Vacinação contra poliomielite no Brasil de 2011 a 2021: sucessos, reveses e desafios futuros

Maria Rita Donalisio Alexandra Crispim Boing Ana Paula Sayuri Sato Edson Zangiacomi Martinez Mariana Otero Xavier Rosa Livia Freitas de Almeida Rafael da Silveira Moreira Rejane Christine de Sousa Queiroz Alicia Matijasevich Sobre os autores

Resumo

A queda de coberturas vacinais (CV) na infância, entre elas a da poliomielite, vem se tornando uma preocupação sanitária. O objetivo foi analisar a tendência temporal das coberturas das três doses da vacina contra a poliomielite nos primeiros 12 meses de vida entre 2011 e 2021, com destaque na pandemia de COVID-19, além de mapear as CV no Brasil. Foi realizado um estudo ecológico com técnicas de série temporal interrompida (STI) e análise espacial, a partir dos dados do Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunização. A tendência da CV foi ajustada pelo estimador de variância de Newey-West, segundo as unidades federadas e o Índice de Privação Brasileiro. A distribuição da CV foi estimada por modelos bayesianos e os aglomerados espaciais pelos índices de Moran global e local, identificando áreas de menor cobertura nas Regiões de Saúde. Observa-se perda da CV ao longo do período em todas as regiões do país, sendo maiores no Norte e no Nordeste e se acentuando durante a pandemia. As maiores quedas foram identificadas em estados e regiões de saúde com maior vulnerabilidade social. A queda na CV mostra que o risco de reintrodução do vírus selvagem é iminente e os desafios precisam ser enfrentados com o fortalecimento do Sistema Único de Saúde.

Palavras-chave:
Cobertura vacinal; Imunização; Análise espacial; Estudos ecológicos; Poliomielite; COVID-19

Introdução

As vacinas são uma das maiores conquistas no campo da saúde pública, impactando de forma substancial na sobrevivência infantil e no controle e erradicação de doenças em todo mundo11 Li X, Mukandavire C, Cucunubá ZM, Echeverria Londono S, Abbas K, Clapham HE, Jit M, Johnson HL, Papadopoulos T, Vynnycky E, Brisson M, Carter ED, Clark A, de Villiers MJ, Eilertson K, Ferrari MJ, Gamkrelidze I, Gaythorpe KAM, Grassly NC, Hallett TB, Hinsley W, Jackson ML, Jean K, Karachaliou A, Klepac P, Lessler J, Li X, Moore SM, Nayagam S, Nguyen DM, Razavi H, Razavi-Shearer D, Resch S, Sanderson C, Sweet S, Sy S, Tam Y, Tanvir H, Tran QM, Trotter CL, Truelove S, van Zandvoort K, Verguet S, Walker N, Winter A, Woodruff K, Ferguson NM, Garske T, Vaccine Impact Modelling Consortium. Estimating the health impact of vaccination against ten pathogens in 98 low-income and middle-income countries from 2000 to 2030: a modelling study. Lancet 2021; 397(10272):398-408.. No Brasil, o Programa Nacional de Imunização (PNI) passou a coordenar as atividades de imunização em 1975, ampliando a distribuição e normatização do uso de imunobiológicos, configurando-se como um programa bem-sucedido de reconhecimento internacional. No decorrer dos anos, foram consideráveis os avanços no controle e eliminação de graves doenças que circulavam no território nacional. Entre as grandes conquistas do PNI, destaca-se a interrupção da transmissão do poliovírus selvagem no Brasil com o uso da vacina oral composta por poliovírus atenuado 1, 2 e 3, a organização dos dias nacionais de vacinação com a vacina oral para poliomielite (VOP), ou seja, vacinação em massa de crianças menores de cinco anos de idade duas vezes ao ano, resultando na redução de 90% dos casos de 1980 a 1981.

Na região das Américas, o último caso confirmado de poliomielite pelo poliovírus selvagem ocorreu em 1991. O Brasil recebeu a certificação de eliminação da poliomielite em 1994. Entretanto, o vírus selvagem ainda circula em países asiáticos, persistindo entre Afeganistão e Paquistão, com risco de reintrodução no Brasil, particularmente em contexto de queda de imunidade da população devido à redução das coberturas vacinais22 Silva TMR, Prates EJS, Freitas Saldanha R, Silva TPR, Teixeira AM, Beinner MA, Vieira EWR. Temporal and spatial distribution trends of polio vaccine coverage in children in Brazil, 2011-2021 [Preprint]. 2022. DOI: 10.21203/rs.3.rs-1961945/v1.
https://doi.org/10.21203/rs.3.rs-1961945...

3 Franco MAE, Alves ACR, Gouvêa JCZ, Carvalho CCF, Filho FM, Lima AMS. Causas da queda progressiva das taxas de vacinação da poliomielite no Brasil. Braz. J Hea Rev 2020; 3(6):18476-18486.

4 Elidio GA, França GVA, Pacheco FC, Ferreira MM, Santos JP, Campos EN, Guilhem DB. Measles outbreak: preliminary report on a case series of the first 8,070 suspected cases, Manaus, Amazonas state, Brazil, February to November 2018. Eurosurveillance 2019; 24(2):1800663.
-55 Toscano CM, Waldman EA, Pedreira MC. Desafios e perspectivas. In: Risi Junior JB, organizador. Poliomielite no Brasil: do reconhecimento da doença ao fim da transmissão. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2019.. A cobertura vacinal (CV) é um indicador estratégico do PNI, pois revela a proteção da população no âmbito coletivo e possibilita a avaliação da imunidade de grupo. A redução dos percentuais de população coberta pelos imunobiológicos evidencia a existência de grupos desprotegidos, nos quais a circulação viral pode se estender e afetar indivíduos imunocomprometidos e menores de um ano, com grande impacto na morbimortalidade.

Vários estudos têm mostrado queda de coberturas vacinais na infância, entre elas a da poliomielite, em particular na última década no Brasil. Soma-se a isso os desafios que surgiram com a pandemia da COVID-19, que afetaram de forma importante a imunização de rotina em todo mundo, com registro de declínio, atraso da vacinação66 Chiappini E, Parigi S, Galli L, Licari A, Brambilla I, Angela Tosca M, Marseglia G. Impact that the COVID-19 pandemic on routine childhood vaccinations and challenges ahead: a narrative review. Acta Paediatrica 2021; 110(9):2529-2535.

7 Causey K, Fullman N, Sorensen RJ, Galles NC, Zheng P, Aravkin A, Mosser JF. Estimating global and regional disruptions to routine childhood vaccine coverage during the COVID-19 pandemic in 2020: a modelling study. Lancet 2021; 398(10299):522-534.
-88 Silva TMR, Sá ACMGN, Vieira EWR, Prates EJS, Beinner MA, Matozinhos FP. Number of doses of Measles-Mumps-Rubella vaccine applied in Brazil before and during the COVID-19 pandemic. BMC Infect Dis 2021; 21(1):1237. e hesitação vacinal99 Domingues CMAS, Maranhão AGK, Teixeira AM, Fantinato FFS, Domingues RAS. 46 anos do Programa Nacional de Imunizações: uma história repleta de conquistas e desafios a serem superados. Cad Saude Publica 2020; 36(Supl. 2):e00222919..

Assim, é crucial a estimativa da CV ao longo do tempo para avaliar as metas propostas e os desafios para o país. Considerando esse contexto, o objetivo deste estudo é analisar a tendência temporal e a distribuição espacial das coberturas das três doses da vacina contra a poliomielite nos primeiros 12 meses de vida no Brasil na última década, com destaque para os anos de pandemia de COVID-19.

Métodos

Realizou-se estudo com delineamento ecológico sobre a cobertura vacinal para poliomielite com as técnicas de análise espacial e temporal. A abordagem temporal adotou a técnica de série temporal interrompida (STI) para analisar a tendência no período de 2011 a 2021 e o impacto da pandemia de COVID-19, iniciada em 2020, segundo unidades da federação e segundo os quintis do Índice Brasileiro de Privação (IBP). A técnica de análise espacial foi realizada para identificação de diferenciais na distribuição da cobertura vacinal, segundo as faixas de metas do PNI (≥ 95%; 85 a 94; 70 a 84 e < 70%), nas 450 regiões de saúde brasileiras para os anos de 2011, 2015, 2019 e 2021.

Os dados de cobertura vacinal registrados pelo Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunização (SI-PNI) foram obtidos no sítio do Departamento de Informática do SUS (DATASUS), no dia 20 de outubro de 2022. No mesmo sítio, por meio do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC), foram obtidos os dados sobre a população alvo. O IBP foi obtido do sítio do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (CIDACS).

A cobertura vacinal da poliomielite compreende o esquema vacinal completo para o primeiro ano de vida, ou seja, as três doses (aos 2, 4 e 6 meses). O cálculo da cobertura vacinal foi realizado a partir da divisão do número de doses aplicadas pela população-alvo (nascidos vivos), multiplicado por 100 para cada ano e área de análise1010 Ministério da Saúde (MS). Imunizações, Cobertura - desde 1994, Notas Técnicas [Internet]. [acessado 2022 out 20]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/pni/Imun_cobertura_desde_1994.pdf
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O IBP é um indicador baseado no Censo Demográfico de 2010 que classifica os municípios em quintis de privação, sendo o quintil 1 os de menor e os do quintil 5 os de maior privação. A composição do IBP considera os seguintes indicadores: o percentual de domicílios com renda per capita inferior a ½ salário-mínimo; o percentual de pessoas analfabetas com idade igual ou superior a sete anos; e o percentual de domicílios com acesso inadequado ao saneamento básico e sem água encanada, coleta de lixo, vaso sanitário e banheiro no domicílio1111 Portella S, Mendes JM, Santos P, Grave M, Ichihara MYT. Metodologias para Índices de Vulnerabilidades Socioambientais, Dinâmicas de contágio da COVID-19 e Índice Brasileiro de Privação em Saúde. Cien Tropico 2021; 45(2):55-78..

O método de série temporal interrompida (STI) é uma abordagem quase-experimental para avaliar os efeitos de intervenções em dados longitudinais1212 Wagner AK, Soumerai SB, Zhang F, Ross-Degnan D. Segmented regression analysis of interrupted time series studies in medication use research. J Clin Pharm Ther 2002; 27(4):299-309.. Permite estimar alterações de nível e de tendência quando a variável desfecho é ordenada em sequência como uma série temporal e quando múltiplas observações são capturadas nos períodos de pré-intervenção e pós-intervenção1313 Linden A. Conducting interrupted time-series analysis for single and multiple group comparisons. Stata J 2015; 15(2):480-500.. Esse delineamento tem forte validade interna, mesmo na ausência de um grupo de comparação, principalmente por causa de seu controle sobre os efeitos da regressão à média1212 Wagner AK, Soumerai SB, Zhang F, Ross-Degnan D. Segmented regression analysis of interrupted time series studies in medication use research. J Clin Pharm Ther 2002; 27(4):299-309..

Os modelos para cada unidade da federação e por quintis do IPB foram ajustados com o uso do software Stata/MP 16.1, usando um delineamento de grupo único defasagem (lag) de um estimador de variância Newey-West1414 Newey WK, West KD. A simple, positive semi-definite, heteroskedasticity and autocorrelation consistent covariance matrix. Econometrica 1987; 55(3):703-708., que produz estimativas consistentes na presença de autocorrelação, para além de uma possível heterocedasticidade1515 Wang Q, Wu N. Long-run covariance and its applications in cointegration regression. Stata J 2012; 12(3):515-542.. Os coeficientes têm como base a regressão de mínimos quadrados ordinários (OLS) e assume a seguinte forma:

y = β0 + β1*tempo + β2*nível + β3* (tempo*intervenção); onde:

- β1 = inclinação da curva de tendência de utilização antes da intervenção (entre janeiro de 2011 a dezembro de 2019).

- β2 = mudança no nível de cobertura vacinal quando a pandemia de COVID-19 foi iniciada (2020) (comparação com contrafactual).

- β3 = inclinação da curva de tendência da cobertura após o primeiro ano da pandemia (dezembro de 2020 a dezembro de 2021).

Tendência global - diferença da tendência do período antes da intervenção versus a tendência após a intervenção.

A autocorrelação serial e a heterocedasticidade foram aferidas pelo teste de Cumby-Huizinga1616 Cumby RE, Huizinga J. Testing the autocorrelation structure of disturbances in ordinary least squares and instrumental variables regression. Econometrica 1992; 60(1):185-195.. O nível de significância foi fixado em 5% para todas as análises.

Foi realizada a análise espacial das CV da poliomielite nas 450 Regiões de Saúde brasileiras nos anos de 2011, 2015, 2019 e 2021, considerando-se faixas de > 95% (adequada), 85 a 94, 70 a 84 e < 70%, segundo metas do PNI.

A Região de Saúde, conforme conceitua o Ministério da Saúde, é um espaço geográfico contínuo, resultante da união de municípios limítrofes em identidades culturais, econômicas e sociais, considerando-se as redes de comunicação e infraestrutura de transportes compartilhados, criadas no intuito de integrar a organização, o planejamento e a execução de ações de saúde1717 Ministério da Saúde (MS). Gabinete do Ministro. Comissão Intergestores Tripartite. Resolução nº 1, de 29 de setembro de 2011: estabelece diretrizes gerais para a instituição de Regiões de Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), nos termos do Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011 [Internet]. [acessado 2022 out 20]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cit/2011/res0001_29_09_2011.html#:~:text=Estabelece%20diretrizes%20gerais%20para%20a,que%20lhe%20conferem%20o%20art
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Na análise espacial, os estimadores suavizados para as taxas de cobertura vacinal nos anos de estudo foram obtidos por modelos bayesianos com distribuição de Poisson. Os modelos incluíram um efeito aleatório com estrutura normal condicional autorregressiva, o que permitiu que as correlações entre as áreas próximas no espaço sejam maiores1818 Lawson AB. Bayesian disease mapping: hierarchical modeling in spatial epidemiology. London: Chapman and Hall/CRC; 2018. Para a estimação dos parâmetros do modelo, utilizou-se o método Monte Carlo em cadeia de Markov (MCMC), implementado no módulo GeoBUGS do programa computacional OpenBUGS (Medical Research Council, Biostatistics Unit, Cambridge, Reino Unido).

A magnitude da autocorrelação espacial entre as regiões foi estimada pelo índice de Moran global, em que valores próximos a zero indicam que as taxas de CV observadas são aleatoriamente distribuídas no espaço geográfico, sem a presença de aglomerados espaciais. O Indicador Local de Associação Espacial (LISA, Local Indicator of Spatial Association) possibilitou a identificação de padrões significativos de associação espacial, representando uma decomposição do índice global. O LISA classificou as Regiões de Saúde segundo os níveis de significância dos valores de seus índices locais em coberturas vacinais “alta-alta”, “baixa-baixa”, “alta/baixa” e “baixa/alta”. Regiões classificadas como “alta-alta” e “baixa-baixa” são aquelas que possuem taxas de CV altas e baixas, respectivamente, e vizinhos com valores próximos. Regiões classificadas como “alta-baixa” e “baixa-alta” indicam associação negativa, ou seja, a localização possui vizinhos com valores distintos. As demais regiões são classificadas como “não significantes”, ou seja, sem uma tendência espacial clara.

De acordo com o artigo 1º da resolução 510/2016 da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, o estudo não exigiu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa por utilizar exclusivamente dados secundários, anonimizados e de acesso público.

Resultados

Em 2011, quase metade das unidades da federação tinha coberturas vacinais para a poliomielite estimadas em 100% ou mais, porém esse fenômeno não foi observado em nenhum estado no ano de 2021. No período analisado, observou-se queda das CV e uma diferença global, estatisticamente significativa, para todas as unidades da federação (figuras 1 a 5; Tabela Supl. 1 - disponível em: https://doi.org/10.48331/scielodata.O4CS0B). A unidade da federação que apresentou maior queda foi Roraima (-14,84; intervalo de confiança 95% [IC95%]: -20,45; -9,23), e a menor, Tocantins (-4,34; IC95%: -4,38; -4,30). Em geral, os estados da região Norte (Amapá, Roraima, Acre e Rondônia) e Nordeste (Ceará, Paraíba e Pernambuco) foram os que apresentaram as maiores quedas e diferenças globais nas CV no período de estudo (Tabela Supl.1 - disponível em: https://doi.org/10.48331/scielodata.O4CS0B).

Figura 1
Tendências na cobertura vacinal de poliomielite das unidades da federação da região Sudeste e região Sul, Brasil, 2011-2021.

Figura 2
Tendências na cobertura vacinal de poliomielite das unidades da federação da região Norte e Centro-Oeste , Brasil, 2011-2021.

Figura 3
Tendências na cobertura vacinal de poliomielite das unidades da federação da região Nordeste, Brasil, 2011-2021.

Figura 4
Tendências na cobertura vacinal de poliomielite dos municípios colocados no primeiro e quinto quintil do Índice Brasileiro de Privação, Brasil, 2011-2021.

Figura 5
a_d) Mapas com faixas de coberturas vacinais da poliomielite em regiões de saúde segundo modelos bayesianos. e_f) Padrões de associação espacial em aglomerados de coberturas vacinais (baixa-baixa, alta-alta, baixa-alta e alta-baixa) utilizando-se o Índice de Moran global e local de Associação Espacial. Brasil 2011 a 2021.

As tendências nas médias anuais das CV antes e depois do início da pandemia são heterogêneas para municípios pertencentes ao quintil 1 (menor privação) em relação àqueles do quintil 5 (maior privação) do IBP (Figura 4; Tabela Supl. 2 - disponível em: https://doi.org/10.48331/scielodata.O4CS0B). No quintil 1, a CV da poliomielite foi estimada em 107,14% na linha de base com tendência de queda no valor de -1,96% (IC95%: -3,10; -0,82) a cada ano. Não houve mudança no nível (impacto da pandemia no primeiro ano), mas a inclinação (tendência após o início da pandemia) evidenciou queda de -2,54% (IC95%: -4,97; -0,11) a cada ano após o início da pandemia. A diferença global do impacto da COVID-19 na CV da poliomielite no primeiro quintil do IBP foi de -4,50% (IC95%: -6,74; -2,26). No quintil 5, a CV da poliomielite foi estimada em 105,27% no início do período, com tendência de queda no valor de -2,02 (IC95%-4,00; -0,04) a cada ano. Não houve mudança no nível (impacto imediato da pandemia no primeiro ano), mas a inclinação mudou, produzindo queda na tendência de -5,52 (IC95%: -8,37; -2,66) a cada ano após o início da pandemia. A diferença global do impacto da COVID-19 na CV da poliomielite no quinto quintil do IBP foi estimada em -7,54% (IC95%: -9,09; -5,98), evidenciando maior queda na CV que a observada nesses municípios com menor privação.

Os mapas com as faixas de cobertura vacinal descrevem um declínio consistente dos percentuais das três doses da vacina contra a poliomielite no primeiro ano de vida nas Regiões de Saúde do país (Figura 5). Regiões de Saúde que atingiram as metas de cobertura vacinal (>= 95%) foram progressivamente desaparecendo dos mapas nos anos de estudo, enquanto as regiões com coberturas menores de 70% foram predominantes nas regiões Norte e Nordeste nos anos de 2019 e 2021. Também foi observado que os aglomerados de regiões com baixas coberturas concentram-se na região Norte (Figura 5).

Discussão

Observa-se queda consistente das CV de poliomielite no primeiro ano de vida (três doses) em todas as regiões do país, embora heterogêneas no período de estudo, sendo maior em municípios com maior privação. As regiões Norte e Nordeste destacam-se pelas quedas mais acentuadas com redução mais evidente da tendência a partir de 2020, ano pandêmico de COVID-19. No mesmo sentido, os mapas revelam perda progressiva dos percentuais adequados de 95% de cobertura da vacina de poliomielite no país. A meta de 95% observada em 2011 na maioria das regiões de saúde está praticamente ausente em 2021. Chamam a atenção nos resultados, os aglomerados de baixas coberturas nas regiões Norte e Nordeste, as com maior concentração de populações socialmente vulneráveis.

Estimativas indicam que os países latino-americanos, incluindo o Brasil, apresentam coberturas vacinais muito baixas e heterogêneas contra a poliomielite e outras vacinas, deixando grandes populações em risco de surtos1919 Falleiros-Arlant LH, Ayala SEG, Domingues C, Brea J, Colsa-Ranero A. Current status of poliomyelitis in Latin America. Rev Chilena infectol 2020; 37(6):701-709.

20 Arroyo LH, Ramos ACV, Yamamura M, Weiller TH, Crispim JA, Cartagena-Ramos D, Fuentealba-Torres M, Santos DTD, Palha PF, Arcêncio RA. Áreas com queda da cobertura vacinal para BCG, poliomielite e tríplice viral no Brasil (2006-2016): mapas da heterogeneidade regional. Cad Saude Publica 2020; 36(4):e00015619.

21 Césare N, Mota TF, Lopes FFL, Lima ACM, Luzardo R, Quintanilha LF, Andrade BB, Queiroz ATL, Kiyoshi FF. Longitudinal profiling of the vaccination coverage in Brazil reveals a recent change in the patterns hallmarked by differential reduction across regions. Int J Infect Dis 2020; 98:275-80.
-2222 Silveira MF, Buffarini R, Bertoldi AD, Santos IS, Barros AJD, Matijasevich A, Menezes AMB, Gonçalves H, Horta BL, Barros FC, Barata RB, Victora CG. The emergence of vaccine hesitancy among upper-class Brazilians: results from four birth cohorts, 1982-2015. Vaccine 2020; 38(3):482-488.. Estudo conduzido com dados de 2006 a 2016 indicou uma tendência de diminuição da cobertura vacinal da pólio, com redução de 1,3% a cada ano no período analisado e também de forma heterogênea no país2020 Arroyo LH, Ramos ACV, Yamamura M, Weiller TH, Crispim JA, Cartagena-Ramos D, Fuentealba-Torres M, Santos DTD, Palha PF, Arcêncio RA. Áreas com queda da cobertura vacinal para BCG, poliomielite e tríplice viral no Brasil (2006-2016): mapas da heterogeneidade regional. Cad Saude Publica 2020; 36(4):e00015619..

A queda das coberturas vacinais tem sido atribuída a diversos fatores, entre eles o subfinanciamento do Sistema Único de Saúde2323 Paim J, Travassos C, Almeida C, Bahia L, Macinko J. The Brazilian health system: history, advances, and challenges. Lancet 2011; 377(9779):1778-1797., problemas de gestão dos serviços, organização das salas de vacinação e da comunicação em saúde, além do aumento de vacinas do calendário, resultando em maior complexidade do programa, desde a gestão até a administração2121 Césare N, Mota TF, Lopes FFL, Lima ACM, Luzardo R, Quintanilha LF, Andrade BB, Queiroz ATL, Kiyoshi FF. Longitudinal profiling of the vaccination coverage in Brazil reveals a recent change in the patterns hallmarked by differential reduction across regions. Int J Infect Dis 2020; 98:275-80.. Além disso, contribuem para o contexto de queda da CV, a mudança do sistema de informação de dados de doses aplicadas para dados individuais, o desconhecimento da importância da vacinação, o fortalecimento dos movimentos antivacinas, a disseminação de fake news, que reforçam a hesitação em vacinar99 Domingues CMAS, Maranhão AGK, Teixeira AM, Fantinato FFS, Domingues RAS. 46 anos do Programa Nacional de Imunizações: uma história repleta de conquistas e desafios a serem superados. Cad Saude Publica 2020; 36(Supl. 2):e00222919.. Entre as principais questões envolvidas na hesitação vacinal, estão a insegurança quanto à sua eficácia/qualidade e as dissonâncias políticas e organizacionais entre setores governamentais, entidades de saúde e órgãos supranacionais.

Outro fator que pode operar na redução de coberturas vacinais são as desigualdades socioeconômicas2424 Arsenault C, Harper S, Nandi A, Mendoza Rodríguez JM, Hansen PM, Johri M. Monitoring equity in vaccination coverage: a systematic analysis of demographic and health surveys from 45 Gavi-supported countries. Vaccine 2017; 35(6):951-959.,2525 Ali HA, Hartner AM, Echeverria-Londono S, Roth J, Li X, Abbas K, Portnoy A, Vynnycky E, Woodruff K, Ferguson NM, Toor J, Gaythorpe KA. Vaccine equity in low and middle income countries: a systematic review and meta-analysis. Int J Equity Health 2022; 21(1):92.. Corroboram nesse sentido os achados deste estudo, com uma maior queda no CV nos estados das regiões Norte e Nordeste e nos municípios de maior privação. Arroyo et al. (2020)2020 Arroyo LH, Ramos ACV, Yamamura M, Weiller TH, Crispim JA, Cartagena-Ramos D, Fuentealba-Torres M, Santos DTD, Palha PF, Arcêncio RA. Áreas com queda da cobertura vacinal para BCG, poliomielite e tríplice viral no Brasil (2006-2016): mapas da heterogeneidade regional. Cad Saude Publica 2020; 36(4):e00015619. registraram reduções mais aceleradas de coberturas nessas regiões, principalmente nos estados do Pará, do Maranhão e da Bahia. Embora diversos estudos apontem para menor cobertura vacinal entre segmentos da população socialmente mais vulneráveis2424 Arsenault C, Harper S, Nandi A, Mendoza Rodríguez JM, Hansen PM, Johri M. Monitoring equity in vaccination coverage: a systematic analysis of demographic and health surveys from 45 Gavi-supported countries. Vaccine 2017; 35(6):951-959.,2525 Ali HA, Hartner AM, Echeverria-Londono S, Roth J, Li X, Abbas K, Portnoy A, Vynnycky E, Woodruff K, Ferguson NM, Toor J, Gaythorpe KA. Vaccine equity in low and middle income countries: a systematic review and meta-analysis. Int J Equity Health 2022; 21(1):92., essa associação pode ser inversa a depender de características do sistema de saúde2626 Moraes JC, Ribeiro MCSA. Desigualdades sociais e cobertura vacinal: uso de inquéritos domiciliares. Rev Bras Epidemiol 2008; 11(Supl. 1):113-124.,2727 Tauil MC, Sato AP, Waldman EA. Factors associated with incomplete or delayed vaccination across countries: a systematic review. Vaccine 2016; 34(24):2635-2643.. Em países com sistemas de saúde com disponibilidade universal e gratuita à vacina, como o Brasil, a cobertura vacinal pode ser considerada um indicador de acesso ao PNI2626 Moraes JC, Ribeiro MCSA. Desigualdades sociais e cobertura vacinal: uso de inquéritos domiciliares. Rev Bras Epidemiol 2008; 11(Supl. 1):113-124.. Domingues et al. (2020)99 Domingues CMAS, Maranhão AGK, Teixeira AM, Fantinato FFS, Domingues RAS. 46 anos do Programa Nacional de Imunizações: uma história repleta de conquistas e desafios a serem superados. Cad Saude Publica 2020; 36(Supl. 2):e00222919. consideram que o bom desempenho observado entre 2000 e 2015 expressava a equidade de acesso promovida pelo SUS2323 Paim J, Travassos C, Almeida C, Bahia L, Macinko J. The Brazilian health system: history, advances, and challenges. Lancet 2011; 377(9779):1778-1797.. No entanto, determinantes socioeconômicos também afetam a vacinação devido à complexa relação com a confiança no programa de imunizações, nos serviços e profissionais da saúde, com a complacência relacionada à baixa percepção do risco das doenças imunopreveníveis2828 Bertoncello C, Ferro A, Fonzo M, Zanovello S, Napoletano G, Russo F, Baldo V, Cocchio S. Socioeconomic determinants in vaccine hesitancy and vaccine refusal in Italy. Vaccines (Basel) 2020; 8(2):276..

Soma-se a essa tendência de diminuição da cobertura vacinal, a pandemia de COVID-19, que trouxe desafios adicionais tanto em relação à redução das coberturas quanto ao aumento das desigualdades sociais, afetando de forma mais intensa a população mais vulnerável2929 Spencer N, Markham W, Johnson S, Arpin E, Nathawad R, Gunnlaugsson G, Homaira N, Rubio MLM, Trujillo CJ. The Impact of COVID-19 pandemic on inequity in routine childhood vaccination coverage: a systematic review. Vaccines (Basel) 2022; 10(7):1013.,3030 Shet A, Carr K, Danovaro-Holliday MC, Sodha SV, Prosperi C, Wunderlich J, Wonodi C, Reynolds HW, Mirza I, Gacic-Dobo M, O'Brien KL, Lindstrand A. Impact of the SARS-CoV-2 pandemic on routine immunisation services: evidence of disruption and recovery from 170 countries and territories. Lancet Glob Health 2022; 10(2):e186-e194.. Em 2021, já se observou o agravamento causado pela pandemia de COVID-19, estimando-se que apenas 80% das crianças receberam as três doses da vacina de poliomielite e 25 milhões de crianças menores de 1 ano não tinham recebido o esquema básico de vacinação, número mais elevado desde 20093131 World Health Organization (WHO). Immunization coverage [internet]. 2022. [cited 2022 nov 1]. Available from: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/immunization-coverage
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Estudos internacionais também notificaram que a pandemia afetou o acesso aos serviços de vacinação de rotina3232 Kiely M, Mansour T, Brousseau N, Rafferty E, Paudel YR, Sadarangani M, Svenson LW, Robinson JL, Gagneur A, Driedger SM, MacDonald SE. COVID-19 pandemic impact on childhood vaccination coverage in Quebec, Canada. Hum Vaccin Immunother 2022; 18(1):2007707.,3333 McDonald HI, Tessier E, White JM, Woodruff M, Knowles C, Bates C, Parry J, Walker JL, Scott JA, Smeeth L, Yarwood J, Ramsay M, Edelstein M. Early impact of the coronavirus disease (COVID-19) pandemic and physical distancing measures on routine childhood vaccinations in England, January to April 2020. Euro Surveill 2020; 25(19):2000848.. Em virtude da grande demanda de profissionais na linha de frente, houve restrições no atendimento eletivo, as rotinas das salas de vacinação foram interrompidas e muitas crianças deixaram de ser vacinadas88 Silva TMR, Sá ACMGN, Vieira EWR, Prates EJS, Beinner MA, Matozinhos FP. Number of doses of Measles-Mumps-Rubella vaccine applied in Brazil before and during the COVID-19 pandemic. BMC Infect Dis 2021; 21(1):1237.,3434 SeyedAlinaghi S, Karimi A, Mojdeganlou H, Alilou S, Mirghaderi SP, Noori T, Shamsabadi A, Dadras O, Vahedi F, Mohammadi P, Shojaei A, Mahdiabadi S, Janfaza N, Keshavarzpoor Lonbar A, Mehraeen E, Sabatier JM. Impact of COVID-19 pandemic on routine vaccination coverage of children and adolescents: a systematic review. Health Sci Rep 2022; 5(2):e00516.. No Brasil, estudos descreveram essa queda mais acentuada em crianças de famílias mais pobres88 Silva TMR, Sá ACMGN, Vieira EWR, Prates EJS, Beinner MA, Matozinhos FP. Number of doses of Measles-Mumps-Rubella vaccine applied in Brazil before and during the COVID-19 pandemic. BMC Infect Dis 2021; 21(1):1237.,3535 Souza JFA, Silva TPRD, Silva TMRD, Amaral CD, Ribeiro EEN, Vimieiro AM, Oliveira MMM, Matozinhos FP. Cobertura vacinal em crianças menores de um ano no estado de Minas Gerais, Brasil. Cien Saude Colet 2022; 27(9):3659-3667.,3636 Silveira MF, Tonial CT, Goretti K Maranhão A, Teixeira AMS, Hallal PC, Maria B Menezes A, Horta BL, Hartwig FP, Barros AJD, Victora CG. Missed childhood immunizations during the COVID-19 pandemic in Brazil: Analyses of routine statistics and of a national household survey. Vaccine 2021; 39(25):3404-3409., além da heterogeneidade espacial desses indicadores entre os municípios e regiões brasileiras2020 Arroyo LH, Ramos ACV, Yamamura M, Weiller TH, Crispim JA, Cartagena-Ramos D, Fuentealba-Torres M, Santos DTD, Palha PF, Arcêncio RA. Áreas com queda da cobertura vacinal para BCG, poliomielite e tríplice viral no Brasil (2006-2016): mapas da heterogeneidade regional. Cad Saude Publica 2020; 36(4):e00015619.,2121 Césare N, Mota TF, Lopes FFL, Lima ACM, Luzardo R, Quintanilha LF, Andrade BB, Queiroz ATL, Kiyoshi FF. Longitudinal profiling of the vaccination coverage in Brazil reveals a recent change in the patterns hallmarked by differential reduction across regions. Int J Infect Dis 2020; 98:275-80..

As baixas coberturas vacinais e a desigualdade existente são preocupantes pelo risco de reemergência e do descontrole de doenças imunopreveníveis. Inclusive, na 14a reunião da Comissão Regional de Certificação de Erradicação da Poliomielite para a região das Américas, realizada em 2022, considerou-se a região como de muito alto risco para a reintrodução da poliomielite. Essa análise de risco leva em consideração a cobertura vacinal, a vigilância epidemiológica de paralisia flácida aguda, a situação de contenção laboratorial do poliovírus, determinantes de saúde e a capacidade de preparação para surtos3737 Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Alerta epidemiológico: detecção de poliovírus tipo 2 derivado de vacina (VDPV2) nos Estados Unidos: implicações para a Região das Américas. Washington: OPAS/OMS; 2022..

Internacionalmente, têm sido promovidas estratégias para reverter a situação. A Agenda de Imunização de 2030 objetiva “um mundo onde todos, em todos os lugares, em todas as idades, se beneficiem das vacinas”, mantendo-se os ganhos conquistados em décadas pelos programas de imunizações e recuperando-se das interrupções causadas pela pandemia3131 World Health Organization (WHO). Immunization coverage [internet]. 2022. [cited 2022 nov 1]. Available from: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/immunization-coverage
https://www.who.int/news-room/fact-sheet...
. Torna-se crucial revisitar estratégias de vacinação, com enfoque na equidade e em populações mais vulneráveis3838 GBD 2020, Release 1, Vaccine Coverage Collaborators. Measuring routine childhood vaccination coverage in 204 countries and territories, 1980-2019: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2020, Release 1. Lancet 2021; 398(10299):503-521..

Nesse sentido, no Brasil, em novembro de 2022, o Ministério da Saúde lançou o Plano Nacional de Resposta a Evento de Detecção de Poliovírus e Surto de Poliomielite com o objetivo de estabelecer diretrizes para respostas oportunas à detecção ou a surto causado por poliovírus selvagem ou poliovírus derivado da vacina, por meio do fortalecimento da capacidade nacional e operacional dos estados e dos municípios3939 Ministério da Saúde (MS). Plano nacional de resposta a um evento de detecção de poliovírus e um de surto de poliomielite: estratégia do Brasil Brasília: MS; 2022..

Entretanto, há diversos desafios que vêm sendo pontuados para a manutenção da erradicação do poliovírus no Brasil. Entre eles, destacam-se a redução das taxas de abandono, o aumento da homogeneidade da CV e a consolidação da vigilância a paralisias flácidas e da vigilância laboratorial e genômica dos casos de poliomielite causada por vírus derivados da vacina4040 Verani JFDS, Laender F. A erradicação da poliomielite em quatro tempos. Cad Saude Publica 2020; 36(Supl. 2):e00145720.. Soma-se a isso a importância dos investimentos na rede básica de saúde, no treinamento das equipes e numa melhor estrutura de salas de vacina, que têm potencial para retomar a meta de cobertura vacinal adequada para a poliomielite e outras vacinas no país, como em tempos passados e em parcerias fronteiriças. Ressalta-se também a importância dos agentes comunitários de saúde no resgate dos casos de abandono vacinal nos territórios e a relevância do aprimoramento e da atualização das estratégias de comunicação em saúde para aumentar a confiança nas vacinas e se contrapor aos movimentos antivacina.

Entre as limitações do estudo, destacam-se a utilização de dados secundários, com informações nem sempre completas e precisas. A unidade de análise foi a CV já calculada pelo PNI em anos, o que gera uma série temporal com poucos pontos no tempo, podendo resultar em baixo poder e, consequentemente, menor precisão das estimativas e intervalos de confiança mais amplos. Contudo, não foram feitas predições, apenas descrição das mudanças das CV no período. De qualquer maneira, os resultados devem ser interpretados com cautela. Soma-se a isso a mudança na coleta de dados, que a partir de 2013 passou a ter o registro em tempo real. A imprecisão e falta de disponibilidade dos dados da rede privada e dos registros em dias de campanhas de vacinação também são dignos de nota. Entretanto, são dados de um sistema de informação oficial de base populacional sobre vacinação que cobre todo o território nacional. As estimativas populacionais foram obtidas da base de dados do Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e podem não refletir a real composição da faixa etária estudada. Coberturas vacinais que ultrapassam 100% podem indicar imprecisões nas estimativas, tanto relacionadas à população-alvo quanto à informação acerca do número de doses aplicadas2929 Spencer N, Markham W, Johnson S, Arpin E, Nathawad R, Gunnlaugsson G, Homaira N, Rubio MLM, Trujillo CJ. The Impact of COVID-19 pandemic on inequity in routine childhood vaccination coverage: a systematic review. Vaccines (Basel) 2022; 10(7):1013..

Conclusão

Ao longo dos anos, particularmente após o início da pandemia de COVID-19, unidades de federação e Regiões de Saúde do Brasil apresentaram diferenças entre as quedas de cobertura da importante vacina contra a poliomielite nos primeiros 12 meses de vida da criança. As maiores quedas foram identificadas em unidades da federação e Regiões de Saúde com maior vulnerabilidade social após 2019. No contexto globalizado, a queda na cobertura vacinal contra a poliomielite no Brasil na última década mostra que o risco de reintrodução e circulação do vírus selvagem é iminente, o retrocesso é real e os desafios precisam ser enfrentados com o fortalecimento do SUS e a excelência conhecida do PNI.

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  • Financiamento

    Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - Bolsa Produtividade de vários pesquisadores.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    Fev 2023

Histórico

  • Recebido
    17 Nov 2022
  • Aceito
    17 Nov 2022
  • Publicado
    19 Nov 2022
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br