REGISTRO/REGISTER

 

Francisco da Silva Laranja, Filho (1916—1989)

 

 

Mário Aragão

Pesquisador Titular da Escola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz

 

 


 

 

Acima de tudo a simplicidade própria das pessoas que estão seguras de que são competentes e eficientes.

Foi um daqueles que confirmaram a vantagem do pesquisador ser originário ou, ocasionalmente, trabalhar em serviço de rotina. Vindo da medicina previdenciária, igual a outros que foram fundadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), como Neiva, Godói e Costa Lima, vindos da saúde pública, deixou uma sólida contribuição científica. Essa mesma característica é observada em alguns pesquisadores da atual Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), originários do Serviços Especial de Saúde Pública (SESP) e do Serviço Nacional de Malária (SNM).

A descoberta de diversos casos de doença de Chagas na Argentina, na década de 40, por Salvador Mazza, iria mudar completamente a vida profissional do nosso ex-diretor do IOC e colega na Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) até o corrente ano.

Os trabalhadores do Prof. Mazza levaram o Prof. Aragão, então diretor do IOC, a resolver reativar as pesquisas sobre doença de Chagas no Instituto. A idéia foi, aproveitando os trabalhos feitos quando Evandro Chagas dirigia o Serviço de Estudos de Grandes Endemias, criar um posto na cidade de Bambuí, onde havia sido observada uma alta incidência da doença. A pessoa escolhida para essa tarefa foi o protozoologista Emmanuel Dias, discípulo de Carlos Chagas e de Gomes de Faria, que havia se destacado no estudo de trypanosoma cruzi. Esse, sentindo a necessidade de melhorar os seus conhecimentos básicos, pediu autorização para, antes de se dirigir a Bambuí, fazer um curso de cardiologia. O professor era Magalhães Gomes e o assistente Francisco Laranja. Emmanuel e Laranja, ambos muito ativos, logo se entenderam,dando início a uma sólida e duradoura amizade.

Com o início das atividades em Bambuí e sentindo a amplitude que elas iriam alcançar, Emmanuel convenceu o diretor, Prof. Aragão, a requisitar Laranja para o Instituto, a fim de continuar a ampliar as pesquisas já iniciadas por Evandro Chagas, sobre a cardiopatia chagásica. Nessa época já trabalhava no hospital do Instituto o clínico Genard Nobrega e, dessa forma, constituiu-se o famoso grupo de Bambuí, que foi a vanguarda da imensidão de estudos sobre doença de Chagas, que até hoje vêm sendo desenvolvidos no Brasil. Deve-se ainda acrescentar que, nesse grupo de Bambuí, se iniciou o Dr. José Pellegrino, que viria a ser um dos grandes pesquisadores do Instituto Nacional de Endemias Rurais (INERu).

De Bambuí saiu a primeira técnica eficiente de controle dos triatomíneos transmissores da doença de Chagas. Essa técnica daria início à proveitosa colaboração entre o IOC e o SNM, depois muito ampliada com a criação do Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERu), dirigido pelo Dr. Mario Pinoti, figura ímpar da nossa saúde pública.

Foi no SNM, quando era ajudante do Dr. Pinotti, que vim a conhecer Laranja, já famoso no meio médico, mas conservando a simplicidade de um gaúcho da fronteira.

O mundo dá voltas, o presidente Getúlio Vargas se suicida, o Dr. Pinotti é afastado do Ministério da Saúde, há uma crise no IOC, e o Prof. Aragão, consultado pelo novo ministro, indica o Dr. Laranja para diretor de Manguinhos. Inteligente e hábil, Laranja, em pouco tempo, consegue pacificar o Instituto e iniciar um trabalho de atualização da infra-estrutura. Não demorou muito como diretor, pois, tentando impedir que a politicagem influísse na contratação de novos pesquisadores, foi demitido.

Em discurso publicado recentemente nestes Cadernos, declarei que Laranja foi o melhor diretor do Instituto, depois da fase dos fundadores da casa. A marca de suas reformas ficaram nítidas até a administração Vinícius Fonseca, já na era da Fundação.

Hoje podemos dizer que, depois de Laranja, apenas o Prof. Amilcar Vianna Martins merece destaque entre os diretores. Na sua administração formou-se uma nova geração de pesquisadores que, devido aos sobressaltos por que o Instituto passou, não ficaram aqui. De qualquer forma estão sendo úteis em outras instituições.

Vim para Manguinhos, emprestado pelo SNM, a pedido do diretor Francisco Laranja, que desejava ter aqui uma pessoa com disposição para viajar. Tive-o como diretor pouco tempo, mas convivi, no laboratório em que ele e Emmanel Dias trabalhavam, durante alguns anos. Dos seus eletrocardiogramas não entendia nada, mas o seu entusiasmo, o seu discernimento e a sua capacidade de trabalho eram contagiantes. As lembranças que ficaram são mais do amigo do que do colega pesquisador. Fora do trabalho, apreciava a musica erudita, e algumas vezes estive na sua casa ouvindo uma das primeiras vitrolas de alta fidelidade vindas para o país. Depois nos separamos. Cada um de nós andou por diversos lugares daqui e de outros países. Quando da incorporação do INERu à Fiocruz, ainda demorei alguns anos para regressar ao Rio de Janeiro. Quando cheguei ele já estaria instalado no antigo laboratório do portão do Hospital Evandro Chagas mas, agora, como eu, vinculado à Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP). Éramos colegas de Departamento, trabalhando a mais de um quilômetro de distância.

Nos últimos tempos poucas vezes estivemos juntos até que, neste mês de setembro, recebi a notícia do seu falecimento.

Laranja foi grande em tudo, como médico, como pesquisador, como diretor e como amigo. Falar de sua vida profissional para mim, que não sou médico, é difícil e, por isso, estou transcrevendo o seu curriculum vitae, que estava depositado na Biblioteca Central da Fiocruz.

Nascido no município de S. Borja, Rio Grande do Sul, a 28/9/916. Curso primário em S. Borja, secundário em Uruguaiana Porto Alegre (1934).

Concluiu o curso médico em 1940 na Faculdade Nacional de Medicina da Universidade do Brasil (Rio).

Interno da 5a. Cadeira de Clínica Médica da Universidade do Brasil (Prof. Annes Dias), 1937/1940. "Auxiliar Administrativo" (concurso) e "Adjunto Técnico" (concurso) do Instituto dos Industriários, 1938/42.

Cardiologista (concurso) do Instituto dos Industriários, 1942/71. Médico do ex-SAMDU, 1962. Assistente, encarregado do Setor de Métodos Gráficos, do Serv. de Cardiologia da Sta. Casa (Prof. Magalhães Gomes), no período 1942/45. Em 1944, iniciou pesquisas no Instituto Oswaldo Cruz, trabalhando como responsável pelo Setor de Pesquisas Cardiológicas até fins de 1953. Diretor do Instituto Oswaldo Cruz, de janeiro de 1954 a fevereiro de 1955. Diretor do Serviço de Assistência Médica Domiciliar de Urgência (SAMDU) de 1957 a 1961. Assessor Técnico do Serviço Nacional de Malária na campanha contra a doença de Chagas (1952/54). Assessor de Cardiologia da Coordenação de Assistência Médica da Guanabara (1968) e da de Brasília (1970) — INPS. Atualmente, era cardiologista do Hospital de Cardiologia de Laranjeiras — INPS, Rio.

Relator no n Congresso Interamericano de Cardiologia (México, D. F. 1946), IV Congresso Internacional de Medicina Tropical de Malária (Washington, D. C. 1948), na I Reunião Pan-Americana sobre Doença de Chagas, Tucumán, Argentina, 1949, e no 1º Congresso Interamericano de Higiene (Havana, 1952). Delegado ao 3º Congresso Interamericano de Cardiologia (Chicago, 1948) e ao 1º Congresso Mundial de Cardiologia (Paris, 1950).

Delegado da Sociedade Brasileira de Cardiologia no Comitê Organizador da Sociedade Interamericana de Cardiologia e do Conselho Internacional de Cardiologia (México, D .F. 1946).

Tomou parte em diversos Congressos Médicos Nacionais . Pronunciou conferências em diversas universidades de países americanos. Colaborou em diversos cursos de Cardiologia e Eletrocardiografia no Rio. Membro da Comissão Examinadora do Concurso de Cardiologia do Hospital dos Servidores do Estado (IPASE, 1950) e da Comissão Julgadora do Concurso de Livre Docência de Clínica Médica da Faculdade Nacional de Medicina da Universidade do Brasil (1952).

Redator de resumos da "Exerpta Medica", Vol. VI, Internal Medicine (1950) Holanda. Sócio da Sociedade Brasileira de Cardiologia, da American Heart Association, membro (eleito, 1946, Reg, nº 4098) da Royal Society of Tropical Medicine and Hygiene (Londres) e Membro Correspondente (1952) da Sociedade Argentina de Cardiologia.

Além de um Compêndio de Patologia Cardio-Vascular (Ed. Científica, Rio, 1948 — 814 pags.) e de alguns artigos de divulgação e de atualização de temas de cardiologia, publicou vários trabalhos de contribuição em cardiologia, destacando-se os relativos a clínica, epidemiologia, patologia, eletrocardiografia, experimentação animal e terapêutica da doença de Chagas, feitos no Inst. Oswaldo Cruz, juntamente com E. Dias, G. Nobrega, E. Duarte, J. Pellegrino e A. Miranda. Os trabalhos deste grupo (1945/56) foram, seguramente, os principais responsáveis pelos atuais conceitos cardiológicos desta moléstia e pela posição que ela hoje ocupa na nosologia do nosso país, e serviram de suporte científico às Campanhas de Profilaxia da Moléstia de Chagas no Brasil, iniciadas na década de 50.

 

TRABALHOS PUBLICADOS

1. Coração tircotóxico. Arq. Clin., 1 (3): 323-6, 1945.

2. Doença de Chagas. Mem. Inst . Oswaldo Cruz, 43 (3): 495-582, 1945. (Em colaboração com E. Dias e G. Nobrega).

3. Aumento de volume do coração: hipertrofia e dilatação, Arq. Clin, 1 (6): 593-608,1945.

4. Taquicardia paroxística con bloqueo aurículo-ventricular parcial de segundo grado. Rev. Argent., 13 (1): 1-24, 1946. (Em colaboração com A. B. Benchimol).

5. O eletrocardiograma na cardiopatia crônica da moléstia de Chagas. 2°. Congr. Inter am. cardiol, México, 3:1470-6, 1946. (Em colaboração com E. Dias e G. Nobrega).

6. Fundamentos anatômicos e fisiológicos para estudo das síndromes coronarias. Arq. Clin., 6 (6): 3-25, 1947.

7. Clínica e terapêutica da doença de Chagas. Mem. Inst. Oswaldo Cruz , 46 (2): 473-529, 1948. (Em colaboração com E. Dias e G. Nobrega).

8. Estudos sobre a importância social da doença de Chagas, I Inquérito clínico-epidemiológico realizado nas vizinhanças do Bambuí, Minas Gerais. Brasil Med., 62: 412-3, 1948. (Em colaboração com E. Dias e G. Nobrega).

9. Chagas'disease and control. 4°. Internal. Congr. Trop. Med. Malar., Washington, 2: 1159-67, 1948. (Em colaboração com E. Dias).

10. O eletrocardiograma na cardiopatia crônica da doença de Chagas. Brasil Med., 62 (8-9): 3-10, 1948. Em colaboração com E. Dias e G. Nobrega).

11. Evolução dos conhecimentos sobre a cardiopatia da doeça de Chagas: revisão crítica da literatura. Mem. Inst. Oswaldo Cruz, 47 (3-4): 605-69, 1949. Monografia premiada pela Academia Nacional de Medicina, Rio, Prêmio Anália Ferreira, 1949.

12. Clínica y terapeutica de la enfermedad de Chagas. Medicina, México, 28 (557): 224-36, 1948. (Em colaboração com E. Dias e G. Nobrega).

13. Experimental Chagas'heart disease. Amer. Heart J ., 37 (4): 646, 1949. (Em colaboração com E. Dias e J. Pellegrino).

14. Inquérito clínico-epidemiológico sobre doença de Chagas, feito entre as estações de Iguatama e Campos Altos, Oeste de Minas 1a Reun. Panamer. Enf . Chagas, Tucumán, 1: 33-34, 1949. (Em colaboração com E. Dias e J. Pellegrino).

15. Chagas'heart disease: a cardiological entity. Ier. Congr. Mond. Cardiol, 2: 362, 1950. (Em colaboração com E. Dias e J. Pellegrino).

16. Doenças cárdio-vasculares. In: Strumpell-Capriglione, Patologia e terapêutica das doenças internas. Tomo III. Ed. Científica, Rio de Janeiro, 1948. Comentários no Amer. Heart J., May 1949 e no Arch. Inst. Nac. Cardiol., México, Febrero, 1951.

17. Clínica y terapéutica de la enfermedad de Chagas. Prensa Med Ardent.,38 (9): 465-484, 1951. Conferencias para graduados sobre "Problemas clínicos de actualidad", Facultad de Ciencias Médicas de La Plata. (Em colaboração com E. Dias e G. Nobrega).

18. Observações clínicas e epidemilógicas sobre a moléstia de Chagas no Oeste de Minas Gerais. Hospital 40 (6): 945-88, 1951. (Em colaboração com E. Dias, E. Duarte e J. Pellegrino).

19. Sistema hexaxial com círculos de polaridade: um método simples para determinação da direção dos vectores cardíacos no plano frontal. Arq. Bras. Cardiol, 5 (1): 82-93, 1952. (Em colaboração com Z. Z. Záo).

20. Método simples para eletro-vectorcardiografia espacial. Hospital 43 (6): 735-45, 1953. (Em colaboração com Z. Z. Záo).

21. Estudo preliminar de inquéritos soro lógico-eletrocardiográficos feitos em zonas endêmicas e zonas não-endêmicas da moléstia de Chagas. Rev. Bras. Malar. D. Trop., 5 (3): 205-10, 1953. (Em colaboração com E. Dias, F. Neri-Guimarães e T. C. Brant).

22. Aspectos clínicos da moléstia de Chagas. Rev . Bras. Med., 10 (7): 482-91, 1953.

23. Enfermedad de Chagas (Mesa-redonda): Cardiopatia crónica. 1º Congr. Interam. Hig., La Habana, p. 692-7,1952.

24. Evolución de los conocimientos sobre cardiopatia de la enfermedad de Chagas: Revisión crítica de la literatura. Traducido por J. F. Torrealba y A. Diaz Vasquez, Inprenta Nacional, Caracas, 1953.

25. Dados sorológicos e eletrocardiográficos obtidos em populações não selecionadas de zonas endêmicas de doença de Chagas no Estado do Rio Grande do Sul. Rev. Bras. Malar. D. Trop., 9 (2): 141-8, 1957. (Em colaboração com T. Brant, F. M. Bustamante e A. L. Melo).

26. Chagas'disease: a clinical, epidemiologic and pathologic study. Circulation, 14 (6): 1035-60, 1956.

Além dessa relação, que estava depositada na biblioteca da Fiocruz, a "Bibliografia brasileira sobre doença de Chagas", publicada pela Universidade de Brasilia em 1983, registra mais os seguintes trabalhos:

27. Estudo eletrocardiográfico de 81 casos de megaesôfago. 1°. Congr. Panam . Méd., 1946. (Em colaboração com E. Dias e G. Nobrega).

28. Miocardite esquistossomótica associada a miocardite chagásica. Estudo anátomo-clínico de um caso com demonstração de ovos de S. mansoni no micárdio. Arq. Bras. Cardiol., 3 (3): 438-9, 1950. (Em colaboração com C. B. M. Torres).

29. Doença de Chagas na infâcia: dados sobre a casuística do Posto do Instituto Oswaldo Cruz em Bambuí. 10º Congr. Bras. Hig., 489-91, 1952. Em colaboração com E. Dias.

30. Tissue reacting antibodies in a rhesus monkey with long-term Trypanosoma cruziinfection. Amer. J. Trop. Med. Hyg ., 27 (4): 832-4, 1978. (Em colaboração com W. Souza, L. G. Quintão, G. A. Schmnis e D. Gerecht).

31. O vector cadiograma nos distúrbios da condução intraventricular durante o bloqueio A-V total na doença de Chagas. Arq. Bras. Cardiol., 32 (3): 44, 1979. (Em colaboração com P. Ginefra, A. B. Benchimol e J. C. P. Dias).

32. Perspectiva longitudinal dos conhecimentos clínicos sobre a doença de Chagas. Arq. Bras. Cardiol., 32 (3): 57, 1979.

33. História natural do bloqueio A-V de 3º grau na doença de Chagas: estudo eletrocardiográfico. Arq. Bras . cardiol., 32 (3): 311, 1979. (Em colaboração com J. C. P. Dias, 1. A. Camacho e W. Oigman).

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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