TEMA

 

Considerações sobre o gasto em saúde no Brasil: dilemas até o final do século*

 

 

Pedro Luiz Barros Silva; Andre Cezar Medici

 

 

1 - INTRODUÇÃO

A crise da economia brasileira, compreendida entre 1980 e 1984, associada à brilhante e efêmera recuperação do período 1985 e 1986, coloca de forma evidente aos analistas as distorções e limitações da precária e desigual engrenagem de promoção de políticas sociais e de constituição de uma sociedade mais homogênea no Brasil. A rápida recuperação vivida desde setembro de 1984 e acelerada com o advento do plano de estabilização econômica,a partir de fevereiro de 1986, demonstrou ser possível viabilizar o sonho de construir uma sociedade capitalista retardatária que seja economicamente pujante e socialmente mais redistributiva.

Os impactos desta recuperação nos mecanismos de fornecimento de bens e serviços de corte social, especialmente na área da saúde, só não foram maiores em decorrência da fragilidade operacional dos sistemas de prestação, deteriorados pela prática de utilização dos recursos e da máquina burocrática do setor, ao longo dos governos autoritários.

Apesar do estímulo trazido ao setor saúde nesses anos de crescimento no volume de recursos gastos, a perspectiva de crise efetivamente inaugurada em 1987 nos coloca em um grave dilema: não basta gastar espasmodicamente nos setores sociais. É necessário fazer inversões e reordenamentos profundos na máquina burocrática dos setores sociais que sejam capazes de dar continuidade, de forma complementar, a uma política econômica que garanta a construção de uma sociedade mais equânime nos frutos de seu desenvolvimento. Isto requer a estruturação de fontes de financiamento compatíveis com a complexidade dada pelos limites do crescimento e com as metas de redistribuição e universalização que se almeja alcançar.

Os limites do crescimento estão dados pelas variáveis macroeconômicas, pelo ajustamento interno e pelo ajustamento externo em face das perspectivas dadas pela dinâmica da economia internacional. As metas de redistribuição e universalização, no caso do setor saúde, envolvem a construção de um sistema unificado e descentralizado que proporcione, à totalidade da população brasileira, um atendimento integral, regionalizado e hierarquizado e com capacidade resolutiva.

Tal desafio requer, não só recursos maiores e estáveis fontes de financiamento, como também sua correta distribuição intergovernamental, o que depende da direcionalidade e eficácia do processo de reforma tributária em dois sentidos:

a) maior comprometimento do gasto fiscal com as políticas sociais;

b) sua adequada redistribuição entre as esferas de governo de modo a possibilitar que cada uma delas possa suportar o gasto com aquela parcela do sistema de atendimento sob sua jurisdição.

O objetivo desse ensaio é, partindo da análise do comportamento das fontes de financiamento do setor saúde e dos montantes de gasto permitidos por cada uma, construir cenários alternativos, a partir da discussão de algumas hipóteses de crescimento dos recursos captados e suas possíveis aplicações.

 

2 - FONTES DE FINANCIAMENTO E DIMENSÕES DO GASTO EM SAÚDE

2.1 - Síntese das Fontes

Os mecanismos de financiamento da intervenção estatal em atenção à saúde podem ser divididos em três grandes blocos:

a) No primeiro bloco, o financiamento é efetuado através da destinação dos recursos originários do orçamento fiscal, os quais têm sido aplicados prioritariamente no desenvolvimento das ações em atenção médica sanitária e correlatas (serviços básicos de saúde, controle de doenças transmissíveis, produtos profiláticos e terapêuticos, alimentação e nutrição). Além disso algumas ações no campo médico-hospitalar são financiadas com recursos do orçamento fiscal, destacando-se a manutenção dos hospitais do Ministério da Saúde, do MEC e dos Ministérios Militares.

b) No segundo bloco, os recursos provêm dos mecanismos de financiamento do SINPAS, isto é, das contribuições compulsórias de empregados, empregadores e das contribuições da União. Estas últimas são destinadas a cobrir, em tese, as despesas de custeio e eventuais insuficiências do SINPAS. Tais recursos estão voltados, de modo, geral ao financiamento das ações de natureza médico-hospitalar para a clientela do complexo médico-previdenciário.

c) No terceiro bloco, os recursos provém, em parte, do orçamento fiscal e de outra parte, das receitas tributárias próprias dos Estados e Municípios. Destinam-se a financiar as ações das Secretarias Estaduais e Municipais de saúde, ligadas a manutenção de postos e centros de saúde, voltados a atenção primária para as populações locais. São utilizados, também, na manutenção dos hospitais gerais, estaduais e municipais, onde funcionam serviços clínicos e cirúrgicos bem como atendimentos de emergência com maior complexidade.

Ainda que a separação desses três blocos venha, nos anos mais recentes, se tornando menos clara, em virtude da participação de recursos previdenciários em programas financiados de forma usual pelo orçamento fiscal, bem como, pela transferência de recursos do SINPAS às secretarias de saúde estaduais e municipais, através das Ações Integradas de Saúde, vale configurar, neste trabalho, a existência de três mecanismos de financiamento bem distintos. Ao examinar sua natureza, pretende-se aferir os padrões prevalescentes de financiamento do desenvolvimento social no Brasil.

Deve-se admitir, ainda, a existência de um quarto bloco de recursos oriundos de fundos sociais extra-orçamentários, tais como o FINSOCIAL, FGTS, PIS/PASEP, Salário-Educação, PIN/PROTERRA, FAS e Contribuição Sindical. Esses recursos, se somados à receita previdenciária, constituiriam 83% da receita tributária da União em 1984, configurando, praticamente, um segundo Orçamento Fiscal. As transferências desses fundos para o setor saúde têm sido cada vez mais elevadas.

2.2- O Gasto Federal em Saúde.

O gasto federal em saúde compreende, como vimos, a soma dos recursos do Tesouro, recursos do FPAS e de recursos dos Fundos Sociais, em especial o FAS e o FINSOCIAL, e de outras fontes cuja importância vem declinando continuadamente nos anos oitenta.

A tabela 1 evidencia que entre 1980 e 1986, o gasto da Previdência Social continua sendo a principal fonte de custeio das políticas de saúde. Com exceção de 1984, sua participação no gasto tal vem declinando, passando de 85,7% no início da década a 77%, aproximadamente, em 1986. Essa diminuição relativa pode ser atribuída, ao aumento da participação dos gastos federais, que evoluíram de 13% (em 1980) para quase 23% (em 1986) num processo contínuo de aumento real de recursos, à exceção dos anos de 1983 e 1984. O mesmo não se pode dizer em relação aos recursos da Previdência Social, onde observou-se uma queda real de 27% entre 1980 e 1983. A recuperação do nível de gastos ocorrida de 1984 a 1986 não foi suficiente, todavia, para recuperar o patamar atingido no início da década. Isso é agravado pelo fato da população brasileira, em igual período, ter crescido significativamente, passando de 119 milhões de habitantes, em 1980, para algo em torno de 139 milhões em 1986.

Cabe ressaltar que os Fundos Sociais, em especial o FAS, e FINSOCIAL detêm participação reduzida no financiamento do investimento, pois nota-se que o somatório dos recursos despendidos por esses fundos, em nenhum momento ultrapassou os 4% do total de gasto federal em Saúde, quantia irrisória para qualquer esforço consistente de recuperação da base técnica instalada no setor público.

O somatório de todos esses itens evidencia que o gasto federal em saúde realizado em 1986 da ordem de Cz$ .... 148, 2 bilhões a preços de maio de 1987, situando-se ainda um pouco abaixo dos recursos despendidos ao setor em 1980. Isto porque de 1980 a 1983, o gasto global reduziu-se para Cz$ 115,6 bilhões (decréscimo de 22,2%) só voltando a se recuperarem 1984 conjuntamente com a retomada do crescimento da economia, do emprego e dos salários.

Em decorrência, o gasto federal per capita em saúde, como demonstra a tabela 2, é irrisório, não chegando, sequer a meio salário mínimo anual por habitante (Cz$ 1.066,00 em 1986, a preços de maio de 1987).

 

 

2.3. O Gasto Público em Saúde das Administrações Estaduais e Municipais

Os gastos com saúde realizados pelos Estados e Municípios montavam recursos da ordem de US$ 1,9 bilhão em 1984. Estimativas para 1986, conforme mostra a tabela 3, evidenciam uma elevação real desse gasto para US$ 2,2 bilhões (14% no período), o que equivale a cerca de Cz$ . . . . 65,0 bilhões, se forem eliminados duplas contagens e possíveis erros de estimava. Tal dispêndio equivale a metade dos gastos do INAMPS e pouco mais de 1/3 dos gastos públicos federais com saúde, refletindo o processo de centralização de recursos que ainda perdura em nosso país. Países próximos, como a Argentina, detêm relações bem mais descentralizadas, onde o gasto das províncias e municipalidades, equivale a mais de 2/3 do gasto federal.

 

 

No caso brasileiro, o padrão de distribuição de recursos para a saúde entre as esferas de Governo implica numa completa dependência dos níveis locais e regionais às fontes de financiamento e aos perfis de política desenhados pelo Governo Federal. Ao mesmo tempo, os Estados e Municípios gestaram internamente um padrão de gastos onde a ausência de preocupação com o resultado final dos serviços implicou, como mostra a tabela 4, em grandes distorções, ou seja: altos percentuais de gasto com atividades burocráticas e alocação deficiente de recursos nos programas de assistência sanitária geral, que se constituem tarefas precípuas destas esferas de Governo.

 

 

Tais evidências mostram que, não só é preciso reverter este nível de centralização como reordenar o padrão do gasto em saúde realizado pelos Estados e Municípios.

2.4. O Gasto Global em Saúde

Embora não existam informações precisas e sistemáticas sobre a magnitude do gasto total em saúde, dada a ausência de informações sobre o gasto privado, estima-se que este, em 1982, situava-se na ordem de 38% em relação ao gasto total realizado. As pessoas físicas eram responsáveis por 26%, os sistemas patronais 5%, o gasto em seguro saúde 4% e os sistemas sindicais e entidades filantrópicas 3%. Dados da Receita Federal indicam que os abatimentos, com médicos, dentistas, psicólogos e serviços hospitalares montavam, em 1984, a US$ 620 milhões. Tal cifra representava, à época, 18% do gasto federal em saúde e aproximadamente 23% sobre o gasto realizado pelo INAMPS. Note-se que essa quantia já foi maior no passado, chegando a aproximar-se da casa dos 40% do total de gastos do INAMPS no início da década. É possível supor que essa (40% do total gasto pelo INAMPS) cifra seja um bom indicador do gasto declarado pelas pessoas físicas em 1986.

Supondo-se que em 1986 a distribuição interna do gasto privado com saúde manteve-se, no essencial, idêntica e equivalente aos 38% do gasto global, estima-se que tais gastos podem ter chegado a 130 bilhões de cruzados naquele ano. Isto faria com que o gasto global com saúde chegasse a 343,2 bilhões de cruzados, ou seja US$ 10 bilhões ou ainda cerca de 3,9% do PIB. Isto equivaleria a um gasto global de Cz$ 2.469,00 anuais per capita. Se considerarmos que o gasto privado envolve, no máximo 15 milhões de pessoas, isso significa um gasto anual per capita na área privada de Cz$ 8.667,00 para este segundo, o qual envolve, reconhecidamente, a população com maior poder aquisitivo.

O gasto per capita da imensa maioria da população, segundo esse raciocínio, se reduz a Cz$ 1.719,00, em termos anuais, demonstrado, além da ineqüidade, a insuficiência do volume de recursos despêndidos no Brasil com atenção a saúde. Na Argentina, por exemplo, gasta-se Cz$ 6.300,00 anuais per capita com saúde, com uma distribuição da despesa sabidamente mais equânime.

 

3 - A ESTRUTURA INTERNA DO GASTO DO INAMPS NO PERÍODO RECENTE

O gasto do INAMPS, conforme demonstra a tabela 5, tem oscilado de 1979 a 1986 de 22% (1983) ao máximo de 27,6% em 1980, da despesa total realizada pelo MPAS em todas as suas funções. Como não há uma fixação "a priori" dos recursos destinados a saúde, os gastos do INAMPS detêm caráter residual em relação a despesa realizada com benefícios e conjunturalmente têm-se retraído nos períodos recessivos, de acordo com a mesma tabela. Em termos reais isso significou um decréscimo de 25% na conjuntura mais crítica (25% entre 1980 e 1983) e, apesar da elevação ocorrida a partir de 1984, não se conseguiu recuperar o nível de gastos realizados em 1980 por aquela instituição.

A distribuição da despesa do INAMPS por prestadores (tabelas 6 e 7) revela uma rápida modificação na composição interna do gasto, a partir de 1984, notadamente no que diz respeito a distribuição dos recursos entre os setores público/privado. Até 1983, o setor privado contratado detinha uma participação superior a 61% da despesa realizada. Note-se que entre 1979 e 1980, tal participação era superior a 75%. Em 1985 e 1986 ela se reduz para 49% e 46% respectivamente. Com isso, passam a ser privilegiados a rede própria de serviços do INAMPS e os convênios realizados com órgãos governamentais (Estados e Municípios) e com as Universidades. Trata-se de um esforço pioneiro de conseguir produzir serviços de saúde utilizando mais adequadamente a capacidade instalada do setor público. Dado o caráter recente dessa diretriz, que se inicia com as Ações Integradas de Saúde e se intensifica com a recente experiência de implantação do sistema unificado e descentralizado, é preciso ter claro que um esforço efetivo de obter melhor desempenho de uma rede de serviços tão deteriorada tem limites reais que são a própria capacidade de investimento no setor e a manutenção e mesmo ampliação dos gastos em custeio observados no período recente. Somente um esforço no sentido de ampliar tal capacidade de investimento e custeio, associada a uma correta organização dos sistemas estaduais e locais de saúde poderá garantir uma efetiva transformação da política de saúde de forma a aumentar a qualidade e a quantidade de serviços, à disposição dos usuários, num sistema mais equânime, integrado e universal.

 

 

É importante destacar, finalmente, que a complexidade e a heterogeneidade da sociedade brasileira associadas a uma rápida transformação do padrão epidemiológico, vinculadas ao aumento dos níveis de urbanização e metropolização, impõem, ao contrário do que se pensava no final dos anos setenta, a manutenção de uma política que, a despeito de ampliar os cuidados em saúde nos níveis de atendimento primário e secundário, garanta o contínuo desenvolvimento dos níveis de maior complexidade. Sem isso, será impossível enfrentar os problemas de saúde de uma nação onde coexistem as doenças da pobreza e as mazelas das sociedades pós-industriais.

 

4 - CENÁRIOS ALTERNATIVOS DE CRESCIMENTO DOS GASTOS EM SAÚDE DO INAMPS.

A tarefa de projeção dos níveis de gastos em políticas sociais, numa sociedade onde a questão redistributiva não se encontra suficientemente equacionada, e a vontade política dos governantes em obtê-la é oscilante na prática e normativa no planejamento, é sem dúvida uma aventura. Neste ensaio, preferimos fugir da árdua tarefa de combinar, no plano econométrico, variáveis de desempenho da economia (crescimento do produto, multiplicador emprego/salários, evolução da carga tributária, impacto sobre a arrecadação previdenciária, comportamento da inflação e balanço de pagamentos) e demanda por bens e serviços públicos de natureza social, para conseguir determinar algumas projeções.

Preferimos construir cenários alternativos a partir de alguns comportamentos possíveis e razoáveis das únicas variáveis que nos parecem controláveis ou seja, o comportamento da arrecadação das contribuições compulsórias da Previdência Social, da receita total do SINPAS e do gasto do INAMPS. Tal escolha prende-se a duas ordens de fatores:

a) Trata-se de um conjunto de variáveis associadas ou dependentes de um fundo de financiamento que se constitui legal e historicamente um patrimônio dos trabalhadores e da própria sociedade brasileira, sofrendo por isso, em grau menor, o arbítrio dos governantes. Isso significa que tal fundo possui um grau de autonomia relativa de suas aplicações, tal fato tem garantido uma certa continuidade de fluxos; o que não significa desde logo que defenda-se aqui o seu grau de predominâncias no financiamento das ações de saúde.

b) Como o INAMPS representa a maior parcela do gasto federal em saúde no Brasil, podemos formular hipóteses sobre os níveis de gasto futuro desta instituição e derivar daí a necessidade de gasto das outras esferas de Governo para que possamos atingir patamares compatíveis com a complexidade do perfil de saúde da população nos próximos anos, ainda que de maneira simplificada.

Nossa hipótese básica parte de três cenários alternativos. O primeiro, denominado "cenário de estabilidade (quadro em anexo)" pressupõe que a despesa do INAMPS equivaleria a 27% da receita do SINPAS em 1988; 28% em 1989 e 30% de 1990 até o ano 2000. O patamar de 30% não é um número mágico, mas sim a observação, com algum otimismo, de um nível razoável de participação da Previdência Social no gasto em saúde, dada a limitação imposta pelo movimento real de arrecadação e de despesas com benefícios. A receita total foi estimada anualmente sendo 5% superior à arrecadação, para fins de simplificação.

O crescimento da arrecadação neste cenário é nulo em 1987 e 1988, em termos reais, em função das possíveis estratégias de ajuste da economia brasileira. A partir de 1989 supõe-se um crescimento de 1,26% reais ao ano, o que seria suficiente para compensar o crescimento dos empregos e dos salários em patamares bem módicos e com a manutenção de um patamar de desemprego superior ao friccional.

Neste cenário as despesas do INAMPS no ano 2000, a preços de maio de 1987, chegarão a 178,5 bilhões de cruzados com um crescimento bruto estimado em 37% entre 1987 e 2000.

O segundo cenário, pessimista, tem como hipóteses básicas um decréscimo de arrecadação de 2% reais em 1987 e 1988 e um crescimento entre 1989 e 2000 da ordem de 0,74% ao ano. Nesta hipótese a economia brasileira permaneceria com fortes restrições tanto internas quanto externas ao crescimento e o multiplicador emprego/salário cresceria muito menos do que a oferta global de força de trabalho, resultando, ou numa deterioração do salário real (caso a absorção de emprego, seja maior) ou num aumento do desemprego (caso os salários permaneçam constantes ou aumentem ligeiramente).

 

 

Mantêm-se as mesmas hipóteses para o nível de participação do INAMPS na receita total e dos critérios de formação desta receita. Neste caso as despesas do INAMPS no ano 2000 chegariam a 164,5 bilhões de cruzados, com um crescimento bruto estimado em apenas 26,5% com relação a 1987.

 

 

O terceiro cenário, otimista, supõe um crescimento da arrecadação da ordem de 2% entre 1987 e 1988 e 4,8% anuais entre 1989 e 2000. Neste cenário, a economia brasileira poderia retomar, em moldes mais contidos, seu ritmo histórico de crescimento do produto e da renda permitindo absorver boa parte da população economicamente ativa, elevar salários em termos reais e manter o desemprego a níveis próximos do friccional. As mesmas hipóteses para receita e participação do INAMPS seguem mantidas. Neste caso a elevação real bruta dos gastos do INAMPS, chegam a 111,5%, garantindo recursos adicionais para o investimento e o custeio da política traçada para o setor saúde.

 

 

A hipótese otimista nos favorece o manejo de projeção de alguns agregados macroeconômicos como o PIB. Supondo-se um crescimento anual real deste agregado na ordem de 2% de 1987 a 1990 (período de ajuste) e de 4% a partir de 1991 até o ano 2000, conforme tabela 8, o PIB poderá chegar a 15,2 trilhões de cruzados no ano 2000 (57% com relação a 1987). As despesas do INAMPS chegarão, conforme o cenário otimista, a l ,8% do PIB, o que representa 50% de aumento com relação ao gasto atual/PIB.

 

 

Mantendo-se constante o gasto privado/PIB e almejando uma relação gasto total com saúde/PIB da ordem de 6,5%, que é o padrão mínimo de gasto em um país com nível de desenvolvimento econômico equivalente a patamares de desenvolvimento social muito superiores, como a Argentina, chegamos a 990 bilhões de cruzados de gasto total em saúde, no ano 2000. A composição ótima desse gasto, expressa na tabela 9 seria de 213,2 bilhões de gastos privados; 275 bilhões, como já foi visto, de contribuição da Previdência Social para a saúde; 379,8 bilhões das esferas descentralizadas de Governo e 122,0 bilhões para a esfera federal.

 

 

Com isso estamos supondo que a participação do gasto federal orçamentário em saúde em relação ao PIB deve ser multiplicada por dois e as dos Estados e Municípios por três. Note-se que, com isso, os recursos do orçamento fiscal contribuirão em igual medida com o esforço de gasto realizado na esfera privada e arrecadação através de contribuições compulsórias, o que nos parece razoável como meta factível num país com padrão de financiamento do gasto social tão pouco avançado.

Finalizando vale ressaltar, que somente a partir desse momento a política de atenção à saúde, enquanto uma ação governamental de caráter equânime e universal, estará sendo financiada majoritariamente pelos recursos oriundos, da tributação ordinária; meta almejada por todos aqueles que desejam ver estabelecida no Brasil uma cidade social plena.

 

 

* Os autores agradecem as instigantes observações e comentários de José Carvalho de Noronha, que auxiliaram o desenvolvimento deste ensaio.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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