encontrou majoritariamente a mesma faixa etária1111 Fonseca W, Misago C, Correia LL, Parente JAM, Oliveira FC. Determinantes do aborto provocado entre mulheres admitidas em hospitais em localidade da região Nordeste do Brasil. Rev Saude Publica 1996; 30(1):13-18.. No estudo em Florianópolis1010 Fonseca W, Misago C, Freitas P, Santos FL, Correia LL. Características sociodemográficas, reprodutivas e médicas de mulheres admitidas por aborto em hospital da Região Sul do Brasil. Cad Saude Publica 1998; 14(2):279-286. citado acima, 53,9% das mulheres não utilizavam método contraceptivo, enquanto 20,6% referiram o uso de pílula e 5,7% o uso de preservativo. Entre os motivos citados para o não uso de métodos contraceptivos entre mulheres sem parceiro fixo estão: descuido, falta de expectativa em ter uma relação sexual e receio dos efeitos adversos. A indisponibilidade dos métodos contraceptivos foi mencionada por menos de 5% das entrevistadas. Já na investigação realizada no Nordeste do Brasil1111 Fonseca W, Misago C, Correia LL, Parente JAM, Oliveira FC. Determinantes do aborto provocado entre mulheres admitidas em hospitais em localidade da região Nordeste do Brasil. Rev Saude Publica 1996; 30(1):13-18. com 4.359 mulheres, a indisponibilidade de métodos contraceptivos foi mencionada por 8% das participantes.

Uma pesquisa populacional de abrangência nacional demonstrou que as taxas de aborto são maiores entre mulheres com baixa escolaridade (até quarta série) (22%), com renda familiar total de até um salário-mínimo (16%) e entre amarelas, pretas, pardas e indígenas (de 13% a 25%), contra 9% entre brancas44 Diniz D, Medeiros M, Madeiro A. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Cien Saude Colet 2017; 22(2):653-660..

Quando olhamos para os dados de raça/etnia, estudo realizado no Nordeste do país com 2.640 mulheres evidenciou que “a interrupção da gravidez ocorreu tardiamente entre as mulheres pretas (15,4% vs. 11,1% entre as pardas e 11,4% entre as brancas)” (p. 69)3232 Goes EF. Racismo, aborto e atenção à saúde: uma perspectiva interseccional [tese]. Salavador: Universidade Federal da Bahia; 2018.

Percursos abortivos no contexto da clandestinidade (Categoria II)

Os dez estudos incluídos nessa categoria evidenciaram as seguintes etapas do processo abortivo com o misoprostol: 1) a notícia da gravidez; 2) a tomada de decisão de abortar; 3) a busca de informação e o estabelecimento de vínculos; 4) a obtenção do medicamento; 5) o uso do medicamento; e 6) a eliminação e a certificação de que o aborto foi completo3333 Swarc L, Vazquez SSF. "Lo quería hacer rápido, lo quería hacer ya": tiempos e intervalos durante el proceso de aborto. Sex Salud Soc 2018; 28:90-115.. O caminho percorrido pelas mulheres que induzem o aborto com misoprostol pode ser exemplificado pelo percurso descrito por Porto e Sousa1616 Porto RM, Sousa CHD. "Percorrendo caminhos da angústia": itinerários abortivos em uma capital nordestina. Rev Estud Fem 2017; 25(2): 593-616., com o medicamento sendo utilizado em casa e a procura por atendimento hospitalar feita após os sintomas relativos ao efeito do fármaco aparecerem, entre eles, dores e sangramento.

Estudo conduzido com 122 mulheres em cinco capitais brasileiras encontrou algumas características comuns do primeiro aborto: idade inferior a 19 anos, mulheres com filhos e negras. O aborto é iniciado em casa e concluído em um hospital. São utilizados chás, líquidos e ervas com a finalidade de regular a menstruação. O misoprostol foi utilizado em mais da metade dos casos de indução do aborto (52%), de forma isolada ou associado a chás, líquidos e ervas. A curetagem em clínicas privadas foi realizada em mais de um terço das mulheres entrevistadas (36%). A maioria das mulheres não foi atendida em hospitais (64%)33 Diniz D, Medeiros M. Itinerários e métodos do aborto ilegal em cinco capitais brasileiras. Cien Saude Colet 2012; 17(7):1671-1681., o que demonstra baixa procura dos serviços de saúde para certificação da completude do aborto.

Outro fator relevante diz respeito a maus-tratos recebidos ao procurarem os serviços de saúde. Sanções morais, ameaça de denúncia e longas esperas são exemplos de situações enfrentadas. As mulheres mais velhas em geral omitem a indução, visando se protegerem de denúncias e maus tratos2020 Zordo S. The biomedicalisation of illegal abortion: the double life of misoprostol in Brazil. Hist Cienc Saude Manguinhos 2016; 23(1):19-36..

O medo de enfrentar esse tipo de situação foi evidenciado por estudo realizado no Nordeste com 2.640 mulheres, no qual o medo relatado por mulheres negras ao procurarem atendimento no pós-aborto, foi referido por 13% das participantes, superior ao dobro em relação às mulheres brancas (5,9%)3232 Goes EF. Racismo, aborto e atenção à saúde: uma perspectiva interseccional [tese]. Salavador: Universidade Federal da Bahia; 2018.

Outra investigação conduzida no Nordeste encontrou situações discriminatórias a que as mulheres são submetidas ao procurarem assistência. “A enfermeira me fez olhar para o feto”, lembrou em entrevista a pesquisadores uma adolescente que fez uso do misoprostol, “ela insistiu que eu [o] visse. Isso eu achei péssimo” (p. 2316)2828 Nunes Md, Madeiro A, Diniz D. Histórias de aborto provocado entre adolescentes em Teresina, Piauí, Brasil. Cien Saude Colet 2013; 18(8):2311-2318.. Essas autoras ainda indicam que nos casos em que os profissionais de saúde percebem a indução do aborto pode ocorrer violência institucional, a exemplo do caso em que uma adolescente:

[...] foi submetida a três curetagens uterinas sem anestesia, tendo ficado internada por 15 dias. Ao questionar sobre o porquê de não ser anestesiada, foi informada de que seu caso não merecia tal procedimento. Em estado grave, foi encaminhada para Teresina, onde foi diagnosticada com perfuração uterina e infecção [grifo nosso] (p. 2316).

Conforme demostrado por Arilha77 Arilha MM. Misoprostol: percursos, mediações e redes sociais para o acesso ao aborto medicamentoso em contextos de ilegalidade no estado de São Paulo. Cien Saude Colet 2012; 17(7):1785-17947., ao decidir realizar o aborto com o misoprostol, fatores como preço, segurança, preservação da identidade e privacidade são levados em consideração, além do fato de prescindir de fornecer seus dados para realizar um aborto em uma clínica privada. Sobre a realização do aborto em clínica privada, uma participante do estudo colocou: “Tem lugar que é fundo de quintal, é perigoso” (p. 1789). Entretanto, a compra do medicamento não é simples, e conta com a participação de homens. Diferentes estratégias podem fazer parte do processo de aquisição e fatores como as redes sociais em que as mulheres estão inseridas e os mediadores envolvidos costumam influenciar no desfecho. Para a compra do misoprostol é necessário saber os códigos corretos em um local de possível comercialização, pois quando não se conhece um possível local de venda, a busca pelo medicamento se torna morosa e angustiante, e induzir um aborto é uma corrida contra o tempo, visto que quanto antes o procedimento for realizado, maiores as chances de ser concretizado sem complicações para a mulher1616 Porto RM, Sousa CHD. "Percorrendo caminhos da angústia": itinerários abortivos em uma capital nordestina. Rev Estud Fem 2017; 25(2): 593-616.,2222 Arcanjo FCN, Ribeiro AS, Teles TG, Macena RHM, Carvalho FHC. Uso do misoprostol em substituição à curetagem uterina em gestações interrompidas precocemente. Rev Bras Ginecol Obstet 2011; 33(6):276-280..

É importante destacar o custo do misoprostol no mercado ilegal. Salientamos que o preço do medicamento pode apresentar ampla variação pela circulação na ilegalidade. Em uma consulta com um fornecedor da região Sudeste do Brasil, em janeiro de 2022 cada comprimido custava R$ 137,50, acrescidos do valor do frete. A consulta de preço foi feita por uma pessoa que precisou do medicamento para finalidade abortiva em janeiro de 2022. O orçamento foi enviado pelo fornecedor por WhatsApp.

Impactos na saúde das mulheres que interrompem a gravidez (Categoria III)

Foram incluídos três artigos exclusivamente nessa categoria, somados a dois estudos classificados em duas categorias, I e III. Os estudos destacaram que os impactos para a saúde das mulheres que fazem uso do misoprostol variam de acordo com o contexto social. Não foram encontrados óbitos relacionados ao aborto nesses estudos.

Uma pesquisa conduzida em Salvador, com 20 mulheres atendidas em uma maternidade pública, revelou que a maioria era negra e jovem. A indução do aborto se inicia com ervas, que na maioria dos casos não são eficazes. O misoprostol é então utilizado, em uma dose entre um e quatro comprimidos, tanto pela via oral quanto pela via vaginal. A procura por atendimento médico se dá quando o sangramento e a dor se tornam intensos. Devido ao preço elevado, o misoprostol nem sempre é acessível, expondo as mulheres a métodos menos seguros. Uma profissional de saúde relatou que pelo fato de a pobreza permear a vida das pessoas da região, as mulheres agem de forma desesperada ao se depararem com uma gravidez que não desejam levar a termo, e utilizam métodos perigosos, como a inserção de “chumbinho” na vagina2020 Zordo S. The biomedicalisation of illegal abortion: the double life of misoprostol in Brazil. Hist Cienc Saude Manguinhos 2016; 23(1):19-36..

Chaves55 Chaves JHB, Pessini L, Bezerra AFSB, Guilhermina R, Nunes, Rui. A interrupção da gravidez na adolescência: aspectos epidemiológicos numa maternidade pública no nordeste do Brasil. Saude Soc 2012; 21(1):246-256. reforça que o abortamento é uma prática comum durante a vida reprodutiva das mulheres, independentemente de classe social, idade, religião e estado civil. Entretanto, a disponibilidade de recursos financeiros interfere de maneira direta nos riscos a que se submetem as adolescentes que estão em vias de realizar um aborto. Além disso, mesmo que a indução do aborto seja feita com misoprostol, doses elevadas podem colocar a saúde e a vida das mulheres em risco, podendo ocasionar rompimento uterino66 Silva DFO, Bedone AJ, Faúndes A, Fernandes MAS, Moura VGAL. Aborto provocado: redução da frequência e gravidade das complicações. Consequência do uso de misoprostol? Rev Bras Saude Mater Infant 2010; 10(4):441-447..

Investigação desenvolvida por Silva et al.66 Silva DFO, Bedone AJ, Faúndes A, Fernandes MAS, Moura VGAL. Aborto provocado: redução da frequência e gravidade das complicações. Consequência do uso de misoprostol? Rev Bras Saude Mater Infant 2010; 10(4):441-447. na cidade de Campinas/SP avaliou as complicações de mulheres internadas por aborto (N = 259). Foram encontradas complicações infecciosas (10%) e hemorrágicas (13%). Não ocorreram casos de infecção grave e sangramento que terminasse em histerectomia durante o período do estudo.

Pesquisa conduzida em Recife com 1.840 mulheres revelou o percentual de 9,5% de infecções em gestações interrompidas até a 24ª semana, e de 23% após a 25ª semana. Já em relação às infecções graves, o percentual foi de 1,4% em gestações interrompidas até a 24ª semana e de 3,1% após a 25ª semana. Quando o percentual de complicações foi comparado quanto ao tipo de aborto e método utilizado, os dados demonstraram um percentual de 7,9% de infecções e de 0,9% de infecções graves para os casos de aborto espontâneo, 4,2% de infecções e 0,8% de infecções graves para os casos de aborto induzido com misoprostol, e 49,4% de infecções e 14,6% de infecções graves para os casos de aborto induzido com outros métodos. Ou seja, entre as mulheres que induziram o aborto, as que o fizeram com o misoprostol apresentaram 12 vezes menos chance de infecção22 Faúndes A, Santos LC, Carvalho M, Gras C. Post-abortion complications after interruption of pregnancy with misoprostol. Adv Contracept 1996; 12(1):1-9..

Investigação realizada no Nordeste do país com 2.640 mulheres no atendimento pós-aborto identificou que mulheres pretas e pardas apresentaram proporções duas vezes maior de condições regulares, graves ou muito graves, comparativamente às brancas, ao chegarem ao hospital. As mulheres pretas relataram maior enfretamento de barreiras institucionais, em comparação às pardas e brancas, ao procurarem o atendimento pós-aborto3232 Goes EF. Racismo, aborto e atenção à saúde: uma perspectiva interseccional [tese]. Salavador: Universidade Federal da Bahia; 2018.

Cabe destacar também que, entre 2006 e 2015, os óbitos decorrentes de aborto foram mais frequentes na faixa etária entre 20-29 anos. A razão de mortalidade materna (RMM) específica por aborto segundo a cor da pele foi maior nas mulheres de cor preta de 2006 a 2012. Em 2013 e 2014, as indígenas tiveram maior RMM3434 Cardoso BB, Vieira FMSB, Saraceni V. Aborto no Brasil: o que dizem os dados oficiais? Cad Saude Publica 2020; 36(Supl. 1):e00188718..

Considerando que não existe um código do CID-10 específico para aborto induzido, foi realizada a extração dos dados de óbitos por aborto de forma indireta no Datasus, com a seleção dos casos de aborto não especificado (categoria O06 da CID-10), outros tipos de aborto (O05) e como falha na tentativa de aborto (O07). Entre 2015 e 2019, os óbitos por essas causas em mulheres pretas e pardas (N = 135) foram mais do que o dobro em relação às mulheres brancas (N = 70)3535 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Sistema de Informações sobre Mortalidade. [acessado 2022 jan 23]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sim/cnv/mat10uf.def
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftoht...
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Desde o início do uso do misoprostol para finalidades abortivas no Brasil, em 1989, as mortes de mulheres reduziram pelo uso de métodos menos invasivos, com diminuição do risco de morte em 83,3% entre 1990 e 2012, embora os dados de mortalidade materna sejam subdiagnosticados3434 Cardoso BB, Vieira FMSB, Saraceni V. Aborto no Brasil: o que dizem os dados oficiais? Cad Saude Publica 2020; 36(Supl. 1):e00188718.. Entretanto, mesmo que a taxa de mortalidade materna por aborto tenha diminuído, isso não significa que o processo abortivo tenha a segurança esperada, pois os estudos evidenciaram situações de precariedade no atendimento hospitalar após a realização do aborto autoinduzido. Além disso, a postura do Estado em não conhecer a magnitude da utilização de medicamentos para abortar tem sustentado a posição de não oferecer um cuidado integral às mulheres que induzem o aborto.

Na Assembleia Geral da Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO) adotou, em 2000, a resolução sobre os direitos das mulheres relativos à saúde reprodutiva e sexual afirma que as melhorias na saúde reprodutiva e sexual das mulheres dependem, além da ciência e dos serviços de saúde, de ações dos estados para corrigir injustiças cometidas contra as mulheres3636 Cook RJ, Dickens BM, Fathalla MF. Saúde reprodutiva e direitos humanos: integrando medicina, ética e direito. 1ª ed. Rio de Janeiro: CEPIA; 2004..

Eficácia abortiva e teratogenicidade do misoprostol (Categoria IV)

Um dos receios em se utilizar o misoprostol para autoindução do aborto está relacionado ao medo de danos à saúde do recém-nascido em caso de falha na tentativa do aborto. São escassos os estudos sobre a eficácia abortiva e a teratogenicidade do misoprostol no Brasil. Foram incluídos quatro artigos nessa categoria.

Em relação à eficácia abortiva, um ensaio clínico com misoprostol para o esvaziamento uterino após a perda fetal, desenvolvido por Arcanjo et al.2222 Arcanjo FCN, Ribeiro AS, Teles TG, Macena RHM, Carvalho FHC. Uso do misoprostol em substituição à curetagem uterina em gestações interrompidas precocemente. Rev Bras Ginecol Obstet 2011; 33(6):276-280., apresentou taxa de eficácia de 80,3%. Entretanto, o número de participantes foi relativamente pequeno. Uma metanálise conduzida por Raymond3737 Raymond E, Harrison MS, Weaver MA. Efficacy of misoprostol alone for first-trimester medical abortion: a systematic review. Obstet Gynecol 2019; 133(1):137-147. concluiu que a administração do misoprostol para a interrupção da gestação no primeiro trimestre é eficaz e apresenta baixa taxa de complicações. Entretanto, os autores destacam que o monitoramento do uso é importante para detectar falhas, além da necessidade de se levantar dados complementares sobre a dose e a via de administração.

Quanto à teratogenicidade do misoprostol, duas investigações evidenciaram a possível associação de seu uso a oito casos de malformação congênita2323 Bernardi P, Graziadio C, Rosa RFM, Pfeil JN, Zen PRG, Paskulin GA. Fibular dimelia and mirror polydactyly of the foot in a girl presenting additional features of the VACTERL association. Sao Paulo Med J 2010; 128(2):99-101.,2424 Opaleye ES, Coelho HLL, Faccini LS, Almeida PC, Santos EC, Ribeiro AJV, Costa FS. Avaliação de riscos teratogênicos em gestações expostas ao misoprostol. Rev Bras Ginecol Obstet 2010; 32(1):19-35.. Vauzelle et al.38 encontraram taxa em torno de 2% de malformações congênitas em recém-nascidos e fetos expostos ao misoprostol.

Um relato de caso publicado por Bernardi et al.2323 Bernardi P, Graziadio C, Rosa RFM, Pfeil JN, Zen PRG, Paskulin GA. Fibular dimelia and mirror polydactyly of the foot in a girl presenting additional features of the VACTERL association. Sao Paulo Med J 2010; 128(2):99-101., discute o efeito vascular disruptivo ocasionado pelo misoprostol, que pode levar a malformações fetais relacionadas a estruturas craniofaciais e em membros. O espectro de malformações do relato de caso sugere associação com teratogenicidade no período da organogênese fetal. Entretanto, são necessários outros estudos acerca da questão.

Malformações de recém-nascidos ocorrem em 1% a 3% da população em geral, e qualquer malformação é rara, o que dificulta a atribuição da malformação a um medicamento ou substância. Crianças nascidas com a síndrome de Moebius apresentam probabilidade 30 vezes maior de terem sido expostas ao misoprostol no útero, se comparadas aos recém-nascidos com outras malformações. Mesmo que a probabilidade seja 30 vezes maior, a síndrome de Moebius é rara (um caso em cada 50 mil a 100 mil nascimentos), o que torna o risco da malformação baixo3939 Koren G, Schuler L. Taking drugs during pregnancy: how safe are the unsafe? Can Fam Physician 2001; 4(5):951-953..

Misoprostol na mídia e no judiciário (Categoria V)

Três estudos foram incluídos nessa categoria. O enquadramento dado ao misoprostol pela mídia brasileira está relacionado, majoritariamente, às apreensões de medicamentos comercializados de modo ilegal. Não foi identificado nos textos jornalísticos informações sobre o misoprostol ser considerado um medicamento essencial pela OMS. Os médicos apresentam papel duplo, ora como profissionais que ajudam as mulheres, ora como agentes que as denunciam1717 Diniz D, Castro R. O comércio de medicamentos de gênero na mídia impressa brasileira: misoprostol e mulheres. Cad Saude Publica 2011; 27(1):94-102.. Chama atenção o fato de as mulheres serem alvos das notícias quando a ênfase é modificada para o aborto provocado pelos medicamentos.

Ao investigar seis inquéritos policiais e quatro processos penais, Diniz e Madeiro1212 Diniz D, Madeiro A. Cytotec e aborto: a polícia, os vendedores e as mulheres. Cien Saude Colet 2012; 17(7):1795-1804. identificam três casos de denúncia de mulheres que induziram o aborto em casa e o terminaram em um hospital público no Distrito Federal, demonstrando como uma instituição de saúde pode ser um espaço de ameaça às mulheres. Conforme a Norma Técnica do Ministério da Saúde, “diante do abortamento espontâneo ou provocado, o(a) médico(a) ou qualquer profissional de saúde não podem comunicar o fato à autoridade policial, judicial nem ao Ministério Público, pois o sigilo profissional na prática da assistência à saúde é dever legal e ético”40 (p. 14). O estudo de Diniz e Madeiro1212 Diniz D, Madeiro A. Cytotec e aborto: a polícia, os vendedores e as mulheres. Cien Saude Colet 2012; 17(7):1795-1804. demostrou o descumprimento da recomendação sobre o sigilo preconizada pela Norma Técnica, o que viola o direito das mulheres denunciadas.

Investigação de 331 decisões judiciais sobre o misoprostol revelou que em 77,6% dos casos o crime associado ao medicamento foi contra a saúde pública. O crime de tráfico de drogas correspondeu a 9,9% dos casos, e contrabando foi citado em 6,9% deles. O crime de aborto foi associado ao medicamento em 8,4% dos casos2525 Assis MP. Misoprostol on trial: a descriptive study of the criminalization of an essential medicine in Brazil. Cad Saude Publica 2021; 37(10):e00272520..

Considerações finais

O aborto é um evento comum em mulheres jovens, casadas ou solteiras, com gravidez em idade gestacional inferior a 15 semanas, mas com evidência de interrupção tardia nas mulheres pretas. A utilização do misoprostol para a interrupção da gravidez é frequente e uma alternativa procurada devido ao preço e à segurança. Cerca de metade das mulheres que utilizam o medicamento precisam ser internadas para finalizar o aborto, tendo dificuldade de obter assistência hospitalar e sofrendo maus-tratos.

Vale destacar que o uso do misoprostol diminuiu a mortalidade por aborto no Brasil, porém a indução do aborto com o medicamento é um processo penoso e de risco para as mulheres, sobretudo para as que vivem em contextos de maior vulnerabilidade, como as jovens, pretas e pardas e com baixa escolaridade. Soma-se a isso às inequidades de gênero e o fato de o aborto ser criminalizado.

O misoprostol é objeto de matérias jornalísticas e decisões jurídicas. Na mídia, a ênfase das matérias é majoritariamente voltada à comercialização ilegal do medicamento e pauta de notícias policiais, com destaque para fornecedores do medicamento e apreensão do insumo. No judiciário, as decisões foram enquadradas, em sua maioria, como crime contra a saúde pública.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    Ago 2022

Histórico

  • Recebido
    20 Out 2021
  • Aceito
    04 Abr 2022
  • Publicado
    06 Abr 2022
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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