Brasil: balanço da Política Nacional de Controle do Tabaco na última década e dilemas

Brasil: balance de la Política Nacional de Control del Tabaco en la última década y dilemas

Tânia Maria Cavalcante Mariana Coutinho Marques de Pinho Cristina de Abreu Perez Ana Paula Leal Teixeira Felipe Lacerda Mendes Rosa Rulff Vargas Alexandre Octávio Ribeiro de Carvalho Erica Cavalcanti Rangel Liz Maria de Almeida Sobre os autores

Resumos

Desde 2005, o Brasil é Estado Parte da Convenção-Quadro para o controle do Tabaco da Organização Mundial da Saúde, tratado internacional cujas medidas constituem a Política Nacional de Controle do Tabaco (PNCT). Seus resultados se traduzem em significativa redução da prevalência de fumantes e da morbimortalidade tabaco-relacionada. Porém, esses resultados poderiam ter sido maiores não fosse o poder de interferência da cadeia produtiva do tabaco controlada por empresas transnacionais que tem se intensificado ao longo dos últimos 10 anos à medida que o Brasil avança na implementação da Convenção. Essas empresas tornaram o Brasil não só um celeiro de tabaco como também um celeiro de poder econômico e político capaz de colocar sob ameaça as conquistas da PNCT. Este Ensaio busca fazer uma narrativa sobre a evolução da PNCT e sobre o modus operandi da cadeia produtiva do tabaco para obstruí-la e discute como o fortalecimento de políticas de promoção de alternativas à produção de fumo poderia protegê-la desse tipo de interferência.

Hábito de Fumar; Indústria do Tabaco; Controle e Fiscalização de Produtos Derivados do Tabaco


Desde 2005, Brasil es un Estado Partícipe de la Convención-Marco para el Control del Tabaco de la Organización Mundial de la Salud, tratado internacional cuyas medidas constituyen la Política Nacional de Control del Tabaco (PNCT). Sus resultados se traducen en una significativa reducción de la prevalencia de fumadores y de la morbi-mortalidad relacionada con el tabaco. No obstante, esos resultados podrían haber sido mayores si no fuera por el poder de injerencia de la cadena productiva del tabaco, controlada por empresas multinacionales que se han intensificado a lo largo de los últimos 10 años, a medida que Brasil avanza en la implementación de la Convención. Esas empresas convirtieron a Brasil no sólo en un gran productor de tabaco, sino también en un polo de poder económico y político de este sector capaz de amenazar las conquistas de la PNCT. Este Ensayo busca estudiar la evolución de la PNCT y el modus operandi de la cadena productiva del tabaco para obstaculizarla y discute cómo el fortalecimiento de políticas de promoción de alternativas a la producción del tabaco podría protegerla de este tipo de injerencias.

Hábito de Fumar; Indústria do Tabaco; Controle e Fiscalização de Produtos Derivados do Tabaco


Introdução

Desde 2005, o Brasil é Estado Parte da Convenção-Quadro para Controle do Tabaco (CQCT-OMS) 11. Presidência da República. Decreto de 1º de agosto de 2003. Cria a Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco e de seus Protocolos. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/DNN/2003/Dnn9944.htm (acessado em 24/Ago/2015).
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, tratado internacional de saúde negociado sob os auspícios da Organização Mundial da Saúde (OMS) 22. World Health Organization. World Health Assembly Resolution 56.1, May, 21st 2003, that adopts the WHO Framework Convention on Tobacco Control. http://www.who.int/tobacco/framework/final_text/en/index1.html (acessado em 24/Ago/2015).
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Por que um tratado internacional para enfrentar um problema de saúde pública? Desde a década de 1970, sucessivas Assembleias Mundiais de Saúde reconheciam as estratégias transnacionais de mercado de produtos de tabaco como principais determinantes da epidemia de tabagismo 33. World Health Organization. Thirty-first World Health Assembly,WHA31.56 Health hazards of smoking, 1978. http://www.who.int/tobacco/framework/wha_eb/wha31_56/en/ (acessado em 24/Ago/2015).
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. Porém, somente em 1999, a 52º Assembleia Mundial de Saúde decidiu negociar a CQCT-OMS 44. World Health Organization. WHO Framework Convention on Tobacco Control, 2003. http://www.who.int/fctc/text_download/en/index.html (acessado em 24/Ago/2015).
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,55. Roemer R, Taylor A, Lariviere J. Origins of the WHO Framework Convention on Tobacco Control. Am J Public Health 2005; 95:936-8..

Entre outubro de 1999 e fevereiro de 2003 aconteceu um complexo processo coletivo de negociação permeado pelo embate entre interesses de saúde e interesses comerciais, já que participavam das negociações muitos países produtores de fumo, dentre eles o Brasil 66. Mamudu H M, Hammond R, Glantz SA. International trade versus public health during the FCTC negotiations, 1999-2003. Tob Control 2011; 20:e3.. Nesse cenário, o Brasil foi eleito por 192 países para presidir a negociação da Convenção, em reconhecimento a sua liderança no controle do tabagismo, apesar de ser um grande produtor de tabaco.

Em 2003, o texto final da CQCT-OMS 77. Yach D, Bettcher D. Globalisation of tobacco industry influence and new global responses. Tob Control 2000; 9:206-16. foi adotado pela 56º Assembleia Mundial de Saúde contendo um conjunto de ações multissetoriais e de cooperação agrupadas em dois enfoques: redução da demanda por produtos de tabaco e controle da oferta deles. O texto da CQCT-OMS traduziu na prática o reconhecimento de que isoladamente nenhum país conseguiria enfrentar as dinâmicas transnacionais do mercado de tabaco e de que a atuação apenas do setor saúde seria insuficiente para alcançar os objetivos da Convenção 88. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Observatório da Política Nacional de Controle do Tabaco. Convenção-Quadro. O que é. http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/observatorio_controle_tabaco/site/home/convencao_quadro/o_que_e (acessado em 24/Ago/2015).
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Em 2005, por ocasião da ratificação da CQCT-OMS pelo Brasil, muitas das suas medidas já estavam em maior ou menor grau implantadas. Atualmente, observa-se significativa redução na prevalência do tabagismo e da mortalidade por doenças tabaco-relacionadas como as cardiovasculares, respiratórias crônicas e câncer de pulmão. No entanto, os desafios ainda são muitos, em especial os colocados pela cadeia produtiva do tabaco controlada por grandes companhias transnacionais que fizeram do Brasil um grande produtor e o maior exportador desse produto, argumento esse amplamente usado para obstruir a Política Nacional de Controle do Tabaco (PNCT).

A própria ratificação da CQCT-OMS pelo Brasil envolveu um longo processo de enfrentamento entre a saúde e o setor produtivo de tabaco. A indústria do tabaco havia investido em um amplo movimento para disseminar a ideia de que a Convenção proibiria o cultivo de tabaco e de que a adesão do país ao tratado acarretaria em forte impacto negativo nos meios de vida de 200 mil famílias produtoras de fumo 99. Terra de Direitos - Organização de Direitos Humanos. Audiência pública sobre controle do tabaco vira palanque político, 2005. http://terradedireitos.org.br/2005/09/05/audiencia-publica-sobre-controle-do-tabaco-vira-palanque-politico/ (acessado em 24/Ago/2015).
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,1010. Massierer C. A cobertura jornalística sobre a Convenção-Quadro Internacional para o Controle do Tabaco e o meio ambiente: um estudo de caso dos jornais Zero Hora, Correio do Povo e Folha do Mate. In: III Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo, 27 a 29 de novembro de 2005 Florianópolis - SC. http://sbpjor.kamotini.kinghost.net/sbpjor/admjor/arquivos/iiisbpjor2005_-_ci_-_carine_massierer.pdf (acessado em 24/Ago/2015).
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. Só depois de dois anos (2004 e 2005) de debates em audiências públicas em regiões produtoras, o Senado Federal aprovou a ratificação da CQCT-OMS em outubro de 2005 (Decreto Legislativo nº 1.012), posteriormente promulgada por Decreto Presidencial em janeiro de 2006 1111. Instituto Nacional de Câncer. A ratificação da convenção-quadro para o controle do tabaco pelo Brasil: mitos e verdades. http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/mitos_verdades.pdf (acessado em 24/Ago/2015).
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,1212. Presidência da República. Decreto nº 5.658, 2 de janeiro de 2006. Promulga a Convenção-Quadro sobre Controle do Uso do Tabaco, adotada pelos países membros da Organização Mundial de Saúde em 21 de maio de 2003 e assinada pelo Brasil em 16 de junho de 2003. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Decreto/D5658.htm (acessado em 24/Ago/2015).
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. Vários estudos analisaram o processo histórico de ratificação da CQCT-OMS pelo Brasil e ofereceram mais detalhes sobre os conflitos que o permearam nesse período 1313. Rangel EC. Enfrentamento do controle do tabagismo no Brasil: o papel das audiências públicas no Senado Federal na ratificação da Convenção-Quadro para o controle do tabaco (2004/2005) [Dissertação de Mestrado]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz; 2011.,1414. Cavalcante TM. O Brasil e a Convenção-Quadro da Organização Mundial da Saúde para o controle do tabaco. In: Viegas CAA, organizadores. Tabagismo: do diagnóstico à saúde pública. São Paulo: Editora Atheneu; 2007. p. 293-314.,1515. Sogocio MPSC. O Brasil adverte: fumar é prejudicial à saúde. Análise do processo de ratificação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco [Dissertação de Mestrado]. Brasília: Instituto Rio Branco; 2008.,1616. Mengel AA, Diesel V. Globalização, Convenção-Quadro para o controle do tabaco e as disputas pelos rumos dos territórios fumicultores. Revista IdeAS Interfaces em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade 2009; 3:226-55. http://r1.ufrrj.br/cpda/ideas/ojs/index.php/ideas/article/view/40 (acessado em 24/Ago/2015).
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. O longo processo levou o Brasil a ser o 100º país a ratificar o tratado, um retardo que traduz uma tentativa da indústria do tabaco de desqualificar e enfraquecer a CQCT-OMS pela exclusão do país que presidiu todo o processo de sua negociação.

O presente artigo analisa a evolução da CQCT-OMS no Brasil, desde sua ratificação em 2005 até 2015, seus principais resultados e desafios, destacando o controle de toda a cadeia produtiva do tabaco como fonte de poder para a indústria do tabaco interferir nas políticas de controle do tabagismo. Também analisa como se deu essa interferência contra a medida que proibiu o uso de aditivos para dar sabor aos produtos de tabaco. Para cumprir o que se pretende, o texto se organiza tomando como referência a Convenção, identificada por seus respectivos artigos.

A PNCT desde a ratificação da CQCT-OMS: governança,statuse resultados

Ao ratificar a Convenção, muitas de suas medidas já estavam em maior ou menor grau implantadas no Brasil. Desde 1989 o Ministério da Saúde, por intermédio de seu Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA), articulava ações nacionais para controle do tabagismo. Tendo como eixo um processo de estruturação e capacitação junto às Secretarias Estaduais para a descentralização das ações e articulação de parcerias com outras organizações governamentais e não governamentais, essa iniciativa resultou em uma sólida rede de governança das ações nacionais de controle do tabaco 1717. Cavalcante TM. O controle do tabagismo no Brasil. Rev Psiquiatr Clín (São Paulo) 2005; 32:283-300..

Com a ratificação do tratado, o PNCT ganhou mais força, ao ser recolocado como parte de uma Política de Estado. O PNCT é norteado pela CQCT-OMS e legitimado pela obrigação de o Estado Brasileiro adotar seus princípios e obrigações.

Em 2003, com o término da negociação, um decreto presidencial criou a Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para Controle do Tabaco (CONICQ) com a atribuição de promover a ratificação da Convenção e articular uma agenda de Estado para o seu cumprimento, alinhado ao art. 5.2 da CQCT-OMS - que trata da criação de um mecanismo de coordenação nacional para controle do tabaco. Hoje, integram a CONICQ 18 setores do Governo Federal. O Ministro da Saúde é seu Presidente, cabendo ao INCA o papel de sua Secretaria Executiva 1818. Instituto Nacional de Câncer José de Alencar Gomes da Silva. Observatório da Política Nacional de Controle do Tabaco. CONICQ. A Comissão. http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/observatorio_controle_tabaco/site/home/conicq/comissao (acessado em 24/Ago/2015).
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Nos 10 anos que sucederam a ratificação da Convenção, medidas nacionais de controle do tabaco foram aperfeiçoadas, ampliadas e novas foram adotadas. No entanto, muitas dessas conquistas só aconteceram depois de longos processos de enfrentamento de estratégias obstrucionistas da indústria do tabaco.

O art. 49 da Lei Federal nº 12.5461919. Presidência da República. Lei nº 12.546, de 14 de dezembro de 2011. Diário Oficial da União 2011; 15 dez., de dezembro de 2011, foi um exemplo de uma árdua conquista no fortalecimento da implementação da CQCT-OMS em seus art. 6º (aumento dos impostos e preços dos produtos de tabaco), 8º (proteção contra os riscos do tabagismo passivo) e 13º (proibição da publicidade, promoção e patrocínio dos produtos de tabaco).

Até então, o art. 8º da CQCT-OMS regido pela Lei Federal nº 9.2942020. Presidência da República. Lei nº 9.294, de 15 de julho de 1996. Dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, nos termos do § 4° do art. 220 da Constituição Federal. Diário Oficial da União 1996; 16 jul., de julho de 1996, era parcialmente implementado, pois admitia espaços reservados para fumar em ambientes fechados (fumódromos). A partir de 2007, a CONICQ passou a envidar esforços para aperfeiçoar a lei federal a fim de proibir totalmente o ato de fumar em recintos coletivos (sem fumódromos), mas esbarrava em um forte lobby contrário promovido pela indústria do tabaco no Congresso Nacional. Em 2008, alguns estados brasileiros passaram a publicar leis estaduais alinhando-as às diretrizes da Convenção com a extinção dos fumódromos. Porém, ações judiciais movidas por organizações associadas a empresas de tabaco questionavam a constitucionalidade dessas leis por serem mais rígidas que a Lei Federal nº 9.294 vigente 2121. Lei antifumo é considerada inconstitucional pela Justiça. Extra 2009. http://extra.globo.com/noticias/rio/lei-antifumo-considerada-inconstitucional-pela-justica-344045.html (acessado em 24/Ago/2015).
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,2222. Organização Panamericana de Saúde; Instituto Nacional de Câncer. Respira Brasil: as legislações de ambientes livres de fumo das cinco regiões do Brasil. http://actbr.org.br/uploads/conteudo/767_Respira_Brasil.pdf (acessado em 24/Ago/2015).
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, mas tendo como motivação impedir o seu efeito cascata na redução do número de fumantes 2323. Instituto Nacional de Câncer. Tabagismo passivo. A importância de uma legislação que gere ambientes 100% livres de fumaça de tabaco. Nota técnica. http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/3b5a1c004eb68a5ea168b3f11fae00ee/Nota+T%C3%A9cnica+Ambientes+Livres.pdf?MOD=AJPERES&CACHEID=3b5a1c004eb68a5ea168b3f11fae00ee (acessado em 24/Ago/2015).
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Vale registrar que o art. 49 da Lei Federal nº 12.546 surgiu com base em uma emenda apresentada à Medida Provisória nº 540 (MP 540), que havia sido encaminhada pelo governo federal ao Congresso Nacional, em agosto de 2011. A MP 540 tinha como objeto desonerar alguns setores econômicos e em contrapartida aumentava a carga tributária sobre cigarros 2424. Olhar Direto. Relator da MP que aumenta imposto do cigarro propõe liberar fumo em bar, 2011 Relator da MP que aumenta imposto do cigarro propõe liberar fumo em bar, 2011 http://www.olhardireto.com.br/noticias/exibir.asp?id=207167 (acessado em 24/Ago/2015).
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. Contudo, a emenda proposta trazia retrocessos à PNCT, dentre eles, o esvaziamento do poder da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de regular os produtos de tabaco. Por isso, na ocasião foi fortemente criticada e combatida por várias organizações de saúde e alguns parlamentares 2525. Aliança de Controle do Tabaco. Irresponsabilidade social. ACTBr Boletim 2011; 76. http://www.actbr.org.br/comunicacao/boletim-act-76#irre_social (acessado em 24/Ago/2015).
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,2626. Governo estuda liberação do fumo em bares do país. Jornal do Brasil 2011. http://www.jb.com.br/ciencia-e-tecnologia/noticias/2011/09/23/governo-estuda-liberacao-do-fumo-em-bares-do-pais/ (acessado em 24/Ago/2015).
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,2727. Portal GTerra. Volta dos fumódromos em restaurantes em discussão, 2011. http://www.gterra.com.br/empresarial/volta-dos-fumodromos-em-restaurantes-em-discussao-45936.html (acessado em 24/Ago/2015).
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,2828. Emenda contraria leis antitabaco e propõe fumódromo disfarçado. Deputado defende abertura de bares específicos para quem fuma. Entidades que são contra o cigarro consideram proposta um retrocesso. Gazeta do Povo 2011. http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/emenda-contraria-leis-antitabaco-e-propoe-fumodromo-disfarcado-9pcryddqaf8i0jc9kat5patzi (acessado em 24/Ago/2015).
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Depois de muitos debates, a emenda foi ajustada para atender às diretrizes da Convenção e aprovada em dezembro de 2011 como art. 49 da Lei Federal nº 12.546, que passou a proibir fumar em recintos coletivos sem exceções. No entanto, sua implementação ainda dependia de um decreto presidencial estabelecendo parâmetros para o seu cumprimento, como a definição do que seria um recinto coletivo: se apenas um espaço totalmente fechado ou algo que abrangesse também espaços como varanda, terraços. Apesar das intensas cobranças da sociedade 2929. Câmara dos Deputados. Deputados e especialistas pedem regulamentação imediata da Lei Antifumo. Lei proíbe fumo em ambientes coletivos fechados em todo o país, mas falta de regulamentação pelo Executivo faz com que não seja fiscalizada, 2013 http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/SAUDE/459307-DEPUTADOS-E-ESPECIALISTAS-PEDEM-REGULAMENTACAO-IMEDIATA-DA-LEI-ANTIFUMO.html (acessado em 24/Ago/2015).,3030. Unidade de Pesquisa Álcool e Drogas. Regulamentação da lei antifumo está emperrada há sete meses, 2012. http://www.uniad.org.br/interatividade/noticias/item/15135-regulamenta%C3%A7%C3%A3o-da-lei-antifumo-est%C3%A1-emperrada-h%C3%A1-sete-meses (acessado em 24/Ago/2015).
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, esse decreto só foi aprovado em maio de 2014 e seu teor tem sido questionado por especialistas da área de direito, uma vez que introduziu exceções não previstas na lei federal 3131. Vianna CGF, Vedovato LR, Barata D. Apontamentos sobre o Decreto 8.262/14 à luz do controle do tabagismo e da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco. Cad Ibero Am Direito Sanit (Impr.) 2014; 3:149-60.. Mesmo assim, foi uma grande vitória da saúde pública sobre as manobras obstrucionistas da indústria do tabaco, levando o Brasil a ser o primeiro da categoria de megacountries a tornar-se 100% livre da fumaça ambiental de tabaco 3232. PR Newswire - a Cision Company. Brazil to become world's largest smoke-free country, 2011. http://www.prnewswire.com/news-releases/brazil-to-become-worlds-largest-smoke-free-country-135659733.html (acessado em 24/Ago/2015).
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Com a Lei Federal nº 12.546, a propaganda, que desde 2000 era proibida nos meios de comunicação, mas permitida nos pontos de venda (Lei Federal nº 10.167 de 2000), passou a ser proibida também nos pontos de venda, fortalecendo o cumprimento do art. 13 da CQCT-OMS. Entretanto, os fabricantes têm explorado cada vez mais as embalagens como peça de propaganda. Em razão disso, já estão em discussão estratégias para proibir a exibição das embalagens de produtos de tabaco nos pontos de venda como acontece em alguns países, assim como para implementar a padronização das embalagens em termos de cores e formatos conforme já ocorre na Austrália e, em breve, em vários países da Europa 3333. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Notas técnicas para controle do tabagismo: Embalagem padronizada de produtos de tabaco. http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/be366e8047362496ada1af7c4f0415f8/Nota+tecnica_embalagens+padronizadas.pdf?MOD=AJPERES&CACHEID=be366e8047362496ada1af7c4f0415f8 (acessado em 24/Ago/2015).
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,3434. Canadian Cancer Society. Advertências sanitárias nas embalagens de cigarros, relatório situacional internacional, 2014. http://global.tobaccofreekids.org/files/pdfs/pt/WL_status_report_pt.pdf (acessado em 24/Ago/2015).
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Quanto ao art. 6º da Convenção, desde 2007 a Secretaria da Receita Federal (SRF) já vinha adotando ajustes nos impostos federais sobre cigarros e gerando sucessivos aumentos nos preços desses produtos que, até então, eram um dos mais baratos do mundo 3535. Guindon GE, Tobin S, Yach D. Trends and affordability of cigarette prices: ample room for tax increases and related health gains. Tob Control 2002; 11:35-43.. Em 2011, a Lei Federal nº 12.546 e o Decreto Presidencial nº 7.555 aumentaram o Imposto sobre Produto Industrializado sobre cigarros, gerando uma carga tributária entre 72% e 81% e um aumento dos preços finais desse produto ao consumidor - medida reconhecida como uma das mais efetivas para reduzir o tabagismo. Também instituiu a política de preços mínimos para os cigarros 3636. Cavalcante TM. Experiencia brasileña com politicas de control del tabaquismo. Salud Pública Méx 2004; 46:549-58.,3737. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Secretaria Executiva da Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para controle do Tabaco (CONICQ). http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/f4278000439976b8810ef5ddf65915ec/Conicq+Relat%C3%B3rio+de+Gest%C3%A3o+e+Progresso+2011-12.pdf?MOD=AJPERES&CACHEID=f4278000439976b8810ef5ddf65915ec (acessado em 24/Ago/2015).
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Em relação ao art. 11 da CQCT-OMS, desde 2001 o Brasil já adotava advertências sanitárias ilustradas com fotos ocupando 100% da face posterior das embalagens de cigarros e de outros produtos de tabaco 3838. Instituto Nacional de Câncer. Brasil: advertências sanitárias nos produtos de tabaco 2009. http://www.coppt.pt/attachments/069_brasil_advertencias_sanitarias_nos_produtos_de_tabaco2009b.pdf (acessado em 24/Ago/2015).
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. Com a Lei Federal nº 12.546, a partir de 2016, 30% da face anterior das embalagens também contará com a advertência: “este produto causa câncer”, impressa sobre uma tarja preta 3939. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Consulta Pública nº 17, de 5 de março de 2015. Proposta de RDC para regulamentação de advertência sanitária que ocupará trinta por cento da parte inferior da face frontal das embalagens de produtos fumígenos derivados do tabaco, em cumprimento à Lei 12.564/2011 e ao Decreto 8.262/2014. http://portal.anvisa.gov.br/wps/content/anvisa+portal/anvisa/regulacao+sanitaria/assuntos+de+interesse/consultas+publicas/assuntos+de+interesse/consultas+publicas+encerradas/2015/2015030617 (acessado em 24/Ago/2015).
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Já a implantação do tratamento para cessação de fumar, em cumprimento ao art. 14 da CQCT-OMS, até 2013 havia atingido 604 municípios com 1.300 unidades de saúde do SUS oferecendo o tratamento e atendendo em média 150 mil fumantes ao ano 4040. Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Política Nacional de Controle do Tabaco: relatório de gestão e progresso 2013-2014. http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/7605fc004fe6c76ebbf3ff76651c600b/14-Relat%C3%B3rio+de+Gest%C3%A3o+e+Progresso+2013-2014.pdf?MOD=AJPERES&CACHEID=7605fc004fe6c76ebbf3ff76651c600b (acessado em 14/Fev/2017).
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Quanto à regulamentação dos produtos de tabaco, em cumprimento aos art. 9 e 10 da CQCT, desde 2001 a Anvisa obriga os fabricantes a apresentarem uma lista de componentes dos seus produtos, proíbe o uso dos termos como baixos teores, light, ultra light e similares por levarem a percepção errônea de que existem cigarros mais seguros. Em 2012, proibiu os fabricantes de usarem aditivos em produtos de tabaco 4141. Observatório da Política Nacional de Controle do Tabaco, Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Status da política, regulação dos produtos. http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/observatorio_controle_tabaco/site/status_política/regulacao_dos_produtos (acessado em 24/Ago/2015).
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. Esse tema voltará a ser abordado no capítulo sobre as estratégias da cadeia produtiva do tabaco para interferir na PNCT.

O Programa Nacional de Diversificação em Áreas Cultivadas com Tabaco (PNDACT), desenvolvido sob a coordenação do Ministério do Desenvolvimento Agrário, cumpre a implementação do art. 17 (alternativas economicamente viáveis à produção de tabaco) da CQCT-OMS e é norteado pelos princípios do desenvolvimento rural sustentável da Política Nacional de Agricultura Familiar. Esse programa já atingiu cerca de 800 municípios e 45 mil famílias de fumicultores entre 2006 e 2013 4242. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Brasil defende a agricultura familiar nas deliberações da COP 6, na Rússia, 2014. http://www.mda.gov.br/sitemda/noticias/brasil-defende-agricultura-familiar-nas-delibera%C3%A7%C3%B5es-da-cop-6-na-r%C3%BAssia#sthash.DJMRhiky.dpuf (acessado em 24/Ago/2015).
http://www.mda.gov.br/sitemda/noticias/b...
,4343. Instituto Nacional de Câncer José de Alencar Gomes da Silva. CONICQ: documentos e publicações - relatório de gestão da CONICQ 2010. http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/9eac65804eb689ee9fe59ff11fae00ee/Relat%C3%B3rio+Gest%C3%A3o+Conicq+-+vers%C3%A3o+%C3%ADntegra.pdf?MOD=AJPERES&CACHEID=9eac65804eb689ee9fe59ff11fae00ee (acessado em 24/Ago/2015).
http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/...
,4444. Departamento de Assistência Técnica e Extensão Rural, Secretaria da Agricultura Familiar, Ministério do Desenvolvimento Agrário. Chamada pública para seleção de entidade executora de assistência técnica e extensão rural para agricultores/as familiares inseridos em municípios com produção de tabaco na região Sul do Brasil. Chamada Pública SAF/ATER n° 06/2013, 2013. http://www.mda.gov.br/portalmda/sites/default/files/chamadas/CHAMADA_Diversifica%C3%A7%C3%A3o_SUL_republica%C3%A7%C3%A3o.pdf (acessado em 24/Ago/2015).
http://www.mda.gov.br/portalmda/sites/de...
,4545. Departamento de Assistência Técnica e Extensão Rural, Secretaria da Agricultura Familiar, Ministério do Desenvolvimento Agrário. Chamada pública para seleção de entidade executora de assistência técnica e extensão rural para municípios fumicultores dos estados do sul e nordeste. Chamada Pública SAF/ATER n° 04/2011, 2011. http://www.faser.org.br/anexos/chamada_04_ATER_2011.pdf (acessado em 24/Ago/2015).
http://www.faser.org.br/anexos/chamada_0...
.

Nos últimos 20 anos, a prevalência de tabagismo na população acima de 18 anos caiu cerca 46% (passando de 34% em 1989 para 18,5% em 2008) 4646. Levy D, Almeida LM, Szklo A. The Brazil simsmoke policy simulation model: the effect of strong tobacco control policies on smoking prevalence and smoking-attributable deaths in a middle income nation. PLoS Med 2012; 9:e1001336.. Vale salientar que em 2013 essa taxa caiu para 14,7% 4747. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde, 2013: percepção do estado de saúde, estilo de vida e doenças crônicas. Brasil, grandes regiões e unidades da federação. http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv91110.pdf (acessado em 24/Ago/2015).
http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizac...
. Um dado surpreendente já que era esperada uma desaceleração dessa redução como acontece em vários países 4848. Reid JL, Hammond D, Burkhalter R, Rynard VL, Ahmed R. Tobacco use in Canada: patterns and trends, 2013 edition. http://www.tobaccoreport.ca/2013/adtu_sip.cfm (acessado em 24/Ago/2015).
http://www.tobaccoreport.ca/2013/adtu_si...
,4949. Mepage Today. Primary care. Adult smoking hits plateau, 2010. http://www.medpagetoday.com/PrimaryCare/Smoking/22068 (acessado em 24/Ago/2015).
http://www.medpagetoday.com/PrimaryCare/...
. No entanto, observou-se que nos últimos cinco anos a queda na prevalência de tabagismo foi quase a metade da observada em 20 anos, sinalizando um possível efeito catalisador da implementação nacional e global da CQCT-OMS. Outros estudos consubstanciam essa tendência de redução 5050. Rabahi MF, Alcântara EC. Tendência temporal da endemia do tabagismo no Brasil. Rev Méd Minas Gerais 2015; 25:140-2..

Uma edição especial do Lancet, em 2011, sobre a saúde no Brasil mostrou que a mortalidade atribuível às doenças crônicas não transmissíveis diminuiu 20% entre 1996 e 2007, sobretudo por causa das reduções em doenças cardiovasculares (31%) e respiratórias crônicas (38%), tendo esses resultados sido atribuídos em parte à redução do tabagismo no Brasil 5151. Schmidt MI, Duncan BB, Azevedo e Silva G, Menezes AM, Monteiro CA, Barreto SM, et al. Chronic non-communicable diseases in Brazil: burden and current challenges. Lancet 2011; 377:1949-61.. Já o Atlas de Mortalidade por Câncer disponibilizado on-line pelo INCA 5252. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Atlas on-line de mortalidade. Taxas de mortalidade para as 5 localizações primárias mais frequentes, por período selecionado, ajustadas por idade, pela população mundial, por 100.000, segundo sexo. https://mortalidade.inca.gov.br/MortalidadeWeb/pages/Modelo04/consultar.xhtml#panelResultado (acessado em 04/Abr/2016).
https://mortalidade.inca.gov.br/Mortalid...
mostra que a taxa de mortalidade por câncer de pulmão entre homens ajustada por idade e pela população mundial caiu de 17,16 a cada 100 mil em 1999 para 15,54 por 100 mil em 2012. Porém, entre as mulheres, embora em patamares menores que entre homens, esse índice aumentou de 6,34 para 8,18 a cada 100 mil no mesmo período. Tal fenômeno pode ser explicado pelo fato de as mulheres terem começado a fumar mais tardiamente e em menor proporção do que os homens e ainda estarem sob o efeito de coorte dessa exposição.

A cadeia produtiva do tabaco e seu poder de interferência

O Brasil é o segundo maior produtor e maior exportador mundial de fumo, funcionando como um grande celeiro, articulado globalmente pelas mesmas companhias transnacionais que operam as estratégias para expansão do tabagismo 5353. Food and Agriculture Organization of The United Nations Statistics Division. FAOSTAT. Food and agriculture data. http://faostat3.fao.org/home/E FAOSTAT (acessado em 24/Ago/2015).
http://faostat3.fao.org/home/E FAOSTAT ...
. Vale salientar que não se trata apenas de um celeiro de produto agrícola, mas um celeiro de poder econômico e político.

Por essa razão, um dos principais desafios da PNCT é o poder de interferência da cadeia produtiva do tabaco que tem se intensificado ao longo dos últimos 10 anos, à medida que o Brasil avança na implementação da Convenção.

Atualmente, 98% da produção nacional de fumo concentra-se nos três estados da Região Sul do Brasil. A Região Nordeste responde por 2% da produção nacional 5454. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Produção agrícola municipal. Quantidade produzida de fumo 2013. Brasil e Unidade da Federação. http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/listabl.asp?c=1612&z=t&o=11 (acessado em 24/Ago/2015).
http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/...
.

Integram a cadeia produtiva do tabaco pequenos agricultores familiares que cultivam tabaco, usinas de processamento, fábricas de derivados de tabaco, distribuidores, exportadores e varejistas. Segundo a Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra), na safra 2013/2014, essa cadeia movimentou 2,2 milhões de pessoas no Brasil 5555 . Associação dos Fumicultores do Brasil. Empregos no setor fumageiro. Safra 2013/2014. http://www.afubra.com.br/index.php/conteudo/show/id/72 (acessado em 24/Ago/2015).
http://www.afubra.com.br/index.php/conte...
.

Diferentes companhias transnacionais de tabaco junto com empresas processadoras e exportadoras de fumo formam o elo mais forte dessa cadeia, que também é articulada globalmente 5656. Bonato A, Zotti CF, Angelis T. Tabaco, da produção ao consumo uma cadeia da dependência, 2010. http://www.deser.org.br/publicacoes/revistaTabaco-Elabora%C3%A7%C3%A3oDeser-ACT.pdf (acessado em 24/Ago/2015).
http://www.deser.org.br/publicacoes/revi...
.

No seu componente agrícola, a cadeia produtiva do tabaco funciona mediante um sistema de integração em que as empresas fumageiras garantem aos produtores os insumos para a atividade. Já os produtores garantem formalmente a venda integral e exclusiva da produção à empresa integradora, por meio de um contrato de compra e venda. Trata-se de uma dinâmica que permite que as empresas mantenham o controle da cadeia produtiva do tabaco desde a fase do cultivo do fumo até a venda da produção 5757. Bonato AA. A fumicultura no Brasil e a Convenção-Quadro para Controle do Tabaco, 2007. http://www.deser.org.br/publicacoes/Fumo%20Paperjan07.zip (acessado em 24/Ago/2015).
http://www.deser.org.br/publicacoes/Fumo...
.

Nesse contexto, é importante ressaltar que os ciclos de consumo e de produção de produtos de tabaco são partes de um mesmo sistema que se retroalimentam de forma articulada pelas mesmas empresas transnacionais de tabaco (Figura 1). No ciclo do consumo, o adolescente, principal grupo alvo dessas empresas, é conduzido para a dependência química por estratégias de marketing (propagandas e promoções dos produtos, embalagens atrativas, sabores e aromas nos produtos, posicionamento estratégico dos produtos nos pontos de venda, baixo preço). No ciclo da produção, o principal alvo é o pequeno agricultor familiar, social e economicamente vulnerável. Seduzidos pela ideia de que plantar fumo traz riqueza e qualidade de vida, esses agricultores são conduzidos para um ciclo vicioso de débito e dependência econômica.

Figura 1:
Dinâmica global evidenciando o poder da indústria do tabaco de articular o ciclo da produção e do consumo de tabaco.

Grande parte dos produtores tem na produção de fumo sua principal atividade e representam o elo mais frágil da cadeia produtiva do tabaco, e também o mais estratégico para as companhias de tabaco porque: (1) a mão de obra barata da agricultura familiar garante os baixos custos da produção do fumo nacional, e com isso o poder da indústria de manter baixo o preço final dos cigarros e outros derivados do tabaco; e (2) o controle da produção agrícola representa “uma válvula de escape” para a indústria do tabaco, pois permite que transfira a carga de aumento de impostos ou prejuízos decorrentes da redução da demanda de tabaco para o preço que paga ao agricultor pelo quilo de fumo 5858. Bonato AA. Fumo - a fumicultura e a Convenção-Quadro: desafios para a diversificação, 2009. http://www.deser.org.br/pub_download.asp?href=publicacoes/Fumo.zip&id=146 (acessado em 24/Ago/2015).
http://www.deser.org.br/pub_download.asp...
,5959. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Notas técnicas para o controle do tabagismo: a importância e a urgência da diversificação de produção em áreas que produzem tabaco no Brasil. http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/67a02b804430b74b8f33bf2537792882/Nota+t%C3%A9cnica+-+Diversifica%C3%A7%C3%A3o+Produ%C3%A7%C3%A3o+Tabaco+-+FINAL.pdf?MOD=AJPERES&CACHEID=67a02b804430b74b8f33bf2537792882 (acessado em 24/Ago/2015).
http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/...
,6060. Associação dos Fumicultores do Brasil. Mutualidade. Perfil do fumicultor. Informações gerais. http://www.afubra.com.br/index.php/conteudo/show/id/198 (acessado em 24/Ago/2015).
http://www.afubra.com.br/index.php/conte...
.

Esse jogo de interesses aumenta as vulnerabilidades econômicas dos fumicultores 6161. World Health Organization. Framework convention on tobacco control. Parties to the WHO FCTC. http://www.who.int/fctc/signatories_parties/en/ (acessado em 24/Ago/2015).
http://www.who.int/fctc/signatories_part...
,6262. World Health Organization. 2010 global progress report on the implementation of the WHO Framework Convention on Tobacco Control. http://www.who.int/fctc/reporting/progress_report_final.pdf (acessado em 24/Ago/2015).
http://www.who.int/fctc/reporting/progre...
,6363. Eurobusiness. The fight against tobacco in the EU - briefing, 2010. http://www.eubusiness.com/topics/health/tobacco.03/ (acessado em 24/Ago/2015).
http://www.eubusiness.com/topics/health/...
,6464. Voice of America. Obama to sign landmark tobacco bill, 2009. http://www.voanews.com/english/news/a-13-2009-06-22-voa33-68826282.html (acessado em 24/Ago/2015).
http://www.voanews.com/english/news/a-13...
,6565. NCD Alliance Argentina anti-tobacco program recieves global Heart Hero Award. http://www.ncdalliance.org/node/3210 (acessado em 24/Ago/2015).
http://www.ncdalliance.org/node/3210...
. Tal fato se dá, pois 85% da produção brasileira de fumo são exportadas e dependem muito mais de uma conjuntura de mercado internacional de tabaco do que nacional. E também porque até julho de 2015, 180 países haviam ratificado a Convenção e estavam implementando a maior parte de suas medidas e diretrizes, incluindo China e Rússia - os dois maiores consumidores de produtos de tabaco do mundo. Vários países já apresentam substantiva redução da prevalência de fumantes 6666. Organisation for Economic Cooperation and Development. Health at a glance: Europe 2012. Smoking among adults. http://www.oecd-ilibrary.org/content/book/9789264183896-en?itemId=/content/chapter/9789264183896-24-en&_csp_=bc3da9a79108c2160f7cb21300faa0fe. (acessado em 24/Ago/2015).
http://www.oecd-ilibrary.org/content/boo...
, e o Relatório Global de Progresso da Implementação da CQCT-OMS de outubro de 2014 destaca que “mais de dois terços das partes do tratado apresentaram redução na prevalência de tabagismo6767. Conference of the Parties to the WHO Framework Convention on Tobacco Control. Global progress in implementation of the WHO FCTC - a summary, Report by the Convention Secretariat, 2014. http://apps.who.int/gb/fctc/PDF/cop6/FCTC_COP6_5-en.pdf (acessado em 24/Ago/2015).
http://apps.who.int/gb/fctc/PDF/cop6/FCT...
.

O discurso de que a produção de fumo é promissora para a economia do país representa uma visão 6868. Sindicato Interestadual da Indústria do Tabaco. Exportações. http://sinditabaco.com.br/sobre-o-setor/exportacoes/ (acessado em 24/Ago/2015).
http://sinditabaco.com.br/sobre-o-setor/...
,6969. Departamento de Estudos Sócio Rurais. De olho no mundo do tabaco. http://www.deser.org.br/documentos/imagem/Boletim_de_Janeiro_otm.pdf (acessado em 24/Ago/2015).
http://www.deser.org.br/documentos/image...
) descolada de um cenário global que já dá sinais de desaquecimento. Análises de monitores do mercado internacional para a indústria do tabaco projetaram para 2015 uma significativa redução de volume de vendas das quatro principais companhias transnacionais de tabaco, incluindo as que coordenam a cadeia produtiva do tabaco no Brasil e um significativo excesso na oferta global de tabaco, gerando uma queda abrupta de 30% nas receitas das principais companhias comerciantes de folha de tabaco 7070. Lambat I. Tobacco 2015: could it be a watershed year? Tobacco International 2015. http://catalog.proemags.com/publication/ade7da38#/ade7da38/16 (acessado em 24/Ago/2015).
http://catalog.proemags.com/publication/...
. Esse quadro se manifesta no Brasil como queda de 24% nas exportações de folha de tabaco em 2014 em relação a 2013 e no “descarte” de fumicultores. Segundo dados da Afubra, em 2005 essa atividade envolvia quase 200 mil famílias de agricultores familiares, já em 2013/2014, a atividade envolveu 162 mil famílias 7171. Associação dos Fumicultores do Brasil. Fumicultura Brasil. Evolução da fumicultura. http://www.afubra.com.br/index.php/conteudo/show/id/83 (acessado em 24/Ago/2015).
http://www.afubra.com.br/index.php/conte...
. Mas o discurso de incentivo à produção de fumo é repetido como um mantra por organizações ligadas à cadeia produtiva do tabaco assim como por alguns parlamentares de regiões produtoras que atuam em bloco contra medidas para redução do tabagismo 7272. Patrocínio enfumaçado. Revista Veja 2009. http://veja.abril.com.br/blog/radar-on-line/brasil/patrocinio-enfumacado/ (acessado em 24/Ago/2015).
http://veja.abril.com.br/blog/radar-on-l...
,7373. Expoagro Afubra 2012 - Lideranças defendem a união em prol da fumicultura. Radio Sobradinho; 2012. http://www.radiosobradinho.com.br/noticia.php?cod=4376 (acessado em 24/Ago/2015).
http://www.radiosobradinho.com.br/notici...
,7474. Na bagagem, a defesa do tabaco brasileiro. Gazeta do Sul 2014. http://www.grupogaz.com.br/gazetadosul/noticia/444960-na_bagagem_a_defesa_do_tabaco_brasileiro/edicao:2014-10-13.html (acessado em 24/Ago/2015).
http://www.grupogaz.com.br/gazetadosul/n...
,7575. AMPROTABACO: entidade que defende municípios produtores de tabaco empossa nova diretoria. Rádio Difusora do Xisto 2015. http://www.difusoradoxisto.com.br/noticias/geral/315-amprotabaco-entidade-que-defende-municipios-produtores-de-tabaco-empossa-nova-diretoria.html (acessado em 24/Ago/2015).
http://www.difusoradoxisto.com.br/notici...
. Assim, as empresas de tabaco vão tecendo complexas relações de poder e influência e se fortalecendo econômica e politicamente. Vale salientar que o viés político dessa teia resulta particularmente das estratégias de apoio e financiamento de candidatos a cargos eletivos em nível municipal, estadual e federal, o que tem fortalecido a representatividade de parlamentares defensores dos interesses do setor fumo nos estados produtores e especialmente no Congresso Nacional 7676. Correio Brasiliense. A bancada do tabaco. http://actbr.org.br/comunicacao/boletins-antigos/boletim-act-27.htm#7 (acessado em 24/Ago/2015).
http://actbr.org.br/comunicacao/boletins...
,7777. Maria Frô. Financiado pela indústria tabagista deputado vota contra indígenas, quilombolas e conservação ambiental. Revista Forum 2008. http://www.revistaforum.com.br/mariafro/2008/09/23/financiado-pela-industria-tabagista-deputado-vota-contra-indigenas-quilombolas-e-conservacao-ambiental/ (acessado em 24/Ago/2015).
http://www.revistaforum.com.br/mariafro/...
,7878. Fumo ajudou a eleger 13 congressistas. Folha de S. Paulo 2008. https://outrapolitica.wordpress.com/2008/09/18/fumo-ajudou-a-eleger-13-congressistas/ (acessado em 24/Ago/2015).,7979. Deputado que apoia fumódromo recebeu doação da indústria. Folha de S. Paulo 2008. http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1809200819.htm (acessado em 24/Ago/2015).
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidia...
,8080. Congresso em Foco. Luiz Carlos Heinze, 2006. http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/luis-carlos-heinze-pp/ (acessado em 24/Ago/2015).
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.

Essas estratégias têm sido tão mais intensas e frequentes quanto mais o Brasil tem mostrado resultados positivos na redução do tabagismo, ressaltando a importância do art. 5.3 da CQCT-OMS, que se refere à obrigação dos seus Estados Membros de protegerem a sua política nacional de controle do tabaco de interferências indevidas da indústria do tabaco e de organizações a ela afiliadas.

Nessa perspectiva, será analisado um caso emblemático de interferência frontal contra a implementação de uma das diretrizes do art. 9º da CQCT-OMS (regulação do conteúdo dos produtos de tabaco): proibição do uso de aditivos em cigarros e outros produtos de tabaco pela Anvisa.

A reação da cadeia produtiva do tabaco frente à medida da Anvisa que proibiu o uso de aditivos em cigarros no Brasil

Desde o final de 2010, o Brasil tenta colocar em prática a diretriz da CQCT-OMS de restringir o uso de aditivos em cigarros e produtos similares aprovada pela 4º sessão da Conferência das Partes da CQCT-OMS (COP4) no Uruguai, em 2010 8181. WHO Framework Convention on Tobacco Control. Conference of the Parties to the WHO Framework Convention on Tobacco Control. http://www.who.int/fctc/copdecisions.pdf (acessado em 24/Ago/2015).
http://www.who.int/fctc/copdecisions.pdf...
.

Essa decisão teve como base estudos que mostram que os aditivos foram desenvolvidos pela indústria do tabaco, a partir da década de 70, como forma de minimizar o efeito aversivo causado pelo sabor desagradável do tabaco e a sensação de irritação provada pela sua fumaça na garganta, sobretudo dos iniciantes. Alguns aditivos buscam dar aos cigarros sabores adocicados, especialmente atraentes para adolescentes, e outros aumentam a capacidade da nicotina em causar dependência - como é o caso da amônia. Alguns estudos também mostram que esses aditivos aumentam o potencial de toxicidade dos produtos de tabaco 8282. World Health Organization. WHO Study Group on Tobacco Product Regulation (TobReg). http://www.who.int/tobacco/global_interaction/tobreg/en/ (acessado em 24/Ago/2015).
http://www.who.int/tobacco/global_intera...
,8383. Talhout R, Opperhuizen A, van Amsterdan JG. Sugars as tobacco ingredient: Effects on mainstream smoke composition. Food Chem Toxicol 2006; 44:1789-98.,8484. Action on Smoking and Health; Imperial Cancer and Research Fund. Tobacco additives. Cigarette engineering and nicotine addiction, 1999. http://www.ash.org.uk/files/documents/ASH_623.pdf (acessado em 24/Ago/2015).
http://www.ash.org.uk/files/documents/AS...
,8585. World Health Organization. The scientific basis of tobacco product regulation: report of a WHO study group. Geneva. http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/43647/1/TRS945_eng.pdf?ua=1 (acessado em 24/Ago/2015).
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.

Apesar disso, no Brasil, essa diretriz suscitou uma forte oposição articulada pela indústria do tabaco com o apoio de parlamentares e políticos das regiões fumicultoras. Iniciada como uma verdadeira campanha nacional de oposição a essa medida, mesmo antes da decisão da COP4 de adotar essa diretriz.

Nessa ocasião, representantes da indústria e parlamentares dos estados produtores do fumo fizeram lobby junto aos altos escalões do governo para tentar impedir que a delegação brasileira se posicionasse favoravelmente à aprovação da diretriz na COP4 8686. Parlamentares a favor da indústria de fumo e contra aditivos em cigarros. Correio do Estado 2010. http://www.correiodoestado.com.br/noticias/parlamentares-a-favor-da-industria-de-fumo-e-contra-aditivos_83761/ (acessado em 24/Ago/2015).
http://www.correiodoestado.com.br/notici...
,8787. Deputado Federal Luiz Carlos HEINZE. Heinze solicita audiência com grupo de ministros que discutem posição do Brasil sobre Convenção-Quadro Heinze solicita audiência com grupo de ministros que discutem posição do Brasil sobre Convenção-Quadro http://www.deputadoheinze.com.br/index.php/component/acymailing/archive/view/listid-4-passarinheiros/mailid-50-heinze-solicita-audiencia-com-grupo-de-ministros-que-discutem-posicao-do-brasil-sobre-convencao-quadro (acessado em 24/Ago/2015).
http://www.deputadoheinze.com.br/index.p...
,8888. Deputado Federal Luiz Carlos HEINZE. Comissão de Agricultura apela a Lula para que Brasil reveja posição sobre Convenção-Quadro, 2010. http://www.deputadoheinze.com.br/index.php/noticias/931-comissao-de-agricultura-apela-a-lula-para-que-brasil-reveja-posicao-sobre-convencao-quadro (acessado em 24/Ago/2015).
http://www.deputadoheinze.com.br/index.p...
,8989. Afubra e federações pressionam por posição favorável do Brasil no Uruguai, 2010. http://www.paginarural.com.br/noticia/142139/afubra-e-federacoes-pressionam-por-posicao-favoravel-do-brasil-no-uruguai (acessado em 24/Ago/2015).
http://www.paginarural.com.br/noticia/14...
. Defendiam a ideia de que tal medida inviabilizaria a utilização do tabaco tipo burley para a fabricação de cigarros e impactaria negativamente sobre os meios de vida de 50 mil famílias de produtores desse tipo de tabaco no Brasil 9090. Fumo tipo Burley na corda bamba. Produtores temem nova resolução da Convenção-Quadro, que pode desestimular o cultivo da variedade. Correio do Povo 2010. http://www.correiodopovo.com.br/Impresso/?Ano=115&Numero=263&Caderno=11&Noticia=156329 (acessado em 24/Ago/2015).
http://www.correiodopovo.com.br/Impresso...
. O argumento era que esse tipo de tabaco necessitava da adição de açúcar para mascarar o seu sabor desagradável e a irritação causada por sua fumaça. Pressionaram inclusive o governo brasileiro a se juntar a outros países, para questionar o governo do Canadá perante o Comitê de Barreiras Técnicas da Organização Mundial do Comércio (OMC) sobre a proibição dos aditivos adotada por aquele país 9191. World Trade Organization. Technical barriers to trade - tobacco and alcohol again among members' trade concerns. Canada - Bill C-32 Amendment to the "Tobacco Act" (previously raised). http://www.wto.org/english/news_e/news10_e/tbt_23jun10_e.htm (acessado em 24/Ago/2015).
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.

Durante o ano de 2010, a Conicq se dedicou a desconstruir as informações distorcidas pela indústria do tabaco sobre essa medida. Para esse fim, elaborou uma análise de situação que subsidiou o posicionamento da delegação do Brasil junto à COP4 9292. Google Patentes. Pressurized tobacco drying process US 6718988 B1. http://www.google.com/patents/US6718988 (acessado em 24/Ago/2015).
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,9393. Free patent online. Tobacco treatment process. United States Patent 6131584. http://www.freepatentsonline.com/6131584.html (acessado em 24/Ago/2015).
http://www.freepatentsonline.com/6131584...
. Assim, o Brasil não só manteve sua posição de apoio à aprovação dessas diretrizes durante a COP4, como em novembro de 2010, a Anvisa colocou em consulta pública uma proposta de medida para proibir os aditivos 9494. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Consulta Pública nº 112, de 29 de novembro de 2010. http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/5c95c700486d1e499941992bd5b3ccf0/CP+112_ADITIVOS_DOU+30-11-10.pdf?MOD=AJPERES (acessado em 24/Ago/2015).
Consulta Pública nº 112, de 29 de novemb...
,9595. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Consulta Pública nº 117, de 27 de dezembro de 2010. http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/f674f08047458b00949dd43fbc4c6735/CP+N%C2%BA+117+GPDTA.pdf?MOD=AJPERES (acessado em 24/Ago/2015).
http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/conn...
. A reação da cadeia produtiva do tabaco foi forte: parlamentares federais, estaduais e municipais ligados à bancada do fumo iniciaram um movimento de pressão contra a iniciativa e várias audiências públicas foram realizadas nos estados produtores do sul para ampliar o movimento contra a Anvisa 9696. Câmara dos Deputados. Notas taquigráficas de Audiência Publica da Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados, 2010. Assunto: Discussão sobre a situação dos trabalhadores e produtores da variedade de fumo Burley no Brasil. http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/capadr/documentos/notas-taquigraficas/notas-taquigraficas-2010/audiencia-publica-da-comissao-01-12-2010-tema-discussao-sobre-a-situacao-dos-trabalhadores-e-produtores-da-variedade-de-fumo-burley-no-brasil/view (acessado em 24/Ago/2015).
http://www2.camara.leg.br/atividade-legi...
,9797. Estados e setor fumo vão a Brasília contra a ANVISA. Gazeta do Sul 2011 Gazeta do Sul 2011 http://www.gaz.com.br/gazetadosul/noticia/268092-insatisfacao_vai_ser_levada_a_brasilia.html (acessado em 24/Ago/2015).
http://www.gaz.com.br/gazetadosul/notici...
,9898. Deputado diz que propostas da Anvisa podem inviabilizar plantio de tabaco. Em Questão 2010. http://cguemquestao.blogspot.com/2011/03/deputado-diz-que-propostas-da-anvisa.html (acessado em 24/Ago/2015).
http://cguemquestao.blogspot.com/2011/03...
,9999. Fumicultores mantêm esperança de reverter consultas da Anvisa. Entidades acreditam que possível proibição de açúcar e aromatizantes nos cigarros pode inviabilizar a atividade no país, 2011. http://agricultura.ruralbr.com.br/noticia/2011/03/fumicultores-mantem-esperanca-de-reverter-consultas-da-anvisa-3257828.html (acessado em 24/Ago/2015).
http://agricultura.ruralbr.com.br/notici...
,100100. Cadeia produtiva do tabaco se mobiliza contra propostas da Anvisa, 2011. http://www.contag.org.br/indexdet.php?modulo=portal&acao=interna2&codpag=101&id=7060&mt=1&data=23/02/2011%2015:48:12 (acessado em 24/Ago/2015).
http://www.contag.org.br/indexdet.php?mo...
.

Um deputado federal chegou a apresentar um projeto de Decreto Legislativo sustando a Consulta Pública nº 112, da Anvisa (CP 112) 101101. Deputado Luiz Carlos HEINZE. Heinze quer sustar consulta da Anvisa que pode acabar com fumicultura brasileira, 2010. http://www.deputadoheinze.com.br/index.php/noticias/968-heinze-quer-sustar-consulta-da-anvisa-que-pode-acabar-com-fumicultura-brasileira (acessado em 24/Ago/2015).
http://www.deputadoheinze.com.br/index.p...
. Vale salientar que esse parlamentar teve sua campanha financiada por empresa de fumo que opera no seu estado, Rio Grande do Sul 102102. Luiz Carlos Heinze Financiadores de Campanha. Congresso em Foco 2006..

Além da pressão política contra a Anvisa, a Afubra coordenou uma estratégia para retardar o processo de compilação e avaliação das contribuições feitas à CP pela Anvisa. Valendo-se da falta de informação e vulnerabilidade dos fumicultores, a Afubra conseguiu mobilizar 200 mil manifestações contra as medidas propostas 103103. Associação Brasileira de Fumicultores do Brasil. Mais de 200 mil formulários devem chegar à Anvisa, 2011. http://www.afubra.com.br/blog/?p=266 (acessado em 24/Ago/2015).
http://www.afubra.com.br/blog/?p=266...
. Para tal fim, não só organizou a logística de coleta das assinaturas como também o envio dessas “contribuições” para a Anvisa. A maioria delas contendo a mensagem “sou contra”. Com isso, a análise das contribuições pela Anvisa foi retardada em quase seis meses - um resultado que foi comemorado abertamente pela Afubra 104104. Agência Brasil. Grande número de contribuições atrasa consulta pública da Anvisa que proíbe aromatizantes em cigarros, 2011. http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2011-04-04/grande-numero-de-contribuicoes-atrasa-consulta-publica-da-anvisa-que-proibe-aromatizantes-em-cigarros (acessado em 24/Ago/2015).
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Além dessa interferência em âmbito nacional, o anúncio da CP da Anvisa sobre a proibição dos aditivos também suscitou reação internacional por parte de alguns países produtores que questionaram o Brasil no Comitê de Barreiras Técnicas da OMC. Segundo o relatório da reunião formal desse Comitê, “Produtores e exportadores das variedades de tabaco Burley e Oriental perceberam a proibição dos aditivos como uma proibição de produtos de tabaco ‘blended’ [convencionalmente produzidos com essas variedades de tabaco e vários aditivos] no mercado brasileiro. Cerca de 15 membros disseram que essa regulação era mais restritiva ao comércio do que o necessário para alcançar os objetivos do Brasil. Isso foi particularmente importante para alguns países incluindo os países da África e países menos desenvolvidos (Zâmbia, Tanzânia, República Dominicana, Moçambique e Quênia) cuja renda nacional depende da venda de tabaco burley e oriental...” (tradução livre) 105105. World Trade Organization. Technical barriers to trade: formal meeting. Members concerned about public health. http://www.wto.org/english/news_e/news11_e/tbt_24mar11_e.htm (acessado em 24/Ago/2015).
http://www.wto.org/english/news_e/news11...
.

Essa reação ilustra o alcance e o poder transnacional que o controle da cadeia produtiva de tabaco propicia às companhias multinacionais de fumo, de interferir por meio de acordos internacionais de livre comércio nas políticas de controle do tabaco de outros países, mesmo nos não produtores.

Apesar do forte movimento contra a medida, em março de 2012, a Anvisa publicou a Resolução da Diretoria Colegiada nº 14 (RDC) e proibiu a comercialização de produtos de tabaco com qualquer aditivo com propriedades flavorizantes ou aromatizantes. No entanto, a indústria do tabaco deflagrou uma série de ações judiciais. A principal delas foi deflagrada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), que peticionou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.874 (ADI 4874), questionando o papel da Anvisa em regulamentar produtos de tabaco e, por consequência, a proibição dos aditivos. Em setembro de 2013, o Supremo Tribunal Federal concedeu liminar suspendendo a medida, situação que ainda vigora até o momento da submissão desse artigo 106106. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.874. http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=4328586 (acessado em 24/Ago/2015).
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Um aspecto digno de nota é que a ADI também colocou em xeque o papel da Anvisa de regular a comercialização de produtos e insumos que causam riscos para à saúde. Em entrevista, o então diretor presidente da Anvisa sintetizou a situação de ameaça que a ADI colocou sobre a legitimidade de a Anvisa regular produtos de interesse para a saúde: “a CNI, para atender à demanda de um setor da indústria - os fabricantes de cigarro - entrou contra o dispositivo regulatório que criou a Anvisa. Se os argumentos da ADI forem acatados pelo Supremo, os setores de medicamentos, alimentos e componentes médicos ficarão em um limbo normativo, em meio a um ambiente de extrema instabilidade jurídica. É a indústria da doença, a do cigarro, impedindo a indústria da saúde de funcionar107107. Entrevista: Dirceu Barbano Diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) In: Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Brasil Econômico. http://portal.anvisa.gov.br/wps/content/Anvisa+Portal/Anvisa/Inicio/Derivados+do+Tabaco/Assuntos+de+Interesse/Publicacoes/Leia+entrevista+do+presidente+da+Anvisa+ao+Brasil+Economico+sobre+os+riscos+do+cigarr+e+a+acao+da+CNI+no+Supremo (acessado em 24/Ago/2015).
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.

Em dezembro de 2013, a Anvisa instituiu um grupo de trabalho composto por especialistas nacionais e internacionais no assunto, com o objetivo de avaliar os aditivos utilizados nos produtos derivados do tabaco listados na Instrução Normativa/Anvisa 6/2013. Em agosto de 2014, o relatório final do grupo de trabalho recomendou que a RDC da Anvisa fosse reeditada para incluir na proibição o uso de açúcar, que havia sido excluído da lista de aditivos proibidos devido à forte pressão da indústria do tabaco 108108. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Portaria nº 1.980, de 24 de dezembro de 2013. http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=2&pagina=18&data=26/12/2013 (acessado em 24/Ago/2015).
http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/v...
,109109. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Relatório do grupo de trabalho sobre aditivos em tabaco, 2014. http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/3d7c9c0046be13df8158fd2e64280806/Relat%C3%B3rio+-+GT+-+Aditivos+portugues.pdf?MOD=AJPERES (acessado em 24/Ago/2015).
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Até o momento deste Ensaio, a ADI não foi julgada e a proibição dos aditivos encontra-se suspensa, ou seja, cigarros com aditivos podem ser comercializados no país.

Esse histórico ilustra a dinâmica de interferência da cadeia produtiva do tabaco e seu poder de atropelar evidências científicas e recomendações de instituições de saúde para manter a lucratividade dos seus negócios.

Considerações finais

Apesar dos avanços no controle do tabagismo, a situação de grande produtor de fumo ainda oferece imensos desafios para a saúde pública no Brasil. Além da responsabilidade social de desenvolver uma política de alternativas à produção de fumo para salvaguardar centenas de milhares de fumicultores de uma esperada redução global da demanda de fumo, a PNCT também enfrenta estratégias obstrucionistas da cadeia produtiva do tabaco cada vez mais intensas contra os necessários ajustes, especialmente os de caráter regulatório.

A cadeia produtiva do tabaco trabalha com a desinformação, a saber, que produzir tabaco ainda é uma grande oportunidade para o Brasil no comércio exterior e que medidas de controle do tabaco adotadas nacionalmente prejudicam essa dinâmica. Ao mesmo tempo buscam desqualificar a capacidade do PNDACT em prover “alternativas tão rentáveis quanto o tabaco”.

O poder organizativo da cadeia produtiva do tabaco tanto elege quanto derrota candidatos a cargos eletivos nas regiões produtoras. E essa é uma das razões pelas quais os argumentos da indústria do tabaco, embora falaciosos, intimidam politicamente todos aqueles que se dispuserem a se manifestar contra seus interesses 110110. Campaign for Tobacco-Free Kids, Action on Smoking and Health. Trust us: we're the tobacco industry. Tobacco industry lobbying, 2001. http://www.ash.org.uk/files/documents/ASH_135.pdf (acessado em 24/Ago/2015).
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,111111. Monardi F, Glantz SA. Are tobacco industry campaign contributions influencing state legi slative behavior? Am J Public Health 1998; 88:918-23.,112112. Glantz SA, Begay ME. Tobacco industry campaign contributions are affecting tobacco control policymaking in California. JAMA 1994; 272:1176-82..

Ao longo das últimas décadas, a cadeia produtiva do tabaco ampliou seu poder de alcance para as esferas estaduais e federais e no mínimo tem conseguido desacelerar as tomadas de decisão de gestores e parlamentares quanto às medidas necessárias para o fortalecimento da PNCT, inclusive do PNDACT.

Nesse contexto, é fundamental o entendimento de que, graças à interação econômica e política propiciada pela cadeia produtiva do tabaco, grandes corporações fumageiras ganham poder e influência política.

Assim, a implementação do art. 17 da CQCT-OMS (alternativas economicamente viáveis à produção de tabaco), que no Brasil acontece por intermédio do PNDACT, precisa ser fortalecida e entendida como um mecanismo para implementação do art. 5.3 da CQCT-OMS, pois ao reduzir o número de agricultores dependentes da produção de tabaco também restringirá o poder político das grandes companhias transnacionais de tabaco de interferir contra medidas para redução da demanda.

Agradecimentos

Ao Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva do Ministério da Saúde, Brasil, e às representações dos setores do Governo Federal na Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para Controle do Tabaco (CONICQ) da Organização Mundial da Saúde.

Referências

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Set 2017

Histórico

  • Recebido
    25 Ago 2015
  • Revisado
    08 Abr 2016
  • Aceito
    02 Maio 2016
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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