Luis Bahamondes

Debate sobre o artigo de Fernando Zegers-Hochschild

Debate on the paper by Fernando Zegers-Hochschild

 

 

Departamento de Tocoginecologia, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, Brasil.

 

 

 

 

Consideramos que no artigo mencionado é apresentada uma excelente posição em relação a um tema tão controvertido como é a fertilização in vitro e transferência de embriões (FIV). É obvio, como o próprio autor assinala no inicio de seu artigo, que sendo este assunto tão amplo, ele decidiu escolher apenas alguns dos temas envolvidos no processo da reprodução assistida, e, a meu ver, o autor foi muito feliz na escolha das questões a serem tratadas.

Entretanto, é necessário apontar que, igual a outras ações médicas, os procedimentos de reprodução assistida envolvem, por um lado, o grupo profissional médico, entendendo como tal não somente os médicos, mas também os biólogos, anestesistas, geneticistas, enfermeiros etc.; e por outro lado, envolve a sociedade. Quando menciono a sociedade, estou-me referindo não somente às pessoas que possam a vir a ser os sujeitos a utilizar este tipo de serviço, mas também aos que talvez nunca venham a necessitar destes serviços. Também me refiro aos representantes religiosos de diferentes credos, aos eticistas, sociólogos e principalmente aos representantes do povo democraticamente escolhidos, isto é, aos parlamentares.

Poderíamos perguntar por que tantas pessoas estariam interessadas em opinar sobre um tema que teoricamente diz respeito apenas a um grupo restrito da sociedade: àquele que tem problemas para engravidar, que constitui cerca de 10% da população, e, dentro essa porcentagem, àqueles que não conseguiram a solução de seu problema por outras opções terapêuticas.

O problema é que a reprodução assistida, como o Dr. Zegers explica, envolve o início da vida, envolve a fantasia de que os médicos podem dispor de um poder absoluto sobre a vida humana e até sobre a morte. Por outro lado, existe uma grande confusão sobre o início da vida humana e conseqüentemente sobre o que se fala quando se trata de temas como os concepti, confundidos com embriões ou confundidos com pessoas. Às vezes esta confusão é bem intencionada; entretanto, outras vezes é deliberada.

Mas, neste artigo, é colocado em seu devido lugar o conceito sobre o que é uma pessoa e o que é um conceptus. Como o Dr. Zegers diz, não se pode ser criança sem ser embrião e assim até zigoto unicelular. Poderíamos, porém, especular que, para ser uma pessoa, é necessário antes ter um espermatozóide e um oócito, e conseqüentemente as células germinativas também poderiam ser consideradas um ser. Entendo que este tipo de informação deveria ser colocado ao alcance de todas as pessoas, assim como dos legisladores, em uma linguagem acessível para não-médicos, a fim de que possam entender mais claramente sobre o que se está falando.

Em relação ao capítulo sobre criopreservação de conceptus, embora eu compartilhe a posição do Dr. Zegers no que diz respeito ao dano potencial que este processo de criopreservação poderia ter sobre os indivíduos e de sua posição sobre as taxas de sobrevida, considero que o artigo merecia mais ênfase sobre o dilema de casais e profissionais sobre o destino dos concepti não transferidos. Além disso, este deveria ser um assunto sobre o qual a sociedade e obviamente os legisladores deveriam ser ouvidos. Também as leis deveriam ser claras em relação a este tópico.

Finalmente, gostaria de comentar o capítulo que se refere à doação de gametos. A posição sobre a diferença entre a paternidade biológica e social me parece a mais acertada. Todos conhecemos as experiências bem-sucedidas entre pais que têm filhos adotivos, e na literatura médica está bem documentado o sucesso de pais que têm filhos pela doação de espermatozóides nos casos de azoospermia ou outras doenças. Existem estudos que mostram que, inclusive entre estes casais a incidência de divórcios é menor que na população em geral, talvez porque o projeto parental tenha sido mais difícil e mais discutido do que entre casais em geral. Em relação à ovo-doação, o número de crianças nascidas por esta variedade de doação de gametos é menor, por ser uma técnica recente, e conseqüentemente a informação disponível é mais restrita, mas aparentemente os resultados são similares aos de quando a célula doada é o espermatozóide.

Mas a doação de gametos de forma anônima, o nascimento de uma criança cujos pais biológicos são diferentes dos pais da criança, ou o nascimento de crianças geradas no útero de outra mulher diferente da que ofereceu o oócito, pode criar alguns problemas futuros que, no meu entender, não foram tocados no artigo. Provavelmente pelo escasso espaço de que o autor dispunha para tema tão complexo.

Considero que, quando falamos ou discutimos temas de doação ou adoção de gametos, não podemos esquecer que um dos direitos inalienáveis da pessoa humana é o de conhecer a sua origem. Embora seja difícil explicar que a origem é um espermatozóide ou um óvulo doado, anônimo, é necessário ter em conta experiências dolorosas sobre a mudança de identidade de crianças nascidas durante os regimes militares na América Latina. Isto faz com que este tema da doação anônima seja discutido amplamente pela sociedade e claramente legislado, sobretudo tendo em conta assuntos futuros de filiação e herança.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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