ANÁLISE

 

Oncocercose entre os índios Yanomámi

 

Onchocerciasis among Yanomámi Indians

 

 

Mário A. P. Moraes

Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade de Brasília, Caixa Postal 15-3031, 70910, Brasília, DF

 

 


RESUMO

Apresentam-se os dados até agora obtidos sobre o foco brasileiro de oncocercose. Esse foco, localizado no extremo norte do país, envolve principalmente indígenas do grupo Yanomámi, antigos habitantes do local. Em algumas aldeias, a infecção é encontrada em cerca de 80% dos adultos. Aspectos interessantes, como a origem do foco, as características da doença nos indígenas e os principais vetores de Onchocerca volvulus, são abordados. Por fim, é feita uma análise a respeito do comportamento da endemia e da possível disseminação da doença para outras regiões do Brasil — em áreas de garimpo. Sugerem-se medidas de controle, entre elas o uso de larvicidas, método que poderia ser adotado em lugares restritos — com população já estabilizada —, dentro da zona onde mais forte é a prevalência.


ABSTRACT

The main features of the Brazilian focus of onchocerciasis are reported. This focus encompasses large areas of the states of Amazonas and Roraima, in the densely forested highlands of Northern Brazil. It is not clear how the local inhabitants, Indians of the group Yanomámi, an isolated group that has lived in the region for centuries, acquired the infection. However, in some of their villages the prevalence rate among adults is as high as 80%. Aspects of the focus, as its origins, manifestations of the illness among the Indians, and the distribution and importance of the recognized vectors of O. volvulus in the region, are reviewed. The author also makes some considerations on the behavior and probable future of the focus, including the possible dissemination of onchocerciasis to some other sites of Brazil. Gold miners that in recent years have invaded the Yanomámi territory and became infected in contact with the Indians will be the cause of this dissemination. Methods for controlling onchocerciasis are discussed and, besides the treatment of the infected Indians with Ivermectin, it is proposed the use of larvicides to eliminate the vectors. This method would be employed in some limited areas where the population is already stable and shows a very high prevalence rate.


 

 

INTRODUÇÃO

A oncocercose, doença trazida para o Novo Mundo por escravos africanos, só foi encontrada no Brasil, até agora, sob forma endêmica no grupo indígena Yanomámi. Tiata-se de uma filariose, causada pela espécie Onchocerca volvulus, cujas manifestações mais importantes são nódulos subcutâneos, prurido, alterações na pele e cegueira. (Figura I)

 

 

Os nódulos (oncocercomas) encerram as macrofilárias — quase sempre um casal por nódulo — e, embora possam atingir, por confluência, grande volume, não têm maior significado a não ser do ponto de vista estético. Dentro deles, cada fêmea, após o acasalamento, produz, por ano, mais de um milhão de microfilárias que, dotadas de grande mobilidade, invadem o conjuntivo da pele e determinam as outras manifestações. Do conjuntivo são elas sugadas, eventualmente, pelos insetos transmissores, nos quais se desenvolvem, em uma ou duas semanas, a fim de completar o ciclo evolutivo do parasito.

A vida média das microfilárias de O. volvulus na pele é de cerca de dois anos; findo esse prazo, morrem elas naturalmente, liberando produtos que despertam uma reação inflamatória responsável pelo prurido e por alterações cutâneas — edema, pápulas, liquenificação, atrofia, despigmentação etc. — conhecidas em conjunto por oncodermatite. Tais alterações são, às vezes, tão severas que justificam a expressão usada para descrever o aspecto dos pacientes: "os jovens parecem velhos, e os velhos, lagartos".

Da derme, seu habitat principal, podem as microfilárias invadir, por contigüidade, as estruturas oculares, onde, ao morrerem, ainda devido à reação que desencadeiam, são capazes de determinar lesões graves e até mesmo produzir cegueira.

A transmissão da oncocercose se dá pela picada de insetos do gênero Simulium, moscas negras conhecidas no Brasil como "borrachudos" ou "piuns". Pelo fato de a reprodução dos simulídeos estar ligada à água em movimento, foi a oncocercose — sempre mais abundante, por isso, em zonas ribeirinhas — chamada na África de "cegueira dos rios". Além dessa associação, tem a oncocercose, nos países em que se apresenta, uma distribuição focal relacionada com a altitude. Como as larvas dos simulídeos exigem para seu desenvolvimento um alto teor de oxigênio no meio, ocorrem elas geralmente nas partes altas e encachoeiradas dos rios, onde maior é a aeração das águas (Figura II). Isso explica o aparecimento da doença quase sempre em zonas montanhosas.

 

 

OS ÍNDIOS YANOMÁMI

Os Yanomámi, cujo número é estimado em 20 mil indivíduos, ocupam uma larga faixa — superior a 200.000 km2 — na região da fronteira entre o Brasil e a Venezuela. Toda a população vive em cerca de 200 aldeias, com uma densidade maior na porção elevada em torno da serra do Parima. No lado brasileiro, onde seu número talvez não atinja 8 mil, espalham-se os indígenas pelo norte do estudo do Amazonas e metade ocidental do estado de Roraima. Cada aldeia encerra apenas uma grande habitação ou "shabono", feita de palha, que abriga várias famílias, num total de 50 a 150 pessoas. Quando o número de residentes se toma elevado, surgem disputas internas, numa luta pelo mando, e o desfecho é quase sempre a cisão da comunidade. Um grupo formado por várias famílias então se afasta, sob nova liderança, para construir seu "shabono" em local bem distante do primeiro. Alguns fatores, como a prática do infanticídio e as constantes guerras entre aldeias rivais, têm contribuído para manter uma certa estabilidade na população Yanomámi, impedindo, desse modo, o esgotamento dos campos de caça.

O núcleo original do grupo parece ter existido no Parima meridional. Daí, por migrações sucessivas, iniciadas no século passado, espalharam-se os indígenas em todas as direções, alcançando pontos distantes e formando subfamílias ou subgrupos lingüísticos bem distintos. Reconhecem-se hoje, pelo menos, quatro subgrupos entre os Yanomámi; a maior concentração de aldeias — do subgrupo Yanomám — permanece, contudo, ainda próxima ao Parima.

A construção dos "shabonos" tem lugar, em geral, perto dos rios, nos pontos onde a velocidade da corrente é maior e a água, portanto, mais limpa. Esses, infelizmente, são também os pontos que servem de criadouros para os simulídeos.

 

ORIGEM DO FOCO

A existência da oncocercose nos índios Yanomámi revela que a doença seguiu uma rota caprichosa até se instalar no Parima. Com efeito, nunca os Yanomámi tiveram contato com escravos africanos ou seus descendentes, sem dúvida os responsáveis pelo estabelecimento de outros focos no continente americano, encontrados no México, Guatemala, Venezuela, Colômbia e Equador.

Desse modo, para alcançá-los, tomou a oncocercose um caminho indireto.

Escravos africanos, em grande número — acima de três milhões —, foram trazidos para o Brasil, entre 1538 e meados do século XIX (a Lei Euzébio de Queirós, de 4 de setembro de 1853, proibiu o tráfico), sendo que as maiores concentrações ocorreram em Minas Gerais, Bahia, Rio de Janeiro, Maranhão, Pernambuco, São Paulo e Ceará. Pelos locais de origem, muitos desses escravos, pode-se supor, estariam infectados por O. volvulus, mas, apesar disso, nenhum foco da doença se estabeleceu no país. Foi ela aparecer, curiosamente, sob forma endêmica, no grupo Yanomámi, um grupo sem qualquer contato com africanos e que, ainda hoje, em grande parte, mantém um grau bastante elevado de isolamento.

Para explicar o fato, admite-se que a infecção tenha sido trazida, para a serra do Parima, de outros focos mais antigos existentes ao norte da Venezuela, na cordilheira da Costa. Ainda se desconhece como isso aconteceu, mas sendo os Yanomámi um povo "a pé", confinado ao próprio território, houve certamente a ação de intermediários nesse trajeto seguido pela doença, índios canoeiros, como os Makiritáre, da família Karíb, que de longa data mantêm relações com os brancos, deslocando-se para o baixo curso dos rios em busca de trabalho temporário entre eles, poderiam ter desempenhado esse papel. Seu território se superpõe ao dos Yanomámi e, apesar do nível cultural superior dos Makiritáre, os dois grupos possuem ligações estreitas. No Brasil, há apenas uma aldeia do grupo Makiritáre, os Mayongóng, localizada na área do rio Auaris, junto a índios Sanumá, um subgrupo dos Yanomámi. A oncocercose entre os Mayongóng apresentou, no entanto, uma prevalência baixa (8,6%), se comparada à dos Sanumá (31,5%), na mesma ocasião. De qualquer modo, como os hábitos dos dois grupos, principalmente no vestir-se, são um pouco diferentes, a possibilidade permanece.

 

CARACTERÍSTICAS DA ENDEMIA

O foco Yanomámi é o único foco de oncocercose conhecido no Brasil. Fora da região habitada pelos indígenas, apenas um caso autóctone da doença foi até agora encontrado, na cidade de Minaçu, Estado de Goiás (Gerais & Ribeiro, 1986).

A suspeita de que a oncocercose estaria presente entre os Yanomámi nasceu na década de 60, pelo encontro de nódulos oncocercóticos em vários missionários e seus familiares, que viviam já há algum tempo no meio desses indígenas. Em 1973, a suspeita teve confirmação, quando Moraes et al. (1973), na área do rio Toototobi, um afluente do Demini, ao norte do estado do Amazonas, encontraram microfilárias de O. volvulus na pele de 57 (62,6%) Yanomámi dentre 91 examinados. Investigações feitas posteriormente (Moraes et al., 1979; Moraes et al., 1986; Rassi et al., 1977), tanto no lado brasileiro, como no venezuelano, evidenciaram que a oncocercose afetava grande parte do grupo, mas a prevalência e a densidade variavam bastante, conforme a localidade, predominando nas aldeias situadas em torno do Parima meridional. À medida que se desce, em ambos os lados, a prevalência diminui, até chegar a zero nas partes mais baixas dos rios que têm origem na serra do Parima.

Mesmo nas áreas hiperendêmicas (prevalência acima de 70%), como na serra dos Surucucus, a doença apresenta-se sob forma benigna: baixa densidade de infecção, isto é, número pequeno de microfilárias por miligrama de pele, nódulos palpáveis escassos e ausência de lesões oncocercóticas graves, quer cutâneas, quer oculares. Essas características sugerem que a oncocercose se instalou no grupo Yanomámi não há muito tempo, provavelmente muito depois da dispersão do núcleo primitivo acantonado no Parima. A introdução recente explicaria o fato de as populações mais afastadas do Parima estarem ainda hoje livres da doença. Um outro fator, no entanto, deve ter tido influência bem maior, tanto no aparecimento, como nos índices atuais da endemia: a distribuição desigual dos vetores de O. volvulus dentro do território indígena.

 

VETORES DE O. volvulus NO BRASIL

Segundo Shelley et al. (1987), sete espécies antropofílicas de simulídeos estão presentes na parte brasileira do foco Yanomámi: S.guianense, S. limbatum, S. oyapockense, S. exiguum, S. roraimense, S. rorotaense e S. yarzabali. Destas espécies, S. oyapockense e/ou S. roraimense são as mais comuns nas partes baixas do território Yanomámi, onde a altitude não vai além de 250 metros. S. guianense e S. exiguum também ocorrem aí, porém em pequena quantidade. Nas áreas mais elevadas (670 a 900 metros), junto à serra do Parima, S. guianense, S. limbatum e S. yarzabali são as espécies principais, embora S. oyapockense e S. rorotaense sejam também encontradas, ainda que em menor quantidade. Uma distribuição semelhante ocorre no lado venezuelano, apesar dos nomes diferentes dados a essas mesmas espécies.

Os estudos feitos no Brasil indicam que S. oyapockense, mesmo sendo um mau vetor — o que explica a baixa prevalência da infecção nas áreas onde ele é a espécie predominante —, é capaz de manter a transmissão em áreas como as dos afluentes do alto Demini (rios Toototobi e Mapulaú), nas quais a oncocercose é hiperendêmica, apesar de a altitude aí não ultrapassar 200 metros. Nas aldeias existentes no local, a maioria dos habitantes, pelos dados disponíveis Moraes et al. (1978), deve ter adquirido a doença fora do lugar, provavelmente no outro lado da fronteira, em terras mais altas. Nas áreas de altitude elevada, como a serra dos Surucucus e a serra Couto de Magalhães, S. guianense, S. limbatum e S. yarzabali são os vetores mais prováveis, tendo em vista sua abundância.

A armadura bucofaríngea (cibarial) de S. oyapockense e S. limbatum — com dentes capazes de romper as microfilárias — é causa principal do baixo número de exemplares infectados obtidos quando estudos experimentais de transmissão são levados a efeito com as referidas espécies. É provável que tanto uma como a outra só tenham importância na transmissão da oncocercose em lugares onde a prevalência já for muito alta. Tratar-se-ia, portanto, de vetores secundários que, em áreas hiperendêmicas, poderiam se constituir em vetores eficientes, pela sobrevivência de um número maior de moscas microfilárias, quando é grande a densidade destas na pele dos indivíduos afetados. S. guianense, ao contrário, desprovido de armadura cibarial (como S. metallicum, S. callidum, S. exiguum e S. damnosum, outros vetores de O. volvulus fora do Brasil), deve ser considerado como um bom vetor em áreas hipoendêmicas. Foi ele, sem dúvida, o responsável pela instalação da oncocercose no território Yanomámi.

Em áreas hiperendêmicas, no entanto, pode tornar-se um mau vetor, principalmente se a densidade de infecção nos indivíduos parasitados for muito alta. O grande número de microfilárias ingeridas acaba determinando uma alta letalidade entre as fêmeas, pelo intenso parasitismo de que elas são vítimas.

 

CONTROLE DA ENDEMIA

Nenhuma tentativa de vulto foi até agora feita para controlar a oncocercose entre os Yanomámi, que vivem no lado brasileiro. A maior dificuldade na aplicação de qualquer medida de controle reside nas distâncias a serem vencidas até as aldeias indígenas. O local onde a endemia se apresenta mais forte, além de remoto, é de acesso difícil, obrigando ao uso de aviões ou helicópteros para a viagem aos "shabonos". Isso não só encarece qualquer tipo de trabalho entre os Yanomámi, como estabelece forte limitação ao seu desempenho. Apenas as localidades providas de pistas utilizáveis por pequenos aviões permitem alguma forma de atividade na área.

A fim de quebrar a cadeia de transmissão na oncocercose, duas medidas podem ser tomadas: destruição das filárias e eliminação dos vetores.

Destruição das filárias. Ainda não se conseguiu um medicamento ideal capaz de destruir as macro e as microfilárias de O. volvulus. A suramina, única droga com efeito sobre as macrofilárias, é tóxica e não raro provoca manifestações colaterais severas; afora isso, exige administração intravenosa semanal. O tratamento é longo (cinco a sete semanas), o que torna seu uso impraticável quando se trata de indígenas. A dietilcarbamazina (DEC), usada no controle da filariose linfática, sob os nomes de Hetrazan e Filariosan, embora de administração mais fácil e menos demorada, tem ação apenas sobre as microfilárias. O grande número de comprimidos (oito a nove) que compõem a dose diária e o tempo imprescindível a um tratamento adequado (sete a doze dias) tornam, também, impraticável o emprego do DEC em indígenas, considerando que a maioria dos infectados não se julga doente.

Recentemente, uma nova droga, a ivermectina (Mectizan), foi introduzida no controle da oncocercose. Tem ela a vantagem de ser administrada em dose única (um a dois comprimidos) anual, mas atua apenas sobre as microfilárias. O mais importante efeito da ivermectina é fazer com que um grande percentual dos indivíduos tratados (75 a 95%) não seja mais infectante em um período de oito dias. Com essa droga, o nível de infecção não só cai próximo a zero em alguns dias, mas se mantém assim por cerca de nove meses, uma vez que, aparentemente, além de matar as microfilárias, a ivermectina também bloqueia a postura de tais embriões pelas fêmeas do verme. Sabendo-se que um indivíduo infectado só se torna apto a transmitir a oncocercose, quando o número de microfilárias por miligrama de pele é nele maior do que cinco, vê-se como é importante essa propriedade da nova droga.

Eliminação dos vetores. Quanto ao controle dos vetores, o conhecimento já adquirido sobre sua distribuição no território Yanomámi permite-nos sugerir o uso de larvicidas, mas somente em algumas áreas específicas da região. Embora impraticável na parte baixa do território, por causa da grande vazão dos rios, é possível sua aplicação, de forma restrita, nas zonas mais altas, onde os cursos de água têm menor volume e onde a transmissão justamente se faz com maior intensidade, pela presença de S. guianense. Uma vantagem é a variação sazonal que ocorre na densidade dos vetores — a transmissão, por isso, se faz durante apenas uma parte do ano —, o que tornaria a medida menos dispendiosa. Tal procedimento poderia ser levado a cabo em torno dos postos da Funai (Fundação Nacional do índio) e das missões religiosas — em cujas imediações várias aldeias indígenas já estão estabilizadas. O mesmo poderia ser feito ao redor dos novos quartéis de fronteira (um deles acabado de construir na serra· dos Surucucus), os quais, em futuro próximo, abrigarão razoáveis contingentes de alienígenas. Como sua presença será temporária no local, é imprescindível que estes não se tornem portadores de microfilárias e, em conseqüência, possíveis agentes de disseminação da doença. O achado, em 1986, de um caso autóctone de oncocercose no estado de Goiás, caso devido provavelmente à vinda de garimpeiros infectados entre os Yanomámi para aquele estado, mostra que vetores de O. volvulus existem em outros pontos do Brasil, todos focos em potencial de oncocercose.

 

DESTINO DO FOCO YAMOMÁMI

A distribuição dos vetores tem sido o principal fator de contenção do foco Yanomámi, dentro dos limites atuais. Assinale-se que a área endêmica é bem menor do que a área ocupada pelo grupo indígena, uma vez que a maior parte das aldeias localizadas na porção periférica de seu território permanece livre da infecção. A única possibilidade de a endemia — hoje naturalmente contida — vir a propagar-se por contigüidade seria o deslocamento para as partes baixas do território de um grande número de indígenas altamente infectados, circunstância em que S. oyapockense poderia se encarregar da disseminação da doença.

Uma outra possibilidade de disseminação se prende à invasão da área indígena por mineradores em busca de ouro e cassiterita. Estima-se entre 30 mil e 40 mil o número de garimpeiros que participaram dessa invasão nos últimos anos. Eles abriram diversas pistas clandestinas, algumas junto a aldeias indígenas, principalmente nas áreas do alto rio Mucajaí, serra Couto de Magalhães e serra dos Surucucus. Nesses locais, onde a mineração é rendosa, mas onde a prevalência entre os índios adultos alcança 80% ou mais, o prazo médio de permanência para contrair-se a doença é de seis meses a um ano. O prazo pode parecer extenso, mas não se deve esquecer que há uma variação, ao longo do ano, na densidade populacional dos simulídeos, podendo haver períodos praticamente sem ataque ao homem.

Considerando-se que uma boa parte dos garimpeiros invasores permaneceu na região por tempo suficiente para adquirir a infecção, deve haver hoje dezenas deles com microfilárias na pele, em condições de expandir a oncocercose pelo país. Com efeito, sua expulsão da área Yanomámi, sem qualquer orientação quanto a diagnóstico e tratamento, poderá conduzir ao aparecimento de novos focos da doença, particularmente em zonas de garimpo, quase sempre situadas em altitude elevada e, portanto, propícias ao desenvolvimento de simulídeos. Pouco se conhece ainda sobre a distribuição geográfica das espécies de simulídeos do grupo amazonicum, entre as quais se situam alguns dos vetores de O. volvulus e Mansonella ozzardi na região amazônica. Entretanto, a julgar pelo que aconteceu em Minaçu, espécies vetoras do grupo devem estar presentes em diversos locais do Brasil, cada local constituindo um foco em potencial de oncocercose.

Por fim, cabe informar que as autoridades sanitárias brasileiras, dispondo do Mectizan doado pela Organização Mundial da Saúde, deram início, recentemente, a um programa de controle da oncocercose entre os Yanomámi valendo-se da colaboração de várias entidades locais. Todos os indígenas com mais de 15 anos, dentro das zonas hiperendêmicas, estão sendo medicados com a nova droga. Apesar das dificuldades oferecidas pelo terreno adverso, espera-se conseguir, no prazo de alguns meses, a administração do tratamento a cerca de 5 mil índios, ou seja, a todos os que se calcula estejam infectados na parte brasileira do foco.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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