ESTIGMA E SAÚDE. Monteiro S, Villela WV, organizadoras. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz/FAPERJ; 2013. 207p. ISBN: 978-85-7541-423-1.

2013

Cientistas sociais da medicina, no âmbito internacional, analisaram o impacto dos significados culturais das enfermidades, apontando que algumas são estigmatizadas e outras não; algumas são contestadas, outras não, e algumas são consideradas como deficiências, e outras não. Essas distinções admitem a existência das enfermidades no contexto social e não as razões puramente biológicas 11. Conrad P, Barker KK. The social construction of illness: key insights and policy implications. J Health Soc Behav 2010; 51 Suppl:S67-79.. Esse argumento sobre a construção social do adoecimento inclui o estigma, como resposta à condição e a algumas de suas manifestações, tornando certas doenças estigmatizadas.

Ultrapassando a perspectiva construtivista e a experiência individualizada do estigma, as discussões desta coletânea abordam os conceitos de estigma e de preconceito, suas consequências e efeitos sobre a discriminação interpessoal, a vulnerabilidade, os agravos à saúde e o acesso à atenção à saúde, incidentes sobre a desigualdade em saúde. Agregam revisões da literatura nacional e internacional sobre o assunto, propondo novas pesquisas; a superação do estigma, do preconceito e das discriminações em saúde, pretendendo a coletânea dar suporte legal e social aos afetados por esses processos e garantir-lhes os direitos à cidadania e à dignidade social.

Simone Monteiro, doutora em Saúde Pública (Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz - ENSP/Fiocruz), pós-doutoranda na Columbia University e pesquisadora da Fiocruz, e Wilza Villela, doutora em Medicina Preventiva (Universidade de São Paulo - USP), livre docente em Saúde Coletiva na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e professora na Universidade de Franca (UNIFRAN), Estado de São Paulo, organizaram a coletânea.

O antropólogo Richard Parker da Columbia University, no primeiro capítulo, examinou na literatura internacional as teorias, pesquisas empíricas e linhas programáticas de enfrentamento ao sofrimento humano e os desafios à saúde, relacionados às discriminações, permeando o estigma e preconceito. Destaca o pioneirismo de Goffman na abordagem do estigma, ao lado de Allport sobre o preconceito, retomados pelos cientistas sociais, psicólogos sociais, educadores e assistentes sociais em relação às doenças mentais, à infecção por HIV/AIDS, entre outras.

Ao contrário de Goffman, preocupado com o estigma como marca e valor negativo, o autor ressalta a sua relação com a produção e as relações de poder e controle social, refletidas na hierarquia de valorização/desvalorização de uns sobre os outros e nas desigualdades sociais. Relaciona o estigma, preconceito e discriminação em saúde aos direitos sociais, desafiando passar da teoria à prática.

O antropólogo Octavio Bonet, no segundo capítulo, comenta o texto de Richard Parker. Endossa as relações do estigma com a reprodução e produção das desigualdades sociais e com a violência estrutural. Ressalta a contribuição de Oracy Nogueira, anterior a Goffman, sobre a construção da identidade dos doentes tuberculosos em relação a outras categorias, evidenciando as relações entre discriminação e saúde. Aponta os mecanismos de controle, instaurados no sistema de prestação de serviços na atenção básica e a permanência das metáforas, nas ações e relações dos profissionais de saúde com a clientela, submetida à violência simbólica, não contestada por meio de grupos pressão.

Simone Monteiro, Wilza Villela, Carla Pereira e Pricilla Soares, no capítulo três, analisam a produção nacional de 2005 a 2010, registrada no SciELO, composta de 226 artigos, dos quais selecionaram 163, sendo 33 relacionados às DST/AIDS e os demais à saúde mental, hanseníase e à tuberculose, às fases da vida, gênero/raça/etnia.

As autoras mapearam os temas, enfoques e as revistas que publicaram os artigos. Predominam as pesquisas qualitativas, oriundas da psicologia e enfermagem; são escassos os estudos nacionais em relação à literatura internacional que abordam os efeitos do estigma e as experiências individualizadas estigmatizadas, desconsiderando a produção e dinâmica do estigma e os elos da experiência individual com os fatores da ordem social, políticos e econômicos, incorporando a análise de Goffman. Elas propõem articular o individual ao social.

A antropóloga Daniela Riva Knauth, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), no quarto capítulo, comenta, brevemente, o estudo bibliográfico do capítulo anterior, destacando a importância do sofrimento e das intervenções médicas para corrigir as marcas corporais estigmatizantes. Atribui a exiguidade atual de estudos sobre a AIDS ao envelhecimento do tema, mais abordado pelas ciências sociais, no início da epidemia, reduzindo a sua presença com o avanço das pesquisas clínicas e a descoberta de novos fármacos.

Francisco Inácio Bastos, professor da Pós-graduação em Epidemiologia Social e Saúde Pública (ENSP/Fiocruz), no quinto capítulo, admite a persistência das metáforas associadas ao estigma e à discriminação aos portadores de HIV/AIDS, apesar dos tratamentos disponíveis, nem sempre acessíveis a eles em vários países. A desconstrução das metáforas sombrias da enfermidade e dos portadores faz-se necessária.

Ivan França Jr., da Faculdade de Saúde Pública (USP) e Eliana Miura Zucci, pesquisadora da USP, no sexto capítulo, endossam a proposta e os argumentos de Bastos, nos comentários ao seu texto. Reveem a literatura sobre AIDS e estigma, disponível no LILACS, desde 1997. Os artigos examinados procedem da Saúde Coletiva, Enfermagem, Medicina e Psicologia, não predominando uma área sobre a outra; abordam a assistência e são incipientes os estudos nacionais.

No sétimo capítulo, João Luiz Dornelles Bastos, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Eduardo Faerstein (Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro - IMS/UERJ), epidemiólogos, admitem a incipiência do estigma e do preconceito nos estudos epidemiológicos. Analisam os conceitos de estereótipo, preconceito e discriminação, destacando o uso deste último nos estudos, comentados, detalhadamente, ao lado da formulação de um instrumento para aferi-la.

Kenneth Rochel de Camargo Jr., médico e professor do IMS/UERJ, aborda as relações entre epidemiologia e ciências sociais e humanas. Comentando o capítulo anterior, admite obstáculos à epidemiologia para realizar pesquisas sobre o preconceito e a discriminação, ignorando a teoria social. Examina estudos sobre aquelas relações, apontando a necessidade do trabalho interdisciplinar.

Sérgio Carrara, antropólogo do IMS/UERJ, no nono capítulo, discute a discriminação, políticas e direitos sexuais no Brasil. Enfatiza a política sexual dirigida à população LGBT. Traça arenas do debate e das iniciativas, sem ser exaustivo, admitindo a complexidade, as inovações e rupturas ocorridas, ao lado das ambiguidades, contradições e defasagens que impedem apontar, definitivamente, o desfecho das proposições e das conquistas.

No décimo capítulo, a antropóloga Luciane Ouriques Ferreira, pós-doutoranda em Epidemiologia (ENSP/Fiocruz), admite o estigma e o preconceito aos povos indígenas, comprometedores das iniciativas de melhoria de suas condições de vida e saúde, do acesso às áreas urbanas, onde mulheres e crianças mendigam.

Jo Phelan, Bruce Link e John Dovidio, respectivamente, professores da Columbia University, New York e da Yale University, no último capítulo, analisam na literatura internacional os modelos de estigma e preconceito. Partem das funções dos conceitos, apontando três subtipos de modelos: dominação e exploração; aplicação de normas; e prevenção de doenças. Os conceitos se justapõem. Recomendam desenvolver novas teorias e pesquisas.

Os textos procedem do Encontro Estigma e Discriminação: Desafios da Pesquisa e das Políticas em Saúde (realizado na Fiocruz em 2 de junho de 2011), frequentado por professores e pesquisadores das instituições acadêmicas nacionais de Saúde Coletiva; alguns internacionais e membros da Associação Brasileira Interdisciplinar da AIDS (ABIAIDS). A coletânea traduz as preocupações desse encontro, merecendo ser lida.

Estigma e preconceito, relacionados ao HIV/AIDS, predominam como objetos da coletânea, extensivos a outros eventos de saúde, médicos assistenciais e sociais. Reivindica a extensão dos direitos civis, ultrapassando as discussões conceituais, sem prescindir da importância das pesquisas e das reflexões teóricas, ao desenvolvimento do conhecimento e suporte às políticas.

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    Conrad P, Barker KK. The social construction of illness: key insights and policy implications. J Health Soc Behav 2010; 51 Suppl:S67-79.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Fev 2015
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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