DEBATE DEBATE

 

Debate sobre o artigo de Sichieri & Souza

 

Debate on the paper by Sichieri & Souza

 

 

Inês Rugani Ribeiro de Castro

Instituto Annes Dias, Rio de Janeiro, Brasil. inesrrc@uol.com.br

 

 

Sichieri & Souza abordam, nesse artigo, um tema extremamente relevante para a agenda atual da saúde pública no Brasil e no mundo. Ao desenvolvê-lo, as autoras tangenciam questões cruciais. Partilho, com os leitores de Cadernos de Saúde Pública, algumas das reflexões suscitadas pela leitura do artigo.

A primeira reflexão diz respeito à natureza complexa da determinação da obesidade e as repercussões desta complexidade para o delineamento de intervenções efetivas para o controle do problema. Diversos autores têm procurado sistematizar a complexa rede de fatores envolvidos na determinação da obesidade. Swinburn et al. 1 por sua abordagem ser particularmente enfocada na prevenção e controle da obesidade. Esses autores propõem que os determinantes da obesidade sejam classificados em oito categorias segundo o nível (macro ou micro) e a dimensão do ambiente (física, política, econômica e sóciocultural) onde se inserem. O que se depreende daí é que nenhuma intervenção isolada será suficiente para prevenir ou controlar a obesidade. Seu controle só será possível por meio da combinação e sinergia de ações que atuem nos dois níveis de determinação e nas quatro dimensões ambientais acima mencionadas.

Exemplos recentes em nosso país nos âmbitos da promoção da amamentação e do controle do tabagismo indicam que as experiências bem sucedidas foram aquelas que combinaram ações de estímulo (informação e motivação para a adoção de hábitos saudáveis), apoio (facilitação da escolha saudável entre as pessoas motivadas) e proteção (diminuição da exposição aos fatores que estimulam a adoção de práticas não saudáveis) à saúde.

Esta primeira reflexão leva à segunda, que diz respeito às questões postas para a produção do conhecimento no campo da avaliação de intervenções voltadas à prevenção da obesidade. Sabendo ser impossível comentar aqui todas esses questões, destacarei algumas delas:

1) Em que medida as intervenções testadas e que apontam algum sucesso na prevenção da obesidade infantil são factíveis de serem implementadas no âmbito das políticas públicas? O avanço do conhecimento nesse campo pressupõe, por um lado, o delineamento de intervenções factíveis de serem implementadas em grande escala e, por outro, a realização de estudos sobre a implementação e a sustentabilidade de ações que se mostraram efetivas em caráter experimental.

2) Já foi dito que o processo de determinação da obesidade é muito complexo. É de se esperar, portanto, que este desfecho seja fruto da ocorrência de vários fatores que contribuem, cada um, com pequena parcela deste processo de determinação. Por conseqüência, estudos do tipo ensaio clínico (ou comunitário) randomizado, que buscam isolar um determinado fator e avaliar o impacto de sua mudança na ocorrência da obesidade só encontrarão resultados positivos se a parcela de participação isolada deste fator for grande o suficiente para ser captada em um estudo muitas vezes com um número limitado de indivíduos. Ou seja, podem ser inadequadamente apontadas como não efetivas intervenções que alterem um fator de risco cuja parcela de participação para a ocorrência da obesidade seja relativamente pequena se analisado de forma isolada, mas que, associado ao controle de outros fatores de risco, poderia ter um resultado expressivo na ocorrência da obesidade. Um exemplo típico dessa situação é o de intervenções que visam à mudança de um comportamento específico já descrito na literatura como associado à ocorrência ou prevenção da obesidade (p. ex.: aumento do nível de atividade física, diminuição do consumo de determinados alimentos (p. ex.: refrigerantes) ou aumento do consumo de outros (ex: frutas e hortaliças), diminuição do tempo em frente à TV, videogame e computador que adotam como desfecho principal a ocorrência da obesidade, medida por meio de indicadores antropométricos (p. ex.: aumento do valor de índice de massa corporal, aumento ou diminuição da proporção de indivíduos acima de um determinado ponto de corte). É recorrente observar que os resultados de estudos de intervenção com as características descritas acima apontam que a intervenção foi capaz de alterar o comportamento, mas não a ocorrência da obesidade. Ora, o que parece estar em questão aí é o modelo teórico subjacente ao delineamento da intervenção e às expectativas de seu impacto. Se a obesidade é o resultado da interação entre vários fatores e se a intervenção implementada enfoca a alteração de somente um destes fatores, parece-me que o mais adequado seria considerar como desfecho principal a alteração da ocorrência do fator, enquanto que a alteração da ocorrência da obesidade poderia ser um desfecho secundário, que indicaria a magnitude de contribuição isolada deste fator na determinação deste agravo.

3) Um aspecto central na produção do conhecimento é a possibilidade de generalização dos achados. No caso específico de intervenções de prevenção da obesidade focadas em mudança de comportamento, há que ser ter muito cuidado com esta perspectiva de generalização, uma vez que a efetividade de cada intervenção está associada ao contexto sócio-econômico e cultural da realidade em que ela foi experimentada.

4) O fato de que, no âmbito das políticas públicas, as intervenções voltadas à prevenção da obesidade devam ser abrangentes e integradas impõe a pesquisadores da área o desafio de integrar diferentes metodologias de pesquisa para seu delineamento e avaliação. Ensaios clínicos randomizados não são suficientes e, em algumas situações, não são os mais adequados para subsidiar a formulação e a avaliação de intervenções 2,3.

5) A obesidade está na pauta das políticas públicas em âmbito nacional e internacional. Inúmeras ações estão sendo desenvolvidas em diferentes esferas de governo sem adequado delineamento e sem avaliação. É urgente a aproximação entre pesquisadores, gestores e técnicos envolvidos na implementação de políticas: isto permitirá que as intervenções propostas sejam abrangentes e factíveis de implementação em larga escala e, também, que se qualifique o delineamento das ações e que se construam mecanismos adequados para sua avaliação. A meu ver, o Brasil tem um enorme potencial para experimentar formas criativas para diminuir e, por que não, superar essa distância entre gestores, técnicos e pesquisadores. Nos últimos anos, muito se tem avançado nessa integração. Exemplos disso são os editais de fomento de pesquisa que são fruto da parceria do Ministério da Saúde com o Ministério da Ciência e Tecnologia, nos quais as pesquisas fomentadas são aquelas que buscam responder a questões identificadas como prioritárias para a agenda das políticas públicas. No caso da prevenção da obesidade, iniciativas como essa podem contribuir e muito para intensificar tanto a produção de conhecimento nessa área quanto a implementação de ações que de fato tenham impacto no quadro epidemiológico brasileiro dentro do contexto sócio-econômico e cultural de nosso país.

Por fim, no que diz respeito à sistematização das evidências existentes sobre a efetividade de ações de prevenção da obesidade em crianças e adolescentes, complementando a bibliografia utilizada pelas autoras do artigo em debate, sugiro aos interessados a leitura de duas publicações do Institute of Medicine 2,4, uma publicação de Campbell et al. 5 e as revisões desta decorrentes, disponíveis no Cochrane Database of Systematic Reviews.

 

 

1. Swinburn B, Egger G, Raza F. Dissecting obesogenic environments: the development and application of a framework for identifying and prioritizing environmental interventions for obesity. Prev Med 1999; 29:563-70.         

2. Koplan JP, Liverman CT, Kraak VA; Committee on Prevention of Obesity in Children and Youth. Preventing childhood obesity: health in the balance. Washington DC: National Academies Press; 2005.         

3. Victora CG, Habicht JP, Bryce J. Evidence-based public health: moving beyond randomized trials. Am J Public Health 2004; 94:400-5.         

4. Koplan JP, Liverman CT, Kraak VA, Wisham SL; Committee on Prevention of Obesity in Children and Youth. Progress in preventing childhood obesity: how do we measure up. Washington DC: National Academies Press; 2007.        

5. Campbell K, Waters E, O'Meara S, Kelly S, Summerbell C. Interventions for preventing obesity in children (Cochrane Review) In: The Cochrane Library, Issue 1, 2002. Oxford: Update Software.        

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