Determinantes individuais e sociais do estado de saúde subjetivo e de bem-estar da população sênior de Portugal

Pedro Alcântara da Silva Sobre o autor

Resumo

Neste artigo pretende-se identificar os principais determinantes da autoavaliação do estado de saúde e do bem-estar da população sênior, tendo em conta um conjunto de dimensões que reúnem indicadores demográficos e socioeconômicos, características das redes interpessoais e atividades sociais praticadas, de saúde, atividade sexual, de representações sobre o envelhecimento e sentimento de felicidade. A equação em simultâneo de preditores socioeconômicos e de caráter comportamental e atitudinal dessas várias vertentes, com o intuito de analisar o valor explicativo de cada uma das dimensões inter-relacionadas e o peso de cada um dos fatores, permite concluir que o capital social, a prática de atividades associadas ao envelhecimento ativo e um maior otimismo em relação ao envelhecimento podem contribuir em grande medida para uma melhor autoavaliação do estado de saúde e do bem- estar dos mais velhos, compensando, em parte, o efeito de fatores socioeconômicos e de doença associados à idade.

Envelhecimento da População; Autoavaliação; Saúde do Idoso


Introdução

O declínio gradual do estado de saúde é o fator mais frequentemente associado à idade e, porventura, o mais condicionante do processo de envelhecimento, em particular se a situação de doença for crônica e múltipla, e se provocar incapacidades físicas e psicológicas que afetem o quotidiano das pessoas mais velhas e a sua autonomia.

Diversos fatores podem contribuir para um melhor estado de saúde e para a forma como este é percepcionado, assim como para o bem-estar e para um sentimento de maior felicidade. Com efeito, a análise empírica tem demonstrado que existe uma clara relação entre, por um lado, os usos do tempo e a prática de atividades, o grau de integração social, a intensidade e a qualidade das relações sociais, bem como o apoio emocional e instrumental que os idosos podem receber (mas também prestar); e, por outro lado, a saúde, o bem-estar e a qualidade de vida na velhice 1Fernández-Ballesteros R. Social support and quality of life among older people in Spain. J Soc Issues 2002; 58:645-59.,2Litwin H. Activity, social networks and well-being: an empirical examination. Can J Aging 2000; 19:343-62..

No âmbito da saúde, é comum os idosos necessitarem de maior apoio em situação de doença, em particular quando as suas capacidades funcionais ficam temporária ou permanentemente afetadas e sentem dificuldades em desenvolver as suas atividades quotidianas 1Fernández-Ballesteros R. Social support and quality of life among older people in Spain. J Soc Issues 2002; 58:645-59.. No entanto, mais recentemente, a investigação tem procurado ir para além do apoio que as redes pessoais e sociais podem proporcionar aos idosos em caso de doença. Os estudos sobre o envelhecimento centrados nas relações sociais e noutros conceitos conexos, em diferentes contextos e sociedades, têm evidenciado uma clara relação com um melhor estado de saúde e o bem-estar ao longo da vida, em particular na velhice 3Sirven N, Debrand T. Social participation and healthy ageing: an international comparison using SHARE data. Soc Sci Med 2008; 67:2017-26..

Não obstante certas dificuldades 4Schreurs KMG, Ridder DTD. Integration of coping and social support perspectives: implications for the study of adaptation to chronic diseases. Clin Psychol Rev 2000; 17:89-112., os resultados empíricos têm demonstrado que as pessoas mais integradas socialmente, com mais relacionamentos e mais satisfeitas com a qualidade destes relacionamentos, evidenciam um melhor estado de saúde do que as pessoas com menos relações sociais, concluindo-se que as redes e o apoio sociais exercem uma clara influência sobre a saúde 1Fernández-Ballesteros R. Social support and quality of life among older people in Spain. J Soc Issues 2002; 58:645-59., e até na redução dos riscos de mortalidade 5Musick MA, House JS, Williams DR. Attendance at religious services and mortality in a national sample. J Health Soc Behav 2004; 45:198-213.. Mais do que o apoio efetivo e instrumental, que pode ser recebido em caso de necessidade, são os fatores relacionados com o apoio percepcionado, isto é, o reconhecimento que este apoio pode ser obtido em caso de necessidade, aqueles que tendem a produzir um efeito mais forte e consistente na saúde e no bem-estar dos mais idosos 6Paúl C. Envelhecimento activo e redes de suporte social. Sociologia 2005; 15:275-87.,7Norris F, Kaniasty K. Received and perceived social support in times of stress: a test of the social support deterioration deterrence model. J Pers Soc Psychol 1996; 71:498-511..

O mesmo acontece com os indicadores relativos à qualidade de vida. Sabendo-se que este é um conceito multidimensional composto por várias condições e ingredientes ao longo da vida, a generalidade dos estudos tem mostrado que as relações sociais emergem sempre como uma das condições cruciais para a qualidade de vida dos idosos, na medida em que o ser humano é um ser social que tem como necessidade básica relacionar-se com outros para o seu bem-estar 8. A globalidade dos impactos das redes sociais e do apoio social acaba mesmo por ter reflexo na mortalidade. Com efeito, o apoio social estrutural ou funcional é, em grande medida, um preditor de mortalidade, independentemente da causa, da idade, do gênero, do estatuto socioeconômico e do estado inicial de saúde 6Paúl C. Envelhecimento activo e redes de suporte social. Sociologia 2005; 15:275-87.,9Uchino B. Social support & physical health. Understanding the health consequences of relationships. New Haven: Yale University Press; 2004..

Por outro lado, o interesse da investigação na área do envelhecimento em estudar as ocupações do tempo e as atividades socialmente produtivas dos idosos tem vindo também a aumentar; estas últimas vão desde o prolongamento da vida ativa (trabalho remunerado) até ao voluntariado organizado e outras formas de participação na vida pública 1010 Cornwell B, Laumann EO, Schumm L-P. The social connectedness of older adults: a national profile. Am Sociol Rev 2008; 73:185-203.,1111 Kohli M, Hank K, Künemund H. The social connectedness of older Europeans: patterns, dynamics and contexts. J Eur Soc Policy 2009; 19:327-40.,1212 Pichler F, Wallace C. Patterns of formal and informal social capital in Europe. Eur Sociol Rev 2007; 23:423-35.. Com efeito, nos anos mais recentes, tem existido um afastamento de conceitualizações de integração social com enfoque nos papéis e nas atividades reservadas aos idosos, e nas propriedades dos campos sociais em que se inserem e participam, a favor de uma abordagem mais orientada à análise das redes e à discussão sobre o capital social 1111 Kohli M, Hank K, Künemund H. The social connectedness of older Europeans: patterns, dynamics and contexts. J Eur Soc Policy 2009; 19:327-40.. A atividade, a rede e o capital social têm sido, do ponto de vista analítico, quase sempre tratados separadamente, considerando-se que tal não é o mais apropriado quando se pretende analisar o modo como os idosos permanecem socialmente conectados no decorrer dos últimos estágios do curso de vida. Ao invés, as três abordagens devem ser articuladas, na medida em que a categoria “atividade” refere-se às oportunidades e às solicitações que tornam os indivíduos socialmente ativos, enquanto a categoria “rede” centra-se nos relacionamentos sociais que estão subjacentes a estas oportunidades e solicitações, referindo-se o capital social à forma como os indivíduos participam na sociedade e as ligações e vínculos sociais que desenvolvem, tendo em conta o contexto social e cultural em que se inserem. Num sentido mais amplo, o capital social é uma medida de integração e coesão social, com implicações decisivas na saúde, na qualidade de vida e no bem- estar dos mais velhos 1111 Kohli M, Hank K, Künemund H. The social connectedness of older Europeans: patterns, dynamics and contexts. J Eur Soc Policy 2009; 19:327-40.,1212 Pichler F, Wallace C. Patterns of formal and informal social capital in Europe. Eur Sociol Rev 2007; 23:423-35.,1313 Gray A. The social capital of older people. Ageing Soc 2009; 29:5-31..

Neste estudo, a saúde é medida por meio do estado de saúde subjetivo e o bem-estar por intermédio da avaliação do sentimento de felicidade. A autoavaliação da saúde individual tem-se revelado como um robusto indicador do estado de saúde global de cada pessoa, demonstrando ter, inclusive, um elevado valor preditivo da mortalidade, independentemente de fatores médicos, de comportamento ou psicossociais associados à saúde e à doença 1414 Idler EL, Benyamini Y. Self-rated health and mortality: a review of twenty-seven community studies. J Health Soc Behav 1997; 38:21-37.. Quanto à avaliação do bem-estar subjetivo individual, ou do sentimento de felicidade como sinônimo, está associada à concepção comum do que é ter uma vida satisfatória, que não assenta apenas na presença de um conjunto específico de circunstâncias e de condições de vida objetivas que se possui e que se inter-relacionam, mas também na forma como estas são percepcionadas e vividas. A satisfação que cada pessoa sente com a vida em geral capta assim uma avaliação reflexiva sobre a forma como ela se desenrola quotidianamente. Permite, por um lado, avaliar quais as circunstâncias e as condições que são importantes para o bem-estar subjetivo e, por outro, ajuda a medir e a compreender a diferença entre as condições objetivas de vida que cada pessoa experiencia e a forma como avaliam estas condições 1515 Kahneman D, Krueger AB. Developments in the measurement of subjective well-being. J Econ Perspect 2006; 20:3-24.,1616 Dolan P, Peasgood T, White M. Do we really know what makes us happy? A review of the economic literature on the factors associated with subjective well-being. J Econ Psychol 2008; 29:94-122..

A investigação tem procurado estudar a relação entre a autoavaliação do estado de saúde e a diversidade e a intensidade da prática de atividades sociais, o capital social ou as características das redes pessoais em que se inserem as pessoas mais velhas. O mesmo tem acontecido em relação ao bem-estar, quer medindo a influência desse tipo de variáveis neste indicador genérico de percepção da qualidade de vida, quer também o impacto do estado de saúde. Neste artigo, ao invés de se abordar a relação individualizada de cada uma dessas vertentes sociais como habitualmente é feito, procura-se identificar os principais determinantes da avaliação subjetiva do estado de saúde e do bem-estar da população sênior com base em um conjunto de dimensões essenciais operacionalizadas em simultâneo que reúnem indicadores demográficos e socioeconômicos, características das redes interpessoais e atividades sociais praticadas, de saúde, atividade sexual e sentimento de felicidade. A equação de preditores socioeconômicos e de caráter comportamental e atitudinal dessas várias vertentes permitirá verificar o valor explicativo de cada uma das dimensões inter-relacionadas e o peso que cada um dos fatores assume para um melhor estado de saúde e qualidade de vida dos mais velhos numa perspectiva global, tendo em conta o desenho dos modelos de análise propostos

Métodos

Amostra

Os resultados apresentados são originários de um estudo sociológico sobre processos de envelhecimento (usos do tempo, redes sociais e condições de vida) que teve por base um inquérito por questionário estruturado, aplicado em 2011 a uma amostra probabilística representativa da população portuguesa continental com mais de 50 anos (N = 1.761.852) planejada em três etapas: (1) seleção aleatória dos pontos de amostragem, a partir da identificação de todas as localidades estratificadas por 5 regiões (NUTS II) e por habitat (número de habitantes das localidades), proporcional à distribuição da população com base no Recenseamento Geral da População e Habitação; (2) seleção aleatória dos pontos de partida em cada localidade a partir de códigos postais; (3) seleção dos lares (utilizando o método random route) e inquirido (último aniversariante do domicílio selecionado) para entrevista pessoal. A coleta de dados foi realizada por entrevistadores treinados por meio do procedimento CAPI (Computer Assisted Personal Interview). Obteve- se uma amostra final de 1.000 inquéritos válidos com um erro amostral máximo de ±3%, para um intervalo de 95% de confiança. Na definição do tamanho da amostra, considerou-se como desconhecida a proporção populacional de indivíduos com avaliação negativa ou positiva em ambas as variáveis dependentes aqui estudadas, usando-se, por isto, 0,5 como índice de prevalência de avaliação positiva do estado de saúde subjetivo e do sentimento de felicidade.

Variáveis e medidas

Devido ao seu significado psicossociológico, as variáveis dependentes foram tratadas como contínuas 1717 Michell J. Measurement scales and statistics: a clash of paradigms. Psychol Bull 1986; 100:398-407.,1818 Velleman PF, Wilkinson L. Nominal, ordinal, interval, and ratio typologies are misleading. Am Stat 1993; 47:65-72.. Usando-se os modelos de regressão linear múltipla hierárquica por blocos, procurou-se identificar as variáveis preditoras do estado de saúde subjetivo e do sentimento de felicidade, tendo em conta o conjunto de dimensões anteriormente enunciadas, embora adequando os fatores potencialmente explicativos dentro de cada dimensão em cada modelo, tendo em conta as orientações teóricas conhecidas. A estatística descritiva das variáveis em estudo é apresentada na Tabela 1.

Tabela 1
Resumo da estatística descritiva das variáveis em análise.

Nos preditores, foi assim incluído um conjunto de indicadores demográficos e socioeconômicos como a idade, o gênero, a escolaridade, a ocupação socioprofissional, a situação na profissão, o escalão de rendimento do agregado e o estado da habitação.

O conjunto de indicadores relativos às redes pessoais é constituído pela dimensão da rede interpessoal de cada inquirido e a composição da rede, predominantemente familiar ou não familiar; a caracterização do agregado familiar (se o inquirido vive sozinho ou acompanhado); a frequência com que sentiu a necessidade de ser apoiado emocionalmente e se gostaria de ter mais ajuda/apoio quando se sente só ou triste; e a manifestação de afetos.

A dimensão relativa às atividades sociais conta com indicadores sobre o número e a frequência de atividades praticadas dentro e fora de casa. Essa dicotomia permite avaliar o contexto social em que ocorrem, sendo que as atividades realizadas fora de casa pressupõem um maior nível de atividade física, pré-disposição e participação social, enquanto as realizadas dentro de casa são habitualmente atividades mais passivas em termos físicos e praticadas, sobretudo, a título individual 1919 Agahi N, Parker MG. Are today’s older people more active than their predecessors? Participation in leisure-time activities in Sweden in 1992 and 2002. Ageing Soc 2005; 25:925-41.,2020 Silverstein M, Parker MG. Leisure activities and quality of life among the oldest old in Sweden. Res Aging 2002; 42:528-47.. O número de atividades praticadas é igualmente fundamental, na medida em reforça o grau de participação em ambas as esferas 2121 Baker LA, Cahalin LP, Gerst K, Burr J. Productive activities and subjective well-being among older adults: the influence of number of activities and time commitment. Soc Indic Res 2005; 75:431-58..

Esses indicadores resultam da conjugação de um amplo leque de atividades, com base no qual foi construído um índice de práticas associadas ao envelhecimento ativo recorrendo a uma Análise Fatorial em Componentes Principais (extração forçada a três fatores e método de rotação Varimax): o primeiro fator agrega 11 atividades e aponta, como dimensão latente, a adoção de práticas associadas ao conceito de envelhecimento ativo (Kaiser-Meyer-Olkin = 0,790; cargas fatoriais variando entre 0,70 e 0,28; variância explicada = 18,1%; alpha de Cronbach = 0,69): usar computador; ir a eventos culturais; ouvir música; ouvir rádio; ir a cursos ou ações de formação; praticar esporte; ler; participar em eventos de partidos políticos, sindicatos ou movimentos cívicos; passear; visitar ou ter a visita de amigos; e realizar atividades artísticas. Trata-se, sobretudo, de atividades culturais/recreativas, sociais, expressivas, físicas e instrumentais que remetem para os princípios preconizados pela ideologia do envelhecimento ativo que visam, em traços gerais, a não só ter em consideração os comportamentos promotores da saúde, mas também os fatores sociais e pessoais que enquadram o processo de envelhecimento e que possibilitam uma maior coesão e produtividade 2222 World Health Organization. Active ageing. A policy framework. Geneva: World Health Organization; 2002.. Estudos têm demonstrado a importância que, a par da atividade física, a participação social, cultural e cívica, bem como o envolvimento, a inclusão em redes pessoais de diferentes amplitudes e natureza detêm na satisfação com a vida e no bem-estar pessoal, assim como na saúde e na qualidade de vida dos mais velhos 1919 Agahi N, Parker MG. Are today’s older people more active than their predecessors? Participation in leisure-time activities in Sweden in 1992 and 2002. Ageing Soc 2005; 25:925-41.,2323 Agahi N, Silversein M, Parker MG. Late-life and earlier participation in leisure activities: their importance for survival among older persons. Act Adapt Aging 2011; 35:210-22.,2424 Paillard-Borg S, Wang H-X, Winbland B, Fratiglioni L. Pattern of participation in leisure activities among older people in relation to their health conditions and contextual factors: a survey in Swedish urban area. Ageing Soc 2009; 29:803-21..

Pertencer a alguma associação (esportiva, cultural) e as representações do envelhecimento, que também remetem para uma valorização de uma vida socialmente ativa, foram ainda consideradas nesse conjunto de preditores. As representações que cada indivíduo tem do processo de envelhecimento, do seu e do dos outros, é resultado não só das suas vivências mas também das atitudes globais formadas na sociedade. Essa percepção contribui para o seu bem-estar na forma como o vivem quotidianamente e para o que projetam quanto ao seu futuro, gerando perspectivas mais otimistas ou mais pessimistas quanto àquilo que significa envelhecer.

A dimensão relativa à saúde contou, para além da autoavaliação do estado de saúde como preditor no modelo de regressão para o sentimento de felicidade, a existência ou não de doenças crônicas e existência de impedimentos provocados pela doença.

Finalmente, a dimensão relativa à sexualidade é constituída por dois indicadores: importância do sexo na vida de cada inquirido e se teve relações sexuais nos últimos 3 meses. A atividade sexual tem sido entendida como um importante fator para o bem-estar e para a qualidade de vida, embora poucos estudos existam sobre o comportamento sexual dos idosos. Sabe-se, no entanto, que a atividade sexual muda com a idade e que está associada ao estado de saúde, na medida em que as alterações fisiológicas e a doença podem afetar e até inibir a função sexual dos idosos. Apesar disso, muitos deles mantêm relacionamentos íntimos com desejo e atividade sexual durante toda a sua vida, embora as mulheres tendam a perder os seus parceiros mais cedo devido à viuvez 2525 Laumann EO, Nicolosi A, Glasser DB. Sexual problems among women and men aged 40-80 y: prevalence and correlates identified in the Global Study of Sexual Attitudes and Behaviors. Int J Impot Res 2005; 17:39-57..

No modelo de regressão para o estado de saúde subjetivo foi ainda acrescentada uma dimensão composta unicamente pelo sentimento de felicidade como preditor. Para ambos os modelos de regressão realizou-se uma análise exploratória com o objetivo de averiguar os requisitos mínimos para a análise paramétrica de dados. Seguindo os procedimentos recomendados 2626 Judd CM, McClelland GH. Data analysis: a model-comparison approach. Belmont: Wadsworth/Thomson Learning; 2001., verificou-se que os pressupostos para a análise paramétrica estão assegurados na medida em que a análise dos resíduos mostrou que estes são homogêneos e normalmente distribuídos.

Resultados

Preditores da autoavaliação do estado de saúde

A fim de estabelecermos os principais preditores do estado de saúde subjetivo, foi colocado em equação um conjunto de fatores divididos por seis blocos que pretendem dar conta, cada um deles, de dimensões fundamentais da vida dos indivíduos: o primeiro bloco junta fatores demográficos e socioeconômicos; o segundo e o terceiro acrescentam indicadores de redes pessoais e de atividades sociais; o quarto adiciona fatores de saúde; o quinto indicadores relativos à vida sexual; e, por fim, um bloco que coloca apenas mais uma única variável referente ao sentimento de felicidade. A análise em blocos permite assim verificar qual o peso gradual que cada potencial fator explicativo assume em cada conjunto de variáveis em equação, à medida em que outras novas vão sendo adicionadas.

Quando começamos por analisar apenas o conjunto de preditores demográficos e socioeconômicos, os resultados evidenciam os já conhecidos fatores explicativos associados às desigualdades na saúde encontrados noutros estudos em Portugal, que seguem as conclusões da literatura a este respeito 2727 Cabral MV, Silva PA. O estado da saúde em Portugal. Lisboa: Imprensa de Ciência Sociais; 2009.,2828 Cabral MV, Silva PA, Mendes H. Saúde e doença em Portugal - inquérito aos comportamentos e atitudes da população portuguesa perante o sistema nacional de saúde. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais; 2002.,2929 Marmot M. Introduction. In: Marmot M, Wilkinson R, editors. Social determinants of health. 2nd Ed. Oxford: Oxford University Press; 2007. p. 1-5.,3030 Pavão ALB, Werneck GL, Campos MR. Autoavaliação do estado de saúde e a associação com fatores sociodemográficos, hábitos de vida e morbidade na população: um inquérito nacional. Cad Saúde Pública 2013; 29:723-34.,3131 Moraes JR, Moreira JPL, Luiz RR. Associação entre o estado de saúde autorreferido de adultos e a área de localização do domicílio: uma análise de regressão logística ordinal usando a PNAD 2008. Ciênc Saúde Coletiva 2011; 16:3769-80.. Neste estudo, essas desigualdades tenderão ainda a ser agravadas pela circunstância de se estudar uma população mais velha, ou seja, com idades a partir dos 50 anos, que engloba um grupo muito significativo de portugueses mais idosos, com um estatuto socioecônomico mais baixo, com carreiras contributivas associadas a baixos salários. Essa maior desigualdade socioeconômica tenderá a repercutir nas desigualdades em saúde propriamente ditas.

A regressão linear a seguir mostra, contudo, que o perfil sociodemográfico da população não explica mais do que 19,7% da variância do estado de saúde subjetivo; fatores como a idade e o gênero, e depois a escolaridade, a ocupação socioprofissional e o rendimento revelam-se determinantes: os mais idosos e as mulheres, assim como os inquiridos menos escolarizados e com menor estatuto socioeconômico tendem a declarar pior estado de saúde. Quando incluímos outros preditores relacionados com as redes pessoais dos inquiridos (bloco 2), verifica-se que o número de relacionamentos é também um preditor preponderante da avaliação do estado de saúde, associada a todos os indicadores já referidos. Ao colocar na equação indicadores relacionados com as actividades sociais (bloco 3), observa-se que os preditores socioeconômicos tendem a perder relevância, não voltando a ser significativos neste modelo, mantendo-se apenas a idade e o gênero com poder explicativo, a par da frequência de atividades realizadas fora de casa e da prática de atividades individuais e sociais associadas ao envelhecimento ativo: quanto mais frequentemente praticarem atividades fora de casa e quanto mais frequentemente os inquiridos adotarem as práticas associadas ao envelhecimento ativo, melhor estado de saúde tendem a declarar.

A fim de controlar o efeito doença na autoavaliação do estado de saúde e, parcialmente, a reversibilidade da inferência causal, isto é, as associações encontradas entre o estado de saúde subjetivo e o capital social existiriam sobretudo porque quem teria melhor saúde teria maior tendência para participar em atividades sociais e ter redes interpessoais maiores, ao invés de estas dimensões contribuírem por si só para um estado de saúde mais positivo como aqui se pretende demostrar, foi tida em conta no modelo uma dimensão de saúde, introduzida depois de verificada a influência dos fatores demográficos e socioeconômicos, das redes pessoais e das atividades sociais.

Como seria de esperar, quando se acrescentam fatores estritos de saúde (bloco 4), como são a existência de pelo menos uma doença crônica e de impedimentos físicos e psicológicos, estes assumem-se como os fatores explicativos mais importantes na avaliação que os inquiridos fazem do seu estado de saúde, subindo a variância explicada para quase o dobro (40,1%), embora os restantes preditores que acabamos de referir do bloco anterior mantenham o seu poder explicativo (à exceção da distinção entre homens e mulheres que deixa de ser importante, e da dimensão da rede pessoal voltar a assumir relevância explicativa). Finalmente, quando se analisa os dois blocos seguintes (blocos 5 e 6), nos quais são incluídos atividade sexual e o sentimento de felicidade, verifica-se mais uma vez que todos esses preditores significativos anteriores continuam a ser relevantes, passando a ser significativa também a valorização da sexualidade e um sentimento de otimismo em relação à vida.

Em suma, quanto maior for a rede social em que o inquirido se insere; quanto mais diversificada e frequente for a prática de atividades individuais e sociais, sobretudo se for fora de casa; quanto mais se valorizar e mais frequente for a atividade sexual; e quanto mais felizes os inquiridos se considerarem, melhor será o seu estado de saúde subjetivo. Apesar da perda relativa da relevância dos preditores socioeconômicos neste modelo, estes não deixam, como também aqui ficou demonstrado, de assumir um importante poder explicativo no estado de saúde subjetivo. Inversamente ao que parte da literatura tem vindo a sugerir, em Portugal o fato de viver sozinho não parece ser um preditor do estado de saúde subjetivo, assim como a composição da rede (rede mais familiar vs. mais heterogênea ou não familiar) 6Paúl C. Envelhecimento activo e redes de suporte social. Sociologia 2005; 15:275-87.,3232 Hatch LR, Bulcroft K. Contact with friends in later life: disentangling the effects of gender and marital status. J Marriage Fam 1992; 54:222-32.,3333 Paúl C. O papel das famílias na prestação de cuidados a crianças e idosos. In: Almeida L, Ribeiro I, editores. Família e desenvolviento. Portalegre: Associação dos Psicólogos Portugueses; 1994. p. 45-57..

Naturalmente, a existência de doenças crônicas e de impedimentos físicos desempenham o papel mais determinante na avaliação do estado de saúde, como era esperado. No entanto, o fato de os restantes preditores significativos manterem a sua relevância ao longo de todo o modelo, com ou sem a inclusão da variável doença, só reforça o poder explicativo desses fatores para a existência de um estado de saúde subjetivo mais positivo (Tabela 2).

Tabela 2
Preditores da autoavaliação do estado de saúde (regressão linear múltipla hierárquica por blocos).

Preditores do sentimento de felicidade

O mesmo procedimento estatístico realizado para o estado de saúde é agora utilizado para encontrar os principais preditores do sentimento de felicidade. A designação dos blocos utilizados é a mesma pela natureza dos indicadores que os constituem, embora com algumas redefinições quanto à escolha das variáveis mais adequadas quando se pretende encontrar os fatores explicativos do sentimento de felicidade.

Começando por analisar o primeiro bloco, observa-se desde logo que o perfil sociodemográfico dos inquiridos não explica mais do que 10,7% da variância do sentimento de felicidade. Ainda assim, as mulheres e os mais idosos tendem a declarar-se menos felizes; o rendimento é, no entanto, o fator explicativo mais importante, concluindo-se que, quanto menor rendimento os inquiridos têm disponível, menor será o sentimento de felicidade.

Com efeito, quando incluímos novos preditores relacionados com as redes pessoais (bloco 2), verifica-se que o rendimento é o único fator que se mantém com o mesmo nível de significância, deixando o gênero e a idade de ter importância. A par do menor rendimento, o viver sozinho, a frequência com que sentem necessidade de maior apoio emocional quando se sentem tristes ou sós, e a ausência de manifestação de afetos são os preditores decisivos para que os inquiridos se sintam menos felizes.

Esses fatores mantêm a sua relevância, embora o rendimento perca alguma preponderância, e a escolaridade e a composição da rede pessoal passem a ser significativos, quando são incluídos novos indicadores relacionados com as atividades sociais (bloco 3). Assim, a juntar aos preditores referidos, quanto menor for a prática de atividades sociais individuais e sociais diversificadas (índice de envelhecimento ativo) e quanto menos positivas forem as representações do envelhecimento, assim como quanto menor for a escolaridade e quanto menos as relações são centradas na família, menor é o sentimento de felicidade declarado.

A centralidade das relações familiares para a felicidade aqui encontrada parece ir de certa forma contra as conclusões de estudos internacionais que referem que, fora do âmbito familiar, os idosos que têm mais amigos, que mantêm contatos mais regulares com amigos, e que retiram alguma satisfação com a qualidade destas relações manifestam consideravelmente menos sentimentos de solidão, observando-se uma correlação positiva entre ter amigos e a satisfação com a vida e a autoestima 3434 Mullins LC, Smith R, Colquitt R, Mushel M. An examination of the effects of self-rated and objective indicators of health condition and economic condition on the loneliness of older people. J Appl Gerontol 1996; 15:23-37.. Mesmo entre os idosos casados e com filhos, aqueles que mantêm mais amigos e com alguma proximidade, revelam índices mais baixos de solidão do que aqueles que restringem os seus relacionamentos à sua própria família 3535 Hall-Elston C, Mullins LC. Social relationships, emotional closeness, and loneliness among older meal program participants. Soc Behav Pers 1999; 27:503-17..

Com efeito, a importância dos relacionamentos familiares e de amizade ou semelhantes não é idêntica quando se pretende analisar a sua contribuição para o bem-estar dos idosos: enquanto a maioria da investigação demonstra que o contato com amigos é determinante, os estudos que mostram a relevância da interação dos idosos com os membros da família para este mesmo bem-estar é relativamente diminuto e esta relação menos evidente 3232 Hatch LR, Bulcroft K. Contact with friends in later life: disentangling the effects of gender and marital status. J Marriage Fam 1992; 54:222-32.. Nesse sentido, como refere Constança Paúl 6Paúl C. Envelhecimento activo e redes de suporte social. Sociologia 2005; 15:275-87. (p. 278), “devemos diferenciar entre as redes familiares e as redes de amigos, sendo que a primeira é ‘involuntária’ e baseada no sentido de obrigação, enquanto a segunda é uma escolha voluntária, o que produz efeitos diferentes na qualidade de vida dos idosos, sendo potencialmente mais positivo o efeito das redes de suporte de amigos e vizinhos”. Não obstante a extrema importância para o bem-estar dos idosos as relações afetivas e os cuidados que lhes são prestados no âmbito familiar, até porque a família assume a esmagadora maioria das tarefas de apoio 3333 Paúl C. O papel das famílias na prestação de cuidados a crianças e idosos. In: Almeida L, Ribeiro I, editores. Família e desenvolviento. Portalegre: Associação dos Psicólogos Portugueses; 1994. p. 45-57., uma das razões apontadas para o fato de as relações familiares não serem tão positivas reside no fato de ser “frequente promover-se o paternalismo com o que isso implica de indução de menor bem-estar e satisfação de vida, senão mesmo de precipitação do declínio cognitivo dos idosos3636 Paúl C. Lá para o fim da vida. Idosos, família e meio ambiente. Coimbra: Almedina; 1997. (p. 283), já que um dos pilares básicos do envelhecimento ativo é “a preservação da autonomia pelo menos a nível psicológico (controlo) e social (participação)3636 Paúl C. Lá para o fim da vida. Idosos, família e meio ambiente. Coimbra: Almedina; 1997. (p. 284).

O fato de as relações extrafamiliares em Portugal serem um preditor menos importante para a felicidade em termos globais poderá ficar a dever-se à maior relevância atribuída à família e à supremacia das relações intrafamiliares quando comparado com outros países europeus 3737 Torres A, Mendes R, Lapa T. Families in Europe. Portuguese Journal of Social Science 2008; 7:49-84., o que limitaria os benefícios descritos associados a redes pessoais mais heterogêneas.

Finalmente, para além de todos os fatores referidos, verifica-se ainda que tanto o estado de saúde subjetivo (em detrimento de condições mais objetivas de saúde como a existência de doenças crônicas ou impedimentos físicos e psicológicos) assim como a atividade sexual são também fatores significativos (blocos 4 e 5): como esperado, quanto pior for o estado de saúde e quanto menor for a atividade sexual, menor será o sentimento de felicidade declarado.

Em resumo e observando a evolução dos valores das variâncias explicadas, subindo de 10,7% do 1o bloco para 22,1% do 2o bloco e deste para 31,4% do bloco 3 (com variações pequenas depois para os dois último blocos), podemos concluir que as dimensões relativas às redes pessoais e às atividades sociais são as mais determinantes para o estado de felicidade dos inquiridos. Com efeito, quem não vive só e quanto mais as redes pessoais se confinam à família; quanto menor for a necessidade de apoio emocional; quanto maior for a manifestação de afetos; quanto maior for a prática de atividades individuais e sociais diversificadas; e quanto mais positivas forem as representações do envelhecimento, maior será o sentimento de felicidade gerado nos inquiridos. O fator idade, o gênero e a escolaridade, assim como, sobretudo, o rendimento e o estado de saúde subjetivo assumem também alguma importância, embora pareça existir alguma desvalorização das condições de vida objetivas no conjunto de fatores que podem contribuir para o sentimento de felicidade (Tabela 3).

Tabela 3
Preditores do sentimento de felicidade (regressão linear múltipla hierárquica por blocos).

Discussão

Existe uma grande variedade de fatores pessoais e sociais que condicionam o quadro de vida da população sênior cruciais para a compreensão dos processos de envelhecimento. No entanto, envelhecer bem e com qualidade de vida implica, naturalmente, a existência de boas condições de saúde, as quais, embora não podendo estar desligadas do modo de vida dos indivíduos, são por si só decisivas, e talvez as mais condicionantes, para um envelhecimento ativo e bem-sucedido. Mas se a saúde condiciona em grande medida o que as pessoas podem fazer, as condições materiais, as atividades que desenvolvem e a natureza das redes pessoais e sociais que estabelecem contribuem também em grande medida para um melhor estado de saúde subjetivo.

Os resultados aqui encontrados com base numa análise multidimensional vão no sentido do que tem sido observado noutros estudos com abordagens mais segmentadas 3838 Fernández-Ballesteros R, Garcia LF, Abarca D, Blanc E, Efklides A, Moraitou D, et al. The concept of ‘ageing well’ in ten Latin American and European countries. Ageing Soc 2010; 30:41-56., isto é, que os elementos constitutivos do capital social 3939 Putnam RD. Bowling alone: America’s declining social capital. Journal of Democracy 1995; 6:65-78. têm efeitos protetores na saúde dos mais velhos, nomeadamente por meio da demonstração da associação entre uma autoavaliação do estado de saúde mais positiva e a participação social, o voluntariado e a atividade cultural 4040 Kawachi I, Kennedy BP, Glass R. Social capital and self-rated health: a contextual analysis. Am J Public Health 1999; 89:1187-93.,4141 Morrow-Howell N, Hinterlong J, Rozario PA, Tang F. Effects of volunteering on the well-being of older adults. J Gerontol B Psychol Sci Soc Sci 2003; 58:S137-45.,4242 Veenstra G. Social capital, SES and health: an individuallevel analysis. Soc Sci Med 2000; 50:619-29., a par dos efeitos benéficos das redes pessoais e do apoio social 4343 Poortinga W. Social relations or social capital? Individual and community health effects of bonding social capital. Soc Sci Med 2006; 63:255-70.. Nessa relação virtuosa não se pode, contudo, menosprezar o peso que a morbilidade associada ao fator idade e os já conhecidos efeitos das desigualdades socioeconômicas associadas à saúde e à doença terão na qualidade de vida 4444 Lima MG, Barros MBA, César CLG, Goldbaum M, Carandina L, Ciconelli RM. Impact of chronic disease on quality of life among the elderly in the state of São Paulo, Brazil: a population-based study. Rev Panam Salud Pública 2009; 25:314-21., bem como o condicionamento das opções e vivências de cada pessoa pelas próprias trajetórias de vida, que possibilitam ou inviabilizam muito do que constitui um envelhecimento ativo.

Relativamente ao sentimento de felicidade, os fatores relativos às redes pessoais e às atividades associadas ao envelhecimento ativo são os mais determinantes para o sentimento de felicidade dos inquiridos, secundarizando em parte as condições de vida objetivas e a própria idade, ainda que o rendimento e a escolaridade, bem como o estado de saúde subjetivo, assumam também alguma relevância. Os resultados corroboram as principais conclusões dos estudos sobre envelhecimento, quando identificam o estado de saúde 4545 Lima MG, Barros MBA, Alves MCGP. Sentimento de felicidade em idosos: uma abordagem epidemiológica, ISA-Camp 2008. Cad Saúde Pública 2012; 28:2280-92., bem como a ausência de incapacidades graves causadas pela doença, e as ligações sociais no âmbito do desenvolvimento de atividades profissionais, cívicas, lúdicas e culturais ou outras fora de casa, ou mesmo no seio da família, como importantes preditores de um envelhecimento ativo e bem-sucedido, com qualidade e maior satisfação com a vida, contra um potencial isolamento que a transição para a terceira (65+) e quarta (80+) idades pode trazer 1111 Kohli M, Hank K, Künemund H. The social connectedness of older Europeans: patterns, dynamics and contexts. J Eur Soc Policy 2009; 19:327-40.,3838 Fernández-Ballesteros R, Garcia LF, Abarca D, Blanc E, Efklides A, Moraitou D, et al. The concept of ‘ageing well’ in ten Latin American and European countries. Ageing Soc 2010; 30:41-56.; também são concordantes sobre a importância das redes pessoais relativamente ao papel crucial dos laços sociais e do apoio social (efetivo ou percepcionado) para a qualidade de vida dos mais velhos de uma forma geral 3838 Fernández-Ballesteros R, Garcia LF, Abarca D, Blanc E, Efklides A, Moraitou D, et al. The concept of ‘ageing well’ in ten Latin American and European countries. Ageing Soc 2010; 30:41-56.,4646 Bowling A. Aspiration for older age in the 21st century: what is successful ageing? Int J Aging Hum Dev 2007; 64:263-97.,4747 Phelan EA, Anderson LA, Lacroix A-Z, Larson EB. Older adults’ views of ‘successful ageing’: how do they compare with researchers’ definitions? J Am Geriatr Soc 2004; 52:211-6.,4848 Knight T, Ricciardelli LA. Successful ageing: perceptions of adults aged between 70 and 101 years. Int J Aging Hum Dev 2003; 56:223-46.,4949 von Faber M, van der Wield AB, van Excel E, Gussekloo J, Lagaay AM, van Dongen EV, et al. Successful ageing in the oldest old. Arch Intern Med 2001; 161:2694-700. e, por maioria de razão, em situações de menor autonomia 6Paúl C. Envelhecimento activo e redes de suporte social. Sociologia 2005; 15:275-87..

Constata-se assim que, de uma forma geral, as características das redes pessoais em que os mais velhos se inserem e a forma como ocupam o seu tempo livre são fundamentais, tanto para o seu estado de saúde subjetivo como para o sentimento de felicidade. Se a avaliação que cada pessoa faz do seu estado de saúde está, no entanto, como é óbvio, também fortemente condicionada pela doença associada à idade, o sentimento de felicidade tende a depender menos de fatores estruturais e de condições objetivas de vida, assumindo as redes pessoais e as atividades associadas ao envelhecimento ativo um papel crucial, que podem contribuir, de certa forma, para anular, ou pelo menos compensar, o efeito de idade. Por outras palavras, é-se necessariamente mais doente à medida em que se envelhece mas não se é necessariamente mais infeliz se houver qualidade de vida, atividades individuais e sociais diversificadas que preencham o quotidiano, bem como uma rede de relacionamentos estável que, em conjunto, ajudem a projetar uma visão mais otimista do envelhecimento.

A falta de estudos focados especificamente sobre as duas variáveis dependentes aqui analisadas na população portuguesa, e em particular, na população idosa, constitui uma limitação para a discussão dos resultados encontrados. Nomeadamente no que diz respeito ao estado de saúde subjetivo, que carece de melhor clarificação sobre o peso que terão os fatores estritos de saúde, tanto físicos com mentais, para a autoavaliação do estado de saúde, que poderia contribuir para a capacidade interpretativa dos impactos explicativos das diversas dimensões aqui analisadas. Outra limitação terá que ver com o controle do referido efeito da reversibilidade, que apesar dos esforços, continua a ser um aspecto que necessita de maior aprofundamento. A aplicação de modelos de equações estruturais com indicadores adequados poderão ser úteis para acrescentar informação sobre a ordem e o sentido das relações causais socioeconômicas, de capital social e de envelhecimento ativo que operam em simultâneo em relação ao estado de saúde subjetivo e bem-estar 5050 Der G. Commentary: structural equation modelling in epidemiology: some problems and prospects. Int J Epidemiol 2002; 31:1199-200..

Agradecimentos

O inquérito por questionário original do qual foram obtidos os dados apresentados neste artigo foi efetuado no âmbito do projeto de investigação Processos de Envelhecimento em Portugal: Usos do Tempo, Redes Sociais e Condições de Vida, financiado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos. O estudo global foi coordenado por Manuel Villaverde Cabral, sendo a equipe de investigação constituída por Pedro Moura Ferreira, Pedro Alcântara da Silva, Paula Jerónimo e Tatiana Marques. O autor agradece aos colegas de projeto e a Cícero Pereira, bem como aos revisores, os úteis comentários e sugestões realizados ao presente artigo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov 2014

Histórico

  • Recebido
    04 Out 2013
  • Revisado
    21 Mar 2014
  • Aceito
    25 Abr 2014
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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