Debate sobre o Artigo de Marques
Debate on the Paper by Marques

 

Henrique Rattner
Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Lideranças

O tema "incertezas e riscos em saúde decorrentes de mudanças tecnológicas" proporciona o ensejo para analisarmos criticamente não somente algumas diretrizes da política científico-tecnológica em saúde, mas também as propostas recorrentes de introduzir modelos sistêmicos e abordagens transdisciplinares no estudo dos múltiplos e complexos fatores associados à irrupção de novas doenças. Essa abordagem facilitaria a construção de um referencial teórico mais abrangente para se estudar a dinâmica de patologias, e, assim, contribuiria à previsibilidade e à eficácia das políticas de saúde.

Há, contudo, um aspecto fundamental a ser considerado: os estudos sobre doenças e saúde concentram-se quase exclusivamente em sua patogenese biológica, enquanto todas as evidências apontam para processos complexos de inter-relações entre fatores biológicos, materiais, sociais e psíquicos. São esses últimos que, a nosso ver, desencadeiam os fenômenos de anomia social e que tornam o convívio na sociedade insustentável.

A tese que associa a emergência de novas patologias à inovação e generalização do uso de tecnologias permite várias análises e inferências.

Tanto na alopatia quanto na agricultura, são conhecidos e multiplicam-se os fenômenos de patologias ou infecções cujos agentes são resistentes a antibióticos ou pesticidas aplicados amplamente.

O próprio envelhecimento das populações, ou melhor, o aumento gradual da expectativa de vida conseguido, ao longo de décadas, com melhor alimentação, higiene e tratamentos de saúde, tem trazido à tona e elevado a incidência de uma série de doenças degenerativas, objeto de novas pesquisas e estudos.

A tese presta-se, contudo, a uma incursão em área pouco explorada, porém de relevância ímpar para compreensão dos problemas humanos de nossa civilização e para seu equacionamento e superação mediante políticas públicas adequadas.

Inovações tecnológicas – enquanto alavanca poderosa da expansão, do crescimento e da diversificação das atividades econômicas –, têm resultado na eliminação incessante de postos de trabalho, supostamente de menor qualificação. Por outro lado, a criação de novos empregos, ainda que melhor remunerados, não tem permitido a absorção dos "redundantes", ou desempregados, pela estrutura produtiva.

Entre as conseqüências desse processo, apontam-se as perdas dos assalariados em sua participação na renda nacional e a deterioração geral da qualidade de vida de camadas crescentes da população, mesmo nos países desenvolvidos. Os impactos mais graves e duradouros, dificilmente identificáveis por um raciocínio causal linear, mas perfeitamente perceptíveis mediante uma abordagem analítica sistêmica e interdisciplinar, se verificam na paulatina destruturação do tecido social, através da marginalização e segregação de inúmeros indivíduos com plena capacidade produtiva, declarados inúteis e rejeitados pela sociedade. Aos impactos diretos expressos na pauperização física e material dessa multidão incontável, devem ser acrescentados os efeitos psíquicos e morais, expressos no comportamento individual, e seus reflexos na psique coletiva. Os excluídos, ao perder a estima própria e a dos outros, e sem meios de reagir ou inverter esse processo, tornam-se agressivos e transgressores da lei e, desmotivados e desesperançosos, procuram refúgio na doença mental ou, no caso extremo, no suicídio.

Por outro lado, o avanço impetuoso das tecnologias de ponta nos sistemas de produção industriais – a automação e robotização – têm resultado em crescente dicotomização dos processos de trabalho, entre concepção/planejamento e execução, destituída essa última de qualquer compreensão do conjunto e, portanto, de sentido das tarefas realizadas.

Acompanhando o noticiário sobre os inúmeros casos de perturbação psíquica e emocional, bem como as estatísticas assustadoras sobre as violências cometidas nos grandes centros da civilização urbano-industrial, fica a dúvida sobre a relação "custos/benefícios" do progresso técnico.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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