DEBATE DEBATE

 

As autoras respondem

 

The authors reply

 

 

Rosely Sichieri; Rita Adriana de Souza

 

 

As estratégias até então desenvolvidas para a prevenção da obesidade em geral e, particularmente para a prevenção entre adolescentes e crianças, são ainda muito tímidas e não têm alcançado a efetividade desejada. Os debatedores foram muito felizes, do ponto de vista das autoras, por apontarem e aprofundarem diferentes facetas relacionadas ao problema da prevenção que devem ser investigadas. As dificuldades levantadas vão da mensuração dos dois componentes do balanço energético: o consumo de energia e a atividade física, como bem exploradas por Hoffman, à necessidade de entender como a globalização contribui no processo crescente de redução do gasto de energia e aumento do consumo alimentar, principalmente de itens de alta densidade energética como explorado por Gentil & Coutinho.

Particularmente interessante foi ver no vigor do texto do Batista Filho uma mensagem de otimismo. Ele aponta que "o ambiente obesogênico não é de um fatalismo irreversível (...) poderemos mudar a situação" e enfatiza, ainda, que o Brasil é um dos poucos países que, pelo menos entre as mulheres das classes de melhor renda, a redução da obesidade já é mensurável.

Nessa vertente, e respondendo a uma das indagações da Santos, vale lembrar que estudar os grupos que conseguem reverter essa situação ambiental desfavorável seria uma das possibilidades a ser explorada. Estudos observacionais, que possam avaliar o que confere vulnerabilidade para o ganho de peso e o que mantém indivíduos sem ganhar peso, podem melhorar as possibilidades de intervenção. Nesse sentido, vários estudos têm sido publicados com base no registro nacional de controle do peso, dos Estados Unidos. Um exemplo interessante, desse tipo de estudo, mostra que os altos níveis de atividade física reportados pelos participantes do registro não têm uma clara relação com a perda ou manutenção da perda de peso 1. Outro exemplo, com base nesse registro, estimou em 20% o porcentual dos indivíduos com excesso de peso que mantêm perda de peso por longo tempo, definido como a manutenção de pelo menos 10% do peso inicial por um período de pelo menos um ano 2.

Por outro lado, desenhos longitudinais observacionais em geral podem ser pouco esclarecedores, na hipótese possível de que somente os poucos indivíduos, que não apresentam susceptibilidade biológica para o excesso de peso, estariam protegidos da obesidade no ambiente obesogênico em que vive hoje grande parte da população. Se essa hipótese é verdadeira, os fatores ambientais como atividade física e consumo alimentar, poderiam distribuir-se igualmente entre obesos e não-obesos, ou seja, o consumo alimentar, por exemplo, estaria muito acima do necessário, mas só manifestariam o excesso de peso os biologicamente suscetíveis. Um problema adicional nos estudos de coorte para excesso de peso é que o desenlace é facilmente identificado e ações do indivíduo com sobrepeso visando a reduzir seu peso, que são difíceis de quantificar, podem dificultar o estabelecimento de fatores protetores ou de risco.

Paradoxalmente, apesar de haver um amplo conhecimento das mudanças ocorridas com a transição nutricional não se conhece quais ações devem ser prioritariamente estimuladas para promover a saúde e prevenir particularmente o ganho excessivo de peso. Nesse ponto, e discordando em parte de um dos comentários de Castro, de que nos delineamentos de intervenção para obesidade quando um único fator é avaliado e há impacto na mudança do fator, mas não na mudança do peso, o que conta é a mudança do comportamento já que a obesidade é multifatorial. O nosso entendimento é de que os estudos de intervenção com foco bem delimitado não devem ser o único caminho para propor intervenções, mas continuam sendo uma importante ferramenta. No caso específico dos refrigerantes, precisamos saber se ao desestimulá-los, sua redução de consumo reduz o consumo em geral ou eles são trocados por outros alimentos e quais seriam. Em um estudo realizado entre escolares de Niterói o consumo de refrigerantes era quase universal, e todos os consumiam com grande freqüência, de forma que o consumo de sucos entre as bebidas foi o item responsável pela diferença de aporte calórico 3. Nos Estados Unidos também ocorreu uma importante substituição de refrigerantes por sucos com aumento do consumo calórico total, como já comentamos anteriormente. Assim sendo, não é desprezível saber exatamente o que acontece quando se propõe, por exemplo, a redução de refrigerantes ou o aumento de consumo de frutas. Nessas situações específicas haverá deslocamento de produtos de alta densidade de energia.

Por exemplo: a mensagem de "consuma mais frutas" deve ser implementada de forma simples: "aumente o consumo". Se não há deslocamento de outros alimentos uma mensagem como essa pode levar ao aumento de consumo de energia e, consequentemente, de peso.

Concordamos, por outro lado, que os ensaios comunitários devam ser realmente comunitários e incluir os vários níveis de determinação: cidade, família, escola e indivíduo. Vale ainda lembrar que seria importante que recursos com maior prazo de aplicação sejam disponibilizados para esses estudos que, via de regra, duram no máximo um ano.

Nessa discussão tentamos responder também a Santos, que ao referir a acanhada freqüência de sucesso das intervenções entende que é fundamental a definição das lacunas no conhecimento que permitirão maior sucesso das intervenções futuras. Embora a questão seja muito complexa, arriscaríamos dizer que o núcleo é o consumo familiar. Ainda, o índice de massa corporal (IMC) como desenlace, utilizado nos diversos estudos, talvez devesse ser substituído por medidas mais diretas de acúmulo de gordura, uma vez que o IMC, como medida de adiposidade, deixa muito a desejar em adolescentes 4.

Relacionado ao consumo familiar, várias políticas públicas podem ser implementadas. Redução do preço de frutas e verduras, por exemplo, aumentam seu consumo 5, sendo que o consumo de frutas e verduras fica muito aquém do desejável no Brasil. Como sugerem Batista Filho e Castro, a bem sucedida abordagem no controle do tabagismo poderia servir de modelo para a prevenção da obesidade, e sabemos que para o tabagismo várias iniciativas foram combinadas.

Alimentação e estilos de vida saudáveis ganham espaço na mídia, ou seja, a informação está ganhando o grande público, primeiro passo para a implementação de políticas de estímulo à adoção de práticas saudáveis. Por outro lado, na implementação das práticas há muito ainda para estudarmos. Óbvio que do ponto de vista de saúde pública passar do sedentarismo para qualquer quantidade de atividade é importante, mas para redução do ganho de peso é necessário mais do que algumas horas de atividade física de lazer por semana, parece que são necessários de 60 a 90 minutos diários de atividade moderada para que haja um impacto no ganho de peso 6. Ou seja, não basta estimular algumas poucas aulas de educação física na escola, um estilo de vida mais ativo precisa ser alcançado. Assim, do ponto de vista de questões de pesquisa, necessitamos ainda de avaliações de eficácia, antes mesmo de enfrentarmos a outra questão levantada por Santos e Castro da efetividade.

Fazendo um paralelo com o tabagismo, sabe-se que aumentar o preço do cigarro é uma forma eficiente de reduzir a incidência em jovens. Acredito que o aumento da taxação de produtos com alta densidade de energia e sem outros atrativos nutricionais seria uma política pública adequada, mas será que a indústria não reproduziria rapidamente produtos como vitaminas, proteínas, antioxidantes e também obesogênicos? A indústria de alimentos não responde positivamente, mesmo para problemas mais simples como a redução do tamanho das porções. Young & Nestlé 7 avaliaram a resposta das grandes cadeias de alimentos à proposta de redução das porções. A rede de lanchonetes McDonald's exclui suas maiores porções, mas elas mesmo assim são muito maiores do que os originais em 1955. Burger King e Wendy's aumentaram suas porções e, mesmo no Brasil, fizeram propaganda do bacon extra. Ou seja, não há até agora parceria possível com os produtores de extra calorias.

Respondendo a Gentil & Coutinho, o setor saúde tem de ser agregador de iniciativas que passam para além do seu poder como tem sido feito. Escolas se mantêm vendendo lanches não saudáveis e bebidas açucaradas, minando completamente as orientações do Guia Alimentar Brasileiro. Já é tempo de proibir completamente a venda desses produtos nesses lugares e dar aos órgãos competentes autoridade para regular e taxar esses alimentos. Na verdade, essa prática deveria valer para todos os prédios públicos - venda de alimentos somente os considerados saudáveis.

Outra área que necessita de atenção é a propaganda de alimentos para crianças. Em relatórios recentes, a Kaiser Family Fundation 8 e o Institute of Medicine 9 detalharam a incrível pressão que as crianças sofrem hoje da propaganda de alimentos não saudáveis. A indústria de alimentos gasta mais do que 12 bilhões por ano com campanhas na televisão, cinema, Internet etc. Lamentavelmente, a maior parte dessas campanhas é para doces e alimentos ricos em açúcar, sal e gordura, e inconsistentes com as recomendações dietéticas nacionais. Somente 2% das campanhas são destinadas ao consumo de frutas e vegetais.

A nutrição na escola tem se tornado foco de atenção de órgãos públicos de diversos países, com vistas à elaboração de programas e implantação de leis que propiciem mecanismo de prevenção e controle da obesidade. No Brasil, a Portaria Interministerial nº. 1.010 de 8 de março de 2006 é sem dúvida um avanço, contudo, revisões recentes sugerem que programas centrados exclusivamente na escola não têm impacto no ganho excessivo de peso ou os resultados são muito modestos, exceto quando a família é incorporada nos programas 10. Nessa revisão, estudos centrados no consumo alimentar tiveram mais sucesso do que os baseados em atividade física. A revisão indica ainda que poucos estudos avaliaram estratégias de redução do tempo assistindo à televisão e que esta vertente merece ser melhor estudada. Como proposto em outra revisão recente, as intervenções deveriam incluir o ambiente de forma mais ampla, para além da escola 11.

Ou seja, há espaço ainda para estudos muito focados e devemos entender que quando os estudos são bem conduzidos e quando é possível avaliar se a estratégia aplicada funcionou, resultado negativo pode ser tão importante quanto resultados confirmatórios da hipótese. Concluir que aumentar atividade física, só no âmbito da escola, com poucos dias de intervenção, não tem impacto no ganho de peso é fundamental para desenhar políticas públicas mais adequadas. Por outro lado, tanto no desenho dos estudos quanto nas propostas de saúde pública as estratégias devem ser tão agressivas quanto são a expansão das influências obesogênicas.

 

 

1. Catenacci VA, Ogden LG, Stuht J, Phelan S, Wing RR, Hill JO, et al. Physical activity patterns in the National Weight Control Registry. Obesity (Silver Spring) 2008; 16:153-61.         

2. Wing RR, Phelan S. Long-term weight loss maintenance. Am J Clin Nutr 2005; 82(1 Suppl): 222S-5S.         

3. Nogueira FAM. Consumo de refrigerantes, sucos e leite e índice de massa corporal em escolares de Niterói [Dissertação de Mestrado]. Rio de Janeiro: Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2008.         

4. Vieira ACR, Alvarez MM, Marins VMR, Sichieri R, Veiga GV. Desempenho de pontos de corte do índice de massa corporal de diferentes referências na predição de gordura corporal em adolescentes. Cad Saúde Pública 2006; 22:1681-90.         

5. Claro RM, Carmo HC, Machado FM, Monteiro CA. Income, food prices, and participation of fruit and vegetables in the diet. Rev Saúde Pública 2007; 41:557-64.         

6. Bauman A, Allman-Farinelli M, Huxley R, James WP. Leisure-time physical activity alone may not be a sufficient public health approach to prevent obesity - a focus on China. Obes Rev 2008; 9 Suppl 1:119-26.         

7. Young LR, Nestle M. Portion sizes and obesity: responses of fast-food companies. J Public Health Policy 2007; 28:238-48.         

8. Gantz W, Schwartz N, Angelini JR, Rideout V. Food for thought: television food advertising to children in the United States. http://www.kff.org/entmedia/upload/7618.pdf (acessado em 07/Mar/2008).         

9. McGinnis JM, Gootman JA, Kraak VI, editors. Food marketing to children: threat or opportunity? Food and nutrition board and board on children, youth, and families of the Institute of Medicine of the National Academies. Washington DC: National Academies Press; 2005.         

10. Katz DL, O'Connell M, Njike VY, Yeh MC, Nawaz H. Strategies for the prevention and control of obesity in the school setting: systematic review and meta-analysis. Int J Obes (Lond) 2007 Jul 31; [Epub ahead of print]          .

11. Gittelsohn J, Kumar MB. Preventing childhood obesity and diabetes: is it time to move out of the school? Pediatr Diabetes 2007; 8 Suppl 9:55-69.        

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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