DEBATE DEBATE

 

Debate sobre o artigo de Sichieri & Souza

 

Debate on the paper by Sichieri & Souza

 

 

Patrícia Chaves Gentil; Janine Giuberti Coutinho

Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde, Brasília, Brasil. patrícia.gentil@saude.gov.br, patrícia.gentil@gmail.com

 

 

Sichieri & Souza nos presenteiam com uma sistematização consistente que discute o efeito das estratégias de controle e prevenção da obesidade para crianças e adolescentes disponíveis na literatura científica. Reforça que as intervenções para essa epidemia devem considerar medidas voltadas ao ambiente "obesogênico", conjugadas às voltadas ao indivíduo, família e coletividade, de forma a favorecer que as escolhas mais saudáveis sejam factíveis aos indivíduos 1.

Reverter e controlar essa epidemia consiste num dos principais desafios da saúde pública, sobretudo para os países em desenvolvimento como o Brasil, que convive com a dupla carga de doenças. A persistência da desnutrição e das carências nutricionais, frutos das desigualdades sociais do país, e o aumento epidêmico da obesidade, nos remetem a um debate sobre o modelo atual de atenção à saúde, que ainda privilegia a doença, como fenômeno individual e a assistência médico-curativa. É necessário considerar a obesidade enquanto um fenômeno multicausal que tem forte determinação ambiental e comportamental. Dentre outros fatores, está relacionada com os modos de produção, comercialização e marketing de alimentos industrializados, e com o estilo de vida dos indivíduos, que determinam as práticas inadequadas de alimentação (quantidade e qualidade) e o sedentarismo 2.

Promover uma alimentação saudável, aliada à atividade física, constitui-se numa das estratégias de saúde pública de vital importância para o enfrentamento desses problemas. Consiste em desenvolver mecanismos, com base em uma abordagem multisetorial, que apóiem os indivíduos a adotar modos de vida saudáveis, revendo hábitos alimentares pouco saudáveis. Isso implica um arcabouço de ações intersetoriais que faça dialogar as diversas áreas do setor sanitário e outros setores de governo (agricultura, abastecimento, educação, trabalho, desenvolvimentos social e agrário), os setores privado e não-governamental, compondo redes de compromisso com a qualidade de vida da população 3.

As questões levantadas pelas autoras merecem ser discutidas à luz das políticas que o setor saúde vem priorizando no Brasil. O Ministério da Saúde tem sido promotor de medidas que podem gerar impacto nos fatores que determinam o aumento epidêmico da obesidade, assim como as outras doenças crônicas não-transmissíveis (diabetes mellitus, hipertensão arterial, neoplasias e outras). De acordo com as estratégias e diretrizes definidas no âmbito da Política de Promoção da Saúde e da Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN), as ações Programa Alimentos Seguros são pautadas em três pilares que são interligados e potencializam-se entre si 3,4,5,6.

O primeiro deles são as medidas de incentivo, que sensibilizam, informam e instrumentalizam os indivíduos a adotar práticas mais saudáveis. São ações que variam no desenvolvimento de campanhas temáticas, focadas no contexto de estilos de vida saudáveis, distribuição de materiais para profissionais e população, e também na educação alimentar e nutricional (escola, serviço de saúde, ambiente de trabalho e comunidades).

Em que pese às poucas evidências que mostrem os efeitos duradouros da educação alimentar e nutricional para a redução do peso corporal, medidas que impactam no desenvolvimento das habilidades individuais são um dos campos clássicos de atuação de promoção da saúde. A efetividade dessas ações está vinculada ao resgate da dimensão da educação em saúde, associado à idéia de empowerment, ou seja, ao processo de capacitação (aquisição de conhecimentos) e de poder político por parte dos indivíduos e da comunidade 7.

Nessa dimensão, existe o desafio de incorporar e organizar a educação alimentar e nutricional no serviço de saúde local, pois não deve ser reproduzida a partir dos modelos tradicionais concentrados somente nos efeitos biológicos dos nutrientes, na orientação alimentar e, ainda, na preservação das propriedades nutritivas dos alimentos e técnicas de preparo e armazenamento. A educação alimentar e nutricional deve ser definida baseando-se em métodos de ensino problematizadores e construtivistas, a partir da realidade local, considerando os contrastes e as desigualdades sociais que comprometem o acesso da população ao direito universal à alimentação 8.

Organizar a educação alimentar e nutricional no serviço de saúde também passa necessariamente pela discussão da reorientação do serviço de saúde. É necessário avançar em direção à superação do modelo biomédico, centrado na doença, como fenômeno individual, e na assistência médica curativa, desenvolvida nos estabelecimentos médico-assistenciais, para que não sejam somente "diagnosticadores" e "tratadores" de doenças. A Estratégia Saúde da Família visa a reorientar esse modelo de atenção, atendendo aos indivíduos e à família de forma integral e contínua, com ações de promoção, proteção e recuperação da saúde. É, sem dúvida, um espaço que precisa ser ocupado para a difusão de informação e a reflexão coletiva sobre os fatores individuais e coletivos que influenciam as práticas em saúde e nutrição na sociedade, estimulando o espírito crítico e o discernimento das pessoas e incentivando a adoção de hábitos alimentares 9.

O segundo pilar trata-se das medidas de apoio, que são aquelas que dão suporte para os indivíduos realizarem suas escolhas mais saudáveis; mas somente são efetivas quando estão sensíveis, preparados e motivados. Um exemplo seria a rotulagem nutricional de alimentos processados e dos fast foods. E o terceiro pilar são as medidas de proteção, que implicam medidas regulatórias com o objetivo de proteger a população de práticas abusivas.

Sobre essas, inserem-se aquelas relacionadas à criação de ambientes favoráveis à saúde e à alimentação saudável, e que necessariamente implica o reconhecimento da complexidade social e das relações de interdependência entre diversos setores afetos ao tema. É dever do Estado induzir e/ou regulamentar situações e produtos que interfiram de forma negativa na saúde do indivíduo, sobretudo no que diz respeito à qualidade da alimentação. A regulamentação da publicidade de alimentos ricos em açúcar, gorduras saturadas, trans e sódio (em fase de consolidação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e, ainda, o estabelecimento de marcos legais para limitar o teor destes nutrientes nos alimentos processados, vêm sendo elaborados e discutidos pelo governo.

A escola também entra nesse contexto. Como discutido pelas autoras, a escola deve ser um espaço de formação de hábitos de vida saudáveis e daí o seu compromisso, não só em comercializar alimentos saudáveis, mas também tratar o tema na sua amplitude. É com esse enfoque que foram definidas as diretrizes para o Programa Alimentos Seguros no ambiente escolar, são elas: a inserção da temática de forma transversal no currículo escolar, considerando os hábitos alimentares como expressão de manifestações culturais regionais e nacionais; o estímulo à produção de hortas; a implantação de boas práticas de manipulação de alimentos nos locais de produção e fornecimento de alimentação nas escolas; a restrição ao comércio e à promoção comercial de alimentos e preparações com altos teores de gordura saturada, trans, açúcares e sal; o incentivo ao consumo de frutas e hortaliças; e o monitoramento da situação alimentar nutricional dos alunos 6.

Para tornar essas ações efetivas, além das questões relacionadas à gestão local das mesmas (implantação, monitoramento e avaliação), outras duas questões devem ser consideradas: a primeira, está relacionada com a necessidade do tema em questão estar na pauta de prioridades não só do setor saúde (em todas as esferas de governo), mas, também, dos diferentes setores afetos (educação, agricultura, desenvolvimentos agrário e social). E a segunda, é a necessidade do fortalecimento da rede de alimentação e nutrição, sobretudo com a participação da sociedade civil e das universidades. Afinal, promover uma alimentação saudável vai na contramão dos processos de globalização e de urbanização, pois são movimentos dificultadores de práticas alimentares saudáveis e que impactam interesses econômicos contrários à saúde pública. Até que ponto o setor saúde consegue manter o seu protagonismo e fazer com que as questões de saúde pública possam sobrepujar as questões econômicas de um país?

 

 

1. World Health Organization. Integrated prevention of noncommunicable diseases. Global strategy on diet, physical activity and health. http://www.who.int/dietphysicalactivity/strategy (acessado em Nov/2007).         

2. Lamounier JA, Parizzi MR. Obesidade e saúde pública. Cad Saúde Pública 2007; 23:1497-9.         

3. Coordenação-geral da Política de Alimentação e Nutrição, Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Guia alimentar para a população brasileira: promovendo a alimentação saudável. Brasília: Ministério da Saúde; 2006.         

4. Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Política nacional de alimentação e nutrição. 2ª Ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2005.         

5. Brasil. Portaria MS nº. 687, de 30 de março de 2006. Política Nacional de Promoção da Saúde. Diário Oficial da União 2006; 31 mar.         

6. Brasil. Portaria Interministerial MS/MEC nº. 1.010, de 8 de maio de 2006. Institui as diretrizes para a Promoção da Alimentação Saudável nas Escolas de educação infantil, fundamental e nível médio das redes públicas e privadas, em âmbito nacional. Diário Oficial da União 2006; 9 mai.         

7. Buss PM. Promoção e educação em saúde no âmbito da Escola de Governo em Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública. Cad Saúde Pública 1999; 15:177-85.         

8. Ferreira A, Magalhães R. Nutrição e promoção da saúde: perspectivas atuais. Cad Saúde Pública 2007; 23:1674-81.         

9. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Atenção primária e promoção da saúde. Brasília: Conselho Nacional de Secretários de Saúde; 2007. (Coleção Pró-gestores - Para Entender a Gestão do SUS, 8).        

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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