EDITORIAL EDITORIAL

 

A missão da ENSP frente à Reforma Sanitária

 

 

Paulo Marchiori Buss

Professor Assistente Vice-Diretor da ENSP

 

 

Na presente conjuntura está muito claro um dos papéis centrais da Escola Nacional de Saúde Pública: contribuir para a construção do projeto da Reforma Sanitária Brasileira, processo no qual é ator político dinâmico a comunidade científica da ENSP. Vale dizer que as ações que serão desenvolvidas pela ENSP neste processo direcionam-se não à implementação de uma incerta reforma sanitária, mas à Reforma Sanitária que como legítimo ator político cabe à academia, representada pela Escola, ajudar a construir, enquanto projetos político e técnico.

Estar adequadamente preparada para o papel que lhe será exigido em todo este processo é um dos deveres da Escola. Neste sentido, nosso entendimento é o de que compete a ENSP desempenhar-se, da melhor forma possível: 1) no preparo de recursos humanos da área de Saúde Coletiva; 2) na produção de conhecimento técnico-científico na área; e 3) no apoio técnico ao debate crítico e implementação das propostas reformistas.

É importante que adjetivemos (ou, quiçá, substantivemos) estes três pontos centrais da missão da Escola no processo.

Quando falamos de preparo de recursos humanos na área da saúde coletiva, referimo-nos particularmente a quadros dirigentes de alto nível para os serviços de saúde do país e quadros docentes e pesquisadores em número e qualidade capazes de suprir os enormes vazios que se verificam, neste último campo, nos estados, seja nas estruturas universitárias, seja nos centros de preparação de pessoal dos próprios serviços de saúde, particularmente as CIS e as Secretarias Estaduais de Saúde.

Queremos nos referir a recursos humanos comprometidos ética e politicamente com as necessidades e anseios da população e com elevado grau.de capacitação técnica para viabilizar as propostas políticas de mudança e compromisso.

Falamos também dos campos do conhecimento sobre os quais possuímos hoje um razoável domínio: a administração e o planejamento de saúde em suas diferentes áreas; a epidemiologia e os métodos quantitativos em saúde, incluindo a área da vigilância epidemiológica; o saneamento e a engenharia sanitária; a saúde do trabalhador e a ecologia humana; a biologia e os processos de controle das principais doenças parasitárias e endêmicas e as ciências sociais em saúde. Entendemos que é necessário aperfeiçoar e estender (ampliar) a experiência da Instituição em alguns destes campos e preparar-se para a incorporação de áreas nas quais não dispomos ainda de experiência suficiente. Apenas para exemplificar, mencionamos as áreas da vigilância sanitária e da avaliação tecnológica em saúde.

Vale dizer, também, que é necessário dar qualidade ao processo de ensino-aprendizagem que realizamos, num processo em que a pedagogia não seja um obstáculo à criatividade, mas um verdadeiro instrumento de mudanças.

Esta constatação nos remete de imediato para a segunda missão da Escola. Nos campos que pouco temos experiência — e que são prioritários para a implementação de uma Reforma Sanitária ampla e transformadora — precisamos investir, produzindo um conhecimento capaz de gerar um corpo conceitual e metodológico capaz de transformar-se, assim e só assim, em matéria docente. Da mesma forma, entendemos que a produção de conhecimento é o único processo capaz de sustentar o processo docente, quer fornecendo e apoiando os conteúdos temáticos, quer criando as condições da prática pedagógica da investigação para os alunos. É, também, a forma mais efetiva de capacitação e reatualização do pessoal docente, sem o que a prática pedagógica se transforma em obstáculo à reflexão, à criatividade e à produção de conhecimentos, esterilizando o próprio processo de aprendizagem.

É necessário, ainda, aprofundar o conhecimento nos campos em que já dispomos de razoável experiência acumulada, mas que continuam a exigir um aprofundamento de sua abordagem, coisa imposta, aliás, pelo dinamismo epistemológico de um lado e pelas exigências do dinamismo social e institucional de outro.

Os aportes que pode dar esta Escola e todas as demais Instituições acadêmicas da área da saúde coletiva ao processo da Reforma Sanitária é a produção de um conhecimento simultaneamente útil e crítico, que seja capaz de colocar questões e novas formulações políticas e técnicas no cenário da saúde, consentâneas também simultaneamente às indagações acadêmicas e às necessidades da sociedade e das Instituições prestadoras dos mais diferentes serviços no campo da saúde.

Finalmente, o terceiro campo de missão desta Escola é o apoio ao debate crítico e à implementação das propostas da Reforma Sanitária através das ações de cooperação técnica e extensão. Não exclusivamente as ações de cooperação desenvolvidas tradicionalmente com os serviços de saúde para a implementação de propostas, mas o desenvolvimento de um vínculo estreito, o apoio e a cooperação — como também a contramão do aprendizado — com as organizações da sociedade civil, os sindicatos dos trabalhadores, as associações de moradores, os partidos políticos, as organizações dos profissionais de saúde, as organizações de minorias etc.

Mas significa também reformular e aperfeiçoar as práticas da cooperação com as Instituições públicas prestadoras de serviços de saúde, escolhendo aquelas cujas opções políticas são claramente populares e progressistas; aquelas que permitirem a experimentação de práticas docentes e investigativas; e aquelas que estiverem buscando inovação e alternativa para seu aperfeiçoamento.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br