Excesso de peso/obesidade no ciclo da vida e composição corporal na idade adulta: coorte de nascimentos de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, 1982

Exceso de peso/obesidad en el ciclo vital y composición corporal en la etapa adulta: resultados de la cohorte de nacimientos de Pelotas, Río Grande do Sul, Brasil, 1982

Gabriela Callo Denise Pretucci Gigante Fernando C. Barros Bernardo Lessa Horta Sobre os autores

Resumo:

O presente estudo teve por objetivo avaliar a associação entre sobrepeso/obesidade em diferentes momentos do ciclo vital com a composição corporal em adultos jovens. Foram utilizados dados da coorte de nascimentos de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, 1982, que tem acompanhado, em diferentes idades, os nascidos vivos cuja família residia na zona urbana da cidade. Aos 30 anos, 3.701 participantes da coorte foram entrevistados, e a composição corporal foi avaliada usando-se o Bod Pod, 2.219 membros da coorte apresentavam, pelo menos, uma medida de peso e altura nos três períodos (infância, adolescência e vida adulta), 24% nunca apresentaram sobrepeso, e 68,6% nunca foram considerados como sendo obesos. Os maiores valores de índice de massa corporal (IMC) e de percentual de massa gorda aos 30 anos foram observados naqueles que foram considerados como tendo sobrepeso nos três períodos ou na adolescência e na idade adulta, enquanto que aqueles com sobrepeso/obesidade apenas na infância ou na adolescência tiveram médias de IMC e percentual de massa gorda similares daqueles que nunca apresentaram sobrepeso/obesidade. Os resultados indicam o benefício da interrupção precoce do sobrepeso/obesidade.

Palavras-chave:
Estágios do Ciclo de Vida; Obesidade; Sobrepeso; Adiposidade; Estudos de Coortes

Resumen:

Este estudio tuvo por objetivo evaluar la asociación entre el sobrepeso/obesidad en diferentes momentos del ciclo de vida con la composición corporal en adultos jóvenes. Se utilizaron datos de la cohorte de nacimientos de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, 1982, que acompañó en diferentes edades a los nacidos vivos, cuya familia vivía en la zona urbana de Pelotas. A los 30 años, 3.701 participantes de la cohorte fueron entrevistados y la composición corporal evaluada a través del Bod Pod, 2.219 miembros presentaban por lo menos 1 medida de peso y altura en los tres periodos (infancia, adolescencia, etapa adulta), un 24% nunca presentó sobrepeso y un 68,6% nunca fue considerado obeso. Los valores más altos de índice de masa corporal (IMC) y de percemtage de masa grasa a los 30 años fueron observados en aquellos que fue considerados con sobrepeso en los tres periodos o en la adolescencia y adultez, mientras que aquellos con sobrepeso/obesidad sólo en la infancia o adolescencia tuvieron promedios de IMC y percemtage de masa grasa similares de quien nunca tuvo sobrepeso/obesidad. Los resultados indican el beneficio de la interrupción precoz del sobrepeso/obesidad.

Palabras-clave:
Estadios del Ciclo de Vida; Obesidad; Sobrepeso; Adiposidad; Estudios de Cohortes

Introdução

Em 2010, o excesso de peso foi responsável por 3,4 milhões de óbitos no mundo 11. Lim SS, Vos T, Flaxman AD, Danaei G, Shibuya K, Adair-Rohani H, et al. A comparative risk assessment of burden of disease and injury attributable to 67 risk factors and risk factor clusters in 21 regions, 1990-2010: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2010. Lancet 2012; 380:2224-60.. O excesso de peso está associado com maior risco de hipertensão, diabetes e doenças cardiovasculares 22. Daniels SR, Arnett DK, Eckel RH, Gidding SS, Hayman LL, Kumanyika S, et al. Overweight in children and adolescents: pathophysiology, consequences, prevention, and treatment. Circulation 2005; 111:1999-2012.), (33. World Health Organization. Obesity: preventing and managing the global epidemic. Geneva: World Health Organization; 2000.. A prevalência do excesso de peso aumentou de 28,8%, em 1980, para 36,9%, em 2013, nos homens, enquanto que, nas mulheres, o incremento foi de 29,8% para 38% 44. Ng M, Fleming T, Robinson M, Thomson B, Graetz N, Margono C, et al. Global, regional, and national prevalence of overweight and obesity in children and adults during 1980-2013: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2013. Lancet 2014; 384:766-81..

No que diz respeito aos determinantes precoces do excesso de peso na idade adulta, revisão sistemática que incluiu dados de 25 estudos longitudinais observou que o excesso de peso na infância está positivamente associado com o excesso de peso na idade adulta 55. Guo S, Huang C, Maynard L, Demerath E, Towne B, Chumlea W, et al. Body mass index during childhood, adolescence and young adulthood in relation to adult overweight and adiposity: the Fels Longitudinal Study. Int J Obes Relat Metab Disord 2000; 24:1628-35.), (66. Guo S, Wu W, Chumlea W, Roche A. Predicting overweight and obesity in adulthood from body mass index values in childhood and adolescence. Am J Clin Nutr 2002; 76:653-8.), (77. Deshmukh-Taskar P, Nicklas TA, Morales M, Yang SJ, Zakeri I, Berenson GS. Tracking of overweight status from childhood to young adulthood: the Bogalusa Heart Study. Eur J Clin Nutr 2005; 60:48-57.), (88. Singh AS, Mulder C, Twisk JWR, van Mechelen W, Chinapaw MJM. Tracking of childhood overweight into adulthood: a systematic review of the literature. Obes Rev 2008; 9:474-88.), (99. Field AE, Cook NR, Gillman MW. Weight status in childhood as a predictor of becoming overweight or hypertensive in early adulthood. Obes Res 2005; 13:163-9., e esse também seria um fator de risco para hipertensão, diabetes e doença cardiovascular 1010. Lloyd LJ, Langley-Evans SC, McMullen S. Childhood obesity and adult cardiovascular disease risk: a systematic review. Int J Obes 2009; 34:18-28.), (1111. Kelsey MM, Zaepfel A, Bjornstad P, Nadeau KJ. Age-related consequences of childhood obesity. Gerontology 2014; 60:222-8.), (1212. Park MH, Sovio U, Viner RM, Hardy RJ, Kinra S. Overweight in childhood, adolescence and adulthood and cardiovascular risk in later life: pooled analysis of three british birth cohorts. PLoS One 2013; 8:e70684.. Evidências ainda sugerem que o índice de massa corporal (IMC) na infância encontra-se positivamente relacionado com a massa gorda na adolescência ou na idade adulta 1313. Howe L, Tilling K, Benfield L, Logue J, Sattar N, Ness A, et al. Changes in ponderal index and body mass index across childhood and their associations with fat mass and cardiovascular risk factors at age 15. PLoS One 2010; 5:e15186.), (1414. Ong KK, Emmett P, Northstone K, Golding J, Rogers I, Ness AR, et al. Infancy weight gain predicts childhood body fat and age at menarche in girls. J Clin Endocrinol Metabol 2009; 94:1527-32., e que o acúmulo de gordura corporal na idade adulta está associado com a ocorrência de diabetes mellitus tipo 2, hipertensão e doenças cardiovasculares 1515. Daniels SR. The consequences of childhood overweight and obesity. Future Child 2006; 16:47-67.), (1616. Thomas C, Hyppönen E, Power C. Obesity and type 2 diabetes risk in midadult life: the role of childhood adversity. Pediatrics 2008; 121:e1240-9.), (1717. Flegal KM, Graubard BI, Williamson DF, Gail MH. Excess deaths associated with underweight, overweight, and obesity. JAMA 2005; 293:1861-7.. Além disso, Howe et al. 1313. Howe L, Tilling K, Benfield L, Logue J, Sattar N, Ness A, et al. Changes in ponderal index and body mass index across childhood and their associations with fat mass and cardiovascular risk factors at age 15. PLoS One 2010; 5:e15186. observaram que mudanças no IMC na infância estão associadas à maior massa gorda aos 15 anos. Por outro lado, na coorte de Helsinque (Finlândia), observou-se que o rápido ganho no IMC antes dos dois anos de idade aumentou a massa magra no adulto sem acúmulo excessivo de gordura, enquanto o rápido ganho no IMC na infância tardia, apesar do aumento da massa magra, resultou em aumentos relativamente maiores em massa gorda 1818. Ylihärsilä H, Kajantie E, Osmond C, Forsén T, Barker DJ, Eriksson JG. Body mass index during childhood and adult body composition in men and women aged 56-70y. Am J Clin Nutr 2008; 87:1769-75..

Os estudos existentes têm avaliado a relação do IMC ou do sobrepeso/obesidade em diferentes momentos da infância e da adolescência sobre o IMC ou prevalência de sobrepeso/obesidade na idade adulta 66. Guo S, Wu W, Chumlea W, Roche A. Predicting overweight and obesity in adulthood from body mass index values in childhood and adolescence. Am J Clin Nutr 2002; 76:653-8.), (99. Field AE, Cook NR, Gillman MW. Weight status in childhood as a predictor of becoming overweight or hypertensive in early adulthood. Obes Res 2005; 13:163-9.. Por outro lado, na revisão da literatura, não identificamos estudos que tenham avaliado a relação do sobrepeso/obesidade na infância e na adolescência com a composição corporal na idade adulta apesar da importância dela nos efeitos na saúde 1919. Bastien M, Poirier P, Lemieux I, Després J-P. Overview of epidemiology and contribution of obesity to cardiovascular disease. Prog Cardiovasc Dis 2014; 56:369-81.. O presente estudo teve por objetivo avaliar a associação entre excesso de peso ou obesidade na infância, adolescência e vida adulta com a composição corporal aos 30 anos dos participantes da coorte dos nascidos em 1982 na cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil.

Métodos

Em 1982, as maternidades localizadas na cidade de Pelotas foram visitadas diariamente, os nascimentos, identificados, e os recém-nascidos cuja família residia na zona urbana da cidade foram examinados, e as suas mães, entrevistadas (N = 5.914). Esses indivíduos têm sido acompanhados várias vezes em diferentes idades. Em 1984 e 1986, foram visitados todos os domicílios localizados na zona urbana da cidade em busca de indivíduos nascidos em 1982. Os participantes da coorte foram pesados e medidos, e as suas mães, entrevistadas. Em 1997, foi realizado censo em amostra sistemática de 27% dos setores censitários da cidade de Pelotas em busca de adolescentes pertencentes à coorte, e 1.077 indivíduos foram entrevistados e examinados. Em 2000, durante o exame médico de seleção do serviço militar, os participantes do sexo masculino foram identificados e entrevistados. Em 2001, foi realizado novamente censo nos mesmos setores visitados em 1997, e foram realizadas 1.031 entrevistas com participantes da coorte. Finalmente, em 2012, tentou-se novamente acompanhar toda a coorte, e as entrevistas foram realizadas na clínica de pesquisa. Detalhes da metodologia da coorte foram publicados previamente 2020. Barros FC, Victora CG, Horta BL, Gigante DP. Metodologia do estudo da coorte de nascimentos de 1982 a 2004-5, Pelotas, RS. Rev Saúde Pública 2008; 42:7-15.), (2121. Horta BL, Gigante DP, Gonçalves H, Motta JS, Mola CL, Oliveira IO, et al. Cohort profile update: the 1982 Pelotas (Brazil) Birth Cohort Study. Int J Epidemiol 2015; 44:441e.), (2222. Victora CG, Barros FC. Cohort profile: the 1982 Pelotas (Brazil) Birth Cohort Study. Int J Epidemiol 2006; 35:237-42.), (2323. Victora CG, Barros FC, Lima RC, Behague DP, Gonçalves H, Horta BL, et al. The Pelotas birth cohort study, Rio Grande do Sul, Brazil, 1982-2001. Cad Saúde Pública 2003; 19:1241-56..

O peso ao nascer foi aferido pela equipe do hospital, utilizando balanças pediátricas que eram calibradas semanalmente pela equipe de pesquisa. Nos acompanhamentos na infância e adolescência, a antropometria foi realizada com equipamentos portáteis, por entrevistadores previamente treinados. As medidas de peso e altura na infância tiveram o IMC calculados e foram convertidas em escores-z usando a população de referência da Organização Mundial da Saúde (OMS) 2424. World Health Organization. WHO child growth standards: length/height-for-age, weight-for-age, weight-for-length, weight-for-height and body mass index-for-age. Methods and development. Geneva: World Health Organization; 2006..

O acompanhamento aos 30 anos, conforme previamente mencionado, foi realizado na clínica de pesquisa entre junho de 2012 e fevereiro de 2013. Nessa visita, o peso foi aferido pela balança acoplada ao Bod Pod (COSMED, Chicago, Estados Unidos) ‒ pletismografia por deslocamento de ar ‒, e a altura foi aferida por estadiômetro desmontável (alumínio e madeira) com precisão de 0,1cm.

A composição corporal foi avaliada com o uso do Bod Pod. O aparelho encontrava-se numa sala com temperatura estável e controlada (21-24oC), e a calibração dele era realizada semanalmente pelos responsáveis previamente treinados. Mulheres grávidas ou provavelmente grávidas com mais de dois meses de atraso menstrual foram excluídas. Para a obtenção das medidas, a sala era mantida com a porta fechada para evitar qualquer fluxo súbito de ar. Os entrevistados utilizavam roupa padrão (bermuda e blusa de malha justa no corpo), touca de natação e estavam descalços e sem objetos de metal (pulseiras, brincos etc.). Para a medida da composição corporal, era necessário que o participante permanecesse imóvel dentro do aparelho (uma câmara fechada) por alguns segundos. Uma vez obtida a densidade corporal, estimou-se o percentual de gordura corporal por meio da equação para população geral 2525. Siri WE. Body composition from fluid spaces and density: analysis of methods. In: Brozek J, Henschel A, editors. Techiques for measuring body composition. Washington DC: National Academy of Science; 1961. p. 223-44.. O percentual de massa livre de gordura foi estimado pela diferença.

O sobrepeso e obesidade na infância e na adolescência foram definidos de acordo com os pontos de corte específicos para sexo e idade (IMC/idade), conforme definido pela OMS 2424. World Health Organization. WHO child growth standards: length/height-for-age, weight-for-age, weight-for-length, weight-for-height and body mass index-for-age. Methods and development. Geneva: World Health Organization; 2006.. Aos 30 anos, o excesso de peso foi definido pelo IMC igual ou maior a 25kg/m2, e a obesidade, pelo IMC maior ou igual a 30kg/m2 (2626. World Health Organization. Physical status: the use and interpretation of anthropometry. Report of a WHO Expert Committee. Geneva: World Health Organization; 1995. (Technical Report Series, 854).. Com base nessas definições, os participantes foram divididos em oito grupos de acordo com a presença de excesso de peso ou obesidade na infância, adolescência e idade adulta.

Na análise de dados, os desfechos foram avaliados de forma contínua, e a regressão linear foi usada para avaliar as associações entre diferentes padrões de excesso de peso (sobrepeso/obesidade; obesidade) e cada desfecho (peso, altura, IMC, percentual de massa gorda e percentual de massa livre de gordura). As análises foram ajustadas para peso ao nascer, renda ao nascer, escolaridade materna e tabagismo materno na gestação.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Pelotas (protocolo: Of.16/12), e obteve-se o consentimento informado, por escrito, dos participantes em cada acompanhamento.

Resultados

Entre os 2.219 membros da coorte com, pelo menos, uma medida de peso e altura na infância (2 ou 4 anos), adolescência (18 ou 19 anos) e idade adulta (30 anos), cerca de um em cada quatro (24%) nunca apresentou excesso de peso, e a maioria (68,6%) nunca foi obesa. Por outro lado, 11,9% dos participantes sempre apresentaram excesso de peso, e 1,7% foi considerado como sendo obeso na infância, adolescência e idade adulta (Tabela 1).

Tabela 1:
Características dos participantes da coorte de 1982 incluídos na presente análise. Coorte de nascimentos de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, 1982.

A Tabela 2 mostra que as maiores médias de IMC foram observadas naqueles que sempre foram considerados como tendo sobrepeso ou que apresentaram sobrepeso na adolescência e na idade adulta. Aqueles que apresentaram sobrepeso apenas na infância ou na adolescência tiveram médias de IMC discretamente maiores do que o grupo de referência (nunca classificado com sobrepeso), porém o intervalo de confiança englobou o valor de referência. Resultado similar foi observado ao analisarmos a presença de obesidade em diferentes momentos do ciclo da vida.

No que diz respeito à composição corporal, similar ao observado para peso e IMC, aqueles indivíduos que apresentaram sobrepeso ou obesidade somente na infância ou na adolescência tiveram percentual de massa gorda similar ao observado naqueles que nunca foram considerados como tendo sobrepeso ou obesidade. Enquanto que aqueles que apresentaram sobrepeso nos três momentos avaliados (infância, adolescência e idade adulta) e aqueles com sobrepeso na adolescência e na idade adulta apresentaram os maiores percentuais de massa gorda. Por outro lado, quando analisamos a presença de obesidade, observou-se que o percentual de massa gorda naqueles que foram obesos apenas na idade adulta ou na infância e na idade adulta foi similar ao observado nos grupos anteriormente mencionados como tendo maiores percentuais de massa gorda (Tabela 2).

Em relação à massa livre de gordura, aqueles indivíduos que apresentaram sobrepeso nos três momentos ou na adolescência e na idade adulta tiveram valores de massa livre de gordura significativamente menores em relação àqueles que nunca apresentaram sobrepeso. Resultados similares foram observados nas análises relativas à presença de obesidade (Tabela 2).

Tabela 2:
Índice de massa corporal (IMC), massa magra e massa livre de gordura aos 30 anos de idade de acordo com o sobrepeso e obesidade * em diferentes momentos do ciclo vital. Coorte de nascimentos de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, 1982.

Discussão

Em uma população que tem sido prospectivamente acompanhada desde o nascimento, os maiores valores de IMC e de percentual de massa gorda aos 30 anos foram observados naqueles que apresentaram sobrepeso ou obesidade persistente, ou na adolescência e idade adulta, enquanto que aqueles que foram considerados como nunca tendo sobrepeso ou obesidade ou apenas na infância ou adolescência apresentaram os menores valores do IMC e percentuais de gordura corporal. Em relação à massa livre de gordura, aqueles indivíduos que sempre foram classificados com sobrepeso ou obesidade no ciclo da vida apresentaram percentuais de massa livre de gordura significativamente menores.

Nossos resultados estão em concordância com estudos prévios. Guo et al. 66. Guo S, Wu W, Chumlea W, Roche A. Predicting overweight and obesity in adulthood from body mass index values in childhood and adolescence. Am J Clin Nutr 2002; 76:653-8.), (2727. Guo SS, Roche AF, Chumlea WC, Gardner JD, Siervogel RM. The predictive value of childhood body mass index values for overweight at age 35y. Am J Clin Nutr 1994; 59:810-9. relataram, no Estudo Longitudinal de Fels, que indivíduos com percentis elevados de IMC na infância apresentavam maior risco de ter IMC elevado aos 35 anos. Além disso, quanto mais cedo a criança apresentava sobrepeso, maior era a chance de continuar com sobrepeso em períodos posteriores, e quanto maior o valor de IMC na infância, maior o valor do IMC na idade adulta. No mesmo sentido, no estudo de Field et al. 99. Field AE, Cook NR, Gillman MW. Weight status in childhood as a predictor of becoming overweight or hypertensive in early adulthood. Obes Res 2005; 13:163-9., as crianças que se encontravam na parte superior da faixa de peso normal ou saudável (ou seja, as crianças entre os percentis 50 e 84 do IMC para idade e sexo) também mostraram risco aumentado de se tornarem adultos com sobrepeso ou obesos quando comparados com aqueles abaixo do percentil 50.

Em relação à composição corporal, Howe et al. 1313. Howe L, Tilling K, Benfield L, Logue J, Sattar N, Ness A, et al. Changes in ponderal index and body mass index across childhood and their associations with fat mass and cardiovascular risk factors at age 15. PLoS One 2010; 5:e15186. observaram que mudanças de IMC na infância tardia estavam também fortemente associadas com aumento da massa gorda na adolescência. Já outros estudos observaram que mudanças de IMC durante a adolescência e posteriormente eram importantes para a determinação da gordura corporal total e a porcentagem de massa gorda na idade adulta 55. Guo S, Huang C, Maynard L, Demerath E, Towne B, Chumlea W, et al. Body mass index during childhood, adolescence and young adulthood in relation to adult overweight and adiposity: the Fels Longitudinal Study. Int J Obes Relat Metab Disord 2000; 24:1628-35.), (2828. Sachdev H, Fall C, Osmond C, Lakshmy R, Dey Biswas S, Leary S, et al. Anthropometric indicators of body composition in young adults: relation to size at birth and serial measurements of body mass index in childhood in the New Delhi birth cohort. Am J Clin Nutr 2005; 82:456-66.. Recente revisão encontrou evidência que a perda de peso na idade adulta pode levar a mudanças positivas relacionadas à saúde. Especificamente, a revisão observou que adultos obesos eram mais propensos a apresentar perfis metabolicamente saudáveis se eles também eram obesos na infância e reduziam o IMC na idade adulta 1818. Ylihärsilä H, Kajantie E, Osmond C, Forsén T, Barker DJ, Eriksson JG. Body mass index during childhood and adult body composition in men and women aged 56-70y. Am J Clin Nutr 2008; 87:1769-75..

Levando em consideração os achados do presente estudo, as evidências sugerem que a exposição continuada ao sobrepeso ou obesidade está associada ao aumento na massa gorda na vida adulta. Por outro lado, os indivíduos que tiveram apenas um episódio de excesso de peso na infância ou adolescência apresentaram composição corporal (IMC e percentual de massa gorda) similar àqueles que nunca foram considerados com sobrepeso ou obesidade.

Uma limitação no presente estudo poderia ser o viés de seleção. Por outro lado, a ocorrência desse viés é pouco provável, pois a renda familiar e o IMC dos indivíduos que foram ou não incluídos na análise são similares (dados não apresentados). Alguns pontos metodológicos a serem salientados são: a trajetória de sobrepeso e obesidade avaliada em três momentos do ciclo de vida e o uso de uma medida acurada da composição corporal na idade adulta.

As evidências do presente estudo sugerem que a exposição continuada ao sobrepeso ou à obesidade está associada a valores elevados de IMC, massa gorda e menor massa livre de gordura em adultos jovens. Os achados destacam os benefícios da interrupção precoce do sobrepeso ou obesidade para reverter as repercussões na composição corporal na idade adulta.

Agradecimentos

Este artigo foi realizado com dados do estudo coorte de nascimentos de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, 1982, conduzido pelo Programa de Pós-graduação em Epidemiologia, Universidade Federal de Pelotas, com o apoio da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO) e Wellcome Trust. Fases anteriores do estudo foram financiadas pelo International Development Research Center (IDRC), União Europeia, PRONEX, Organização Mundial da Saúde, Overseas Development Administration, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Ministério da Saúde.

Referências

  • 1
    Lim SS, Vos T, Flaxman AD, Danaei G, Shibuya K, Adair-Rohani H, et al. A comparative risk assessment of burden of disease and injury attributable to 67 risk factors and risk factor clusters in 21 regions, 1990-2010: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2010. Lancet 2012; 380:2224-60.
  • 2
    Daniels SR, Arnett DK, Eckel RH, Gidding SS, Hayman LL, Kumanyika S, et al. Overweight in children and adolescents: pathophysiology, consequences, prevention, and treatment. Circulation 2005; 111:1999-2012.
  • 3
    World Health Organization. Obesity: preventing and managing the global epidemic. Geneva: World Health Organization; 2000.
  • 4
    Ng M, Fleming T, Robinson M, Thomson B, Graetz N, Margono C, et al. Global, regional, and national prevalence of overweight and obesity in children and adults during 1980-2013: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2013. Lancet 2014; 384:766-81.
  • 5
    Guo S, Huang C, Maynard L, Demerath E, Towne B, Chumlea W, et al. Body mass index during childhood, adolescence and young adulthood in relation to adult overweight and adiposity: the Fels Longitudinal Study. Int J Obes Relat Metab Disord 2000; 24:1628-35.
  • 6
    Guo S, Wu W, Chumlea W, Roche A. Predicting overweight and obesity in adulthood from body mass index values in childhood and adolescence. Am J Clin Nutr 2002; 76:653-8.
  • 7
    Deshmukh-Taskar P, Nicklas TA, Morales M, Yang SJ, Zakeri I, Berenson GS. Tracking of overweight status from childhood to young adulthood: the Bogalusa Heart Study. Eur J Clin Nutr 2005; 60:48-57.
  • 8
    Singh AS, Mulder C, Twisk JWR, van Mechelen W, Chinapaw MJM. Tracking of childhood overweight into adulthood: a systematic review of the literature. Obes Rev 2008; 9:474-88.
  • 9
    Field AE, Cook NR, Gillman MW. Weight status in childhood as a predictor of becoming overweight or hypertensive in early adulthood. Obes Res 2005; 13:163-9.
  • 10
    Lloyd LJ, Langley-Evans SC, McMullen S. Childhood obesity and adult cardiovascular disease risk: a systematic review. Int J Obes 2009; 34:18-28.
  • 11
    Kelsey MM, Zaepfel A, Bjornstad P, Nadeau KJ. Age-related consequences of childhood obesity. Gerontology 2014; 60:222-8.
  • 12
    Park MH, Sovio U, Viner RM, Hardy RJ, Kinra S. Overweight in childhood, adolescence and adulthood and cardiovascular risk in later life: pooled analysis of three british birth cohorts. PLoS One 2013; 8:e70684.
  • 13
    Howe L, Tilling K, Benfield L, Logue J, Sattar N, Ness A, et al. Changes in ponderal index and body mass index across childhood and their associations with fat mass and cardiovascular risk factors at age 15. PLoS One 2010; 5:e15186.
  • 14
    Ong KK, Emmett P, Northstone K, Golding J, Rogers I, Ness AR, et al. Infancy weight gain predicts childhood body fat and age at menarche in girls. J Clin Endocrinol Metabol 2009; 94:1527-32.
  • 15
    Daniels SR. The consequences of childhood overweight and obesity. Future Child 2006; 16:47-67.
  • 16
    Thomas C, Hyppönen E, Power C. Obesity and type 2 diabetes risk in midadult life: the role of childhood adversity. Pediatrics 2008; 121:e1240-9.
  • 17
    Flegal KM, Graubard BI, Williamson DF, Gail MH. Excess deaths associated with underweight, overweight, and obesity. JAMA 2005; 293:1861-7.
  • 18
    Ylihärsilä H, Kajantie E, Osmond C, Forsén T, Barker DJ, Eriksson JG. Body mass index during childhood and adult body composition in men and women aged 56-70y. Am J Clin Nutr 2008; 87:1769-75.
  • 19
    Bastien M, Poirier P, Lemieux I, Després J-P. Overview of epidemiology and contribution of obesity to cardiovascular disease. Prog Cardiovasc Dis 2014; 56:369-81.
  • 20
    Barros FC, Victora CG, Horta BL, Gigante DP. Metodologia do estudo da coorte de nascimentos de 1982 a 2004-5, Pelotas, RS. Rev Saúde Pública 2008; 42:7-15.
  • 21
    Horta BL, Gigante DP, Gonçalves H, Motta JS, Mola CL, Oliveira IO, et al. Cohort profile update: the 1982 Pelotas (Brazil) Birth Cohort Study. Int J Epidemiol 2015; 44:441e.
  • 22
    Victora CG, Barros FC. Cohort profile: the 1982 Pelotas (Brazil) Birth Cohort Study. Int J Epidemiol 2006; 35:237-42.
  • 23
    Victora CG, Barros FC, Lima RC, Behague DP, Gonçalves H, Horta BL, et al. The Pelotas birth cohort study, Rio Grande do Sul, Brazil, 1982-2001. Cad Saúde Pública 2003; 19:1241-56.
  • 24
    World Health Organization. WHO child growth standards: length/height-for-age, weight-for-age, weight-for-length, weight-for-height and body mass index-for-age. Methods and development. Geneva: World Health Organization; 2006.
  • 25
    Siri WE. Body composition from fluid spaces and density: analysis of methods. In: Brozek J, Henschel A, editors. Techiques for measuring body composition. Washington DC: National Academy of Science; 1961. p. 223-44.
  • 26
    World Health Organization. Physical status: the use and interpretation of anthropometry. Report of a WHO Expert Committee. Geneva: World Health Organization; 1995. (Technical Report Series, 854).
  • 27
    Guo SS, Roche AF, Chumlea WC, Gardner JD, Siervogel RM. The predictive value of childhood body mass index values for overweight at age 35y. Am J Clin Nutr 1994; 59:810-9.
  • 28
    Sachdev H, Fall C, Osmond C, Lakshmy R, Dey Biswas S, Leary S, et al. Anthropometric indicators of body composition in young adults: relation to size at birth and serial measurements of body mass index in childhood in the New Delhi birth cohort. Am J Clin Nutr 2005; 82:456-66.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2016

Histórico

  • Recebido
    24 Nov 2014
  • Revisado
    22 Abr 2015
  • Aceito
    23 Jul 2015
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br