MEDICAL ANTHROPOLOGY AT THE INTERSECTIONS: HISTORIES, ACTIVISMS, AND FUTURES

2012

A obra organizada por Marcia Inhorn & Emily Wentzell tem como fio condutor a importância da interdisciplinaridade no desenvolvimento da antropologia médica e as perspectivas para o futuro da disciplina na interseção com outras áreas do saber. O livro reúne autores de peso na antropologia médica, escolhidos por suas contribuições interdisciplinares para o desenvolvimento do campo. A coletânea teve origem na primeira conferência internacional de antropologia médica organizada pela Society for Medical Anthropology, em 2009, na Universidade de Yale, para celebrar os 50 anos da disciplina. O resultado final é bastante instigante, pois a coletânea aborda em seus nove capítulos uma ampla série de temas que estão na ordem do dia para a antropologia médica, trazendo novas reflexões, problematizando questões e apontando possíveis caminhos para novas investigações.

É importante enfatizar, no entanto, que a coletânea retrata as questões evidenciadas na história e contexto acadêmico da antropologia médica da América do Norte e Europa Ocidental. Apesar do seminário em Yale ter reunido pesquisadores de 48 países, a coletânea reflete uma visão do chamado Global North com quase total predominância dos pesquisadores de língua inglesa (a exceção é Didier Fassin, pesquisador francês). Como bem observou Richard Parker no último capítulo do livro, um importante desafio para o futuro da medical anthropology é tornar-se de fato mais global, o que implica sua maior abertura para a diversidade do saber antropológico produzido no mundo, em especial no estabelecimento de maior diálogo com o saber produzido no hemisfério Sul (Global South).

O livro está dividido em três partes: 1. Histórias; 2. Questões e 3. Ativismos, cada uma com três capítulos. As organizadoras conceberam a estrutura do livro como um modelo para a prática da interdisciplinaridade no qual, em um primeiro momento, pesquisadores trabalhando nas interseções disciplinares devem mapear o conhecimento produzido ao longo da história dos múltiplos campos. O segundo momento implica questionar o que foi produzido e obscurecido pelas histórias intelectuais e formas de produção de conhecimento nesses campos. No terceiro momento, os pesquisadores devem combinar elementos das abordagens existentes de forma a colocar novas questões, gerar novas pesquisas e usar o conhecimento produzido para a solução de problemas.

A primeira parte da coletânea (Histórias) aborda a interseção da antropologia médica com o movimento feminista, CTS (estudos em ciência, tecnologia e sociedade) e história da medicina. No primeiro capítulo, Emily Martin revela como sua própria trajetória acadêmica foi marcada pela interdisciplinaridade, descrevendo a importância de insights que emergiram a partir de encontros significativos com acadêmicos de outras áreas. Martin procura mostrar como o feminismo e os estudos em CTS, em sua interseção com a antropologia médica, possibilitaram novas formas de compreender os pressupostos por trás das categorias, instituições e práticas médicas e como estas estavam permeadas por diferenças de raça e gênero e enraizadas no contexto da economia política mais ampla. No capítulo seguinte, Morgan resgata o interesse inicial da antropologia em questões de raça, etnicidade e reprodução, evidenciando as relações entre contextos sociais e políticos (como a Guerra Fria e o pós-Guerra Fria), o desenvolvimento da disciplina e a construção da visão ocidental sobre a China. Cohen, por sua vez, discute o processo de "desterritorialização" na globalização e o abandono progressivo por parte dos antropólogos do conceito de grandes áreas culturais. Para o autor, a saúde global desterritorializada está produzindo reconfigurações de problemas e de disciplinas, e a antropologia poderia ser uma voz de "reterritorialização" evidenciando as especificidades regionais.

A segunda parte (Questões) tem início com o capítulo de Didier Fassin intitulado sugestivamente: Este Obscuro Objeto da Saúde Global. O autor discute a transformação da "saúde internacional" em "saúde global" apontando como o conteúdo e o contorno deste conceito são extremamente variados. Fassin procura mostrar que apesar da globalização, a maior parte das políticas e questões de saúde permanecem nacionais, senão locais. Para ele, a antropologia médica tem papel importante na formulação de pensamento crítico, buscando tornar inteligível o que frequentemente permanece obscuro, reformulando problemas para permitir soluções alternativas e enfatizando os mecanismos sociais e as questões políticas subjacentes à saúde e à doença na contemporaneidade. No capítulo seguinte, Arthur Kleinman foca sua atenção na saúde mental, visando a refletir sobre os caminhos possíveis para a antropologia médica nos próximos 50 anos. De forma polêmica, Kleinman propõe, entre outras coisas, transcender ou mesmo abandonar o conceito de estigma, "que se tornou psicologizado e convencional", e em seu lugar repensar as consequências morais da desumanização das pessoas em sofrimento mental. Para esse autor, é fundamental a priorização da ontologia da experiência do abandono humano e morte social. Dado os avanços da neurobiologia, que estão reconfigurando o senso comum e a lógica científica profissional sobre a cognição, o afeto e a "normalidade", Kleinman insiste na importância de uma abordagem biossocial para saúde mental global embebida na interdisciplinaridade. No terceiro capítulo, Margaret Lock aborda temas extremamente atuais que são a emergência da genética molecular, a disseminação dos testes genéticos na pesquisa e na prática clínica, e as questões éticas e sociais que estas novas tecnologias engendram. Em um primeiro momento, Lock discute as representações históricas e contemporâneas sobre os genes, o conceito de hereditariedade e o desenvolvimento da genética molecular para depois abordar o momento atual de mudança paradigmática do determinismo genético para uma era pós-genômica. A antropologia médica, por meio de pesquisas etnográficas enraizadas em contextos médicos, políticos e econômicos locais, tem papel importante na reflexão crítica sobre as promessas da era pós-genômica e no impacto social da disseminação das novas tecnologias.

Na terceira parte (Ativismos), Rayna Rapp, Faye Ginsburg, Merrill Singer e Richard Parker abordam a interseção entre a antropologia médica e ativismo político em diferentes áreas como gênero, AIDS e sexualidade; estudos em incapacidade/deficiência (disability studies) e politicas de saúde. Um ponto comum aos três artigos é a ênfase na riqueza da conexão da antropologia médica com os movimentos sociais e com o ativismo político. Rapp & Ginsburg discutem a importância do ativismo na conquista de direitos e na mudança do olhar da sociedade sobre a pessoa com incapacidade, assim como a contribuição da antropologia médica no processo de "desmedicalização" da incapacidade. Para as autoras, a incapacidade é antes de tudo um aspecto essencial da diversidade humana. No capítulo seguinte, Singer aborda a relação entre a antropologia médica e a área de políticas públicas, discutindo como os antropólogos podem impactar estas últimas. Singer defende a importância da atuação dos pesquisadores junto aos movimentos sociais, pontuando a necessidade de ir além da produção de dados para subsidiar políticas públicas. Para ele é importante que os antropólogos invistam no estudo da natureza, elaboração e efeitos das políticas de saúde, assim como da implicação política dos resultados de suas pesquisas. Por fim, no último capítulo, Richard Parker trabalha as conexões e interseções da antropologia com os estudos em gênero, AIDS e sexualidade. Parker procura mostrar como o entrelaçamento da antropologia médica com os movimentos sociais e o ativismo engajado na crítica política contribuiu de forma significativa para a renovação da energia intelectual da disciplina e para seu impacto na sociedade. O desafio para o futuro é tornar o trabalho antropológico ainda mais interdisciplinar e colaborativo envolvendo ativistas e acadêmicos, desenvolvendo novos modelos e formas de colaboração e utilizando abordagens de base comunitária e participativas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2015
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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