POLÍTICAS, PLANEJAMENTO E GESTÃO EM SAÚDE - ABORDAGENS E MÉTODOS DE PESQUISA.

Guilherme Arantes Mello Ana Luiza d'Ávila Viana Sobre os autores
2015

A coleção Políticas, Planejamento e Gestão em Saúde - Abordagens e Métodos de Pesquisa, organizada por Tatiana Baptista, Creuza Azevedo e Cristiani Machado, surge como produto da oficina de metodologia de pesquisa no campo de Políticas, Planejamento e Gestão em Saúde (PPGS) ocorrida na Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, da Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz) em 2011. Suas características estão bem definidas nessa origem. Assim é que cada capítulo deixa a impressão de que se trata de um debate aberto com uma plateia de pós-graduação, sobretudo convidando os leitores ao diálogo e aprofundamento de seus referenciais. Salta aos olhos o visível esforço em apresentar temas de difícil acesso inicial, em escritos de notável fluidez.

A obra está organizada em três partes. A primeira, Desafios do Campo e da Área, compreende três capítulos. No primeiro, Lilia Schraiber aborda os pressupostos do método qualitativo, conclamando coerência, rigor e "vigilância epistemológica" sobre práticas protocolares. Sob o olhar da Saúde Coletiva como campo original diferenciado da saúde pública, defende o engajamento "ético-político" das pesquisas, além de maior "adensamento conceitual". No segundo capítulo, Ruben Mattos explora a inevitabilidade da realidade como construção linguística, em confronto com os ideais de objetividade. Convida os pesquisadores a novos diálogos e construções linguísticas, abandonando o método prescritivo como "oráculo que nos permite descobrir verdades". No terceiro e último, Carmen Fontes revisa a produção da PPGS entre 1975 e 2010. Ao amadurecimento conceitual e diversidade referencial observados, contrapõe a necessidade de maior fundamentação teórica nesse campo.

A proposição de Mattos coloca em perspectiva dialética possíveis interpretações equivocadas sobre militância investigativa e Saúde Coletiva como campo independente, pois incorre-se sempre no perigo da circunscrição de uma comunidade esotérica autorreferente, obstando a capacidade de diálogo com outras perspectivas científicas e sociais. Questão que induz a pontuar a própria pertinência da PPGS como campo científico e metodológico delimitado das ciências sociais e epidemiologia (e vice-versa). Pelos métodos revisados não é possível distinguir as primeiras. Questiona-se, em corolário, se tal divisão é facilitadora do processo investigativo complexo ou apenas um "cânone", conforme cita Camargo no prefácio. Teria isso alguma relação com a baixa densidade teórico-conceitual historicamente observada? Sobre a ideia de independência político-social, é suficiente recuperar Dietrich & Skocpol 11. Rueschemeyer D, Skocpol T, editors. States, social knowledge, and the origins of modern social policies. Princeton: Princepton University Press; 1996. ao desvelarem a longa e abrangente trajetória entre a geração de conhecimento e a emergência e consolidação de políticas públicas na área social, num rol de inter-relações entre estado e sociedade.

Em que pese sua alta relevância, o título "desafios" lega maiores expectativas sobre essa primeira parte. Ao focar na renovação de desafios metodológicos já conhecidos, resta uma lacuna sobre aqueles impostos pela complexificação social e tecnológica contemporânea - preocupação que fez rever todo o sistema de pesquisa biomédica norte-americano na década anterior 22. Zerhouni E. The NIH roadmap. Science 2003; 302:63-72..

Na parte dois, cinco capítulos aprofundam o debate sobre as Abordagens Teórico-Metodológicas. A leitura remonta ao dilema pedagógico se ao diálogo aberto é mais apropriado o grande especialista conceitual, ou se aquele que utiliza o referencial com propriedade, sem que o tenha por objeto específico. Os textos parecem confirmar essa segunda hipótese. Mesmo não sendo historiadoras, Cristiani Vieira e Luciana Lima apresentam um belo panorama do que chamam Perspectivas Históricas no capítulo quatro, com maior enfoque no institucionalismo histórico, referencial caro às políticas. O contextualismo histórico de Quentin Skinner é uma ausência notada, mas que em nada compromete o proposto. Tatiana Batista, Camila Borges e Gustavo Matta, esclarecem no quinto capítulo tudo aquilo que você que não compreendeu o método do Dilema Preventivista precisa saber para dar sequência aos aprofundamentos. No sexto capítulo, Gisele O'Dwyer apresenta a teoria de estruturação de Giddens, autor central das ciências sociais, ilustrando sua aplicação prática. No capítulo sete, Suely Deslandes introduz com clareza o referencial das pesquisas de avaliação, outro tema vital à PPGS. Com o oitavo capítulo, Marilene Sá e Creuza Azevedo fecham a segunda parte com exemplos concretos da abordagem clínico-psicossomática em estudos de gestão.

A terceira parte conclui com quatro "temas específicos", estes sim, claros desafios metodológicos do Século XXI. Célia Almeida, Thaisa Lima e Willer Marcondes descortinam no capítulo nove o pouco explorado campo da saúde global, que ascende da low politics para o centro da política externa e da diplomacia internacional, desafiando referenciais inovadores de análise. No décimo capítulo, Maria Helena Machado, Ana Luiza Vieira e Eliane Oliveira exploram o desafio da pesquisa em gestão do trabalho e educação em saúde, nucleada por categorias da complexidade de "trabalho", "profissão", "mercado", entre outras. Do seu lado, Maria de Fátima Tavares, Cláudia Barros, Rosa Rocha e Regina Bodstein exploram esses desafios metodológicos na promoção da saúde, apropriando-se da concepção de redes sociotécnicas de Bruno Latour. No capítulo 12, José Gilberto Pereira, Cláudia Castro, Míriam Ventura e Vera Lúcia Pepe abordam o mais do que contemporâneo desafio teórico-metodológico do impactante problema da judicialização da assistência farmacêutica.

Muito além da soma de capítulos sobre abordagens específicas, a coletânea marca forte impressão sobre a abrangência do arsenal teórico disponível à interpretação do campo da Saúde Coletiva. Diversidade e possibilidades. Diante da forte presença de elementos subjetivos na pesquisa qualitativa, a prevista tentação do olhar diletante que se assomará ao investigador em formação é compensada na insistente reafirmação da necessidade de rigor metodológico. Ou seja, resultado científico é diferente de ensaio de opinião travestido de ciência por meio de qualquer descrição metodológica. Rigor, rigor, rigor, é mensagem comum. Porquanto quase todos os referenciais sejam dispostos como exploratórios - e não receituários -, revela-se aparente paradoxo, argutamente decifrado por Camargo no prefácio: "rigor, e não a rigidez".

É como se os autores se preocupassem com os neófitos da plateia e dissessem: "aprendam e sedimentem os métodos clássicos, ampliem seus referenciais para além dos horizontes, respirem os desafios contemporâneos e sintam-se livres e capazes de interpretar o mundo ao seu modo e criatividade. Com rigor, mas nunca com rigidez". Grandes estudos sempre exigiram criatividade metodológica. Vejam Piketty 33. Piketty T. O capital no século XXI. Rio de Janeiro: Intrínseca; 2014. surpreendendo o mundo ao mostrar que a nostalgia da retomada atual da Belle Époque traduz mais cruamente o retorno da concentração de renda nos níveis dos anos 1920. Assim fizeram vários investigadores que permeiam os capítulos: Foucault, Bourdieu, Giddens etc. Exemplos meramente didáticos para relevar a criatividade presente na própria gênese e amadurecimento da Saúde Coletiva. A coletânea oferece um rico painel dessa variedade, evidenciando acertos e incertezas.

Aquela outra parte da plateia, mais experimentada, também encontrará na obra a rara oportunidade de introdução a referenciais específicos que ombreiam todos os pesquisadores em políticas de saúde. Referenciais que por vezes ainda não conseguiram sair da lista de espera justamente pela falta de um texto inicial objetivo e didático.

Por sua abrangência, equilíbrio e didatismo, a coletânea por certo preenche um hiato na biblioteca de PPGS, e deve se tornar referência ao pesquisador nesta área. De certeza, como aventado no prefácio, apenas a de não se confundir em manual. Na orelha do livro, Minayo capta toda essa essência: "O método, diz Habermans, é o 'caminho do pensamento' ".

  • 1
    Rueschemeyer D, Skocpol T, editors. States, social knowledge, and the origins of modern social policies. Princeton: Princepton University Press; 1996.
  • 2
    Zerhouni E. The NIH roadmap. Science 2003; 302:63-72.
  • 3
    Piketty T. O capital no século XXI. Rio de Janeiro: Intrínseca; 2014.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Set 2016
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br