RESENHAS REVIEWS

 

 

VITAL BRAZIL. OBRA CIENTÍFICA COMPLETA

André de Faria Pereira Neto (org.)
Niterói, Instituto Vital Brazil, 2002. 1.184 pp

ISBN: 85-88231-02-6

 

Carlos Maurício de Andrade

Departamento de Ciências Biológicas, Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil

 

O livro constitui-se numa coletânea que abrange toda a obra cientifica do médico e cientista brasileiro Vital Brazil (1865-1950), baseada no trabalho de compilação da pesquisadora Eva Kelen, iniciado em 1969.

Aqui encontramos a transcrição de todas as publicações, segundo os textos originais (português, alemão ou francês), desde a sua tese de doutoramento apresentada na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, publicada em 1892, até seu último trabalho em 1941. Não obstante a existência de alguns trechos ilegíveis, os mesmos não comprometem a compreensão dos artigos.

O livro demonstra, desde o início, o fascínio que a pesquisa despertou em Vital Brazil, apesar das dificuldades que seguramente existiam na ainda incipiente ciência médica praticada no país, bem como da carência dos conhecimentos, sobretudo em imunologia, no início do século XX. Observamos que vários assuntos foram abordados experimentalmente durante a primeira década de sua vida científica, destacando-se seu primeiro trabalho onde descreveu aspectos da morfologia e da embriogênese do baço e suas pesquisas sobre soroterapia da difteria, da peste bubônica e da febre amarela.

A partir de 1901, inicia seu trabalho na área que viria a ser sua grande obra e cuja relevância é incontestável: o estudo do ofidismo no Brasil. Em A Defesa Contra o Ophidismo de 1911, Vital Brazil chama atenção para o grande número de acidentes por cobras venenosas, principalmente no interior do Brasil, "país essencialmente agrícola", segundo sua expressão.

O alvo de seus estudos sobre ofidismo abrange desde a biologia e a morfologia das cobras, bem como a ação tóxica dos venenos em animais de experimentação, culminando com a instituição do uso do soro antiofídico, sua magistral contribuição no tratamento dos acidentes ofídicos no Brasil, que resultou em um drástica diminuição no número de mortes por esta causa. Nesse campo, sua contribuição foi inestimável estudando não só a otimização da produção dos anti-soros, mas também vias alternativas de administração dos mesmos.

Pesquisadores, estudantes e todos aqueles interessados não só na trajetória de Vital Brazil, mas também na historiografia da evolução da ciência médica no Brasil, irão encontrar neste livro uma excelente descrição sobre o assunto.

Sente-se a falta de um resumo biográfico do cientista, desde seu nascimento em 1865 (Campanha, Minas Gerais), até sua morte em 1950 (Rio de Janeiro).

Pode-se concluir que se trata de uma obra onde o organizador teve a preocupação de colocar as publicações do biografado segundo sua ordem cronológica e, ainda, organizar um índice que facilita o encontro por assunto, segundo o interesse de cada leitor.

 


 

REMOTE SENSING AND GEOGRAPHICAL INFORMATION SYSTEMS IN EPIDEMIOLOGY (ADVANCES IN PARASITOLOGY 47)

S. I. Hay, S. E. Randolph & D. J. Rogers
London, Academic Press, 2000. 357 pp

ISBN: 01-20317-47-8

 

Virgínia Ragoni de Moraes Correia

Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, São José dos Campos, Brasil
Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil

 

Remote Sensing and Geographical Information Systems in Epidemiology é uma coleção de artigos de uma edição especial da revista Advances in Parasitology, número 47, editada por S. I. Hay, S. E. Randolph & D. J. Rogers, que buscam sistematizar um conjunto de experiências de aplicação do uso de sistemas geográficos de informação e do sensoreamento remoto (SR) na epidemiologia.

As doenças transmitidas por vetores são suscetíveis a mudanças ambientais que podem ser captadas por informações dos sensores, a bordo dos satélites, atuando em diferentes faixas do espectro eletromagnético. Com o advento dos sistemas geográficos de informação, que permitem mapear casos da doença em conjunto com uma série de informações, é possível estudar sua ecologia.

As imagens fornecidas pelos satélites permitem uma vigilância ambiental em diversas escalas de tempo e espaço. Por exemplo, o satélite NOAA, o mais utilizado nas aplicações descritas, tem uma resolução espacial de 1km e uma resolução temporal de 12 horas. Esse satélite é muito utilizado para aplicações em grandes escalas, em áreas mais homogêneas. Imagens Landsat, sensor TM ou MSS, são preferidas para aplicações em escalas menores.

O livro é composto por dez artigos, organizados em três partes: bases teóricas, aplicações, conclusões e tendências futuras. Os artigos iniciais objetivam fornecer subsídio teórico às aplicações apresentadas em capítulos posteriores. O primeiro artigo introduz noções gerais de SR, apresenta os principais satélites em operação e as características de seus sensores. Nesse capítulo são introduzidas as operações de correção da imagem como os efeitos da atmosfera e das nuvens, e algumas operações que fornecem o índice de vegetação e de temperatura da superfície. Esses últimos índices são os mais utilizados nos textos relativos aos estudos de endemias causadas por doenças transmitidas por vetores.

O artigo seguinte apresenta os denominados classificadores, que operando sobre as imagens associam-na à informação sobre a cobertura terrestre. Diferentes tipos de vegetação e/ou sua quantidade estão relacionadas com o habitat do vetor que, por sua vez, determinam a distribuição espacial das doenças.

Ainda com caráter introdutório, o terceiro artigo apresenta algumas técnicas de estatística espacial para lidar com os eventos da doença e, com o auxílio de um sistema geográfico de informações, identificar possíveis fatores que expliquem o padrão observado. Nesse artigo, T. P. Robinson faz uma excelente revisão dos recursos técnicos existentes e das tendências futuras, enfatizando a necessidade de integrar essas técnicas com os sistemas geográficos de informação.

Os quatro artigos seguintes aplicam esses conhecimentos no estudo regional de doenças como tripanossomíase, malária, infestações por carrapatos e os helmintos, como a filariose linfática e a esquistossomose. Os autores relatam trabalhos utilizando fotografias aéreas e sensores de satélites de baixa e alta resolução espacial. Nos artigos, dados de SR são utilizados para modelar processos biológicos e descrever estatísticas das populações de vetores. Algumas variáveis, como a temperatura e a quantidade de vegetação, obtidas por técnicas remotas, são utilizadas na maioria das aplicações. A distribuição espacial dos vetores é analisada por métodos estatísticos capazes de correlacionar a presença ou a ausência desses com os fatores ambientais.

O controle de endemias em escala continental é um desafio para a saúde pública. Nesse contexto, a vigilância espacial e temporal do ambiente com o auxílio do SR e os sistemas de informações geográficas é fundamental.

O livro é finalizado com três textos que procuram apontar desenvolvimento futuro no uso desta tecnologia em epidemiologia. O artigo de S. J. Goetz et al., apresenta as variáveis ambientais, mencionadas nos textos de aplicação, que podem ser inferidas a partir de SR, visando discutir os métodos de aquisição dessas variáveis. O artigo seguinte enfoca os sistemas de vigilância, propondo uma metodologia de vigilância territorial baseada no desenvolvimento de um modelo de predição e na previsão propriamente dita. O livro se encerra levantando a necessidade de capacitar profissionais na tecnologia dos SIG's e SR, mostrando onde se pode buscar esse conhecimento, incentivando a utilização dessas técnicas e informando sobre os sensores que estão surgindo com melhores resoluções espaciais, temporais e espectrais.

Os autores priorizaram as aplicações de grande escala, utilizando satélite NOAA com poucas aplicações em regiões menores e nenhuma em áreas urbanas. Há uma grande escassez de bibliografia sobre SR no entendimento da urbanização de algumas endemias, e isso deve ser explicado pela dificuldade de escala e de técnicas para lidar com a complexidade da área urbana. Além disso, embora no último capítulo se incentive a utilização dessas técnicas, as propostas avançam pouco ainda na democratização do acesso a essas tecnologias. Dados de doenças, de vetores, de hospedeiros, entre outros, têm custo e necessitam de organização e credibilidade, têm uma história e necessitam de uma dimensão espacial, temporal, social, cultural e política. Os programas computacionais são caros, embora investimentos recentes em software de domínio público, como o brasileiro SPRING <http:// www.dpi.inpe.br/spring.html>, ajudem a enfrentar esse problema. A própria imagem ainda é de custo elevado, tornando seu uso limitado a projetos de pesquisa com recursos próprios. O livro é uma boa revisão da utilização do SR na epidemiologia. A leitura não é fácil e exige do leitor uma base epidemiológica, estatística e matemática sem a qual se faz necessária uma complementação constante através das referências.

 


 

ENFERMAGEM COMUNITÁRIA

Emilia Eni Kawamoto, Maria Cristina Honório Santos & Thalita Maia Mattos
São Paulo, EPU, 1995. 208 pp

ISBN: 85-12-12500-4

 

Sueli Rezende Cunha

Instituto Fernandes Figueira, Fiocruz, Rio de Janeiro, Brasil

 

A palavra texto significa tecer e enlaçar, utilizando-se de idéias e conceitos para produzir um enunciado, transmitir um significado e criar um canal de comunicação entre o emissor e o receptor. A obra em questão, cumpre sua finalidade de informar, ensinar e desenvolver temas relevantes para saúde comunitária. A organização didática, esquemática e sucinta torna o texto acessível para agentes comunitários de saúde, auxiliares e técnicos de enfermagem, assim como oferece para enfermeiros responsáveis pela gestão de equipes um material pontual para treinamentos.

É sempre bom em tempos modernos termos acesso a "tecnologias de cuidado" simples e efetivas, que serão sempre atuais, pois perpassam a linha tênue da nossa condição humana de saúde-doença. Sendo assim, as informações contidas no livro são instrumentos aplicáveis nos cenários de saúde pública.

Analisando na perspectiva do pensamento complexo e da idéia de circularidade da história dos sujeitos nas tramas da vida, somos conduzidos novamente como trabalhadores de saúde, ao enfrentamento de ações de controle de saneamento ambiental e das zoonoses, em tempos de dengue e suas cruéis conseqüências. A idéia do constante retorno em época de globalização, exclusão e pauperização da população e suas conseqüências, especialmente nas áreas urbanas, nos confronta com os velhos-novos problemas de saúde.

A complexificação e avanços da era biomédica, robótica e cibernética e as possibilidades futuristas dos sistemas de comunicação, parece nos apresentar um admirável mundo novo, onde convivem em caos e ordem o moderno e o arcaico.

Na verdade, as construções de modelos de atendimento necessitam ser urgentemente revisitados e atualizados para atender as demandas, por vezes caóticas, da pós-modernidade. A saúde comunitária originou-se na década de 60 nos Estados Unidos, sendo introduzida no Brasil nos anos 70. Trazendo embutida no seu campo de prática a promoção de serviços médicos por meio de tecnologias simplificadas, com participação comunitária, sendo amplamente difundida por agências internacionais como a Organização Mundial da Saúde e a Organização Pan-Americana da Saúde.

Este marco referencial é importante, assim como também o é, contemporanizar este trabalho em termos de aplicabilidade para os Programas de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), Programa de Interiorização da Medicina e Programa Saúde da Família. A inserção das autoras como agentes formadoras da área técnica de enfermagem, reforça seus compromissos com a atualização da prática de cuidar e educar em saúde.

Na operacionalização e organização dos capítulos o leitor vai encontrar os conceitos de saúde-doença e a descrição de política de saúde, com o entorno da educação e sua importância estratégica como dispositivo para capacitar indivíduos e grupos a assumir suas responsabilidades coletivas-individuais com o seu próprio bem-estar, este, interdependente do bem-estar coletivo.

Neste sentido, resgatam a visita domiciliar, tecnologia de cuidado que se confunde com a própria origem da história da enfermagem brasileira moderna, marcada pela imagem simbólica da enfermeira Anna Nery e suas "visitas de instrução", que perpassam a linha do tempo e ganham contornos como possibilidade inovadora do presente.

A visita domiciliar como estratégia contemporânea, nos remete à proximidade, cumplicidade e possibilidades de trazer os clientes para seu papel de sujeito-autônomo.

Transitar pelo texto, nos remete a uma compreensão numérica e gráfica da realidade, através de dados estatísticos. Esta interação com os números pode ser ampliada se relacionada ao saneamento ambiental e políticas de saúde, num exercício de associação de idéias, onde o leitor fica livre para exercitar uma reflexão crítica para reelaborar suas ações cotidianas de saúde.

Saneamento ambiental e zoonoses trazem informações que podem ser articuladas aos programas de treinamento que discutam ecologia e desenvolvimento sustentável, subsidiado por documentos como da Agenda 21 na saúde. Como escreve o educador brasileiro Paulo Freire, o ato educativo "molhado" pela situações concretas.

Para trazer uma dialogia ao texto e buscar não se utilizar de uma ação de fragmentação do cuidado, a imunização (biotecnologia da vida) articula-se com a saúde da criança. Nesse capítulo, pontual e didaticamente são explorados aspectos relevantes, com informações preciosas para atuar no atendimento à criança, ao adolescente, à mulher e ao adulto-trabalhador e estar atento às suas vulnerabilidades. A compreensão dessas informações sob o foco dos programas de saúde, aumentam sua relevância e impacto.

Neste movimento para compreender nossa condição humana e, principalmente deixar brotar em nós o "aprender a aprender" como escreve Edgar Morin, estar atento às nuanças do cuidado no que se refere à saúde mental e do idoso. A sanidade parece ser o grande desafio do século XXI, assim como buscar inovações que dêem conta das mudanças no perfil epidemiológico da população, das dependências de tecnologias inerentes ao corpo mutante, ao cuidado sensível que as novas práticas exigem de nós.

Criatividade, inovação e sensibilidade são pontos fortes para fazer frente aos acontecimentos e mudanças permanentes na área de ciência e tecnologia em saúde, que há muito deixaram as instâncias hospitalares e seus muros para fazer moradia no domicílio e na comunidade, impactando os profissionais do cuidado que estão no início da linha de atendimento primário.

Desta forma, é desejável que também nossos textos possam transitar e ser renovados frente às transformações permanentes. As inovações nos conduzem a este caminho, trazem novos temas geradores... Ordem, desordem, interações e nova ordem, sugerem não encontrar respostas feitas, mas suscitar perguntas...

A introdução de questões reflexivas após cada capítulo, sua reordenação por programas, facilitam este propósito. Como aperfeiçoamento de material didático, apresentar seus objetivos ao leitor denota um compromisso prévio, assim como ampliar os referenciais teóricos de enfermagem, fortaleceria as ações concretas de aprendizagem.

Essas inovações ampliam as tecnologias do cuidar e do educar em enfermagem, e dão consistência ao material recomendado como suporte de consulta e orientação para o desenvolvimento das equipes de saúde comunitária.

 


 

A HISTÓRIA SOCIAL DA CÁRIE DENTÁRIA

Sérgio Fernando Torres de Freitas
Bauru, EDUSC, 2001. 126 pp

ISBN: 85-7460-096-2

 

Rui Arantes

Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil

 

A História Social da Cárie Dentária apresenta uma visão panorâmica sobre o aparecimento e desenvolvimento da Odontologia como prática médica e como ciência. Um campo de conhecimento que foi construído basicamente em torno da doença cárie, uma das mais prevalentes do planeta, e que ainda hoje tem sua etiopatogenia não totalmente esclarecida. Sérgio de Freitas indica que, como nos demais campos de conhecimento, a Odontologia deve estar sempre procurando novos caminhos, explicações e práticas frente às modificações e dinamismo epidemiológico da doença cárie ao longo do tempo.

O livro está estruturado em três partes principais. Na primeira, o autor contextualiza o aparecimento da Odontologia, mostrando que as práticas médicas se instituíram de acordo com as formas explicativas para o processo saúde-doença. A Odontologia surgiu primeiramente atrelada à medicina e depois seguiu seu próprio caminho. Em seguida, é discutido como a Odontologia desenvolveu seu corpo de conhecimento atual, os modelos explicativos para a cárie e os principais avanços em relação ao estudo dos principais fatores causais da doença. Na parte final é apresentada uma reflexão, sob uma perspectiva social, chamando a atenção para alguns aspectos menosprezados pela Odontologia atual, como os princípios básicos do método epidemiológico, uma abordagem mais coletiva da doença cárie, identificação de grupos de risco e a construção de novos modelos explicativos para a doença cárie, englobando determinantes sociais e psicológicos, até então ignorados pela Odontologia.

Desde a explicação sobrenatural das doenças adotadas pelos povos antigos, onde a doença era um processo externo ao corpo, até a concepção natural de doença, onde o conceito de miasma surge como forma explicativa para a geração e a transmissibilidade dos males físicos, Sérgio de Freitas nos fornece uma visão geral de como o homem foi construindo os modelos de explicação causal para o processo saúde-doença. Avançando cronologicamente, surge o modelo unicausal baseado na teoria bacteriana, e finalmente, no início do século XX, o modelo multicausal de Leavel & Clarck se torna o pensamento hegemônico, apoiado na teoria ecológica de causação de doenças.

Depois de nos situar em relação aos modos de pensar o processo saúde-doença, o autor nos dá uma rápida visão de como a epidemiologia surgiu e como se firmou como campo de conhecimento. Na seqüência, o autor relata como a Odontologia ocidental apareceu, primeiramente indiferenciada das práticas médicas, para em seguida, a partir do momento em que as necessidades de atenção à saúde bucal aumentaram na população européia, começar sua diferenciação ou sua especialização. Surge então o que podemos chamar de história social da odontologia.

A Odontologia em nosso país veio se organizando desde o Brasil colônia, em uma atividade muito mais voltada para um ofício do que para uma ciência. O cirurgião barbeiro tinha uma formação baseada na prática, por meio do aprendizado direto com outro cirurgião mais experiente. As escolas brasileiras (surgidas a partir do final do século XIX) se organizaram fortemente baseadas nessa prática, sem dar muita importância aos aspectos científicos da profissão e despreocupadas de seu papel social. Diferentemente do que ocorreu com as escolas da França e Estados Unidos, em que já no início de sua formação, seguiram um modelo mais técnico-científico, mas com uma visão mecanicista, com ênfase em aspectos biológicos, orientada para a cura e não para a prevenção, individualista, desumanizando-se em prol da tecnificação, seguindo o mesmo modelo da Medicina.

Na segunda parte do livro, Sérgio de Freitas mostra como a Odontologia atual percebe a cárie dentária, segundo duas abordagens. Na primeira, a doença é entendida por seu "ordenamento vital", ou seja, a doença vista por sua organização biológica, de regulação interna. E na segunda abordagem, a doença é vista por sua regulação externa, ou seja, pelo seu ordenamento social.

O modelo multicausal de Keyes sobre a etiologia da cárie, criado em 1960, marcou o início da Odontologia moderna. Entretanto, a análise crítica desenvolvida pelo autor em relação a este modelo, e às suas modificações posteriores, indica limitações quanto à inclusão de determinantes que não sejam os biológicos nestas teorias. Os trabalhos que tentam utilizar os microorganismos ou hábitos dietéticos como preditores para a cárie, na tentativa de se estabelecer padrões de risco para adoecer, têm encontrado baixos coeficientes de correlação. A valorização dos fatores relacionados aos microorganismos e à dieta, e a desatenção aos fatores ligados ao hospedeiro, sugerem um paradoxo na prática científica odontológica. Isto porque foi no fator hospedeiro que ocorreram os maiores avanços, no qual as estratégias de prevenção tiveram sucesso em nível coletivo, servindo-se do conhecimento do mecanismo de ação do elemento flúor, do importante papel da saliva como meio de transporte deste elemento e de sua capacidade tampão, e do processo de desmineralização e remineralização do esmalte dentário.

A Odontologia se interessou apenas recentemente pelo comportamento da doença e seus determinantes de forma coletiva, apesar do índice CPO, um instrumento clássico de medida de prevalência da doença, ter sido criado em 1937 por Klein & Palmer. Medidas preventivas direcionadas à população só foram efetivamente implantadas a partir da década de 60 na Escandinávia, quando começaram a se levar em conta os fatores de risco para o desenvolvimento da doença e as estratégias de combatê-los começaram a ser implantadas com sucesso.

Além das variáveis clássicas como sexo, idade e distribuição geográfica, a abordagem da doença cárie através de um ordenamento social é organizada pelo autor em três grupos distintos de variáveis: as sócio-econômicas, as culturais e as comportamentais. As variáveis sócio-econômicas, segundo o autor, acabam definindo maior ou menor acesso a meios preventivos, à educação e a uma dieta cariogênica. As variáveis culturais também assumem um papel importante na determinação da doença pois elas vão definir os padrões de alimentação, o consumo de açúcar e também a adoção de métodos preventivos. Já as variáveis comportamentais estão ligadas ao comportamento individual; entram nesse grupo de variáveis o auto cuidado com a saúde e hábitos de higiene.

Na última parte do livro, o autor coloca em questão o uso da estatística e da epidemiologia como instrumentos úteis de análise do comportamento recente da cárie em escala mundial. Faz uma crítica à Odontologia pelo falta de utilização de conceitos e elementos básicos dessas disciplinas, optando por trabalhar com modelos hierárquicos de medição, como é o caso do CPO, o que acaba resultando em pouca sensibilidade para verificar mudanças nos padrões da doença ao longo do tempo. Sérgio de Freitas defende uma volta aos princípios básicos do método epidemiológico para rever o papel atual dos agentes causais e também a redefinição dos fatores externos à boca. Propõe também que novas estratégias de prevenção sejam pensadas devido ao fenômeno observado nos últimos anos, caracterizado pela concentração da doença em determinados grupos da população, onde uma pequena parte é responsável pela maior parte das ocorrências da doença.

Para finalizar, o autor faz uma pequena revisão histórica do comportamento da cárie nas sociedades humanas, desde as sociedades pré-colombianas (Maia, Asteca e Inca), passando pela Europa Medieval, até sua explosão como doença agressiva, dolorosa e pandêmica, a partir do século XVII, devido à difusão do consumo de açúcar na Europa. Este quadro impingiu o desenvolvimento da Odontologia, das escolas e da estruturação da profissão. O autor nos situa atualmente frente ao que ele chama de "perplexidade acadêmica", devido à melhora dos indicadores de saúde bucal nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, o que parece ocorrer "independentemente ou apesar da Odontologia". Ao mesmo tempo em que ocorre uma explosão da doença em regiões com níveis de cárie até então extremamente baixos, como em alguns países africanos e asiáticos, uma tendência para o século XXI, mostrando que a cárie deixou de ser uma doença açúcar dependente para ser uma doença social dependente.

Ao levantar os entraves, os problemas e as críticas à Odontologia atual, A História Social da Cárie Dentária nos fornece subsídios para questionamentos a respeito da Odontologia como ciência e como prática médica. Um livro que além de muito informativo nos impele a procurar novos caminhos para a Odontologia. Na minha opinião, uma leitura obrigatória a odontólogos e acadêmicos, que gostariam de conhecer mais amplamente a Odontologia.

 


 

CULPA Y CORAJE: HISTORIA DE LAS POLÍTICAS SOBRE EL VIH/SIDA EN EL PERU

Marcos Cueto Lima
Consorcio de Investigación Económica y Social/Facultad de Salud Pública y Administración, Universidad Peruana Caetano Heredia, 2001

ISBN: 9972-804-16-X

 

Marta de Almeida

Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Cascavel, Brasil

 

Mais uma importante contribuição de Marcos Cueto à história da saúde pública no Peru foi lançada recentemente. Trata-se da história sobre a origem e o desenvolvimento das políticas públicas e sobre as atividades desenvolvidas naquele país voltadas para estudar, diagnosticar, controlar e prevenir o HIV/AIDS, um dos flagelos humanos mais preocupantes dos nossos tempos por envolver questões não só de ordem epidemiológica, como também por envolver as delicadas implicações sobre os modos de vida e o comportamento sexual da sociedade em geral.

Historiador de larga tradição em estudos sobre medicina e saúde pública no Peru e na América Latina, num período mais clássico da historiografia que lida com esses temas (além de vários artigos publicados em revistas internacionais, destacam-se os livros El Regreso de las Epidemias: Salud y Sociedad en el Peru del siglo XX – nesta obra também se percebe uma aproximação do autor com a historicidade dos problemas epidêmicos da atualidade, uma vez que seu estudo adentra a década de 90 do século passado –; Excelência Cientifica em la Periferia: Actividades Científicas e Investigación Biomédica en el Peru, 1890-1950. Outras obras importantes na qualidade de editor/coordenador:Salud, Cultura y Sociedad en América Latina: Nuevas Perspectivas Históricas; Saberes Andinos: Ciencia y tecnología en Bolívia, Ecuador y Peru; Missionaries of the Rockefeller Foundation and Latin America), Marcos Cueto exerceu com maestria a desafiadora tarefa de abordar tema tão polêmico e tão presente aos dilemas cotidianos de nossa contemporaneidade.

O livro Culpa y Coraje é resultado de um projeto de pesquisa desenvolvido durante os anos 1999/2000, apoiado pelo Consorcio de Investigaciones Económica y Social (CIES) que procura estudar as políticas públicas e a interação entre diferentes agentes tais como Estado, comunidade acadêmica, setor privado e organizações não governamentais. Assim, a publicação de Marcos Cueto faz parte da série Diagnóstico y Propuesta que já conta com outros seis títulos voltados para diversos temas em torno do desenvolvimento econômico e social do Peru.

De imediato, a imagem que compõe a capa do livro nos chama a atenção juntamente com o título da obra. Um olhar mais detido a ela nos possibilita antever algumas das principais idéias desenvolvidas pelo autor. A dramaticidade do tema aliada à serenidade de análise já está contida na fronte do livro. A cor preta faz o fundo para o título principal escrito em vermelho, remetendo à simbologia do sangue. A imagem em preto, cinza e branco retrata corpos anônimos de homens e mulheres, adultos, jovens e crianças, nus e semi-nus, de olhos fechados, entrecortados por sombras de papel jornal, numa alusão à imprensa e intercalados pela representação medicalizada da anatomia do corpo humano com musculaturas e ossos expostos. Em outras palavras, a capa tem movimentação coerente com as problemáticas abordadas e interação imediata ao tema, tornando impossível a passividade dos olhos e da mente do leitor.

De formato compacto – toda a obra escrita em letras espaçadas, incluindo bibliografia e anexos não ultrapassa 200 páginas – o livro oferece leitura tranqüila e objetiva, uma vez que o estilo do autor, já encontrado em outras obras de sua autoria, prima pela clareza das idéias e apresentação de dados ilustrativos. Em termos gráficos, encontram-se apenas três tabelas relativas ao número de casos HIV/AIDS no Peru, casos de mortes por AIDS e taxas de incidência anual em outros países da América Latina, entre os anos 80 e 90.

Seguindo pressupostos metodológicos da coerência de uma narrativa cronológica, da apreensão de nexos entre estruturas, processos e biografias enfocados, do contraste entre os discursos e práticas dos diversos atores sociais e suas negociações, da consciência de uma seleção de fatos considerados de maior relevância, da diversidade de fontes e do uso crítico destas, da postura cética quanto aos anúncios oficiais de uma nova época e da perspectiva interativa de interpretação entre as dimensões biológicas e culturais na construção social das doenças, Marcos Cueto oferece à comunidade de historiadores e aos agentes de saúde uma reflexão intersdisciplinar com o estilo da arte de historiar.

O título escolhido para a obra também reflete o norteamento central que perpassa toda a obra, ou seja, a ambivalência de ações/reações humanas frente a uma tragédia totalmente desconhecida. Num primeiro momento o medo e o sentimento de culpa, a idéia de um castigo gerando a discriminação e o preconceito. Paralelamente, o crescente movimento de lutas contra as adversidades apresentadas, engendrado por profissionais e pesquisadores da área de medicina e saúde, por agentes do Estado, por organizações não governamentais, por ativistas defensores dos princípios democráticos e por pessoas portadoras do vírus HIV. A abrangência dessas duas palavras – culpa e coragem – transcende a situação vivenciada pela sociedade peruana. Na verdade, elas traduzem os dilemas experimentados mundialmente com a constatação de que mais uma horrível doença até então incurável segundo a lógica da medicina alopática, viria a aterrorizar a humanidade. No entanto, cabe ressaltar a sensibilidade do autor para captar a "culpa" e a "coragem" específicas da realidade estudada, deixando claro que um mesmo fenômeno pode gerar diferenciadas atitudes e reações, de acordo com as circunstâncias e conjunturas de cada região, Estado e sociedade.

Com este estudo, o autor salientou a importância da abordagem histórica sobre o que se convencionou denominar Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, a AIDS, para uma intervenção mais sistemática a um problema que até bem pouco tempo atrás não se sabia nada e que até hoje guarda uma série de incertezas, além de estar vinculado diretamente à discussão pública sobre sexualidade, assunto tabu em grande parte das sociedades latino-americanas.

Seguindo uma tradição já consolidada em outros países como Estados Unidos e Inglaterra sobre a origem e o desenvolvimento das políticas públicas sobre AIDS, a presente obra insere-se na perspectiva de considerar o estudo de uma enfermidade contemporânea uma tarefa acadêmica legítima pelas enormes vantagens que oferece em termos de compreensão histórica sobre a dinâmica social da saúde e da doença, atentando para não incorrer em analogias simplificadoras dos processos epidêmicos, mas destacando a especificidade histórica de tais ocorrências.

Apesar do livro utilizar uma linguagem bastante acessível, destaca-se a complexidade do conjunto de fontes elaboradas e consultadas para sua concretização. Artigos acadêmicos e jornalísticos, livros, teses, boletins, debates políticos e legislativos, base de dados especializados em AIDS, páginas da Internet e uma série de entrevistas com pessoas vinculadas aos programas de saúde pública e à luta contra AIDS no Peru, compuseram os pilares informativos ao autor. Como o próprio assinalou, a obra limitou-se a conhecer melhor as políticas de saúde implantadas no país, não incorporando por exemplo, o ponto de vista das pessoas que viveram/vivem com o HIV. É claro que esta é uma dimensão fundamental do problema investigado e Marcos Cueto tem consciência disso. No entanto, respeitando as escolhas do autor e a intencionalidade maior do trabalho, esta lacuna não comprometeu os resultados finais da obra.

Um problema comum enfrentado pela grande maioria dos pesquisadores que adentram por temáticas contemporâneas, também foi enfrentado pelo autor ao pesquisar este tema. Trata-se da dificuldade ou mesmo da impossibilidade de acesso à documentação interna mais recente das organizações oficiais. Segundo Marcos Cueto, há uma resistência de alguns funcionários e do Estado em colocar à disposição dos pesquisadores interessados, determinados documentos produzidos há poucos anos.

Para abarcar os mais de vinte anos desde a primeira ocorrência de diagnóstico oficial de AIDS no Peru (1983) e posteriores políticas de saúde pública, Marcos Cueto reportou-se de início, a um pequeno histórico sobre a origem da epidemia nos Estados Unidos, destacando as incertezas e desconfianças geradas num primeiro momento com relação aos homossexuais e imigrantes, sobretudo haitianos. Todavia, nos Estados Unidos ocorreram importantes manifestações e iniciativas de organizações, sobretudo de pessoas infectadas, para a prevenção, controle e políticas públicas. Outro aspecto destacado pelo autor nesta primeira parte do livro, foram as discussões demasiadas em termos técnicos sobre a natureza e a terminologia de uma doença surgida num momento de aparente controle dos antibióticos, e a disputa do mercado científico pelos pesquisadores da França e dos Estados Unidos sobre a primazia da descoberta do vírus HIV, uma história acompanhada parcialmente pelos noticiários da imprensa e da televisão.

As três partes seqüentes abordam o caso específico do Peru, acompanhando as transformações engendradas no decorrer dos anos 80 até o final dos anos 90 do século passado. Os primeiros anos da década de 80 foram marcados pelo preconceito e, segundo o autor, foram decisivos para a compreensão de algumas imagens e estigmas criados em torno da AIDS, tanto no Peru quanto em outros países. Data desse período, o surgimento dos primeiros estudos e teses sobre a ocorrência da AIDS no Peru e das primeiras medidas oficiais do governo com a criação de comissões técnicas para avaliação, estatística, acompanhamento, entre outros, e do Programa Nacional Multisetorial para a Prevenção e Controle da AIDS. Segundo Marcos Cueto, houve falta de respaldo político para o incremento das atividades previstas e a doença não foi considerada prioridade em termos de saúde pública, uma vez que outros problemas considerados mais graves e de maior impacto social acometiam o país. Aqui o autor utiliza-se de sua bagagem comparativa de historiador da medicina e saúde pública, para afirmar que "o suposto de que as intervenções de saúde devam ser seletivas segundo a magnitude que alcança uma enfermidade, se baseava na prática tradicional de campanhas verticais nas quais se percebia as enfermidades como eventos biológicos dramáticos mas isolados, e se organizava o trabalho ao redor de alguma inovação tecnológica".

Atente-se para o fato agravante de que esse era um momento de intensa crise institucional e de violência política no país. Evitando abordar as complexidades político-sociais do país naquele momento, a imprensa local limitava-se a acompanhar os dados alarmantes divulgados mundialmente, agravando a tendência discriminatória e o sensacionalismo. Ainda neste tópico é contada a interessante história da atuação da armada norte-americana em Lima, por meio da instalação da Navy Medical Research Institute Detachment (NAMRID) em 1989, com objetivos de estudar e fiscalizar os surtos epidêmicos que pudessem atacar as forças armadas e a população norte-americana em geral.

Em seguida, destaca-se o que o autor denominou de segunda etapa da história das políticas públicas sobre a AIDS no Peru e que remonta ao período entre 1988 e 1996. Esse foi um período de intensa movimentação das agências internacionais de saúde como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), bem como da emergência de várias organizações não governamentais (ONGs), que tiveram seus reflexos em solo peruano. Sob influência do Programa Especial de AIDS da OMS, em 1988 foi criado o Programa Especial de Control del Sida (PECOS), vinculado ao Ministério da Saúde e que tinha por função programar e difundir em nível nacional as medidas de prevenção e controle do HIV, tratar pacientes, além de promover a intervenção dos diversos setores (médico-sanitário, jurídico, educacional) para o combate à enfermidade. O autor afirma que essa fase foi marcada pela ilusão de que a AIDS poderia ser controlada por meio de uma ação centrada nos chamados "grupos de risco" e pela pouca força institucional do PECOS. Para agravar ainda mais este quadro, houve a discussão e promulgação de uma lei nacional que, a partir do pressuposto de que a AIDS era uma questão nacional e prioritária, implementou uma série de medidas compulsórias de diagnóstico e controle, respaldando ainda mais a discriminação.

Paralelo a essa realidade e ao próprio aumento de casos de pessoas doentes no Peru, ocorreu a ação de várias ONGs, entre outras, a Prisma e a Vía Libre, além do trabalho voluntário de várias pessoas que canalizaram seus esforços para o apoio psicológico, educativo e informativo à sociedade sobre o problema da AIDS.

O autor diagnosticou um amadurecimento das relações mantidas entre as ONGs, instituições internacionais e o Estado a partir do começo da década de noventa, à medida que o problema crescia no país e os esforços se duplicavam sem haver maiores retornos. Essa fase comporta o quarto e último capítulo, abrangendo o período de 1996 até o início do século XXI, no qual o PECOS passou a se chamar Programa Nacional de Control de Enfermedades de Transmisión Sexual y Sida (PROCETSS). De início, muitos recursos foram direcionados ao novo programa que manteve uma relação mais fluída com as ONGs, contou com uma maior participação de pesquisadores universitários e passou a ter maior afinidade com as agências de saúde internacionais. A legislação modernizada em torno da AIDS evitava a discriminação e protegia o caráter confidencial dos enfermos. Houve também incentivos à capacitação profissional na especialização em lidar com doenças sexualmente transmissíveis e comportamentos diferenciados, ampliando o campo de atuação entre jovens e mulheres e buscando modificar as condutas consideradas de risco de uma maneira menos compulsória, automatizada e mais inteligente, persuasiva.

Essa imbricação de setores não governamentais com o Estado fomentou algumas críticas, entre elas, o malogro da dimensão política dos ativistas, a ilusão de se manter, em longo prazo, programas de saúde de tal envergadura e o monopólio centralizador do PROCETSS com relação a muitas atividades de controle da AIDS que antes se faziam em diversas instituições.

De fato, segundo informações trazidas por Marcos Cueto, o modelo tecnocrático e centralizador das autoridades públicas de saúde, sobretudo em se tratando da fase de governo do ex-presidente Alberto Fujimori, predominou e ainda predomina no país, não obstante terem ocorrido inúmeros avanços em termos de atuação de outros setores sociais na luta contra a AIDS no Peru. Aliás, a perspectiva de apontar os prós e contras das diversas iniciativas de combate à AIDS elencadas ao longo do livro marcou toda a obra, possibilitando ao leitor uma visão bastante diversificada. Ao mesmo tempo, os tópicos e capítulos são enunciados previamente no encadeamento dado às idéias, deixando claro os vários elos entre uma temática e outra, não se perdendo na diversidade das variadas instituições e personagens, mas possibilitando uma visão de conjunto, num complexo campo da saúde pública que ainda está em processo de consolidação.

O livro Culpa y Corage ultrapassa o mero resgate histórico das políticas públicas de saúde instituídas no Peru, e lança algumas reflexões fecundas para se pensar a problemática da AIDS nos dias de hoje, inclusive em outros países como o Brasil. É nítida a perspectiva democrática e conciliadora do autor que, ao longo da obra, reforçou a necessidade premente de um trabalho integrado entre Estado, organizações não governamentais, médicos, pesquisadores, educadores, ativistas, universidades, meios de comunicação, no qual as experiências e contribuições sejam claras, relevantes e traduzidas em efetivas políticas de saúde. Além disso, para o autor há urgência em se democratizar as decisões na área de saúde pública, viabilizando a distribuição de responsabilidades, o acesso irrestrito às novas tecnologias, a participação social e o intercâmbio das redes locais, nacionais e internacionais.

Em poucas palavras, o livro é um manifesto de coragem e esperança para continuar lutando por uma cidadania plena e saudável em meio a tantas adversidades, pautado na perspectiva de que o conhecimento sobre a história das doenças, representações e estigmas, bem como sobre as políticas públicas de saúde, ajudam a enfrentar os desafios dos nossos tempos.

 


 

PROQUALI: METODOLOGIA PARA MELHORAR A QUALIDADE DE SERVIÇOS DE SAÚDE

Secretaria de Saúde do Estado da Bahia/ Secretaria de Saúde do Estado do Ceará/Johns Hopkins University. CD-ROM.

 

 

Cynthia Magluta

Instituto Fernandes Figueira, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil

 

 

O PROQUALI é um programa completo de melhoria da qualidade da assistência para serviços de saúde reprodutiva compilado em um CD. Foi elaborado segundo uma parceria entre a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (SESAB-BA), a Secretaria de Saúde do Estado do Ceará (SESA-CE) e as agências internacionais de cooperação Johns Hopkins University/Center for Communication Programs, JHPIEGO Corporation e Management Sciences for Health, com o apoio da Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID). Essa metodologia esta sendo implementada desde 1996 nos estados patrocinadores.

Melhorar o acesso e a qualidade de serviços básicos de saúde reprodutiva à população assistida pelo setor público é seu objetivo anunciado no texto da capa do CD.

Nessa capa encontramos os requisitos do sistema operacional, não exige muito – um microcomputador Pentium 200® com 16MB de memória RAM. No entanto, não se encontra como iniciar o CD. Usando-se o Windows Explorer encontramos o acesso ao CD e numa pasta chamada de CD-ROM encontram-se três alternativas de programas com diferentes tamanhos. Todos apresentam o mesmo conteúdo – textos e instrumentos, a diferença deve estar na qualidade dos gráficos.

Seguindo o arquivo maior, encontramos um vídeo de abertura com a apresentação do PROQUALI e seu objetivo. A página principal dá acesso a um tour contendo o resumo de toda metodologia. Ela apresenta ainda as seções principais: Fundamentos, Atores, Processo, Instrumentos e Referências. A navegação é fácil e bem orientada; por exemplo, há um aviso orientando a espera para abrir os arquivos grandes. É possível imprimir todos os conteúdos.

PROQUALI é uma metodologia de melhoria da qualidade e do desempenho que envolve os clientes e todos os profissionais das unidades de saúde e agentes comunitários na identificação dos problemas da oferta de serviços de saúde reprodutiva, por meio de ferramentas para implementar, medir e sustentar melhorias. É um modelo que propõe intervenções integrando a clínica, as estratégias de comunicação e os sistemas gerenciais. Assume que a "perspectiva e as necessidades do cliente norteiam as ações. O atendimento de saúde, centrado no cliente, proporciona aquilo que todo cliente deseja: respeito, compreensão, eqüidade, informação precisa, competência, conveniência e resultados. O melhor atendimento é aquele que ajuda os clientes a satisfazer suas necessidades".

A metodologia PROQUALI apresenta textos conceituais da área da saúde reprodutiva abordando desde a questão da sexualidade até o controle de infecção. Apresenta ainda os requisitos de estrutura das unidades de saúde – especifica claramente o mobiliário, materiais médicos cirúrgicos, materiais instrucionais e constituição da equipe de saúde. Traz ainda fluxos assistenciais. Introduz a equipe em conceitos de qualidade. Todo esse material conceitual possibilita formular uma clara imagem-objetivo – como é um serviço de qualidade em saúde reprodutiva.

A ênfase na informação aos clientes visando a capacitá-los para exercer suas escolhas é bem trabalhada. O CD apresenta um programa de educação em saúde cujo lema é "mulher é para se cuidar" com folhetos, vídeos, músicas e uma peça de teatro.

Visando a sua correta operacionalização propõe que sejam identificados os profissionais para coordenação e planejamento, além de equipes de melhoria da qualidade e grupos técnicos visando a assessorar as equipes de saúde. Trabalha com os conceitos de planejamento participativo envolvendo os profissionais da assistência e a ausculta das necessidades e opiniões dos clientes. Entende ainda que a motivação e o compromisso dos profissionais e dirigentes das unidades de saúde com a qualidade dos serviços pode ser conquistado por intermédio do trabalho em equipe e com o estabelecimento coletivo das metas.

A auto-avaliação é valorizada como estratégia de aprendizagem e melhoria do serviço. A metodologia apresenta diversos instrumentos específicos para os diferentes profissionais e um para a avaliação do serviço. Esses instrumentos são baseados nos textos conceituais.

Essa metodologia tem sido empregada como um selo de qualidade com avaliações externas. A unidade de saúde solicita a avaliação quando atinge 90% dos padrões de qualidade expressos nos instrumentos.

Encontramos avaliações e depoimentos de usuários mostrando os bons resultados de sua implementação. Cabe no entanto, levantar a hipótese de que parte deste sucesso tenha sido obtido através do compromisso dos níveis diretivos das secretarias com ele, e também com a adequada constituição das equipes, o suprimento de materiais e dos métodos prescritos na metodologia.

É um material que vale a pena ser divulgado e também propor sua ampliação para outros segmentos da assistência básica tais como: assistência à criança, assistência pré-natal, programa de saúde da família. Seria também interessante o desenvolvimento de materiais como este para a média e alta complexidade, especialmente para os serviços com clientelas bem definidas como as maternidades, berçários de alto risco, unidades de transplante e unidades de diálise onde a padronização de tecnologia é bem desenvolvida e a interação com o cliente e sua família é sempre um desafio.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br