DEBATE DEBATE

 

 

Alpina Begossi

Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, Brasil.


Debate sobre o artigo de Elmo Rodrigues da Silva & Fermin Roland Schramm  

Debate on the paper by Elmo Rodrigues da Silva & Fermin Roland Schramm

 


O artigo acima reflete polêmicas sobre a questão ambiental, oriundas particularmente das áreas de ciências sociais. O assunto é sem dúvida relevante, não só pela importância da área ambiental, como também pela inclusão das ciências sociais no debate.

Entretanto, gostaria de chamar a atenção para cinco assuntos que poderiam ser mais definidos ou ainda elaborados: a relação entre as ciências sociais e a natureza; a noção de equilíbrio em ecologia; a ecologia de sistemas, como parte da disciplina Ecologia; a relação ecologia e ciências ambientais; o conceito de sustentabilidade.

 

A relação entre as ciências sociais e a natureza

 

De acordo com os autores, a cisão homem/natureza tornou-se predominante no mundo ocidental. Essa parece ser mais uma visão disciplinar que geral: a realidade das ciências sociais não deve ser transplantada para as outras ciências. Ou seja, a visão antropocêntrica, que exclui a humanidade da natureza, foi (é) essencialmente predominante nas ciências sociais e não é observada nas ciências naturais. Tomando como exemplo a antropologia, houve historicamente a divisão entre antropologia biológica (física) e cultural/social (dentre outras). Ainda em 1952, A. Kroeber (The Nature of Culture) revelou e sustentou a dicotomia homem/natureza na análise sobre o superorgânico/orgânico. Na biologia, e ecologia, a humanidade faz parte da natureza, em todas as escalas: dos gens aos indivíduos e às comunidades. Em outras palavras, a etologia clássica, a sócio-biologia, a partir dos anos 70, e a área de modelagem de transmissão cultural, a partir da década de 80, sempre incorporaram, cada uma a seu modo, a relação gens-cultura (natureza-cultura) na análise do comportamento humano. Em outra escala, indivíduos e comunidades humanas são analisados em relação às interações com os recursos naturais: seja através de modelos evolutivos, os modelos para avaliar estratégias de subsistência (como forrageamento ótimo), seja mediante análises detalhadas sobre percepção, conhecimento e uso dos recursos naturais, que incluem a etnossistemática e etnobiologia.

 

A noção de equilíbrio em ecologia

 

No artigo, cita-se em ecologia a noção de equilíbrio da natureza e de processos de homeostase. A idéia de equilíbrio em ecologia evoluiu bastante desde os anos 60. Como interpretam esse conceito os autores? Como falar em equilíbrio sem mencionar ciclos, flutuações, estabilidade? Um influente ecólogo, como C. Holling, analisou em 1992 esse conceito, dentre outros associados, em artigo na Ecological Monographs. Então, equilíbrio em ecologia deve ser usado associado a alguma definição atualizada.

 

A ecologia de sistemas como parte da disciplina Ecologia

 

Os autores apenas citam a ecologia de sistemas de Odum, como se a ecologia como um todo fosse sistêmica. Essa é uma visão reducionista da disciplina. Ou seja, a ecologia analítica, evolutiva, de populações e comunidades, que analisa as interações entre os organismos (como competição e mutualismo, por exemplo) foi ignorada. A ecologia dos clássicos R. MacArthur, E. Pianka, J. Roughgarden, D. Simberloff e T. Schoener, só para citar alguns, sequer foi mencionada no artigo.

 

A relação ecologia e ciências ambientais

 

Da ecologia de Odum, os autores saltam para problemas ambientais (contaminação de Minamata, usinas nucleares), citando então a questão ambiental. Aqui talvez se localize a origem, ou a causa, das indefinições encontradas no artigo. A ecologia não se transformou em ciências ambientais. É uma disciplina com perguntas definidas, metodologias próprias e limitações claras dentro das ciências naturais. As chamadas ciências ambientais englobam diferentes disciplinas que se aglutinam para analisar problemas ou questões do meio ambiente. A antropologia, ecologia, economia, engenharia, sociologia, dentre outras, de forma interdisciplinar, podem ser aglutinadas, sem perda de identidade, para enfrentar tais questões, como a contaminação por mercúrio, o impacto de hidrelétricas ou ainda os problemas da manutenção da biodiversidade na Mata Atlântica. Exemplos são encontrados em universidades brasileiras e do exterior: há pós-graduações e grupos de pesquisa em ecologia no Brasil e em ciências ambientais (esses, interdisciplinares). Nos Estados Unidos, existem cursos/grupos de pesquisa em ecologia, muitos desses fazendo parte de institutos/divisões/centros de ciências ambientais. Esses centros em geral aglutinam equipes interdisciplinares (veja os diversos campi da Universidade da Califórnia, por exemplo). A idéia de que as ciências ambientais são ou devem ser um novo paradigma, holístico e transdisciplinar foi assunto de muitos debates nos anos 60/70, inclusive no Brasil. Vale a pena analisar a evolução desse pensamento ou proposta.

 

O conceito de sustentabilidade

 

Diante das inúmeras definições (ou indefinições?) do que é ou deve ser 'sustentável', sugiro que os autores comentem sobre conceitos de sustentabilidade. Muitas definições são citadas em artigos relativamente recentes, como em Gatto, 1995 (Sustainability: it is a well definid concept? Ecological Applications, 5:1181-1183); Goldman, 1995 (Threats to sustainbility in african agriculture ­ searching for appropriate paradigms. Human Ecology, 23:291-334) e Goodland, 1995 (The concpet of environmental sustainbility. Annual Review of Ecology and Systematics, 26:1-24).

Vale salientar a relevância atual do assunto, especialmente para as ciências sociais e ambientais, de uma maneira geral. É então fundamental que conceitos e disciplinas mencionados no texto estejam bem descritos, explicitados e fundamentados.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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