Prevalência de fungos anemófilos no Brasil e a correlação com doenças respiratórias e infecções fúngicas

Marcelo Batista Suehara Mayara Cristina Pinto da Silva Sobre os autores

Resumo

Fungos anemófilos se dispersam na natureza através do ar atmosférico. O presente estudo objetivou caracterizar a prevalência da microbiota fúngica anemófila no Brasil e correlacionar o crescimento fúngico com doenças respiratórias e quadros infecciosos. Este trabalho é uma revisão integrativa de literatura construída a partir da busca nas bases de dados PubMed, BIREME, SciELO e LILACS, com inclusão de trabalhos brasileiros publicados entre 2000 e 2022, em língua portuguesa ou inglesa com texto online integral. O universo do estudo foi constituído por 147 publicações, das quais 25 compuseram a amostra por atenderem aos critérios de inclusão. Os gêneros de fungos aerotransportados mais prevalentes no Brasil são: Aspergillus sp., Penicillium sp., Cladosporium sp., Curvularia sp. e Fusarium sp. Os locais de origem dos estudos incluem Maranhão, Ceará, Piauí, Sergipe, Mato Grosso, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais. Além disso, foi possível determinar a relação dos fungos com parâmetros meteorológicos e sazonalidade, a sensibilização de indivíduos atópicos aos fungos e as principais micoses nosocomiais relatadas na literatura. Assim, o trabalho destaca a importância da manutenção da qualidade microbiológica do ar com vistas a se prevenir possíveis doenças transmitidas pelo ar.

Palavras-chave:
Fungo; Microbiologia do ar; Brasil

Introdução

Os fungos são microrganismos heterotróficos e eucarióticos de caráter ubíquo, isto é, estão amplamente distribuídos no ar atmosférico, no solo, nas profundezas do oceano, nos desertos, nas geleiras, em vegetais, em reservatórios humanos e animais, inclusive em insetos, têm parede celular de quitina e organização celular que varia desde um organismo unicelular até filamentos altamente complexos11 Naranjo-Ortiz MA, Gabaldón T. Fungal evolution: diversity, taxonomy and phylogeny of the Fungi. Biol Rev 2019; 94(6):2101-2137.,22 Köhler JR, Hube B, Puccia R, Casadevall A, Perfect JR. Fungi that infect humans. Microbiol Spectr 2017; 5(3):813-843.. A diversidade fúngica nos ambientes é intensa e se traduz em relevância nos processos de ciclagem na natureza e em um abrangente potencial biotecnológico a partir dos metabólitos fúngicos, os quais resultam em bioprodutos como antibióticos, vitaminas e enzimas aplicadas em pesquisas clínicas33 Hernandez H, Martinez LR. Relationship of environmental disturbances and the infectious potential of fungi. Microbiol 2018; 164(3):233-241..

Fungos transportados na natureza através do ar atmosférico são denominados anemófilos, pertencem a distintos gêneros e espécies e têm esporos que permanecem hidrofóbicos e secos em função de proteínas ricas em cisteína presentes em sua superfície44 Cai F, Gao R, Zhao Z, Ding M, Jiang S, Yagtu C, Zhu H, Zhang J, Ebner T, Mayrhofer-Reinhartshuber M, Kainz P, Chenthamara K, Akcapinar GB, Shen Q, Druzhinina IS. Evolutionary compromises in fungal fitness: hydrophobins can hinder the adverse dispersal of conidiospores and challenge their survival. ISME J 2020; 14(10):2610-2624.. A disseminação aérea requer a presença de propágulos, que se distribuem conforme variações de temperatura, umidade do ar, precipitação volumétrica, pressão atmosférica, velocidade dos ventos e sazonalidade, além de fatores meteorológicos, e pode-se destacar a contribuição da vegetação e da poluição humana na distribuição desses microorganismos55 Souza PMS, Andrade SL, Lima AF. Pesquisa, isolamento e identificação de fungos anemófilos em restaurantes self-service do Centro de Maceió/AL. CBioS 2013; 1(3):147-154.,66 Odebode A, Adekunle A, Stajich J, Adeonipekun P. Airborne fungi spores distribution in various locations in Lagos, Nigeria. Environ Monit Assess 2020; 192(2)87..

A microbiota fúngica anemófila, apesar de onipresente, também está associada a manifestações deletérias à saúde humana77 Dubey T. Indoor air pollution due to mycoflora causing acute lower respiratory infections. Microbiol Resp Syst Infect 2016; 1: 95-112.. A inalação de propágulos fúngicos pode causar doenças alérgicas respiratórias importantes, como asma, rinite e sinusite88 Martins ODA. Fungos anemófilos e leveduras isolados em ambientes de laboratórios de microbiologia em instituição de ensino superior [dissertação]. Pelotas: Universidade Federal de Pelotas; 2016.. A prevalência de doenças alérgicas respiratórias associadas à exposição fúngica foi estimada em 20 a 30% entre pacientes atópicos e em 6% na população em geral99 Priyamvada H, Singh RK, Akila M, Ravikrishna R, Verma RS, Gunthe SS. Seasonal variation of the dominant allergenic fungal aerosols - one year study from southern Indian region. Sci Rep 2017; 7(1):11171.. Alternaria sp., Penicillium sp., Aspergillus sp. e Cladosporium sp. estão entre os gêneros mais associados a quadros de hipersensibilidade1010 Nageen Y, Asemoloye MD, Põlme S, Wang X, Xu S, Ramteke PW, Pecoraro L. Analysis of culturable airborne fungi in outdoor environments in Tianjin, China. BMC Microbiol 2021; 21(1):134..

A diversidade de partículas fúngicas aerotransportadas varia, a depender da localidade interna ou externa, das regiões geográficas e das estações climáticas1010 Nageen Y, Asemoloye MD, Põlme S, Wang X, Xu S, Ramteke PW, Pecoraro L. Analysis of culturable airborne fungi in outdoor environments in Tianjin, China. BMC Microbiol 2021; 21(1):134.. O aumento da concentração da maioria dos fungos é favorecido diante de temperaturas mais elevadas e de alta umidade relativa do ar, condições que desencadeiam maior esporulação e, por conseguinte, aumento dos sintomas respiratórios alérgicos66 Odebode A, Adekunle A, Stajich J, Adeonipekun P. Airborne fungi spores distribution in various locations in Lagos, Nigeria. Environ Monit Assess 2020; 192(2)87.,1111 Grinn-Gofron A, Bosiacka B, Bednarz A, Wolski T. A comparative study of hourly and daily relationships between selected meteorological parameters and airborne fungal spore composition. Aerobiologia 2018; 34(1):45-54..

De modo geral, a qualidade da microbiota fúngica no ar de ambientes internos reflete a diversidade de fungos do ambiente externo e as espécies anemófilas são consideradas os principais contaminantes em ambientes climatizados1212 Sobral LV, Melo KN, Souza CM, Silva SF, Silva GLR, Silva ALF, Wanderley KAA, Oliveira IS, Cruz R. Antimicrobial and enzymatic activity of anemophilous fungi of a public university in Brazil. An Acad Bras Cienc 2017; 89(3):2327-2340.. A qualidade do ar de ambientes fechados pode suscitar, a curto ou longo prazo, infecções e oferecer riscos de doenças ocupacionais, mesmo fungos identificados como não patogênicos apresentam alto risco de desencadear micotoxicoses, infecções de ouvido e de unha1313 Abbasi F, Samaei MR. The effect of temperature on airborne filamentous fungi in the indoor and outdoor space of a hospital. Environ Sci Pollut Res 2019; 26(17):16868-16876.. A partir da introdução dos propágulos em espaços fechados, esses elementos encontram substratos adequados, nos quais ocorre a colonização e a multiplicação, como resultado, aumenta-se o risco biológico ocupacional das pessoas88 Martins ODA. Fungos anemófilos e leveduras isolados em ambientes de laboratórios de microbiologia em instituição de ensino superior [dissertação]. Pelotas: Universidade Federal de Pelotas; 2016.,1414 Bezerra GFDB, Gomes SM, Silva MACN, Santos RM, Muniz Filho WE, Viana GMC, Nascimento MDSB. Diversity and dynamics of airborne fungi in São Luis, State of Maranhão, Brazil. Rev Soc Bras Med Trop 2014; 47(1):69-73..

A contaminação ambiental por fungos tem oferecido risco a pacientes hospitalizados, em função de possíveis infecções hospitalares oriundas desses germes1515 Gonçalves CL, Mota FV, Ferreira GF, Mendes JF, Pereira EC, Freitas CH, Vieira JN, Villarreal JP, Nascente PS. Airborne fungi in an intensive care unit. Brazilian J Biol 2018; 78(2):265-270.. Algumas das complicações por infecções fúngicas mais conhecidas são a aspergilose pulmonar invasiva, a sinusite fúngica alérgica, otomicoses e reações tóxicas graves induzidas por micotoxinas que eventualmente levam a óbito pacientes imunocomprometidos99 Priyamvada H, Singh RK, Akila M, Ravikrishna R, Verma RS, Gunthe SS. Seasonal variation of the dominant allergenic fungal aerosols - one year study from southern Indian region. Sci Rep 2017; 7(1):11171..

A Organização Mundial da Saúde (OMS) destaca a ameaça do aumento global de doenças fúngicas invasivas, que apresentam limitações significativas de diagnóstico e tratamento, além disso, a OMS reforça sua crescente preocupação com a resistência aos medicamentos antifúngicos1616 World Health Organization (WHO). WHO fungal priority pathogens list to guide research, development and public health action. Geneva: WHO; 2022.. A pandemia da doença de coronavírus (COVID-19) acendeu o alerta para a incidência de infecções fúngicas comórbidas, entre as quais a aspergilose, a mucormicose e a candidemia ganharam destaque na literatura1717 Pal R, Singh B, Bhadada SK, Banerjee M, Bhogal RS, Hage N, Kumar A. COVID-19-associated mucormycosis: An updated systematic review of literature. Mycoses 2021; 64(12):1452-1459..

Segundo a Resolução RE nº 9, de janeiro de 2003, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a contaminação microbiológica torna-se um parâmetro referencial de qualidade do ar interior em ambientes climatizados. Portanto, o valor de contaminação máximo tolerado deve ser inferior a 750 UFC/m3 (UFC é a unidade formadora de colônia) de fungos, e a relação da quantidade de fungos no ambiente interior pela quantidade de fungos no ambiente exterior (I/E) deve ser igual ou menor a 1,51818 Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Resolução - RE nº 9, de 16 de janeiro de 2003. Determinar a publicação de orientação técnica elaborada por grupo técnico assessor, sobre padrões referenciais de qualidade do ar interior, em ambientes climatizados artificialmente de uso público e coletivo. Diário Oficial da União 2003; 20 jan..

Dessa forma, este estudo objetiva caracterizar a prevalência de fungos anemófilos no país, demonstrar a relação dos alérgenos fúngicos a quadros alérgicos respiratórios e conhecer a relação de fungos anemófilos potencialmente patogênicos à ocorrência de infecções.

O presente trabalho se justifica pela necessidade de atualização científica acerca dos dados de prevalência da microbiota fúngica anemófila em território brasileiro. Até o momento, não existe uma revisão integrativa brasileira que aborde a prevalência de fungos aerotransportados no país, muito menos os impactos desses microrganismos à saúde humana. Os dados gerados a partir desta pesquisa são uma fonte de informações sobre qualidade do ar, contaminação microbiana e prevenção de doenças transmitidas pelo ar.

Métodos

Este estudo é um artigo de revisão integrativa de literatura de caráter analítico realizado a partir da elaboração de uma questão norteadora, com definição de critérios para a seleção dos artigos, busca de fontes, coleta de dados, análise, interpretação e discussão dos resultados. A questão norteadora foi: “Quais os principais fungos anemófilos encontrados no Brasil e suas correlações com doenças respiratórias e infecções fúngicas?”

Para a busca dos artigos, foram consultadas as bases de dados eletrônicas PubMed, Medical Literature Analysis and Retrievel System Online (Medline), acessada pela interface Biblioteca Regional de Medicina (BIREME), Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS). A busca de dados ocorreu de fevereiro de 2021 a dezembro de 2022. Houve algumas etapas de construção da revisão.

A primeira etapa consistiu na busca nas bases de dados eletrônicas por estudos relacionados ao tema e condizentes com os critérios de inclusão e exclusão deste trabalho. Os Descritores em Ciências da Saúde (DeCs) empregados foram: “fungos”, “anemófilos”, “Brasil”, e seus correspondentes Medical Subject Headings (MeSH) em inglês foram “fungi”, “airborne”, “Brazil”. Os critérios de inclusão foram: artigos científicos brasileiros publicados em revistas científicas, nacionais ou internacionais, entre os anos 2000 e 2022. O critério de inclusão se valeu ainda de trabalhos publicados em inglês ou em português com texto online integral. Os artigos que não responderam à questão norteadora ou que tiveram dissociação do tema proposto foram excluídos, assim como os artigos em duplicidade.

A segunda etapa envolveu a coleta de dados e a exportação das referências para o Rayyan QCRI, uma plataforma de seleção que auxilia a remoção das duplicatas e facilita o processo de triagem dos títulos e resumos de acordo com os critérios de elegibilidade. O objetivo é determinar quais trabalhos serão lidos de forma integral. A partir dessa seleção, seguiu-se à leitura exploratória de todo o material encontrado nas buscas, que consistiu em uma leitura rápida para verificar se o material atendia aos requisitos da pesquisa. Por fim, houve uma leitura seletiva, com uma análise mais aprofundada das partes de interesse das obras selecionadas.

A terceira etapa exigiu a análise e interpretação dos resultados. Nessa etapa, os artigos foram catalogados em um instrumento específico, contendo itens como: título, objetivos e principais resultados encontrados. O objetivo dessa etapa é organizar o conteúdo, possibilitando a obtenção de respostas ao questionamento levantado na pesquisa.

A quarta etapa consistiu na discussão dos resultados. Nesse momento, o conteúdo dos estudos selecionados na etapa anterior foi analisado e discutido a partir do referencial teórico levantado.

Resultados

Inicialmente, foram encontrados 147 estudos após a pesquisa com os descritores citados, dos quais 122 foram excluídos por estarem duplicados, por não estarem relacionados ao tema definido ou não atenderem aos critérios de elegibilidade. Ao final, foram incluídos para discussão nessa revisão 25 estudos (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma de seleção dos artigos para inclusão no estudo.

Na base LILACS foi empregada a combinação “fungos”, “anemófilos” e “Brasil” com o operador booleano “AND”. Na base Medline-BIREME foi utilizado o termo “microbiologia do ar”. Como resultado, foram obtidos 15 artigos na LILACS e 30 artigos na Medline-BIREME.

Nas bases PubMed e SciELO foram utilizados os termos “fungi”, “airborne” e “Brazil”, juntamente com o operador booleano “AND”. Foram obtidos 86 artigos na PubMed e 16 na SciELO.

Após a seleção dos artigos, foram realizadas a leitura e a interpretação dos textos. A partir dos resultados encontrados, os estudos foram categorizados em um quadro contendo nome do artigo, objetivos e principais resultados encontrados (Quadro 1).

Quadro 1
Categorização das informações dos estudos analisados.

Entre os 25 trabalhos avaliados, observou-se que seis foram conduzidos na região Sul, sete na região Sudeste, um no Norte, nove no Nordeste e apenas dois trabalhos no Centro-Oeste (Figura 2). Os estudos demonstram que o Brasil apresenta importante diversidade na composição da microbiota fúngica anemófila, a depender da região estudada. Os seguintes gêneros fúngicos se destacaram pela alta incidência documentada nas diferentes regiões do território brasileiro: Aspergillus sp., Penicillium sp., Cladosporium sp., Fusarium sp., Curvularia sp. e Alternaria sp.

Figura 2
Distribuição dos estudos selecionados nesta revisão no território brasileiro.

Observou-se que o clima quente dos trópicos favorece a ocorrência de fungos aerotransportados, contudo não ficou bem estabelecido o papel da umidade relativa do ar no processo de dispersão e crescimento dos fungos. Os resultados sugerem que a umidade pode favorecer a concentração de fungos, mas o seu excesso, todavia, tem efeito negativo no transporte das partículas biológicas. Ao contrário, luz solar e vento aumentam a distribuição atmosférica dos esporos.

Os trabalhos compilados nesta revisão pavimentam o caminho do conhecimento sobre as alergias provocadas por fungos. A exposição a esporos fúngicos aumenta o risco de pacientes atópicos apresentarem crises alérgicas de asma ou rinite. Com relação aos estudos avaliados, foram identificadas diversas espécies de aeroalérgenos fúngicos associados a doenças respiratórias. Além dos processos alérgicos, a literatura tem documentado infecções fúngicas provocadas por fungos anemófilos. Foram encontrados fungos potencialmente patogênicos dos gêneros Aspergillus sp., Penicillium sp. e Cladosporium sp. em ambientes controlados de unidades hospitalares brasileiras. As infecções hospitalares de etiologia fúngica têm alto impacto na morbimortalidade de pacientes internados, portanto torna-se imperativo um efetivo monitoramento aerobiológico desses ambientes para prevenir infecções.

Discussão

Os artigos selecionados foram discutidos com base em três categorias: a) prevalência de fungos anemófilos no Brasil; b) fungos anemófilos e suas implicações em processos alérgicos; c) fungos anemófilos e suas implicações em infecções fúngicas.

Prevalência de fungos anemófilos no Brasil

Os fungos transportados pelo ar atmosférico são organismos ubíquos e abundantes nos ambientes e se destacam pela capacidade de produção de esporos ou propágulos fúngicos1919 Leite Júnior DP, Yamamoto ACA, Amadio JVRS, Martins ER, Santos FAL, Simões SAA, Hahn RC. Trichocomaceae: biodiversity of aspergillus spp and penicillium spp residing in libraries. J Infect Dev Ctries 2012; 6(10):734-743.. Os esporos são estruturas onipresentes e essenciais para distribuição e colonização fúngica em diferentes locais, suas concentrações, diâmetros aerodinâmicos e composições taxonômicas são diversas e sofrem grande influência de fatores ambientais, como temperatura, umidade relativa do ar e estação do ano1414 Bezerra GFDB, Gomes SM, Silva MACN, Santos RM, Muniz Filho WE, Viana GMC, Nascimento MDSB. Diversity and dynamics of airborne fungi in São Luis, State of Maranhão, Brazil. Rev Soc Bras Med Trop 2014; 47(1):69-73.,2020 Menezes EA, Trindade ECP, Costa MM, Freire CCF, Cavalcante MDS, Cunha FA. Airborne fungi isolated from Fortaleza City, State of Ceará, Brazil. Rev Inst Med Trop Sao Paulo 2004; 46(3):133-137..

De acordo com os achados do presente estudo, o clima tropical é propício para o crescimento de fungos, uma vez que condições climáticas de países como o Brasil resultam em alta liberação de esporos e maior concentração de fungos na atmosfera1414 Bezerra GFDB, Gomes SM, Silva MACN, Santos RM, Muniz Filho WE, Viana GMC, Nascimento MDSB. Diversity and dynamics of airborne fungi in São Luis, State of Maranhão, Brazil. Rev Soc Bras Med Trop 2014; 47(1):69-73.,2121 Mezzari A, Perin C, Santos SA, Bernd LAG. Airborne fungi in the city of Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brazil. Rev Inst Med Trop Sao Paulo 2002; 44(5):269-272.. Os fungos anemófilos, na presença de condições adequadas de oxigênio, temperatura e umidade, produzem metabólitos que favorecem o seu desenvolvimento em substratos aos quais se integram1212 Sobral LV, Melo KN, Souza CM, Silva SF, Silva GLR, Silva ALF, Wanderley KAA, Oliveira IS, Cruz R. Antimicrobial and enzymatic activity of anemophilous fungi of a public university in Brazil. An Acad Bras Cienc 2017; 89(3):2327-2340.. O conhecimento que se tem acerca do transporte de bioaerossóis demonstra que fatores meteorológicos influem na distribuição de partículas fúngicas - temperaturas mais elevadas, luz solar e vento potencializam sua dispersão pelo ar2222 Cordeiro RA, Brilhante RS, Pantoja LD, Moreira Filho RE, Vieira P, Rocha MF, Monteiro AJ, Sidrim JJ. Isolation of pathogenic yeasts in the air from hospital environments in the city of Fortaleza, northeast Brazil. Braz J Infect Dis 2010; 14(1):30-34.. Uma correlação positiva entre a umidade e a quantidade de fungos também pode ser encontrada, ao contrário de estudos mais antigos que apontam predomínio de esporos fúngicos em estações mais secas e quentes2121 Mezzari A, Perin C, Santos SA, Bernd LAG. Airborne fungi in the city of Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brazil. Rev Inst Med Trop Sao Paulo 2002; 44(5):269-272.,2323 Boff C, Zoppas BCDA, Aquino VR, Kuplich NM, Miron D, Pasqualotto AC. The indoor air as a potential determinant of the frequency of invasive aspergillosis in the intensive care. Mycoses 2013; 56(5):527-531..

A literatura não apresenta um consenso em relação às particularidades da sazonalidade na distribuição de esporos. Estudo feito em Porto Alegre demonstrou maior número de esporos no verão e menor no outono, todavia, trabalho concluído em Fortaleza demonstrou maior concentração de propágulos com temperaturas ligeiramente mais baixas nos meses de janeiro a junho2020 Menezes EA, Trindade ECP, Costa MM, Freire CCF, Cavalcante MDS, Cunha FA. Airborne fungi isolated from Fortaleza City, State of Ceará, Brazil. Rev Inst Med Trop Sao Paulo 2004; 46(3):133-137.,2121 Mezzari A, Perin C, Santos SA, Bernd LAG. Airborne fungi in the city of Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brazil. Rev Inst Med Trop Sao Paulo 2002; 44(5):269-272.. Um estudo no Sul que avaliava a qualidade do ar de unidades de terapia intensiva constatou acentuada variação na contagem de fungos entre as estações, com prevalência nos meses de outono2323 Boff C, Zoppas BCDA, Aquino VR, Kuplich NM, Miron D, Pasqualotto AC. The indoor air as a potential determinant of the frequency of invasive aspergillosis in the intensive care. Mycoses 2013; 56(5):527-531.. Existe um evidente contraste das características climáticas quando se compara as regiões Sul e Nordeste do país, por isso, torna-se difícil estabelecer um padrão de crescimento fúngico frente a contextos tão distintos. Em 2021, Bernardi e Nascimento corroboraram os resultados de pesquisadores de Manaus que demonstraram que alguns gêneros são mais representativos em determinadas estações do ano, por exemplo: Cladosporium sp. tem maior incidência na estação chuvosa e Aspergillus sp., Curvularia sp. e Penicillium sp. predominam no período mais seco2424 Bernardi E, Nascimento JS. Fungos anemófilos na Praia do Laranjal, Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. Arq Inst Biol 2005; 72(1):93-97.,2525 Tiago MRM, Oliveira JAA, Cortez ACA, Souza JVB. Airborne fungi isolated from different environments of a primary school in the city of Manaus, Amazonas, Brazil. Arquiv Asma Alerg Imunol 2018; 2(2):264-269..

Alguns gêneros de fungos anemófilos, como Alternaria sp., Aspergillus sp. e Cladosporium sp., são encontrados em todo o mundo2020 Menezes EA, Trindade ECP, Costa MM, Freire CCF, Cavalcante MDS, Cunha FA. Airborne fungi isolated from Fortaleza City, State of Ceará, Brazil. Rev Inst Med Trop Sao Paulo 2004; 46(3):133-137.. Existe diferença na distribuição de fungos ao longo das estações do ano e em relação aos ambientes externos ou internos2121 Mezzari A, Perin C, Santos SA, Bernd LAG. Airborne fungi in the city of Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brazil. Rev Inst Med Trop Sao Paulo 2002; 44(5):269-272.. Nesta compilação de estudos sobre fungos aerotransportados foi observado que os mesmos gêneros de fungos de maior incidência foram encontrados em ambientes externos de cidades brasileiras distintas e em épocas diferentes1414 Bezerra GFDB, Gomes SM, Silva MACN, Santos RM, Muniz Filho WE, Viana GMC, Nascimento MDSB. Diversity and dynamics of airborne fungi in São Luis, State of Maranhão, Brazil. Rev Soc Bras Med Trop 2014; 47(1):69-73.,2626 Mezzari A, Perin C, Santos Júnior SA, Bernd LAG, Gesu GD. Airborne fungi and sensitization in atopic individuals in Porto Alegre, RS, Brazil. Rev Assoc Med Bras 2003; 49(3):270-273..

Em 2001 foi publicado um dos estudos pioneiros acerca da prevalência de fungos anemófilos em Porto Alegre, sendo os gêneros predominantes no ar da cidade: Cladosporium sp., Aspergillus sp., Penicillium sp., Curvularia sp., Alternaria sp., Fusarium sp. e outros2121 Mezzari A, Perin C, Santos SA, Bernd LAG. Airborne fungi in the city of Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brazil. Rev Inst Med Trop Sao Paulo 2002; 44(5):269-272.. Achados semelhantes ocorreram em 2021 em Pelotas, onde foram identificados Cladosporium sp. (18,22%),Alternaria sp. (13,84%),Penicillium sp. (10,20%), Curvularia sp. (7,47%) e Aspergillus sp. (3,28%)2424 Bernardi E, Nascimento JS. Fungos anemófilos na Praia do Laranjal, Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. Arq Inst Biol 2005; 72(1):93-97.. Em trabalho conduzido em Fortaleza em 2004, os gêneros prevalentes na cidade foram: Aspergillus sp., Penicillium sp., Curvularia sp., Cladosporium sp., Mycelia sterilia, Fusarium, Rhizopus, Neurospora sp., Rhodotorula sp. e Aureobasidium sp., assim como Aspergillus sp. e Penicillium sp. foram mais frequentes em Recife e Natal, cidades climaticamente idênticas2020 Menezes EA, Trindade ECP, Costa MM, Freire CCF, Cavalcante MDS, Cunha FA. Airborne fungi isolated from Fortaleza City, State of Ceará, Brazil. Rev Inst Med Trop Sao Paulo 2004; 46(3):133-137.. Em São Luís, os principais gêneros encontrados no ar de ambientes externos foram Aspergillus sp., Penicillium sp., Cladosporium sp., Curvularia sp. e Fusarium sp.1414 Bezerra GFDB, Gomes SM, Silva MACN, Santos RM, Muniz Filho WE, Viana GMC, Nascimento MDSB. Diversity and dynamics of airborne fungi in São Luis, State of Maranhão, Brazil. Rev Soc Bras Med Trop 2014; 47(1):69-73. Os estudos estão em concordância com os resultados de uma pesquisa semelhante desenvolvida na Região Metropolitana de São Paulo que observou o Penicillium sp. E o Aspergillus sp. como espécies dominantes tanto em ambientes internos quanto externos2727 Gonçalves FLT, Bauer H, Cardoso MRA, Pukinskas S, Matos D, Melhem M, Puxbaum H. Indoor and outdoor atmospheric fungal spores in the São Paulo metropolitan area (Brazil): species and numeric concentrations. Int J Biometeorol 2010; 54(4):347-355..

Pode-se destacar a presença contínua no território brasileiro de esporos dos gêneros Aspergillus sp., Penicillium sp., Cladosporium sp., Curvularia sp. e Fusarium sp. ao longo de toda uma década.

Nesta revisão também foram integrados estudos que demonstraram a prevalência de fungos aerotransportados em ambientes internos. Trabalho de pesquisadores de Pernambuco avaliou a qualidade microbiológica de ambientes de uma universidade e constatou a presença dos seguintes gêneros: Aspergillus sp., Penicillium sp., Talaromyces sp., Curvularia sp. e Paecilomyces sp., sendo as frequências de Aspergillus sp. e Penicillium sp. iguais a 50% e 21%, respectivamente1212 Sobral LV, Melo KN, Souza CM, Silva SF, Silva GLR, Silva ALF, Wanderley KAA, Oliveira IS, Cruz R. Antimicrobial and enzymatic activity of anemophilous fungi of a public university in Brazil. An Acad Bras Cienc 2017; 89(3):2327-2340.. Júnior et al. analisaram a diversidade de fungos anemófilos em uma biblioteca do Mato Grosso e observaram o predomínio do Aspergillus sp. como um dos principais fungos presentes em ambientes internos. O Aspergillus sp. foi identificado em 89,6% das amostras, e o Penicillium sp. em 10,4%1919 Leite Júnior DP, Yamamoto ACA, Amadio JVRS, Martins ER, Santos FAL, Simões SAA, Hahn RC. Trichocomaceae: biodiversity of aspergillus spp and penicillium spp residing in libraries. J Infect Dev Ctries 2012; 6(10):734-743.. O monitoramento da microbiota do ar de uma biblioteca também ocorreu em 2020 em São José do Rio Preto, sendo identificados Aspergillus sp., Cladosporium sp., Penicillium sp., Scopulariopsis sp. e Trichoderma sp.2828 Duo Filho VB, Siqueira JPZ, Colombo TE. Monitoramento de fungos anemófilos no ambiente de uma biblioteca no município de São José do Rio Preto - SP, Brasil. Arq Cienc Saude UNIPAR 2020; 24(2):75-80. Avaliou-se no Rio de Janeiro o impacto da demolição de uma das alas de um hospital na concentração de fungos e, de modo similar, o gênero mais frequente foi o Cladosporium sp. (média de 45,09 UFC m3 de ar), seguido por Penicillium sp. (média de 14,35 UFC m3) e Aspergillus sp. (média de 9,22 UFC m3)2929 Barreiros G, Akiti T, Magalhães ACG, Nouér SA, Nucci M. Effect of the implosion and demolition of a hospital building on the concentration of fungi in the air. Mycoses 2015; 58(12):707-713..

Fungos anemófilos também podem ser empregados como bioindicadores para monitoramento ambiental3030 Schoenlein-Crusius IH, Trufem SFB, Grandi RAP, Milanez AI, Pires-Zottarelli CLA. Airborne fungi in the region of Cubatão, São Paulo State, Brazil. Braz J Microbiol 2001; 32(1):61-65.. Estudo de 2020 que pesquisou a correlação de fungos e poluentes atmosféricos observou a influência da redução da frota de veículos, decorrente de uma greve de caminhoneiros, no crescimento fúngico. Durante a greve houve aumento de 80% no número de fungos atmosféricos, com diferença significativa (p < 0,05) quando se compara os períodos anteriores e posteriores à greve3131 Castro e Silva DM, Marcusso RMN, Barbosa CGG, Gonçalves FLT, Cardoso MRA. Air pollution and its impact on the concentration of airborne fungi in the megacity of São Paulo, Brazil. Heliyon 2020; 6(10):e05065..

Fungos anemófilos e suas implicações em processos alérgicos

Os esporos fúngicos correspondem a aeroalérgenos passíveis de serem inalados e estão associados a diversas doenças respiratórias no ser humano, como a rinite alérgica e a asma alérgica2020 Menezes EA, Trindade ECP, Costa MM, Freire CCF, Cavalcante MDS, Cunha FA. Airborne fungi isolated from Fortaleza City, State of Ceará, Brazil. Rev Inst Med Trop Sao Paulo 2004; 46(3):133-137.. Entre os grupos de fungos que dispersam esporos áereos estão os zigomicetos, ascomicetos, basidiomicetos e deuteromicetos, neste último grupo encontram-se agentes causadores de sintomas alérgicos, como o Aspergillus sp., o Penicillium sp., o Cladosporium sp. E o Alternaria sp.2626 Mezzari A, Perin C, Santos Júnior SA, Bernd LAG, Gesu GD. Airborne fungi and sensitization in atopic individuals in Porto Alegre, RS, Brazil. Rev Assoc Med Bras 2003; 49(3):270-273.

Os seres humanos apresentam exposição contínua a bioaerossóis e partículas fúngicas em suas vidas pessoais e profissionais, constituindo um verdadeiro risco ocupacional biológico potencial1414 Bezerra GFDB, Gomes SM, Silva MACN, Santos RM, Muniz Filho WE, Viana GMC, Nascimento MDSB. Diversity and dynamics of airborne fungi in São Luis, State of Maranhão, Brazil. Rev Soc Bras Med Trop 2014; 47(1):69-73.. Altas concentrações de esporos no ar podem levar a um quadro de hipersensibilidade do trato respiratório e ao aumento de sintomas típicos da síndrome do edifício doente (SED), como pneumonia, rinites, sinusites alérgicas, falta de concentração e fadiga2323 Boff C, Zoppas BCDA, Aquino VR, Kuplich NM, Miron D, Pasqualotto AC. The indoor air as a potential determinant of the frequency of invasive aspergillosis in the intensive care. Mycoses 2013; 56(5):527-531.,3232 Mobin M, Salmito MDA. Microbiota fúngica dos condicionadores de ar nas unidades de terapia intensiva de Teresina, PI. Rev Soc Bras Med Trop 2006; 39(6):556-559..

Métodos de pesquisa imunológica com teste cutâneo e pesquisa de IgE específica para fungos anemófilos foram aplicados em Porto Alegre e demonstraram que 15,38% dos indivíduos atópicos com asma e/ou rinite na cidade são sensibilizados por fungos anemófilos2626 Mezzari A, Perin C, Santos Júnior SA, Bernd LAG, Gesu GD. Airborne fungi and sensitization in atopic individuals in Porto Alegre, RS, Brazil. Rev Assoc Med Bras 2003; 49(3):270-273.. Em pesquisa realizada em São Luís, concentrações aumentadas de IgE foram observadas em 96,9% dos pacientes pediátricos com asma e/ou rinite alérgica. Nesse estudo, participaram 100 crianças, das quais 75% foram positivas para Aspergillus, 87% para o Penicillium, 46% para o Neurospora e 45% para o Fusarium3333 Bezerra GFDB, Haidar DMC, Silva MACN, Muniz Filho WE, Santos RM, Rosa IG, Viana GMC, Zaror L, Nascimento MDSB. IgE serum concentration against airborne fungi in children with respiratory allergies. Allergy Asthma Clin Immunol 2016; 12(1):18.. Pesquisa com muitas semelhanças realizada também em São Luís se propôs a analisar o nível de IgE específico contra fungos anemófilos em indivíduos adultos atópicos - 79,7% foram positivos para o Penicillium; 77,8% para Neurospora e 44,9% para Aspergillus3434 Bezerra GFDB, Almeida FC, Silva MACN, Nascimento ACB, Guerra RNM, Viana GMDC, Muniz Filho WE, Costa MR, Zaror L, Nascimento MDB. Respiratory allergy to airborne fungi in São Luís-MA: clinical aspects and levels of IgE in a structured asthma program. J Asthma 2014; 51(10):1028-1034..

Em Fortaleza, extratos fúngicos foram aplicados em testes de reatividade cutânea em indivíduos com alergia respiratória, nesse estudo, todos os pacientes avaliados tiveram resposta positiva aos extratos de Aspergillus, Alternaria e Drechslera; 70% dos avaliados tiveram resposta positiva aos extratos de Penicillium e Curvularia, e nenhum dos pacientes-controle tiveram respostas positivas aos testes cutâneos3535 Menezes EA, Carvalho PG, Trindade ECPM, Madeira Sobrinho G, Cunha FA, Castro FFM. Airborne fungi causing respiratory allergy in patients from Fortaleza, Ceará, Brazil. J Bras Patol Med Lab 2004; 40(2):79-84..

A caracterização da microbiota fúngica anemófila orienta a epidemiologia, o diagnóstico e tratamento das manifestações alérgicas1212 Sobral LV, Melo KN, Souza CM, Silva SF, Silva GLR, Silva ALF, Wanderley KAA, Oliveira IS, Cruz R. Antimicrobial and enzymatic activity of anemophilous fungi of a public university in Brazil. An Acad Bras Cienc 2017; 89(3):2327-2340.. Os processos alérgicos abordados nos estudos indicam a capacidade de fungos anemófilos provocarem reações em indivíduos predispostos a produzirem uma resposta IgE a alérgenos ambientais.

Fungos anemófilos e suas implicações em infecções fúngicas

Sabe-se que os fungos anemófilos são importantes contaminantes biológicos do ar, no entanto, a Anvisa considera inaceitável a presença de espécies patogênicas ou toxigênicas ao se avaliar a qualidade do ar de ambientes internos1818 Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Resolução - RE nº 9, de 16 de janeiro de 2003. Determinar a publicação de orientação técnica elaborada por grupo técnico assessor, sobre padrões referenciais de qualidade do ar interior, em ambientes climatizados artificialmente de uso público e coletivo. Diário Oficial da União 2003; 20 jan.. A ocorrência de infecções fúngicas por microrganismos aerotransportados tem ganhado destaque na literatura médica nos últimos anos, especialmente as infecções de origem hospitalar. Os pacientes mais acometidos por micoses oportunistas são os pacientes imunocomprometidos, como os oncológicos, transplantados, com Aids, politraumatizados e neonatos3636 Bortoluzzi BB, Maciel CG, Reis D, Freitas J. Estudo da microbiota fúngica do ar em três ambientes de uma Universidade em Santa Catarina. Rev Prev Infec Saude 2020; 6:9833.,3737 Belizario JA, Lopes LG, Pires RH. Fungi in the indoor air of critical hospital areas: a review. Aerobiologia 2021; 37(3):379-394.. As infecções nosocomiais estão particularmente relacionadas a fungos dos gêneros Aspergillus sp., Cladosporium sp., Paecilomyces sp., Penicillium sp. e Scopulariopsis sp., e em menor grau a Candida sp., Rhodotorula sp., Cryptococcus sp. e Trichosporon sp.22

De acordo com uma avaliação quantitativa a respeito da presença de fungos no ar de três unidades de terapia intensiva (UTI) em Porto Alegre, houve uma marcante predominância dos gêneros Cladosporium sp. em ambientes internos e de Penicillium sp. em ambientes externos, seguido pelo gênero Aspergillus sp, com destaque para A. fumigatus, A. niger e A. flavus2323 Boff C, Zoppas BCDA, Aquino VR, Kuplich NM, Miron D, Pasqualotto AC. The indoor air as a potential determinant of the frequency of invasive aspergillosis in the intensive care. Mycoses 2013; 56(5):527-531.. Seus resultados foram semelhantes ao de estudo realizado em uma UTI de Pelotas que destacou a ocorrência dos gênerosPenicillium, AspergilluseCladosporium1515 Gonçalves CL, Mota FV, Ferreira GF, Mendes JF, Pereira EC, Freitas CH, Vieira JN, Villarreal JP, Nascente PS. Airborne fungi in an intensive care unit. Brazilian J Biol 2018; 78(2):265-270..

Achados no Mato Grosso apontam similaridades, uma vez que os gêneros mais frequentemente detectados em UTIs foram Aspergillus sp, Penicillium sp e Cladosporium sp.3838 Almeida Alves Simões S, Júnior DPL, Hahn RC. Fungal microbiota in air-conditioning installed in both adult and neonatal intensive treatment units and their impact in two university hospitals of the Central Western Region, Mato Grosso, Brazil. Mycopathol 2011; 172(2):109-116. Investigação conduzida no centro cirúrgico e nas UTIs (adulto e neonatal) de um hospital de Araraquara determinou a predominância de Cladophialophora sp., Fusarium sp., Penicillium sp., Chrysosporium sp. e Aspergillus sp.3939 Martins-Diniz JN, Silva RAM, Miranda ET, Mendes-Giannini MJS. Monitoring of airborne fungus and yeast species in a hospital unit. Rev Saude Publica 2005; 39(3):398-405.

Por outro lado, trabalho de monitoramento de ambiente conduzido em UTIs e enfermarias de dois hospitais de Fortaleza isolou quatro gêneros de levedura diferentes dos achados no Sul do país: Candida sp., Rhodotorula sp., Trichosporon sp. e Saccharomyces sp2222 Cordeiro RA, Brilhante RS, Pantoja LD, Moreira Filho RE, Vieira P, Rocha MF, Monteiro AJ, Sidrim JJ. Isolation of pathogenic yeasts in the air from hospital environments in the city of Fortaleza, northeast Brazil. Braz J Infect Dis 2010; 14(1):30-34.. Em Sergipe foram isolados do centro cirúrgico quatro gêneros de fungos, quatro no centro de terapia intensiva, quatro na UTI e cinco na unidade de terapia de queimados, os gêneros detectados foram Aspergillus sp. (43%), Penicillum sp. (12%), Fusarium sp. (11%), Candida sp. (6%) e Curvularia sp. (5%)4040 Venceslau EM, Martins RPP, Oliveira ID. Frequência de fungos anemófilos em áreas críticas de unidade hospitalar de Aracaju, Sergipe, Brasil. Rev Bras Anal Clin 2012; 44(1):26-30.. Ainda no Nordeste, estudo que avaliou os condicionadores de ar de UTIs públicas e privadas no Piauí observou uma evidente hegemonia do gênero Aspergillus sp. Nesse estudo, a A. niger foi a espécie mais prevalente, seguida por A. fumigatus e Trichoderma koningii, A. flavus e A. tamarii3232 Mobin M, Salmito MDA. Microbiota fúngica dos condicionadores de ar nas unidades de terapia intensiva de Teresina, PI. Rev Soc Bras Med Trop 2006; 39(6):556-559..

Os resultados desta revisão demonstram que a microbiota fúngica do ar em ambientes hospitalares no Brasil é diversa, mas com destaque para Aspergillus sp., Penicillium sp., Cladosporium sp., Fusarium sp. e Candida sp. Há uma evidente contribuição do gênero Aspergillus sp. na composição dessa microbiota e nas consequentes implicações em problemas ocupacionais e processos infeciosos.

A toxicidade das espécies de Aspergillus sp. é reconhecida na literatura e decorre da capacidade dos fungos de produzirem alfatoxinas, causando intoxicações3636 Bortoluzzi BB, Maciel CG, Reis D, Freitas J. Estudo da microbiota fúngica do ar em três ambientes de uma Universidade em Santa Catarina. Rev Prev Infec Saude 2020; 6:9833..

A aspergilose é uma micose que surge após a inalação de esporos do gênero Aspergillus sp., pode se manifestar como uma doença broncopulmonar alérgica e como outras formas clínicas como invasiva e sistêmica, nesses quadros os agentes etiológicos mais envolvidos são: A. fumigatus, A. flavus e A. niger1919 Leite Júnior DP, Yamamoto ACA, Amadio JVRS, Martins ER, Santos FAL, Simões SAA, Hahn RC. Trichocomaceae: biodiversity of aspergillus spp and penicillium spp residing in libraries. J Infect Dev Ctries 2012; 6(10):734-743.,3232 Mobin M, Salmito MDA. Microbiota fúngica dos condicionadores de ar nas unidades de terapia intensiva de Teresina, PI. Rev Soc Bras Med Trop 2006; 39(6):556-559.. A aspergilose invasiva ocorre comumente em indivíduos neutropênicos e portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), embora venha sendo cada vez mais identificada em pacientes não neutropênicos internados em unidades de terapia intensiva2323 Boff C, Zoppas BCDA, Aquino VR, Kuplich NM, Miron D, Pasqualotto AC. The indoor air as a potential determinant of the frequency of invasive aspergillosis in the intensive care. Mycoses 2013; 56(5):527-531.. A. flavus está associado a infecções pulmonares em pacientes imunocomprometidos, A. fumigatus é o principal agente de aspergilose e A. niger é frequente em otomicoses3232 Mobin M, Salmito MDA. Microbiota fúngica dos condicionadores de ar nas unidades de terapia intensiva de Teresina, PI. Rev Soc Bras Med Trop 2006; 39(6):556-559..

O gênero Cladosporium sp. também apresenta frequência elevada em ambientes hospitalares, exercendo influência em doenças alérgicas sazonais e está associado a infecções do sistema nervoso central, como a formação de abscesso cerebral4141 Boniek D, Abreu CS, Santos AFB, Stoianoff MAR. Evaluation of microbiological air parameters and the fungal community involved in the potential risks of biodeterioration in a cultural heritage of humanity, Ouro Preto, Brazil. Folia Microbiol (Praha) 2021; 66(5):797-807..

Outro gênero comum reconhecido em ambientes hospitalares é o Penicillium sp. Embora seja um gênero historicamente identificado por seu papel no desenvolvimento de antimicrobianos, engloba fungos contaminantes do ar atmosférico que podem suscitar peniciliose ao serem inalados por indivíduos imunodeprimidos. A doença tem inicialmente um comprometimento pulmonar e evolui com acometimento sistêmico1212 Sobral LV, Melo KN, Souza CM, Silva SF, Silva GLR, Silva ALF, Wanderley KAA, Oliveira IS, Cruz R. Antimicrobial and enzymatic activity of anemophilous fungi of a public university in Brazil. An Acad Bras Cienc 2017; 89(3):2327-2340.,1919 Leite Júnior DP, Yamamoto ACA, Amadio JVRS, Martins ER, Santos FAL, Simões SAA, Hahn RC. Trichocomaceae: biodiversity of aspergillus spp and penicillium spp residing in libraries. J Infect Dev Ctries 2012; 6(10):734-743.,2323 Boff C, Zoppas BCDA, Aquino VR, Kuplich NM, Miron D, Pasqualotto AC. The indoor air as a potential determinant of the frequency of invasive aspergillosis in the intensive care. Mycoses 2013; 56(5):527-531.. O Penicilium sp. também está associado a infecções disseminadas, como abscessos cerebrais múltiplos, peritonite e pneumonia em pacientes imunocomprometidos1515 Gonçalves CL, Mota FV, Ferreira GF, Mendes JF, Pereira EC, Freitas CH, Vieira JN, Villarreal JP, Nascente PS. Airborne fungi in an intensive care unit. Brazilian J Biol 2018; 78(2):265-270..

A infecção por fungos anemófilos em ambiente hospitalar pode apresentar diferentes mecanismos de transmissão, ocorrendo por inalação de propágulos fúngicos transportados e distribuídos por um sistema de ventilação ou de ar condicionado contaminados, bem como pela deposição de partículas fúngicas em feridas cirúrgicas, instrumentais de procedimentos ou por contato direto com roupas ou mãos contaminadas de membros da equipe médica2222 Cordeiro RA, Brilhante RS, Pantoja LD, Moreira Filho RE, Vieira P, Rocha MF, Monteiro AJ, Sidrim JJ. Isolation of pathogenic yeasts in the air from hospital environments in the city of Fortaleza, northeast Brazil. Braz J Infect Dis 2010; 14(1):30-34.,3737 Belizario JA, Lopes LG, Pires RH. Fungi in the indoor air of critical hospital areas: a review. Aerobiologia 2021; 37(3):379-394.. Esta revisão confere destaque às potencialidades anemófilas dos fungos dispersos pelo ar - a via de transmissão mais documentada é certamente a inalatória.

A literatura aponta os sistemas de ar-condicionado como importantes focos de disseminação de esporos fúngicos e destaca a instalação de sistemas de filtração HEPA (high efficiency particulate air) nos serviços de saúde como forma de melhorar a qualidade interna dos ambientes3838 Almeida Alves Simões S, Júnior DPL, Hahn RC. Fungal microbiota in air-conditioning installed in both adult and neonatal intensive treatment units and their impact in two university hospitals of the Central Western Region, Mato Grosso, Brazil. Mycopathol 2011; 172(2):109-116.,3939 Martins-Diniz JN, Silva RAM, Miranda ET, Mendes-Giannini MJS. Monitoring of airborne fungus and yeast species in a hospital unit. Rev Saude Publica 2005; 39(3):398-405..

Nota-se a importância de conhecer a prevalência de fungos no ambiente e compreender os diferentes mecanismos pelos quais fungos presentes no ar atmosférico provocam complicações, agravos à saúde e, inclusive, óbitos. Os profissionais da saúde precisam estar cientes das diversas formas de contaminação fúngica, de modo a melhorar a assistência prestada aos pacientes. É importante destacar a adoção de medidas preventivas, como o uso de equipamentos de proteção individual, a conscientização sobre a existência de infecções fúngicas e o investimento em formas mais adequadas para ventilação de ambientes, com destaque para a limpeza dos climatizadores e o uso de filtros.

Conclusão

O estudo de fungos anemófilos no Brasil é um campo diverso e que tem ganhado cada vez mais destaque. A ocorrência de grande concentração de esporos no ar de ambientes externos e internos e uma possível contaminação microbiológica aérea enfatizam a importância deste estudo. Os gêneros de fungos aerotransportados mais prevalentes no Brasil são: Aspergillus sp., Penicillium sp., Cladosporium sp., Curvularia sp. e Fusarium sp. Altas concentrações de esporos no ar podem levar a quadros de hipersensibilidade e a sintomas de síndrome do edifício doente, como rinossinusinusites alérgicas, falta de concentração e fadiga. Os processos alérgicos afetam sobretudo indivíduos atópicos. Os fungos anemófilos podem ser patogênicos e toxigênicos, causando doenças fúngicas invasivas com consequências desastrosas para pacientes imunossuprimidos.

As limitações encontradas neste estudo foram: inclusão de artigos somente em português e inglês e foco de análise voltado apenas para trabalhos conduzidos no Brasil. Infelizmente, ainda são poucos os estudos relacionados à microbiota fúngica anemófila no Brasil, portanto, a amostra de artigos selecionados para a composição desta revisão não foi robusta.

Em função da importância da temática abordada, sugere-se que novos estudos com esse teor sejam conduzidos no Brasil. Esta revisão visa contribuir para novas discussões científicas para o desenvolvimento de políticas públicas em saúde pautadas na qualidade microbiológica do ar.

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  • Financiamento

    Este estudo teve apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) - Código Financeiro 001 , do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA-BIC-01741/20) e da Universidade Federal do Maranhão (PIBIC/CNPq/FAPEMA/UFMA 2020-2021).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    Nov 2023

Histórico

  • Recebido
    31 Maio 2022
  • Aceito
    02 Abr 2023
  • Publicado
    04 Abr 2023
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br