PESQUISA / RESEARCH

 

Mortalidade materna: avaliação da situação no Rio de Janeiro, no período de 1977 a 1987

 

Maternal mortality: evaluation of the situation in Rio de Janeiro from 1977 to 1987

 

 

Kátia S. da Silva

Departamento de Dados Vitals da Coordenadoria de Informações do Centro de Informação de Saúde da Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro. Rua México, 128/813, 20031-142, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo é identificar o perfil epidemiológico da mortalidade materna no estado do Rio de Janeiro, no período de 1977 a 1988, contribuindo, assim, para o planejamento de ações que tenham repercussão na redução da morbi-mortalidade materna.
A taxa de mortalidade materna e a sua tendência temporal, sua distribuição por idade, por grupo de causas e por local de ocorrência (estado, capital e demais municípios) foram comparadas com as de outros estados e países, buscando-se identificar fatores de risco.
Apesar do sub-registro existente, a taxa de mortalidade materna no estado apresentou-se entre 5 e 11,1 por 10.000 nascidos vivos, com uma tendência decrescente, embora tenha se estabilizado nos últimos anos. A capital apresentou melhores resultados que os demais municípios em praticamente todos os indicadores trabalhados. As principais causas de óbito foram a hipertensão arterial (36,5%), as hemorragias (21,5%) e o aborto (11,6%). As faixas etárias de 10 a 14 anos e 40 a 49 anos foram as de maior risco, com taxas de mortalidade materna de 54,8 e 32,0 por 10.000 nascidos vivos, respectivamente. O investimento na melhoria da qualidade de assistência à saúde da mulher no pré-natal, no parto e no puerpério é uma ação viável e de grande impacto neste quadro, dependendo apenas da vontade política das autoridades.

Palavras-Chave: Mortalidade; Mortalidade Materna; Saúde da Mulher


ABSTRACT

The aim of this study is, first, to trace the epidemiological profile of maternal mortality in the State of Rio de Janeiro (Brazil) during the period from 1977 to 1987 and, second, to contribute to the planning of strategies for reducing maternal morbi-mortality in that context.
With the purpose of identifying risk factors, the maternal mortality rate, its prospective trends, and its distribution according to age group, causes and location are compared to the same factors in other States of Brazil and other countries.
In the State of Rio de Janeiro, the maternal mortality rate is 5.0 to 11.1 per 10,000 live births with a decreasing trend at present, despite having stabilized in the last few years.
The main causes of death — hypertensive disease in pregnancy, haemorrhage and abortion — and the risk groups involved are identified and analysed.
Within this framework, it is suggested that investments in the improvement of women's health services in general, health care during pregnancy and childbirth and puerperal care would represent not only a feasible but also a highly effective focus of action, depending solely on political decision by policy-makers.

Keywords: Mortality; Maternal Mortality; Women's Health


 

 

INTRODUÇÃO

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define enquanto morte materna "a morte de uma mulher durante a gestação, ou dentro de um período de 42 dias após o término da gestação, independentemente da duração ou da localização da gravidez, devido a qualquer causa relacionada com a gravidez ou agravada pela mesma, ou a medidas tomadas em relação a ela, porém não devido a causas acidentais ou incidentais" (Laurenti & Souza, 1987).

Quando são comparados dados internacionais, constata-se que alguns países da América Latina, da Ásia e da África possuem taxas de mortalidade materna pelo menos vinte vezes superiores às de países da Europa e da América do Norte (Pinto & Ribeiro, 1989).

O coeficiente de mortalidade materna é obtido pela razão entre o numero de mortes maternas e o número de nascidos vivos (NVs) para uma determinada região e intervalo de tempo.

Enquanto indicador de saúde, ele possibilita avaliar a qualidade da assistência prestada às mulheres no período pré-natal, durante o parto e o pós-parto. Porém, o estudo do comportamento deste coeficiente, nos diferentes períodos e lugares, permite também afirmar que ele ultrapassa os limites de um simples indicador de saúde tornando-se uma medida das condições sócio-econômicas.

Fatores como estrato social, distribuição de renda, nível de escolaridade e valorização social da condição feminina são determinantes em definir as opções de assistência médica que são oferecidas às mulheres no período gravídico-puerperal. A maior parte dos países que se convencionou chamar "em desenvolvimento" convive com diferenças sociais acentuadas, não refletindo, na sua política de saúde, medidas que tenham efetivas repercussões na qualidade da assistência médica e na prevenção do óbito nesta fase reprodutiva.

A mulher pertencente a uma classe social desfavorecida acumula, em conseqüência destes fatores, um risco muito maior de vir a morrer de uma causa materna.

O conhecimento do perfil da mortalidade materna no estado do Rio de Janeiro é um instrumento para as autoridades no planejamento de programas de saúde da mulher e uma contribuição para que a sociedade civil se conscientize de que uma mulher dar à luz sem arriscar a vida é um direito a ser conquistado.

 

OBJETIVOS

Conhecer o quadro epidemiológico dos óbitos maternos, através da análise do coeficiente de mortalidade materna, da sua distribuição proporcional por local de ocorrência (estado, capital e demais municípios), por grupo de causas e por faixa etária, no período de 1987 a 1988.

Analisar as causas que contribuem para a mortalidade materna e avaliar se as condições socio-econômicas e a qualidade da assistência médica são fatores que se destacam enquanto tal.

Sugerir medidas que contribuam para a diminuição do sub-registro e melhor conhecimento da magnitude da mortalidade materna.

Identificar aspectos sobre os quais a atuação de uma política de saúde apropriada produza um resultado de maior impacto na redução da morbi-mortalidade materna.

 

MATERIAL E MÉTODO

Para a construção do indicador, os dados de óbitos do estado e do município do Rio de Janeiro foram retirados de três fontes:

• O documento "Estatística de Mortalidade", publicado pelo Ministério da Saúde, que contém os dados de óbitos por causa, sexo e idade (MS, 1982/83/84/84a/84b/85/87/87a/88);

• Uma listagem de óbitos da capital e do estado, contendo o conjunto dos códigos em três dígitos de todos os capítulos da 9a revisão do Código Internacional de Doenças, dos anos de 1979 a 1987, enviada à Secretaria Estadual de Saúde pelo Ministério da Saúde;

• Um estudo de "Mortalidade Materna no Município do Rio de Janeiro", feito no Departamento de Dados Vitais a partir de 80% dos óbitos de mulheres em idade fértil, de 10 a 49 anos, ocorridos no ano de 1988.

A população dos nascidos vivos do estado foi estimada com base no método proposto por Beltrão et al. (1990), que possibilitou calcular os coeficientes nos anos mais recentes e fazer um estudo da tendência no período observado. Deste total, 38,2% referem-se aos nascimentos ocorridos na capital, segundo pode se inferir a partir dos dados demográficos fornecidos pelo IBGE, considerando-se a distribuição da população de zero a quatro anos (IBGE, 1980a).

A tendência da taxa de mortalidade materna foi avaliada através do procedimento de regressão linear, utilizando-se o método dos mínimos quadrados. A distribuição proporcional por idade, por grupo de causas e por local de ocorrência (estado, capital e demais municípios) foi comparada com a de outros estados e países, buscando-se identificar fatores de risco.

Optou-se por estudar a cidade do Rio de Janeiro separadamente, devido ao seu perfil ser diferente dos demais municípios, por possuir melhores condições socio-econômicas e uma maior rede de serviços de saúde, para, assim, permitir uma análise da influência destes fatores sobre a mortalidade materna.

 

RESULTADOS E AVALIAÇÃO

1. No estado do Rio de Janeiro, o período de 1977 a 1988 se caracteriza por taxas de mortalidade materna elevadas.

A Organização Pan-Americana da Saúde considera elevadas as taxas superiores a 5 (cinco) óbitos maternos para cada 10 mil nascidos vivos. A menor taxa da América Latina é atribuída à Costa Rica (2,6/10.000 nascidos vivos) e a maior é a da Bolívia (48/10.000 nascidos vivos), conforme indica a Tabela 1 (OPAS, 1986).

 

TABELA 1. Taxa de Mortalidade Materna em Países Selecionados das Américas

 

Os coeficientes de mortalidade materna no estado se encontram entre 5,0 e 11,1, ou seja, acima daquele limite. A capital, como era de se esperar, devido às suas melhores condições de vida, obteve índices, ainda que elevados, sempre menores que os demais municípios, e esta diferença variou na proporção de 13 a 91% (Tabela 2).

 

TABELA 2. Número de Óbitos e Mortalidade Materna no Período de 1977 a 1988 no Estado do Rio de Janeiro

 

Ao somar todos os óbitos desta série, 30% ocorreram na capital e 70% nos demais municípios, embora a distribuição de NVs seja de 38,2% e 61,8%, respectivamente.

O ano de 1986 apresenta os menores índices da série, não sendo possível definir, até o momento, a que fatores atribuir esta queda. Sabe-se, porém, que este ano corresponde a um período de recuperação do poder aquisitivo da população.

O quadro do estado da Federação onde estas mulheres "enfrentam" sua gravidez se caracteriza por:

• Um nível ainda elevado de analfabetismo, onde 14,7% dos homens e 16,6% das mulheres não possuem nenhum grau de instrução;

• Uma pequena participação feminina na população economicamente ativa (PEA), onde 68% são homens e apenas 32% são mulheres;

• Uma baixa remuneração do trabalho, em particular da população feminina, onde 32% ganham menos que um salário mínimo, enquanto que na população masculina este percentual cai para 14,5% (Castilho & Szwarcwald, 1986).

Apesar do Rio de Janeiro ser um dos mais importantes estados da Federação, pertencente ao lado mais desenvolvido do Brasil, estes indicadores conformam um perfil de baixo nível de desenvolvimento social e econômico, responsável, em parte, pelo elevado grau de mortalidade materna.

2. A tendência da mortalidade materna se divide em uma fase de declínio acelerado — de 1977 a 1982 — e uma fase de estabilidade — de 1983 a 1988 (Figura 1).

 

FIGURA 1. Taxa de Mortalidade Materna no Rio de Janeiro — Estado, Capital e Demais Municípios — 1977/87

 

No estado do Rio de Janeiro, a queda da taxa de mortalidade materna entre os anos de 1977 e 1987 foi de 46%, sendo que 39,5% ocorreram nos primeiros 6 (seis) anos do período e 6,5%, nos anos restantes, representando uma estabilidade nesta segunda fase (Figura 2). Na Costa Rica, esta taxa foi de 12,6 para 10.000 nascidos vivos em 1960, e em 1980 já alcançava o índice de 2,3, correspondendo a uma diminuição de 82% (OPAS, 1986).

 

FIGURA 2. Mortalidade Materna no Rio de Janeiro — 1977/87

 

A tendência temporal permite identificar que houve uma redução no ritmo de queda do coeficiente de mortalidade materna a partir do ano de 1983, particularmente no município do Rio de Janeiro (Figura 2).

Antes de se analisar os possíveis fatores que possam ter provocado este fenômeno, cabe ressaltar aspectos que introduziram alterações artificiais:

• A subestimação do número de nascidos vivos a partir daquele ano, causando uma diminuição do denominador e elevando os índices nos últimos anos;

• Uma diminuição de sub-registro dos óbitos, com melhor preenchimento das declarações pelos profissionais responsáveis por esta atribuição.

Este último fator certamente influencia o dado de 1988, pois foi neste período que se iniciou o estudo da mortalidade materna no Rio de Janeiro, conduzido pelo Departamento de Dados Vitais (DDV) da Secretaria Estadual de Saúde (SES). A partir de então, a equipe responsável pela classificação e codificação dos óbitos vem valorizando todas as informações contidas na declaração de óbito, identificando um número maior de causas maternas.

No presente estudo, considera-se que os fatores sócio-econômicos, aliados à queda na qualidade da assistência prestada à mulher na gestação, no parto e no puerpério, são variáveis que desempenham um papel significativo na evolução do coeficiente da mortalidade materna. Os dados e fatos sugerem que estes aspectos exercem influência sobre a estabilização da taxa da mortalidade materna no período de 1983 a 1987.

Sabe-se que, nos últimos anos, devido às divergências políticas entre os governos federal e estadual, o repasse de verbas federais para o estado vem sofrendo atrasos. Devido à conjuntura inflacionária, seus valores são ainda mais comprometidos, agravando a crise no setor saúde.

As precárias condições dos hospitais públicos no Rio de Janeiro têm sido manchete das primeiras páginas dos jornais, servindo a interesses daqueles que defendem que se a saúde da população fosse entendida como uma fonte de lucro, haveria uma oferta de serviços de alto padrão de qualidade. A privatização vem sendo acenada como solução.

O trabalho de inspeção realizado pelo Departamento de Vigilância Sanitária — SES, Conselho Regional de Medicina e outras entidades evidenciou a existência de casas de saúde e clínicas particulares funcionando em um quadro de inúmeras irregularidades: falta de higiene, reaproveitamento de material descartável, frascos de sangue e remédios com prazos de validade vencidos, superpopulação de pacientes, déficit de recursos humanos, aparelhos de raio X funcionando com índice de radiação acima dos padrões recomendados, sem a devida proteção para isolar os pacientes, sangue adquirido de forma ilegal, e centros cirúrgicos funcionando sem qualquer esterilização. A SES, em muitos casos, autuou e interditou estas unidades (Boletim do Cremerj, 1990).

Freqüentemente, a gestante em início de trabalho de parto, após percorrer algumas maternidades à procura de leito público, tem como alternativa recorrer a estes serviços privados.

Estima-se que, para cada óbito, de 10 a 15 mulheres guardam seqüelas com relação ao processo reprodutivo, de características psíquicas e biológicas (Starrs, 1987).

3. A existência de sub-registros dos óbitos esconde a real magnitude da mortalidade materna.

Para um estudo comparativo, os dados sobre a mortalidade materna devem ser olhados criticamente, levando-se em consideração a qualidade do sistema de informação onde eles foram gerados. Na maioria dos países, eles se encontram subestimados (Armstrong & Royston, 1989).

O estudo de óbitos de mulheres de 10 a 49 anos na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, no ano de 1988, permitiu selecionar um conjunto de causas que poderiam ser conseqüentes a uma causa básica associada à gravidez, ao parto ou ao puerpério que não teria sido declarada. Estas causas foram denominadas "causas maternas presumíveis", seguindo conceito do trabalho do Centro Brasileiro de Classificação de Doenças (OMS, 1978), e correspondiam a 3,29% dos óbitos femininos naquele grupo etário. Devido às caracteristicas locais, foram acrescentados o acidente vascular cerebral hemorrágico, a coagulação intravascular disseminada e a anemia aguda à proposta original acima citada, e retirada a broncopneumonia da mesma.

Partindo-se de 1979, em um estudo retrospectivo das causas presumíveis, classificadas através dos códigos em três dígitos da 9a Classificação Internacional de Doenças (CID), a freqüência no sexo feminino foi comparada com a no sexo masculino e identificou-se que, além das doenças inflamatórias dos órgãos pélvicos femininos (apenas as CIDs 614 e 615), a septicemia (CID 038), a doença pulmonar aguda do coração, as outras doenças do aparelho circulatório (CID 459), a peritonite (CID 567), os defeitos da coagulação (CID 286) foram aquelas cuja proporção se apresentou mais significativa no sexo feminino. No entanto, em alguns anos, o número de óbitos por septicemia em homens foi superior ao número de óbitos em mulheres.

A fim de se conhecer o grau de sub-registro, mulheres residentes e falecidas em 1988 na Região Metropolitana, por uma causa básica incluída dentro do diagnóstico de causa materna presumível, comparado-os com uma outra lista nominal de mulheres falecidas no mesmo ano por causa materna e de puérperas transferidas de 8 (oito) maternidades públicas, obtida através de um formulário denominado História Clínica Perinatal (HCP) — sumário obstétrico. Desta forma, dois óbitos foram recuperados, representando 0,5% do total de mortes maternas ocorridas na capital. Apesar da HCP indicar um número maior de óbitos de mulheres residentes na capital, seus nomes não foram localizados no grupo de causas maternas ou presumíveis. Dos 25 óbitos ocorridos nestas unidades, apenas 8 (oito) deles chegaram ao conhecimento da SES, enquanto causa associada ao ciclo gravídico-puerperal, representando um sub-registro de 68% dos óbitos por esta causa (Russomano et al., 1989). Em importante trabalho de investigação domiciliar e hospitalar de óbitos femininos da capital de São Paulo, no ano de 1986, evidenciou-se um sub-registro de 55,3% (Laurenti, 1988a).

Além dos dados da HCP que são enviados à Coordenadoria de Informação da Superintendência de Planejamento, deveria ser encaminhada, periodicamente, por estas unidades, uma lista nominal dos óbitos ocorridos, a fim de cruzar esta informação com a computada a partir das declarações de óbitos e, com isto, reduzir o sub-registro.

A capacitação dos médicos que atuam nesta área acerca da importância do correto preenchimento da declaração de óbito e o envio de aerogramas para estes profissionais, em situações onde a causa básica é uma causa materna presumível, tentando identificar uma causa materna não-declarada, vêm contribuindo para o conhecimento da verdadeira dimensão do problema.

4. Do total de mulheres em idade fértil que morrem no estado, 3,5% são em decorrência de causas associadas ao período gestacional e puerperal (Figura 3).

 

FIGURA 3. Coeficiente de Mortalidade Proporcional* por Causa Materna — 1977/87

 

A mortalidade proporcional por causa materna é o indicador que determina o percentual de óbitos por esta causa em relação ao total ocorrido em mulheres de idade fértil, ou seja, entre 10 e 49 anos. Laurenti et al. sugerem que seja reduzido o limite inferior de faixa etária de 15 anos para 10 anos, devido ao número crescente de casos de gravidez a partir desta idade (Laurenti, 1988). Em 1985, foi na faixa etária dos 20 aos 29 anos que este coeficiente se situou entre as cinco principais causas de morte neste grupo. Assinale-se que, neste ano, não houve óbito por esta causa nas mulheres menores de 15 anos.

Este indicador apresentou uma tendência descendente ao longo dos anos estudados, mantendo uma diferença constante entre a capital e os demais municípios na maioria do período (Tabela 3 e Figura 3). Comparando com dados internacionais, na Suécia, em 1980, apenas 0,2% dos óbitos de mulheres de 15 a 49 anos são devidos a causas maternas.

 

TABELA 3. Mortalidade Proporcional por Causa Materna* — Rio de Janeiro — 1977/88

 

5. O maior risco de mortalidade materna ocorreu no grupo de mulheres de 10 a 14 anos.

Apesar do grupo etário de 10 a 14 anos contribuir com uma parcela de 0,8% das mortes maternas no estado (Figura 4), ao se relacionar o número de óbitos com o número de nascidos vivos desta faixa etária, estimado a partir dos dados do Registro Civil (IBGE, 1980b, 1983, 1987), encontra-se, em 1980, o elevado coeficiente de mortalidade materna de 83,2 por 10.000 nascidos vivos. Deve-se, entretanto, ressaltar a possibilidade de um menor número de registros de nascimento nesta faixa etária, levando a um sub-registro diferenciado e a uma subestimação dos nascidos vivos. É na faixa de 40 a 49 onde se localiza o segundo maior valor, 22,0 por 10.000 nascidos vivos (Tabela 4).

 

FIGURA 4. Distribuição Proporcional dos Óbitos Maternos por Faixa Etária no Estado — Rio de Janeiro — 1977/87

 

FIGURA 5. Distribuição Proporcional dos Óbitos Maternos por Faixa Etária na Capital — Rio de Janeiro — 1977/87

 

FIGURA 6. Distribuição Proporcional dos Óbitos Maternos por Faixa Etária nos Demais Municípios — RJ — 1977/87

 

 

TABELA 4. Coeficiente de Mortalidade Materna por Faixa Etária no Estado do Rio de Janeiro, Capital e Demais Municípios — 1980, 1983 e 1987

 

Ao contrário do que era de se esperar, o grupo de 15 a 19 anos apresentou risco muito próximo ao dos 20 a 29 anos, no estado e na capital. Inclusive, ao se comparar a mortalidade materna deste grupo com a do grupo de mulheres em idade fértil como um todo, o risco relativo destas adolescentes é menor. Este resultado não permite afirmar que ficar grávida entre os 15 e os 19 anos expõe a mulher a um maior risco (Tabela 4).

Na análise da mortalidade materna por causas, em mulheres de 15 a 19 anos, para o Brasil, destacou-se que esta mortalidade, ao contrário de ser conseqüência da idade jovem, como poder-se-ia supor, é decorrente da má assistência pré-natal e ao parto (Siqueira & Tanaka, 1986).

6. As principais causas de óbito materno, por ordem de importância, foram a hipertensão arterial, a hemorragia e a gravidez terminada em aborto (Figura 7).

 

FIGURA 7. Distribuição Proporcional dos Óbitos por Grupos de Causas Maternas no Estado do Rio de Janeiro — 1977/87

 

Esta distribuição proporcional de causas se dá de maneira diferenciada, de acordo com a realidade de cada país. Nos Estados Unidos, de 1980 a 1985, a principal causa foi a embolia, correspondendo a 17% dos óbitos, enquanto na China (Hui & Lingmei, 1988), em 1984, o primeiro lugar coube às causas hemorrágicas (incluídos os traumas obstétricos), que foram responsáveis por 45,4% dos óbitos.

As causas maternas foram classificadas em:

• Diretas: resultantes de complicação da própria gravidez, ou de intervenções necessárias ou requeridas pela gestação. Destas causas, a gravidez terminada em aborto (CIDs 630-639), as hemorragias (CIDs 640, 641, 666), a hipertensão arterial e a infecção puerperal (CID 670) foram estudadas destacadamente;

• Indiretas: resultantes de doenças preexistentes, ou que surgem durante a gravidez e que são agravadas pelos efeitos fisiológicos desta (CIDs 647 e 648) (Tabela 5).

 

TABELA 5. Distribuição Proporcional por Grupos de Causas Maternas — Estado do Rio de Janeiro — 1979/87

 

A hipertensão arterial correspondeu a 36% dos óbitos ocorridos no estado e 32% dos óbitos ocorridos na capital, durante o período, enquanto que em São Paulo esta foi de 33,7% e no Brasil, de 29,5%, para o ano de 1980 (Siqueira et al., 1984).

Dentre estas síndromes, a eclâmpsia é provavelmente a principal causa de óbitos (Tanaka et al., 1989). Este grave quadro clínico pode ser evitado se a elevação dos níveis tensionais é detectada precocemente e tratada de maneira adequada, ao nível da assistência pré-natal. Segundo a PNAD-1981, a cobertura deste serviço é de 70,9% para o Brasil, o que demonstra uma baixa eficácia na prevenção desses casos (Pinto & Ribeiro, 1989).

As hemorragias ocupam o segundo lugar, com percentuais de 21,5% no estado e 20,7% na capital. A falta de acompanhamento do trabalho de parto e do puerpério, a falta de uma rápida assistência às grandes perdas sanguíneas e a inexistência de banco de sangue na maternidade dão ao atendimento de nível hospitalar uma importante parcela de responsabilidade por esta causa de morte.

A gravidez terminada em aborto representa, oficialmente, 15,5% das causas maternas no estado e 12,9% na capital. Deste grupo, 75% dos óbitos devem-se aos abortos espontâneos, provocados e não-especificados. Apesar da queda de 14,2% dos níveis de fecundidade, entre os anos de 1980 e 1984, na região Sudeste (Oliveira & Simões, 1988) e de 41,4% de mulheres unidas, usando método anticoncepcional, entre 15 e 54 anos estarem esterilizadas (Berquó, 1989), ainda é grande o número de mulheres que recorrem ao aborto como forma de evitar uma gravidez não planejada ou desejada. A criminalização do aborto faz com que a mulher que deseja interrromper a gravidez se disponha a realizá-lo em locais clandestinos. As mulheres de baixa renda, em sua maioria, se submetem a ações de "curiosos", sem noções básicas de higiene e saúde, devido ao baixo custo financeiro dessas ações, porém de alto risco de vida. O aborto é, provavelmente, do grupo de causas maternas, aquele que apresenta maior sub-registro.

Com todas as suas dificuldades econômicas, Cuba vem se destacando enquanto uma experiência vitoriosa de prevenção da mortalidade materna, e foi na intervenção sobre o aborto, devido à sua descriminalização, onde se conseguiu melhores resultados, reduzindo a taxa de mortalidade materna por aborto de 21,4 óbitos por 100.000 nascidos vivos, em 1970, para 3,3 por 100.000 nascidos vivos, em 1978 (Steegers, 1983). Este fato ilustra a vulnerabilidade deste indicador a ações preventivas de saúde.

A infecção puerperal é a quarta causa de óbito, contribuindo com 8% dos óbitos maternos. Grande parte sobrevem como conseqüência do aborto provocado, da prática indiscriminada de operação cesariana, e de falhas no controle da infecção hospitalar.

Existem fortes indícios de que grande parte destes óbitos por causa materna pose ser evitada considerando-se que a técnica disponível nos dias atuais possa ser oferecida às pacientes no momento adequado.

Estudo realizado sobre óbito materno em Nova Iorque, no ano de 1933, constatou que 36% dos óbitos ocorridos foram inevitáveis, 47% foram responsabilidade do médico ou enfermeira, e 17% foram atribuídos à paciente. Alguns trabalhos atuais de investigação de óbito materno que analisam a evitabilidade atribuem ao médico e à instituição prestadora de serviço a maior parcela de responsabilidade sobre o óbito.

O Comitê de Prevenção da Mortalidade Materna do Rio de Janeiro, criado no Encontro Estadual de Mulheres, no ano de 1989, poderia realizar uma investigação dos óbitos, para melhor entendimento dos fatores de risco, utilizando a metodologia proposta por Fimn, em 1984, que analisa os aspectos relacionados à paciente, ao médico, à instituição hospitalar e à sociedade (Mouad-Filho et al., 1987).

 

CONCLUSÃO

1. O Rio de Janeiro obteve elevados níveis de mortalidade materna — entre 11,1 e 5,0 por 10.000 nascidos vivos — no período de 1977 a 1987.

2. O comportamento do coeficiente de mortalidade materna apresentou uma tendência decrescente, sendo que nos últimos quatro anos teve sua velocidade de queda interrompida, provavelmente influenciada pela piora das condições de vida da população e pela crise do setor saúde no período.

3. O treinamento de médicos quanto à importância do preenchimento correto da declaração de óbito, a utilização de aerogramas para esclarecimento da causa básica e o envio à SES de uma lista nominal de mortes maternas ocorridas, pela maternidade, reduziria o sub-registro dessas causas.

4. Foram nas faixas etárias extremas, isto é, entre os 10 e 14 anos e entre os 40 e 49 anos, onde se constatou elevado risco de vir a morrer por uma causa materna.

5. As principais causas de morte foram a hipertensão arterial, as hemorragias, a gravidez terminada em aborto e as infecções puerperais.

6. O investimento na melhoria da qualidade da assistência à saúde da mulher no pré-natal, no parto e no puerpério é uma ação viável e de grande impacto neste quadro, dependendo apenas da vontade política das autoridades.

 

AGRADECIMENTOS

A Milena Piraccini Duchiade e aos funcionários do Departamento de Dados Vitais da Secretaria Estadual de Saúde — RJ., pelo apoio que deram para a realização deste trabalho.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARMSTRONG, S. & ROYSTON, E., 1989. Preventing Maternal Deaths. Genebra: WHO.        

BELTRÃO, K. I.; DUCHIADE, M. P. & WULHY-NEK, P. P., 1990. Relatório Técnico 06/90, ENCE. Rio de Janeiro: IBGE.        

BERQUÓ, E., 1989. A esterilização feminina do Brasil hoje. In: Quando a paciente é mulher: Relatório do Encontro Nacional Saúde da Mulher: um Direito a ser Conquistado (Conselho Nacional de Direito da Mulher, org.), pp. 79-84, Brasília : Conselho Nacional dos Direitos da Mulher.        

BOLETIM DO CREMERJ, 1990. Inspeções constatam calamidades. Boletim do Cremerj, 25: 4-5.        

CASTILHO, E. A. & SZWARCWALD, C., 1986. A mulher brasileira. Dados-Radis. Fiocruz, ano IV. Outubro de 1986.        

IBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 1980a. Censo Demográfico. 9oRecenseamento. Rio de Janeiro: IBGE.        

_____, 1980b. Estatística do Registro Civil. Rio de Janeiro: IBGE.        

_____, 1983. Estatística do Registro Civil. Rio de Janeiro: IBGE.        

_____, 1987. Estatística do Registro Civil. Rio de Janeiro: IBGE.        

HOGBERG, U. & WALL, S., 1986. Secular trends in maternal mortality in Sweden from 1750 to 1980. Bulletin of the World Health Organization, 64: 79-84.        

HUI, D. & LINGMEI, Z., 1988. Analysis of the causes of maternal death in China. Bulletin of the World Health Organization, 66: 387-390.        

LAURENTI, R., 1988. Marcos referenciais para estudos e investigações em mortalidade materna. Revista de Saúde Pública, 22: 507-512.        

LAURENTI, R., 1988a. Mortalidade de Mulheres de 10 a 49 anos no Município de São Paulo (com ênfase à mortalidade materna): Relatório Final, 1aparte. São Paulo, Centro Brasileiro de Classificação de Doenças. (Mimeo.)        

LAURENTI, R. & SOUZA, M. L., 1987. Mortalidade Materna: Conceitos e Aspectos Estatísticos. São Paulo: Centro da OMS para Classificação de Doenças em Portugues.        

LAURENTI, R.; SANTO, H. A.; BUCHALA, C. M. & LOLIO, C. A., 1986. Mortalidade Materna: causas básicas e associadas de morte em quatro municípios do Estado de São Paulo, 1983. Análise de atestados de óbito. Relatório Final (APO 276/85), São Paulo, 1986. (Mimeo.)        

MOUAD-FILHO, F.; YAZILLE, M. E.; CHUFACO, J. E.; DIAS, C. C. & MORAES, E. N., 1987. Prevenção de Mortalidade Materna. Femina, 15: 568-571.        

MS (Ministério da Saúde, Divisão Nacional de Epidemiologia), 1982. Estatísticas de Mortalidade: Brasil, 1979. Brasília: Ministério da Saúde.        

_____, 1983. Estatísticas de Mortalidade: Brasil, 1980. Brasília: Ministério da Saúde.        

_____, 1984. Estatísticas de Mortalidade: Brasil, 1977. Brasília: Ministério da Saúde.        

_____, 1984a, Estatísticas de Mortalidade: Brasil, 1978. Brasília: Ministério da Saúde.        

_____, 1984b. Estatísticas de Mortalidade: Brasil, 1981. Brasília: Ministério da Saúde.        

_____, 1985. Estatísticas de Mortalidade: Brasil, 1982. Brasília: Ministério da Saúde.        

_____, 1987. Estatísticas de Mortalidade: Brasil, 1983. Brasília: Ministério da Saúde.        

_____, 1987a. Estatísticas de Mortalidade: Brasil, 1984. Brasília: Ministério da Saúde.        

_____, 1988. Estatísticas de Mortalidade: Brasil, 1985. Brasília: Ministério da Saúde.        

OLIVEIRA, L. A. P. & SIMÕES, C. C. S., 1988. Perfil Estatístico de Crianças e Mães no Brasil: a situação da fecundidade, determinantes gerais e características da transição recente. Rio de Janeiro: IBGE.        

OMS (Organização Mundiual de Saúde), 1978. Manual de Classificação Estatística Internacional de Doenças, Lesões e Causas de Óbito. 9aRevisão, Vol. I., São Paulo: OMS.        

OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde), 1986. Elementos básicos para el estudio y la prevención de la mortandad materna. Boletim Epidemiológico, 7: 1-6.        

PINTO, C. S. & RIBEIRO, A. F., 1989. Mortalidade Materna — dimensões de uma perda evitável. Congresso Brasileiro de Ginecologia e Obstetrícia. São Paulo. (Mimeo)        

RUSSOMANO, F. B.; SILVA, L. K. & SILVA, K. S., 1989. O registro (e o sub-registro) de mortalidade materna em oito maternidades públicas da cidade do Rio de Janeiro em 1987 e 1988. Rio de Janeiro. (Mimeo)        

SIQUEIRA, A. A. F. & TANAKA, A. C. d'A., 1986. Mortalidade na adolescência, com especial referência à mortalidade materna, Brasil, 1980. Revista de Saúde Pública, 20: 274-279.        

SIQUEIRA, A. A. F.; TANAKA, A. C. d'A.; SANTANA, R. M. & ALMEIDA, P. A. M., 1984. Mortalidade Materna no Brasil, 1980. Revista de Saúde Pública, 18: 448-645.        

STARRS, A., 1987. La prevención de la Tragedia de las Muertes Maternas: Informe sobre la Conferencia Internacional sobre la Maternidad sin Riesgos. Nairobi: OMS/Banco Mundial/UNFPA.        

STEEGERS, E. L., 1983. Mortalidad Materna en Cuba. Decenio 1970-1979. Instituto de Desarrollo de La Salud. Revista Cubana de Administración da Salud, 9: 305-315.        

TANAKA, A. C. d'A; SIQUEIRA, A. A. F. & BAFILE, P. N., 1989. Situação da saúde materna e perinatal no Estado de São Paulo, Brasil. Revista de Saúde Pública, 23: 67-75.        

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br