RESENHAS BOOK REVIEWS

 

Paulo César Zambroni de SouzaI; Ana Maria Ramos Zambroni de SouzaII

IDepartamento de Psicologia, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Brasil. paulozamsouza@yahoo.com.br
IIHospital Universitário Lauro Wanderley, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Brasil. anazamramos@yahoo.com.br

 

 

SUICÍDIO E TRABALHO: O QUE FAZER? Dejours C, Bègue F. Brasília: Paralelo 15; 2010. 128 p.

ISBN: 978-85-86315-62-1

O campo da Saúde do Trabalhador deve estar alerta quando o trabalho deixa de ser fonte de aprimoramento da saúde das pessoas e de grupos, para se tornar tão deletério a ponto de ocorrerem suicídios no próprio meio de trabalho. É sobre o fato de os trabalhadores atentarem contra a própria vida no exercício de seu trabalho que trata o mais novo livro de Christophe Dejours publicado no Brasil, dessa vez em coautoria com Florence Bègue. O livro foi lançado aqui em 2010, ano seguinte ao lançamento da edição original francesa.

O tema do suicídio no trabalho vem ganhando notoriedade na França nos últimos anos, apontando para questão de tal gravidade que, mesmo se tratando de experiência francesa, instiga os pesquisadores brasileiros a preocuparem-se com as possíveis ocorrências desse fenômeno por aqui.

Dejours, professor do Centre National des Arts et Métiers, em Paris, é o expoente do que ele nomeou como Psicodinâmica do Trabalho, uma das derivações da Psicopatologia do Trabalho, que tem sua origem na metade do século XX, na França 1. É conhecido do público brasileiro desde 1987, quando um livro de sua autoria foi publicado pela primeira vez no Brasil 2. Bègue, a segunda autora, é psicóloga do trabalho e consultora de empresas.

O livro objeto desta resenha é fruto da intervenção realizada pelos autores em uma indústria onde ocorreram vários casos de suicídio. Ao entrar no local, Bègue, dando-se conta das dificuldades que ali se apresentavam, convidou Dejours a tornar-se parceiro na empreitada. Dessa forma, a experiência alimentou-se de ferramentas teórico-metodológicas da Psicodinâmica do Trabalho, e a intervenção tornou-se exitosa. Está estruturado em três partes, sendo a primeira (O Suicídio no Trabalho, sua Freqüência, suas Conseqüências) e a última (Comentário Metodológico) escritas por Dejours. A segunda (Uma Intervenção em uma Indústria após Vários Suicídios) foi escrita por Bègue.

A introdução do livro inicia-se com a seguinte afirmação: "os suicídios e as tentativas de suicídio no local de trabalho apareceram na maioria dos países ocidentais nos anos 1990" (p. 11). Os autores sustentam essa assertiva dizendo que havia, antes daquela época, apenas relatos de suicídios no campo, mas não nas indústrias e serviços. Adiante, apontam, já na primeira parte do livro, que "não se sabe, ao certo, quantos casos de suicídio relacionados ao trabalho ocorrem a cada ano na França" (p. 15). Ora, se ainda hoje os números não são confiáveis - e não parecem ser mesmo - como sustentar a hipótese de que esse fenômeno simplesmente não existia? A alusão à estatística volta no título da primeira parte do livro, O Suicídio no Trabalho, sua Freqüência, suas Conseqüências, mas o texto não traz consigo um levantamento epidemiológico à altura da assertiva, o que poderia ser útil no aprofundamento da problemática, seja na França, seja no Brasil. Contudo, esse texto enfrenta bem a questão sem recorrer a tal procedimento, exatamente por não ser o foco dele. Além disso, como os autores afirmam, o problema é de tal forma importante, que um único caso de suicídio é gravíssimo e aponta a "profunda degradação do conjunto do tecido humano e social do trabalho" (p. 15).

O que geraria essa degradação, tão patogênica, que chega mesmo a fazer com que algumas pessoas busquem a morte? Os autores sustentam três hipóteses complementares:

• "O privilégio concedido à gestão, em detrimento do trabalho" (p. 34), de modo que a produção pareça não mais depender do trabalho, mas apenas dos novos métodos de gestão, que desestruturam os coletivos e estimulam a busca de objetivos, custe o que custar. As pessoas ficam à mercê de si mesmas, já que os coletivos foram desestruturados pelas reestruturações produtivas. Esse fenômeno recebe lugar central na análise do livro, em coerência com a proposição de outros autores que têm pensado sobre a relação trabalho e gestão nas últimas décadas 3,4;

• "A psicodinâmica do reconhecimento desestabilizada pela gestão" (p. 38). Pedra fundamental no edifício da Psicopatologia do Trabalho 1, o reconhecimento pela chefia, por clientes, e, sobretudo, o julgamento de beleza do trabalho por pares teriam um papel fundamental para o fortalecimento da identidade. As formas de avaliação individualizadas, que punem os erros e não oferecem o reconhecimento pelos acertos, tendem a gerar profundas desestabilizações em algumas pessoas;

• "A qualidade total" (p. 49). A certificação da qualidade total, que abre às empresas a possibilidade de anunciarem aos clientes a posse de tal título, entra no dia a dia do trabalho como algo nocivo, já que, em nome dela, escondem-se problemas na produção, e os assalariados são impelidos a burlar a ética profissional e a si mesmos para atingir os padrões da suposta qualidade.

Diante desse quadro, as estratégias coletivas de defesa desmontam-se e as redes de solidariedade desfazem-se, dando lugar à depressão, ao suicídio e ao silêncio.

O caso de que trata o livro ocorreu em uma indústria que passou por reestruturação produtiva desde 1997, o que reorganizou o trabalho e gerou a desestruturação do viver junto dos trabalhadores, surgindo vários casos de suicídio a partir de 1998. A atuação dos autores buscou reconstruir as bases do viver junto e do cooperar. Para tanto, baseou-se em nove princípios (p. 121): (i) as referências teóricas bem dominadas para abordar o campo de pesquisa; (ii) a independência do clínico no encaminhamento e sua ação; (iii) o trabalho de demanda, etapa insubstituível da enquete; (iv) a constituição de uma equipe de intervenção; (v) a equipe interna de apoio; (vi) o coletivo de pilotagem interno; (vii) as entrevistas individuais; (viii) as entrevistas coletivas; (ix) a enquete como ação.

Após 18 meses de intervenção, o silêncio que acompanhava os suicídios estava rompido, e a equipe deixou "àqueles e àquelas que estavam presentes durante todo o processo desenvolvido, o bastão para a continuidade e o aprofundamento da intervenção" (p. 104).

A edição do livro é cuidadosa, com notas que ajudam o público brasileiro a entender expressões e siglas próprias dos franceses. Por outro lado, é lamentável que, dentre todos os textos citados no original francês, apenas recebeu menção de versão brasileira a única obra que foi publicada pela editora que nos oferece esse livro no Brasil. Todas as outras edições brasileiras foram omitidas.

O livro, enfim, aponta conseqüências danosas de modelos de gestão presentes na França. Permite, desse modo, que aqui se possa perguntar se o efeito de produzirem tentativas de suicídio já estariam presentes também no Brasil, além de outros conhecidos, mas obviamente não resolvidos, como os acidentes e todas as formas de sofrimento patogênico e adoecimento no trabalho.

 

1. Dejours C. Addendum: da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. In: Lancman S, Sznelwar LI, organizadores. Christophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz/Brasília: Paralelo 15; 2004. p. 47-104.         

2. Dejours C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. São Paulo: Cortez Editora/Oboré; 1987.         

3. Gaulejac V. Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. São Paulo: Idéias & Letras; 2007.         

4. Duraffourg J, Duc M, Durrive L. O trabalho e o ponto de vista da atividade. In: Schuwartz Y, Durrive L, organizadores. Trabalho e ergologia: conversas sobre a atividade humana. Niterói: EdUFF; 2007. p. 47-82.         

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