Os autores respondem

The authors reply

Los autores responden

Paulo Fontoura Freitas Bianca Carvalho Moreira Andre Luciano Manoel Ana Clara de Albuquerque Botura

As colocações de Maria do Carmo Leal contribuem de maneira importante para o debate e para a busca de soluções para a questão das altas taxas de cesariana em nosso meio. Visto que o espectro de suas colocações transcendem os objetivos do estudo, gostaríamos de enfocar, em especial, duas das questões colocadas, visto serem elas pontos centrais que alicerçam nossas conclusões e que a oportunidade da presente réplica nos permite aprofundar.

Entendemos a surpresa do leitor ao se deparar com um estudo que, aparentemente, busca analisar o impacto de um parecer não referenciado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Entretanto, da mesma maneira que a variável “mesmo médico” é uma proxy do modelo de assistência obstétrica no país, conforme detectado, com propriedade, por Leal, entendemos que o teor do parecer defendido pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), independentemente de sua aprovação pela ANS, representa o pensamento de grande parte da comunidade obstétrica, fator central que instiga a presente análise.

A opinião do conselheiro federal e coordenador de comissão do CFM, que tratou do tema, ao postular que o incentivo à remuneração é essencial para favorecer a realização de partos normais e que “ Esse fator, a remuneração, é sem dúvida um dos elementos essenciais de um conjunto de ações coordenadas que o CFM vem discutindo para reverter a elevada proporção de cesarianas hoje no Brasil11. Conselho Federal de Medicina. Parecer considera ética a remuneração. Medicina Publicação Oficial do Conselho Federal de Medicina 2012; ano XXVII, no 214. http://www.cadastro.abneuro.org/site/jornal214CFM.pdf.
http://www.cadastro.abneuro.org/site/jor...
, foi na verdade o ponto de partida para o nosso estudo.

Quanto à impossibilidade de acessar com exatidão “pagamento à parte”, nossos resultados mostram que a quase totalidade das mulheres que tiveram o parto pelo Sistema Único de Saúde (SUS) com o mesmo médico que realizou o pré-natal declararam não ter pago pelo parto e que a totalidade daquelas que referiram ter pago haviam realizado pré-natal privado deixando em segundo plano, ao nosso ver, a importância da variável “pagamento à parte”, tanto como parte do modelo multivariado, por praticamente duplicar a informação da variável “ status do parto”, quanto pela construção das conclusões finais. Subsidiando esse raciocínio, os resultados informam que o “pagamento à parte” pelo parto não é condição sine-qua-non para ter o mesmo médico, apontando para o “potencial para negociação” paciente/obstetra, já referido por outros estudos.

Gamble et al. 22. Gamble J, Creedy DK, McCourt C, Weaver J, Beake S. A critique of the literature on women’s request for cesarean section. Birth 2007; 34:331-40., em uma ampla revisão de publicações relacionadas aos fatores que circundam decisões pelo tipo de parto, colocam que o contexto psicossocial dos cuidados obstétricos revela um desequilíbrio de poder em favor dos médicos. Os autores concluem que estudos acerca do processo de decisão pelo tipo de parto que não levem em conta o contexto dos cuidados oferecidos e das interações entre mulheres e profissionais devem ser interpretados com cautela.

No que pese a farta publicação de artigos que se ocupam da questão das altas taxas de cesariana no Brasil, permanecem lacunas de informação que permitam entender, de maneira mais ampla, a tão complexa interação de determinantes socioculturais da prática obstétrica, sejam eles institucionais, geográficos, financeiros ou legais, na assim chamada “cultura da cesariana no Brasil”. Uma vez que nenhuma investigação, por si só, será suficiente para responder a todas essas questões, a janela aberta para a discussão, no presente momento, é altamente positiva. Neste sentido, a pertinência e a precisão das colocações de Maria do Carmo Leal, sustentadas por sua familiaridade e por seu profundo conhecimento sobre o assunto, contribuem em muito para a discussão da questão das altas taxas de cesariana, que permanece atual, no Brasil, já há décadas.

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    Conselho Federal de Medicina. Parecer considera ética a remuneração. Medicina Publicação Oficial do Conselho Federal de Medicina 2012; ano XXVII, no 214. http://www.cadastro.abneuro.org/site/jornal214CFM.pdf.
    » http://www.cadastro.abneuro.org/site/jornal214CFM.pdf
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    Gamble J, Creedy DK, McCourt C, Weaver J, Beake S. A critique of the literature on women’s request for cesarean section. Birth 2007; 34:331-40.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Set 2015
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br