RESENHA/REVIEW

 

 

Debatendo as Relações entre o Biológico e o Social

 

 

Paulo Marchiori Buss

Diretor da Ensp/Fiocruz

 

 

Epidemiologia e Sociedade — Heterogeneidade Estrutural e Saúde no Brasil, de Cristina Possas. São Paulo, Editora Hucitec, Coleção Saúde em Debate. Vol. 24, 271 pgs, Í989. ISBN 85-27-0083-5.

Elaborado originalmente como tese de doutoramento apresentada à Escola Nacional de Saúde Pública, este Epidemiologia e Sociedade constitui-se em contribuição rica, original e sistematicamente organizada ao debate das relações entre o biológico e o social na situação concreta da formação social brasileira.

No primeiro capítulo a autora descreve a atual configuração epidemiológica brasileira e as conseqüências da transição dos padrões demográficos e de morbi-mortalidade, marcada pelas persistências de padrões característicos do "atraso" sobrepostos à consolidação de padrões característicos da "modernidade". Faz isto com uma massa impressionante de dados: são 40 tabelas cobrindo diversos assuntos e quatro quadros monumentais que ocupam 24 páginas sobre a caracterização epidemiológica de doenças causadas por parasitas, bactérias, vírus e aquelas de variada etiologia. É um capítulo ideal para quem deseja iniciar-se no quadro sanitário brasileiro ou precisa de dados (e comentários pertinentes) reunidos. A maioria das informações refere-se a anos compreendidos entre 1980 e 1985.

No capítulo 2 a autora procura trabalhar os determinantes estruturais da transição demográfica e epidemiológica. Parte da concepção de "heterogeneidade estrutural", desenvolvida originalmente pela Cepal, mencionando clássicos como Presbisch, mas propondo uma revisão desse conceito ao incorporar teses do pensamento sócio-econômico brasileiro, especialmente Cardoso de Mello e Falleto, seus contemporâneos da Unicamp. Apesar da aparente dificuldade que este tipo de análise explicativa poderia trazer aos profissionais de saúde — potenciais leitores do livro — o que se observa, na verdade, é uma agradável "tradução" que Cristina Possas constrói apresentando conceitos, discussões entre correntes teóricas e dados de forma simples, didática e, diria eu, "decodificada". E muito interessante a abordagem que faz da heterogeneidade estrutural na epidemiologia latino-americana, principalmente em Breilh e Laurel, autores aliás publicados recentemente pela Abrasco. Faz, enfim, uma discussão teórica sobre causalidade e determinação em epidemiologia.

No terceiro e último capítulo, Possas apresenta sua proposta conceitual, baseada na idéia de "padrão epidemiológico", em confronto com o de "perfil epidemiológico" fundamentado no conceito de classe social, concluindo com a apresentação de uma proposta de operacionalização em Epidemiologia compatível com sua proposição conceitual.

Sem dúvida, um livro destinado a polêmica e, por isso, indispensável àqueles que, atentos, desejam estar atualizados com o debate das relações entre saúde e sociedade em nosso país.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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