“A medida da fome”: as escalas psicométricas de insegurança alimentar e os povos indígenas no Brasil

“Measuring hunger”: psychometric scales of food insecurity and indigenous peoples in Brazil

“La medida del hambre”: escalas psicométricas de inseguridad alimentaria y pueblos indígenas en Brasil

Adriana Romano Athila Maurício Soares Leite Sobre os autores

Resumos

Validada para o contexto nacional brasileiro em 2004, a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA) tem desde então avaliado e mensurado a experiência de insegurança alimentar de domicílios rurais e urbanos, inicialmente na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios e posteriormente na Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde. No entanto, os povos indígenas não foram especificamente examinados nesses levantamentos, a despeito do reconhecimento das suas vulnerabilidades alimentar e nutricional. Nesse cenário, analisamos e discutimos a aplicação da EBIA entre povos indígenas do país, com base em um conjunto de questões aqui consideradas fundamentais para a compreensão e a mensuração de sua experiência de insegurança alimentar e “fome”. É realizada uma análise sociopolítica e etnográfica de um conjunto de documentos oficiais e artigos significativos sobre o uso de escalas psicométricas de insegurança alimentar entre povos indígenas brasileiros, em contraste com artigos internacionais sobre a validação e aplicação das escalas em outros contextos socioculturais. As iniciativas de adaptação e aplicação da EBIA aos contextos indígenas brasileiros indicam que compreender e mensurar a insegurança alimentar entre esses povos é um desafio de magnitude considerável. Particularmente complexa é a proposta de garantir a comparabilidade entre contextos distintos sem deixar de contemplar as plurais singularidades locais. Propomos que estudos etnográficos constituam componentes específicos de futuras iniciativas dedicadas ao tema, e que contemplem aspectos como a sazonalidade da produção de alimentos, seus processos diferenciais de monetarização e o dinamismo de seus sistemas alimentares.

Palavras-chave:
Antropologia Médica; Política Pública; Grupos Populacionais; Segurança Alimentar


The Brazilian Food Insecurity Scale (EBIA) was validated for the Brazilian context in 2004. Since then, the scale has evaluated and measured the experience of food insecurity in rural and urban households, initially in the Brazilian National Household Sample Survey and later in the Brazilian National Survey of Demographic and Health. However, indigenous peoples have not been examined specifically in these surveys, despite recognition of their food and nutritional vulnerability. In this scenario, we analyze and discuss the application of the EBIA among indigenous peoples in Brazil, based on a set of fundamental questions for understanding and measuring their experience with food insecurity and “hunger”. We conduct a sociopolitical and ethnographic analysis of a set of official documents and significant articles on the use of psychometric scales of food insecurity among Brazilian indigenous peoples, compared to international studies on the validation and application of scales in other sociocultural contexts. The initiatives with adaptation and application of the EBIA to indigenous peoples in Brazil indicate that understanding and measuring food insecurity in these peoples poses a major challenge. Particularly complex is the proposal to guarantee comparability of different contexts while taking into account the multiple local singularities. We propose that ethnographic studies should serve as specific components of future initiatives on this topic and that they should cover aspects such as the seasonality of indigenous peoples’ food production, different processes of food monetization, and the dynamics of their food systems.

Keywords:
Medical Anthropology; Public Policy; Populations Groups; Food Insecurities


Validada para el contexto nacional brasileño en 2004, la Escala Brasileña de Inseguridad Alimentaria (EBIA) ha evaluado y calculado desde entonces la existencia de inseguridad alimentaria en domicilios rurales y urbanos, inicialmente mediante la Encuesta Nacional por Muestra Domiciliaria y, posteriormente, a través de la Encuesta Nacional de Demografía y Salud. No obstante, los pueblos indígenas no fueron específicamente examinados en estas encuestas, a pesar del reconocimiento de su vulnerabilidad alimentaria y nutricional. En este escenario, analizamos y discutimos la aplicación de la EBIA entre pueblos indígenas del país, a partir de un conjunto de cuestiones consideradas aquí fundamentales para la comprensión y medición de su experiencia de inseguridad alimentaria y “hambre”. Se realiza un análisis sociopolítico y etnográfico de un conjunto de documentos oficiales, así como de artículos significativos sobre el uso de escalas psicométricas de inseguridad alimentaria entre pueblos indígenas brasileños, en contraste con artículos internacionales sobre la validación y aplicación de las escalas en otros contextos socioculturales. Las iniciativas de adaptación y aplicación de la EBIA en contextos indígenas brasileños indican que comprender y medir la inseguridad alimentaria entre estos pueblos es un desafío de magnitud considerable. Particularmente compleja es la propuesta de garantizar la comparabilidad entre contextos distintos, sin dejar de considerar las plurales singularidades locales. Proponemos que los estudios etnográficos establezcan componentes específicos para las futuras iniciativas dedicadas a este tema, así como que contemplen aspectos como: estacionalidad de la producción de alimentos, sus procesos diferenciales de monetarización, y dinamismo de sus sistemas alimentarios.

Palabras-clave:
Antropología Médica; Política Pública; Grupos de Población; Seguridad Alimentaria


Introdução

A vulnerabilidade da situação de saúde de povos indígenas vem sendo sistematicamente reconhecida em todo o mundo, em um quadro em que são evidentes os indicadores de saúde, alimentação e nutrição amplamente desfavoráveis, e sistematicamente piores que aqueles registrados nos segmentos não indígenas da população 11. Gracey M, King M. Indigenous health part 1: determinants and disease patterns. Lancet 2009; 374:65-75.,22. Anderson I, Robson B, Connolly M, Al-Yaman F, Bjertness E, King A, et al. Indigenous and tribal peoples' health (The Lancet - Lowitja Institute Global Collaboration): a population study. Lancet 2016; 388:131-57.. No Brasil o quadro não é distinto. Em termos gerais, o perfil epidemiológico indígena é também caracterizado pela desigualdade frente ao segmento não indígena, e pelo predomínio de doenças infecciosas e parasitárias como causas de morbidade e mortalidade 33. Coimbra Jr. CEA, Santos RV, Cardoso AM, Souza MC, Garnelo L, Rassi E, et al. The First National Survey of Indigenous People's Health and Nutrition in Brazil: rationale, methodology, and overview of results. BMC Public Health 2013; 13:1-19.. Contemporaneamente, novos agravos, como doenças crônicas não transmissíveis e causas externas, são responsáveis por uma proporção crescente da morbimortalidade 33. Coimbra Jr. CEA, Santos RV, Cardoso AM, Souza MC, Garnelo L, Rassi E, et al. The First National Survey of Indigenous People's Health and Nutrition in Brazil: rationale, methodology, and overview of results. BMC Public Health 2013; 13:1-19.,44. Bresan D, Bastos JL, Leite MS. Epidemiologia da hipertensão arterial em indígenas Kaingang, Terra Indígena Xapecó, Santa Catarina, Brasil, 2013. Cad Saúde Pública 2015; 31:331-44..

No que se refere especificamente aos indicadores nutricionais, os registros disponíveis apontam para um quadro igualmente complexo, em que prevalências de moderadas a elevadas de déficits estaturais e ponderais entre menores de cinco anos coexistem com registros cada vez mais frequentes de sobrepeso e obesidade entre adultos e adolescentes, e por vezes também entre crianças 55. Leite MS. Nutrição e alimentação em saúde indígena: notas sobre a importância e a situação atual. In: Garnelo L, Pontes AL, organizadores. Saúde indígena: uma introdução ao tema. Brasília: Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão, Ministério da Educação; 2012. p. 156-83.,66. Horta BL, Santos RV, Welch JR, Cardoso AM, Santos JV, Assis AM, et al. Nutritional status of indigenous children: findings from the First National Survey of Indigenous People's Health and Nutrition in Brazil. Int J Equity Health 2013; 12:23.,77. Fávaro TR, Ferreira AA, Cunha GM, Coimbra Jr. CEA. Excesso de peso em crianças indígenas Xukuru do Ororubá, Pernambuco, Brasil: magnitude e fatores associados. Cad Saúde Pública 2019; 35 Suppl 3:e00056619.. A anemia é também um problema de saúde pública entre crianças e mulheres em idade reprodutiva 88. Leite MS, Cardoso AM, Coimbra Jr. CEA, Welch JR, Gugelmin SA, Lira PIC, et al. Prevalence of anemia and associated factors among indigenous children in Brazil: results from the First National Survey of Indigenous People's Health and Nutrition. Nutr J 2013; 12:69.,99. Borges MC, Buffarini R, Santos RV, Cardoso AM, Welch JR, Garnelo L, et al. Anemia among indigenous women in Brazil: findings from the First National Survey of Indigenous People's Health and Nutrition. BMC Womens Health 2016; 16:1-12.. Para além dos tradicionais indicadores de alimentação e nutrição, diversos autores defendem a necessidade de identificar, compreender e, ao mesmo tempo, quantificar a experiência de insegurança alimentar dessas populações, como forma de informar e instrumentalizar gestores e políticas de diversos setores 1010. Azevedo MM, Segall-Corrêa AM, Ferreira MBR. Estudo do Conceito e Percepção de Segurança Alimentar e Nutricional entre os Guarani no Estado de São Paulo. In: Mendes RT, Vilarta R, Gutierrez GL, organizadores. Qualidade de vida e cultura alimentar. Campinas: Ipês Editorial; 2009. p. 167-76.,1111. Kepple AW, Segall-Corrêa AM. Conceituando e medindo segurança alimentar e nutricional. Ciênc Saúde Colet 2011; 16:187-99..

Diante da reconhecida dificuldade em definir e mensurar a fome 1212. Radimer KL, Olson CM, Campbell CC. Development of indicators to assess hunger. J Nutr 1990; 120 Suppl 11:1544-8.,1313. Radimer KL. Measurement of household food security in the USA and other industrialized countries. Public Health Nutr 2002; 5:859-64., a proposta de elaboração de uma escala psicométrica de insegurança alimentar aconteceu originalmente nos anos 1990, no contexto estadunidense. Seu objetivo primordial era quantificar como especificamente grupos populacionais considerados “mais vulneráveis” compreendiam e experienciavam o fenômeno da “insegurança alimentar” e da “fome” 1313. Radimer KL. Measurement of household food security in the USA and other industrialized countries. Public Health Nutr 2002; 5:859-64.,1414. Frongillo Jr. EA. Validation of measures of food insecurity and hunger. J Nutr 1999; 129 Suppl 2:506s-9.. Ela surgiu na forma de questionários com o objetivo de avaliar impactos de políticas públicas de alimentação e nutrição sobre grupos específicos da população. Ali, o instrumento atualmente utilizado pelo Departamento da Agricultura foi desenvolvido por meio de pesquisas transversais de validação, com duração de aproximadamente uma década. A construção de sua validade envolveu o contato direto dos pesquisadores com os diferentes segmentos da população nacional. Rigorosas pesquisas em campo, na profundidade temporal, buscavam contornar a potencial transitoriedade de eventos capazes de comprometer o acesso ou incertezas com relação à sua comida 14.

No Brasil, onde a segurança alimentar e nutricional é atualmente definida como a “realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis1515. Brasil. Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006. Cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - SISAN com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada e dá outras providências. Diário Oficial da União 2006; 18 set., entre 2003 e 2004 uma versão do instrumento, a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), foi adaptada e validada para uso no país 1616. Segall-Corrêa AM, Marin-Leon L. A segurança alimentar no Brasil: proposição e usos da escala brasileira de medida da insegurança alimentar (EBIA) de 2003 a 2009. Segurança Alimentar e Nutricional 2009; 16:1-19..

A EBIA é atualmente composta por 14 perguntas 1717. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Escala Brasileira de Insegurança Alimentar - EBIA: análise psicométrica de uma dimensão da Segurança Alimentar e Nutricional. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; 2014. (Estudo Técnico 1).. Essas perguntas buscam entender o fenômeno, visto como progressivamente mais grave, com base em aspectos da experiência da insegurança alimentar que seriam comuns a outros contextos socioculturais: a ansiedade ou dúvida sobre a disponibilidade futura de alimentos; o comprometimento da qualidade dos alimentos; o comprometimento da quantidade de alimentos, inicialmente entre adultos, e progressivamente atingindo as crianças; e a fome.

Já em 2004, a EBIA foi aplicada na Pesquisa Suplementar de Segurança Alimentar, por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 1818. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Segurança Alimentar 2004/2009. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2010.. Em 2006, a EBIA passou a integrar a Pesquisa Nacional de Demografia em Saúde (PNDS) 1919. Ministério da Saúde. Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher - PNDS 2006: dimensões do processo reprodutivo e da saúde da criança. Brasília: Ministério da Saúde; 2009. (Série G. Estatística e Informação em Saúde).. Desde então, a escala, definida como um “instrumento robusto de avaliação”, vem servindo para avaliar a insegurança alimentar de domicílios rurais e urbanos, subsidiando gestores na identificação de segmentos vulneráveis da população e também na avaliação e ajuste de políticas públicas diversas 1616. Segall-Corrêa AM, Marin-Leon L. A segurança alimentar no Brasil: proposição e usos da escala brasileira de medida da insegurança alimentar (EBIA) de 2003 a 2009. Segurança Alimentar e Nutricional 2009; 16:1-19.. No entanto, indígenas e outras minorias étnicas e populacionais, a despeito de sua vulnerabilidade alimentar e nutricional, não foram especificamente examinados nesses levantamentos.

Debates sobre rendimento e uso das escalas em contextos diversos daquele original e os procedimentos metodológicos necessários à sua adequação às especificidades locais têm se multiplicado 1414. Frongillo Jr. EA. Validation of measures of food insecurity and hunger. J Nutr 1999; 129 Suppl 2:506s-9.,2020. Coates J, Frongillo EA, Rogers BL, Webb P, Wilde PE, Houser R. Commonalities in the experience of household food insecurity across cultures: what are measures missing? J Nutr 2006; 136:1438S-48S.,2121. Webb P, Coates J, Frongillo Jr. EA, Rogers BL, Swindale A, Bilinsky P. Measuring household food insecurity: why it's so important and yet so difficult to do. J Nutr 2006; 136:1404S-8S.,2222. Melgar-Quinonez H, Hackett M. Measuring household food security: the global experience. Rev Nutr 2008; 21 Supp1:27s-37s.. Assume-se que a validação não pode ser uma “simples tradução”, ainda que “qualificada” 2020. Coates J, Frongillo EA, Rogers BL, Webb P, Wilde PE, Houser R. Commonalities in the experience of household food insecurity across cultures: what are measures missing? J Nutr 2006; 136:1438S-48S., e que o instrumento deve demonstrar um balanço entre a singularidade da experiência da insegurança alimentar e da fome e as evidências capazes de apontar as dimensões comuns desta experiência.

Descrito como um desafio que precisa ser enfrentado 1010. Azevedo MM, Segall-Corrêa AM, Ferreira MBR. Estudo do Conceito e Percepção de Segurança Alimentar e Nutricional entre os Guarani no Estado de São Paulo. In: Mendes RT, Vilarta R, Gutierrez GL, organizadores. Qualidade de vida e cultura alimentar. Campinas: Ipês Editorial; 2009. p. 167-76., o uso da EBIA entre povos indígenas é objeto de um número ainda restrito de publicações 2323. Fávaro T, Ribas DLB, Zorzatto JR, Segall-Corrêa AM, Panigassi G. Segurança alimentar em famílias indígenas Teréna, Mato Grosso do Sul, Brasil. Cad Saúde Pública 2007; 23:785-93.,2424. Franceschini T. O direito humano à alimentação adequada e à nutrição do povo Guarani e Kaiowá: um enfoque holístico - resumo executivo. Brasília: FIAN Brasil; 2016.,2525. Segall-Correa AM, Marin-Leon L, Azevedo MMA, Ferreira MBRR, Gruppi DR, Camargo DFM, et al. The Brazilian food security scale for indigenous Guarani households: development and validation. Food Security 2018; 10:1547-59.,2626. Segall-Correa AM, Azevedo MM, Ferreira B, Kepple AW, León-Marin L. Perception of food insecurity among indigenous Guarani communities in the state of São Paulo, Brasil. The FASEB Journal 2010; 24 Suppl 1. https://www.fasebj.org/doi/abs/10.1096/fasebj.24.1_supplement.104.6.
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. Tendo como pano de fundo o diálogo e a aproximação constitucionalmente prescritos entre os modos de vida de povos indígenas e a formulação, a execução e sua participação na governança de políticas de nutrição e alimentação, o presente estudo se propõe a examinar, por meio de uma abordagem analítica de documentos e outras modalidades de produção bibliográfica, alguns conceitos, pressupostos, procedimentos metodológicos e de participação indígena envolvidos na recente trajetória do desenvolvimento, validação e de algumas experiências de aplicação da EBIA entre povos indígenas brasileiros específicos.

Metodologia

Foi realizada uma análise sociopolítica e etnográfica de um conjunto de documentos oficiais e artigos selecionados sobre a validação de escalas psicométricas de insegurança alimentar em contextos socioculturais diversos e entre povos indígenas brasileiros, de acordo com a sugestão de Merry 2727. Merry SE. The seductions of quantification: measuring human rights, gender violence, and sex trafficking. Chicago/London: The University of Chicago Press; 2016.. A autora investiga etnograficamente como indicadores destinados a quantificar fenômenos fundamentalmente sociais são construídos, os efeitos deste modo de construção sobre políticas públicas e outras esferas mais ou menos formais de governança e decisões, e seu comprometimento com os “mundos sociais e culturais” de atores, organizações, campos disciplinares e de poder dos quais são derivados ou com base nos quais são geridos 2727. Merry SE. The seductions of quantification: measuring human rights, gender violence, and sex trafficking. Chicago/London: The University of Chicago Press; 2016.. A análise aborda como indígenas e suas especificidades têm sido representados em procedimentos que envolvem quantificação, conforme análises recentes do campo da sociodemografia vêm adotando no Brasil 2828. Santos RV, Guimarães BN, Simoni AT, Silva LO, Oliveira Antunes M, Souza Damasco F, et al. The identification of the Indigenous population in Brazil's official statistics, with an emphasis on demographic censuses. Stat J IAOS 2019; 35:29-46.,2929. Santos RV, Bastos JL, Cruz OG, Longo LAFB, Flowers NM, Pereira NOM. Parity of Indigenous and non-Indigenous women in Brazil: Does the reported number of children born depend upon who answers national census questions? Plos One 2015; 10:e0123826.. Com ênfase em algumas experiências de aplicação e validação da EBIA entre povos indígenas brasileiros, são abordadas e discutidas as ideias fundantes da genealogia do instrumento, com referência a aspectos sociopolíticos de seu contexto original de aplicação e recomendações para o uso em universos socioculturalmente diversos.

O desenvolvimento da EBIA entre povos indígenas no Brasil

Com a constituição do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), a segurança alimentar e nutricional passou a ser um direito reconhecido como Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) 1515. Brasil. Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006. Cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - SISAN com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada e dá outras providências. Diário Oficial da União 2006; 18 set.. Posteriormente, esses conceitos foram expressos na Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional 3030. Brasil. Decreto nº 7.272, de 25 de agosto de 2010. Regulamenta a Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006, que cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - SISAN, institui a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - PNSAN, estabelece os parâmetros para a elaboração do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, e dá outras providências. Diário Oficial da União 2010; 26 ago.. No tocante a povos indígenas e às determinações do SISAN, a produção específica de informações, como quaisquer políticas, programas e ações intersetoriais relacionadas à segurança alimentar e nutricional e ao DHAA, devem observar sua diversidade sociocultural e ambiental e particularidades regionais 1515. Brasil. Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006. Cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - SISAN com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada e dá outras providências. Diário Oficial da União 2006; 18 set.,3131. Yuyama LKO, Py-Daniel V, Ishikawa NK, Medeiros JF, Kepple AW, Segall-Corrêa AM. Percepção e compreensão dos conceitos contidos na Escala Brasileira de Insegurança Alimentar, em comunidades indígenas no Estado do Amazonas, Brasil. Rev Nutr 2008; 21 Suppl:53s-63s.. Como acontece com outros indicadores sociodemográficos e de saúde, dados disponíveis sobre a segurança alimentar e nutricional de povos indígenas brasileiros contrastam significativamente com o corpus produzido sobre o restante da população, regularmente avaliada desde a validação da EBIA, ainda na década de 2000.

Poucos trabalhos dialogam com a adequação do instrumento, quando deslocado para um contexto de singular diversidade. Eles têm caraterísticas particulares, dos critérios de seleção e variabilidade dos grupos estudados ao modo de construção metodológico-conceitual e procedimentos de aplicação do instrumento.

De um conjunto de 305 etnias indígenas oficialmente reconhecidas pelo Estado 3232. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010: Características Gerais dos Indígenas. Resultados do Universo. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2012., a aplicação propriamente dita de alguma versão da EBIA foi feita entre os Terena 2323. Fávaro T, Ribas DLB, Zorzatto JR, Segall-Corrêa AM, Panigassi G. Segurança alimentar em famílias indígenas Teréna, Mato Grosso do Sul, Brasil. Cad Saúde Pública 2007; 23:785-93. e, sobretudo, entre os subgrupos ou parcialidades Guarani 2424. Franceschini T. O direito humano à alimentação adequada e à nutrição do povo Guarani e Kaiowá: um enfoque holístico - resumo executivo. Brasília: FIAN Brasil; 2016.,2525. Segall-Correa AM, Marin-Leon L, Azevedo MMA, Ferreira MBRR, Gruppi DR, Camargo DFM, et al. The Brazilian food security scale for indigenous Guarani households: development and validation. Food Security 2018; 10:1547-59.,3333. Segall-Corrêa AM, Azevedo M, Marín L, Ferreira MB, Kepple AW, Panigassi G, et al. Estudo dos conceitos, conhecimentos e percepções sobre segurança, insegurança alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no Estado de SP. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2009.,3434. Vargas LC, Souza RS, Sufiate CB, Santos EM, Sipioni ME, Rezende AMB. Segurança Alimentar e Nutricional entre os Guaranis Mbyá da Aldeia Boa Esperança, Aracruz, Espírito Santo, Brasil. RASBRAN: Revista da Associação Brasileira de Nutrição 2013; 5:5-12., povos sobre os quais há uma extensa literatura clássica e contemporânea 3535. Silveira NH, Melo CR, Jesus SC, Organizadores. Diálogos com os Guarani: articulando compreensões antropológicas e indígenas. Florianópolis: Editora da Universidade Federal de Santa Catarina; 2016.. Estudos prévios ou complementares foram realizados também junto aos Guarani 1010. Azevedo MM, Segall-Corrêa AM, Ferreira MBR. Estudo do Conceito e Percepção de Segurança Alimentar e Nutricional entre os Guarani no Estado de São Paulo. In: Mendes RT, Vilarta R, Gutierrez GL, organizadores. Qualidade de vida e cultura alimentar. Campinas: Ipês Editorial; 2009. p. 167-76.,2626. Segall-Correa AM, Azevedo MM, Ferreira B, Kepple AW, León-Marin L. Perception of food insecurity among indigenous Guarani communities in the state of São Paulo, Brasil. The FASEB Journal 2010; 24 Suppl 1. https://www.fasebj.org/doi/abs/10.1096/fasebj.24.1_supplement.104.6.
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e, ainda, entre os Kanamari e Kulina, do Amazonas 3131. Yuyama LKO, Py-Daniel V, Ishikawa NK, Medeiros JF, Kepple AW, Segall-Corrêa AM. Percepção e compreensão dos conceitos contidos na Escala Brasileira de Insegurança Alimentar, em comunidades indígenas no Estado do Amazonas, Brasil. Rev Nutr 2008; 21 Suppl:53s-63s..

Antes que uma revisão bibliográfica exaustiva, selecionamos alguns trabalhos que permitem refletir tanto sobre dimensões conceituais e metodológicas consideradas cruciais, à luz daqueles marcos regulatórios, quanto das considerações pertinentes ao desenvolvimento e aplicação de escalas de insegurança alimentar em contextos socioculturalmente diversos - algo especialmente heterogêneo no caso de povos indígenas brasileiros. São diversas situações de terras, ecossistemas e graus de degradação, históricos de contato, modos de interação com não indígenas, com o mercado e a economia regionais. Essas variáveis, por sua vez, articulam-se de formas potencialmente diferentes à pluralidade linguístico-cultural e das modalidades de parentesco e organização social desses povos.

O Quadro 1 permite uma visualização sistemática de aspectos-chave dos estudos selecionados, como etnias envolvidas e modalidades da participação de indígenas e comunidades nas fases das pesquisas. Especialmente relevantes à análise são as informações sobre etapas e procedimentos metodológico-conceituais adotados, sobretudo sob a perspectiva qualitativa. Por essa razão, o Quadro 1 não contempla diagnósticos da situação de insegurança alimentar decorrentes da aplicação das escalas.

Quadro 1
Uso da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA) ou suas versões entre povos indígenas brasileiros, em publicações selecionadas.

Na Região Centro-oeste, Estado de Mato Grosso do Sul, participam dos estudos três comunidades Terena 2323. Fávaro T, Ribas DLB, Zorzatto JR, Segall-Corrêa AM, Panigassi G. Segurança alimentar em famílias indígenas Teréna, Mato Grosso do Sul, Brasil. Cad Saúde Pública 2007; 23:785-93. e os Guarani de três comunidades Guarani e Kaiowá 2424. Franceschini T. O direito humano à alimentação adequada e à nutrição do povo Guarani e Kaiowá: um enfoque holístico - resumo executivo. Brasília: FIAN Brasil; 2016.. No Sudeste, Estado de São Paulo, participam os Guarani de quatro comunidades Ñandeva, Tupi-Guarani e Mbya 1010. Azevedo MM, Segall-Corrêa AM, Ferreira MBR. Estudo do Conceito e Percepção de Segurança Alimentar e Nutricional entre os Guarani no Estado de São Paulo. In: Mendes RT, Vilarta R, Gutierrez GL, organizadores. Qualidade de vida e cultura alimentar. Campinas: Ipês Editorial; 2009. p. 167-76.,2525. Segall-Correa AM, Marin-Leon L, Azevedo MMA, Ferreira MBRR, Gruppi DR, Camargo DFM, et al. The Brazilian food security scale for indigenous Guarani households: development and validation. Food Security 2018; 10:1547-59.,2626. Segall-Correa AM, Azevedo MM, Ferreira B, Kepple AW, León-Marin L. Perception of food insecurity among indigenous Guarani communities in the state of São Paulo, Brasil. The FASEB Journal 2010; 24 Suppl 1. https://www.fasebj.org/doi/abs/10.1096/fasebj.24.1_supplement.104.6.
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,3333. Segall-Corrêa AM, Azevedo M, Marín L, Ferreira MB, Kepple AW, Panigassi G, et al. Estudo dos conceitos, conhecimentos e percepções sobre segurança, insegurança alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no Estado de SP. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2009. e, no Espírito Santo, uma comunidade Mbya 3434. Vargas LC, Souza RS, Sufiate CB, Santos EM, Sipioni ME, Rezende AMB. Segurança Alimentar e Nutricional entre os Guaranis Mbyá da Aldeia Boa Esperança, Aracruz, Espírito Santo, Brasil. RASBRAN: Revista da Associação Brasileira de Nutrição 2013; 5:5-12.. Na Região Norte, três comunidades Kulina e Kanamari contam com estudos fundamentalmente conceituais 3131. Yuyama LKO, Py-Daniel V, Ishikawa NK, Medeiros JF, Kepple AW, Segall-Corrêa AM. Percepção e compreensão dos conceitos contidos na Escala Brasileira de Insegurança Alimentar, em comunidades indígenas no Estado do Amazonas, Brasil. Rev Nutr 2008; 21 Suppl:53s-63s..

Quanto às características fundiárias das comunidades-alvo, as Guarani têm status peculiar. Das oito aldeias participantes dos diferentes estudos, três delas - as Guarani e Kaiowá de Mato Grosso do Sul - estão em áreas de retomada 2424. Franceschini T. O direito humano à alimentação adequada e à nutrição do povo Guarani e Kaiowá: um enfoque holístico - resumo executivo. Brasília: FIAN Brasil; 2016.. Das cinco comunidades restantes, quatro estão em Terras Indígenas (TI) regularizadas, próximas 3434. Vargas LC, Souza RS, Sufiate CB, Santos EM, Sipioni ME, Rezende AMB. Segurança Alimentar e Nutricional entre os Guaranis Mbyá da Aldeia Boa Esperança, Aracruz, Espírito Santo, Brasil. RASBRAN: Revista da Associação Brasileira de Nutrição 2013; 5:5-12. ou relativamente próximas 2626. Segall-Correa AM, Azevedo MM, Ferreira B, Kepple AW, León-Marin L. Perception of food insecurity among indigenous Guarani communities in the state of São Paulo, Brasil. The FASEB Journal 2010; 24 Suppl 1. https://www.fasebj.org/doi/abs/10.1096/fasebj.24.1_supplement.104.6.
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,3333. Segall-Corrêa AM, Azevedo M, Marín L, Ferreira MB, Kepple AW, Panigassi G, et al. Estudo dos conceitos, conhecimentos e percepções sobre segurança, insegurança alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no Estado de SP. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2009. a centros urbanos. Uma delas estava em TI não regularizada e em zona periurbana 2525. Segall-Correa AM, Marin-Leon L, Azevedo MMA, Ferreira MBRR, Gruppi DR, Camargo DFM, et al. The Brazilian food security scale for indigenous Guarani households: development and validation. Food Security 2018; 10:1547-59.,3333. Segall-Corrêa AM, Azevedo M, Marín L, Ferreira MB, Kepple AW, Panigassi G, et al. Estudo dos conceitos, conhecimentos e percepções sobre segurança, insegurança alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no Estado de SP. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2009.. Os Terena, de Mato Grosso do Sul 2323. Fávaro T, Ribas DLB, Zorzatto JR, Segall-Corrêa AM, Panigassi G. Segurança alimentar em famílias indígenas Teréna, Mato Grosso do Sul, Brasil. Cad Saúde Pública 2007; 23:785-93., e os Kulina e os Kanamari, do Estado do Amazonas, estão em TIs regularizadas, estes últimos em TIs distantes cerca de 1.200km em linha reta da cidade de Manaus 3131. Yuyama LKO, Py-Daniel V, Ishikawa NK, Medeiros JF, Kepple AW, Segall-Corrêa AM. Percepção e compreensão dos conceitos contidos na Escala Brasileira de Insegurança Alimentar, em comunidades indígenas no Estado do Amazonas, Brasil. Rev Nutr 2008; 21 Suppl:53s-63s..

No ano de 2005, imediatamente após a validação da EBIA, já havia pesquisas que estendiam seu uso a povos indígenas 3333. Segall-Corrêa AM, Azevedo M, Marín L, Ferreira MB, Kepple AW, Panigassi G, et al. Estudo dos conceitos, conhecimentos e percepções sobre segurança, insegurança alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no Estado de SP. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2009.. O estudo que envolveu a aplicação de um instrumento derivado da EBIA, entre os Terena 2323. Fávaro T, Ribas DLB, Zorzatto JR, Segall-Corrêa AM, Panigassi G. Segurança alimentar em famílias indígenas Teréna, Mato Grosso do Sul, Brasil. Cad Saúde Pública 2007; 23:785-93., inaugurou as publicações específicas sobre o tema no Brasil. A pesquisa envolveu visitas ao longo de nove meses, compreendendo 49 famílias com crianças menores de cinco anos, de três das oito aldeias da TI. A aplicação da EBIA foi precedida por etapas metodológicas de adaptação bastante marcadas e que se replicam nos demais estudos selecionados, obedecendo a ordenamentos, modos de organização e denominação muito semelhantes. Sobre o estudo de Franceschini 2424. Franceschini T. O direito humano à alimentação adequada e à nutrição do povo Guarani e Kaiowá: um enfoque holístico - resumo executivo. Brasília: FIAN Brasil; 2016. não há informações acerca de procedimentos e adaptações do instrumento, referido ora por EBIA, ora por “EBIA indígena”.

Um primeiro passo comum é a realização do painel de especialistas, com pesquisadores não indígenas que predominantemente trabalham com o tema da segurança alimentar e das condições de saúde e nutrição de povos indígenas. Posteriormente ao painel, do qual resulta outra versão prévia da EBIA, à exceção de Vargas et al. 3434. Vargas LC, Souza RS, Sufiate CB, Santos EM, Sipioni ME, Rezende AMB. Segurança Alimentar e Nutricional entre os Guaranis Mbyá da Aldeia Boa Esperança, Aracruz, Espírito Santo, Brasil. RASBRAN: Revista da Associação Brasileira de Nutrição 2013; 5:5-12., os estudos invariavelmente realizam grupos focais com características e número variáveis. Nos painéis, os especialistas colocam diferentes tipos de desafios à aplicação da EBIA em contextos indígenas brasileiros. A constatação de sua “sociodiversidade” é uma objeção constante, ao lado de variáveis regionais, como a sazonalidade 3131. Yuyama LKO, Py-Daniel V, Ishikawa NK, Medeiros JF, Kepple AW, Segall-Corrêa AM. Percepção e compreensão dos conceitos contidos na Escala Brasileira de Insegurança Alimentar, em comunidades indígenas no Estado do Amazonas, Brasil. Rev Nutr 2008; 21 Suppl:53s-63s..

O estudo de Fávaro et al. 2323. Fávaro T, Ribas DLB, Zorzatto JR, Segall-Corrêa AM, Panigassi G. Segurança alimentar em famílias indígenas Teréna, Mato Grosso do Sul, Brasil. Cad Saúde Pública 2007; 23:785-93. realiza um grupo focal sediado em uma das aldeias, com oito participantes indígenas selecionados com o auxílio do agente de saúde indígena (AIS). A EBIA sofre pequenas adaptações e é reapresentada ao grupo, mantendo seu número original de perguntas, em português. Houve mudança na linguagem, para uma compreensão facilitada, reduzindo o período de referência das perguntas de segurança alimentar e nutricional de três para um mês. Uma particularidade dos resultados é que mesmo domicílios considerados seguros apresentavam uma dieta nutricionalmente deficiente. Os autores consideram que escalas devem ser desenvolvidas e adaptadas aos diferentes povos indígenas do país, advertindo que o instrumento fora adaptado especificamente para os Terena.

Yuyama et al. 3131. Yuyama LKO, Py-Daniel V, Ishikawa NK, Medeiros JF, Kepple AW, Segall-Corrêa AM. Percepção e compreensão dos conceitos contidos na Escala Brasileira de Insegurança Alimentar, em comunidades indígenas no Estado do Amazonas, Brasil. Rev Nutr 2008; 21 Suppl:53s-63s. submetem as questões aplicadas à população rural brasileira ao painel de especialistas. Das discussões deriva uma versão da EBIA em português, mas com “pequenas adaptações de linguagem”, posteriormente apresentada a três grupos focais realizados nas três comunidades, com 18 participantes indígenas. A escala é discutida em português, provocando incompreensões aos indígenas - como por exemplo, o conceito de “estratégia” -, atribuídas aos altos índices de analfabetismo, mas não a incompatibilidades linguísticas ou conceituais. Em contrapartida, o estudo demonstra uma singular abertura à epistemologia dos conceitos nativos relativos às diversas dimensões da insegurança alimentar, esboçando a produtividade de seu diálogo com a vida e as compreensões Kulina e Kanamari sobre sua comida. Recomendando evitar a adoção de conceitos de segurança alimentar e nutricional previamente às discussões com os indígenas, o estudo reafirma a importância da continuidade e aprofundamento de estudos qualitativos e quantitativos entre indígenas, sem, contudo, aplicar a EBIA aos domicílios.

Por outro lado, o estudo de Vargas et al. 3434. Vargas LC, Souza RS, Sufiate CB, Santos EM, Sipioni ME, Rezende AMB. Segurança Alimentar e Nutricional entre os Guaranis Mbyá da Aldeia Boa Esperança, Aracruz, Espírito Santo, Brasil. RASBRAN: Revista da Associação Brasileira de Nutrição 2013; 5:5-12. é o único que não usa o grupo focal, passando do painel de especialistas à aplicação da “EBIA modificada” aos domicílios, auxiliada pelos AIS. Reparando o constrangimento dos indígenas em falar sobre o tema, o estudo considera que o uso da EBIA deve ser adaptado às especificidades de cada povo, sem apresentar as possíveis discussões conceituais e seus impactos sobre o instrumento aplicado aos Mbya do Espírito Santo.

Dentre os estudos selecionados, aqueles sobre a adaptação da EBIA entre os Guarani de São Paulo são os mais longevos. Compreendem diferentes tipos de publicações, variando mais em grau de aprofundamento da adaptação do instrumento em capturar diferentes aspectos da insegurança alimentar, do que do ponto de vista das aldeias estudadas e metodologias empregadas 1010. Azevedo MM, Segall-Corrêa AM, Ferreira MBR. Estudo do Conceito e Percepção de Segurança Alimentar e Nutricional entre os Guarani no Estado de São Paulo. In: Mendes RT, Vilarta R, Gutierrez GL, organizadores. Qualidade de vida e cultura alimentar. Campinas: Ipês Editorial; 2009. p. 167-76.,2525. Segall-Correa AM, Marin-Leon L, Azevedo MMA, Ferreira MBRR, Gruppi DR, Camargo DFM, et al. The Brazilian food security scale for indigenous Guarani households: development and validation. Food Security 2018; 10:1547-59.,2626. Segall-Correa AM, Azevedo MM, Ferreira B, Kepple AW, León-Marin L. Perception of food insecurity among indigenous Guarani communities in the state of São Paulo, Brasil. The FASEB Journal 2010; 24 Suppl 1. https://www.fasebj.org/doi/abs/10.1096/fasebj.24.1_supplement.104.6.
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,3333. Segall-Corrêa AM, Azevedo M, Marín L, Ferreira MB, Kepple AW, Panigassi G, et al. Estudo dos conceitos, conhecimentos e percepções sobre segurança, insegurança alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no Estado de SP. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2009.. A publicação mais recente versa sobre uma das três fases dos estudos de validação da EBIA para os Guarani, a EBIA-G, desenvolvida ao longo de cinco anos 2525. Segall-Correa AM, Marin-Leon L, Azevedo MMA, Ferreira MBRR, Gruppi DR, Camargo DFM, et al. The Brazilian food security scale for indigenous Guarani households: development and validation. Food Security 2018; 10:1547-59..

Os estudos sobre a fase qualitativa da validação duraram dois anos e não haviam sido publicados até 2018, registram os autores. Sobretudo por intermédio de três grupos focais, conversas informais, visitas e contato com lideranças e profissionais não especificados quanto ao pertencimento étnico, essa fase identificou como os Guarani definiam o construto da segurança alimentar e seus elementos-chave 2525. Segall-Correa AM, Marin-Leon L, Azevedo MMA, Ferreira MBRR, Gruppi DR, Camargo DFM, et al. The Brazilian food security scale for indigenous Guarani households: development and validation. Food Security 2018; 10:1547-59.. Os conceitos, conhecimentos e percepções Guarani foram equacionados e organizados segundo as dimensões da insegurança alimentar consideradas universais e dispostos gradualmente: da incerteza sobre a disponibilidade de comida em um momento próximo e o comprometimento da qualidade da alimentação às estratégias domiciliares para gerir a insegurança alimentar 2525. Segall-Correa AM, Marin-Leon L, Azevedo MMA, Ferreira MBRR, Gruppi DR, Camargo DFM, et al. The Brazilian food security scale for indigenous Guarani households: development and validation. Food Security 2018; 10:1547-59..

Outros trabalhos relacionados ao desenvolvimento da EBIA-G descrevem metodologia, aldeias, fases e objetivos das pesquisas. A possibilidade de se chegar a uma EBIA-G, como registram, significaria também a possibilidade de construir uma EBIA-I (indígena), aplicada caso a caso, na direção de atingir uma escala única e nacionalmente utilizável como instrumento de governança nas políticas públicas direta ou indiretamente relacionadas ao aprimoramento das condições de alimentação e nutrição de povos indígenas 1010. Azevedo MM, Segall-Corrêa AM, Ferreira MBR. Estudo do Conceito e Percepção de Segurança Alimentar e Nutricional entre os Guarani no Estado de São Paulo. In: Mendes RT, Vilarta R, Gutierrez GL, organizadores. Qualidade de vida e cultura alimentar. Campinas: Ipês Editorial; 2009. p. 167-76.,2626. Segall-Correa AM, Azevedo MM, Ferreira B, Kepple AW, León-Marin L. Perception of food insecurity among indigenous Guarani communities in the state of São Paulo, Brasil. The FASEB Journal 2010; 24 Suppl 1. https://www.fasebj.org/doi/abs/10.1096/fasebj.24.1_supplement.104.6.
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Os estudos publicados em 2009 1010. Azevedo MM, Segall-Corrêa AM, Ferreira MBR. Estudo do Conceito e Percepção de Segurança Alimentar e Nutricional entre os Guarani no Estado de São Paulo. In: Mendes RT, Vilarta R, Gutierrez GL, organizadores. Qualidade de vida e cultura alimentar. Campinas: Ipês Editorial; 2009. p. 167-76.,3333. Segall-Corrêa AM, Azevedo M, Marín L, Ferreira MB, Kepple AW, Panigassi G, et al. Estudo dos conceitos, conhecimentos e percepções sobre segurança, insegurança alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no Estado de SP. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2009., 2010 2626. Segall-Correa AM, Azevedo MM, Ferreira B, Kepple AW, León-Marin L. Perception of food insecurity among indigenous Guarani communities in the state of São Paulo, Brasil. The FASEB Journal 2010; 24 Suppl 1. https://www.fasebj.org/doi/abs/10.1096/fasebj.24.1_supplement.104.6.
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e 2018 2525. Segall-Correa AM, Marin-Leon L, Azevedo MMA, Ferreira MBRR, Gruppi DR, Camargo DFM, et al. The Brazilian food security scale for indigenous Guarani households: development and validation. Food Security 2018; 10:1547-59. compreendem as mesmas aldeias, sendo constituídos por um painel de especialistas em condições de alimentação e nutrição de diferentes povos indígenas, entre os quais os Guarani. No estudo de 2018, dessas discussões derivou uma primeira adaptação da EBIA, com 11 itens em português, posteriormente traduzidos ao Guarani.

As três publicações descrevem um total de três grupos focais, com as mesmas características, compostos por homens adultos, mulheres adultas e jovens. O estudo de 2018 2525. Segall-Correa AM, Marin-Leon L, Azevedo MMA, Ferreira MBRR, Gruppi DR, Camargo DFM, et al. The Brazilian food security scale for indigenous Guarani households: development and validation. Food Security 2018; 10:1547-59. descreve que os métodos dos grupos focais foram “adaptados à cultura Guarani”, sem, no entanto, detalhar as aldeias participantes, o número de integrantes ou onde aconteceram. No caso do relatório de pesquisa, publicado em 2009 3333. Segall-Corrêa AM, Azevedo M, Marín L, Ferreira MB, Kepple AW, Panigassi G, et al. Estudo dos conceitos, conhecimentos e percepções sobre segurança, insegurança alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no Estado de SP. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2009., os três grupos focais aconteceram em uma pousada, em ambiente considerado pelos pesquisadores semelhante ao da aldeia e propício à concentração dos participantes nas discussões. Participaram 20 indivíduos pertencentes a uma das quatro aldeias participantes da pesquisa 3333. Segall-Corrêa AM, Azevedo M, Marín L, Ferreira MB, Kepple AW, Panigassi G, et al. Estudo dos conceitos, conhecimentos e percepções sobre segurança, insegurança alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no Estado de SP. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2009.. A publicação de 2010 não menciona grupos focais, mas entrevistas com membros de uma das aldeias 2626. Segall-Correa AM, Azevedo MM, Ferreira B, Kepple AW, León-Marin L. Perception of food insecurity among indigenous Guarani communities in the state of São Paulo, Brasil. The FASEB Journal 2010; 24 Suppl 1. https://www.fasebj.org/doi/abs/10.1096/fasebj.24.1_supplement.104.6.
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Boa parte dos ajustes realizados ao longo do processo de validação da EBIA-G aconteceu por intermédio de contatos do grupo de pesquisa e especialistas não indígenas com lideranças e com o entrevistador indígena que, tendo sido selecionado segundo critérios de bilinguismo e capacidade de compreensão do estudo, acompanhou as diversas fases e reuniões da pesquisa sediadas na Universidade Estadual de Campinas 2525. Segall-Correa AM, Marin-Leon L, Azevedo MMA, Ferreira MBRR, Gruppi DR, Camargo DFM, et al. The Brazilian food security scale for indigenous Guarani households: development and validation. Food Security 2018; 10:1547-59.. Aplicada por esses entrevistadores, a EBIA-G passou por diferentes adaptações e testagens até atingir a sua versão final. Dos 15 itens originais da EBIA, chegou-se a uma versão validada final, com 6 itens, traduzidos ao Guarani 2525. Segall-Correa AM, Marin-Leon L, Azevedo MMA, Ferreira MBRR, Gruppi DR, Camargo DFM, et al. The Brazilian food security scale for indigenous Guarani households: development and validation. Food Security 2018; 10:1547-59..

Por um lado, os autores assinalam que as comunidades participantes não são “representativas” de outras comunidades Guarani ou de povos indígenas do país. Por outro, atribuem ao êxito da validação da EBIA-G a possibilidade de desenvolvimento de uma EBIA Indígena (EBIA-I), por meio de testes entre outros povos indígenas do Brasil 2525. Segall-Correa AM, Marin-Leon L, Azevedo MMA, Ferreira MBRR, Gruppi DR, Camargo DFM, et al. The Brazilian food security scale for indigenous Guarani households: development and validation. Food Security 2018; 10:1547-59.. É reafirmada a intenção de que a EBIA-I sirva à governança de gestores, aprimorando o sucesso em identificar grupos e avaliar impactos das iniciativas de amenização da insegurança alimentar de um dos segmentos mais vulneráveis do país 2525. Segall-Correa AM, Marin-Leon L, Azevedo MMA, Ferreira MBRR, Gruppi DR, Camargo DFM, et al. The Brazilian food security scale for indigenous Guarani households: development and validation. Food Security 2018; 10:1547-59..

A EBIA e a sociodiversidade indígena no Brasil: algumas reflexões

Entre as décadas de 1980 e 1990, as ideias sobre a diversidade étnica e cultural da composição populacional de diferentes países da América Latina ganharam expressão no corpus jurídico de suas Constituições Nacionais 3636. Sieder R, Organizador. Multiculturalism in Latin America: indigenous rights, diversity, and democracy. New York: Palgrave Macmillan; 2002.,3737. Hooker J. Indigenous inclusion/black exclusion: race, ethnicity and multicultural citizenship in Latin America. J Lat Am Stud 2005; 37:285-310.. Como em outros países sul-americanos, na década de 90 foram criados programas e ações de saúde direcionados aos povos indígenas que, ao menos juridicamente, incorporam noções de respeito às diferenças socioculturais, inclusive na produção de informações 3838. Ferreira LO. Interculturalidade e saúde indígena no contexto das políticas públicas brasileiras. In: Langdon EJ, Cardoso MD, organizadores. Saúde indígena: políticas comparadas na América Latina. Florianópolis: Editora da UFSC; 2015. p. 217-46., mais tarde estendidas a outras políticas públicas relativas a indígenas 3939. Shankland A, Athias R. Decentralisation and difference: indigenous peoples and health system in the brazilian amazon. IDS Bulletin 2006; 38:77-88..

Com relação à adequação da EBIA aos diferentes povos indígenas do país, isto implica compatibilizar o instrumento às especificidades de suas plurais visões de mundo, formas de organização social e noções de “condições de vida” ideais. As iniciativas devem dialogar com concepções nativas sobre sua alimentação, o que inclui avaliar se há e qual o sentido de noções caras às escalas, como “qualidade” e “quantidade” de comida. Esses conceitos têm sido detalhadamente analisados em trabalhos do campo da etnologia e antropologia da alimentação e nutrição de povos indígenas, alguns destes contando, também, com análises sobre consumo alimentar, sob uma perspectiva, digamos, biomédica. Ainda que específicos, os estudos apontam para questões a serem consideradas, reafirmando a miríade de formas pelas quais esses povos lidam com a alimentação e tudo o que a cerca 4040. Leite MS. Transformação e persistência: antropologia da alimentação e nutrição em uma sociedade indígena Amazônica. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2007.,4141. van Velthem LH. Comer verdadeiramente: produção e preparação de alimentos entre os Wayana. Horizontes Antropológicos 1996; 4:10-26.,4242. Silveira NH. Culinária mbya, um modo da persistência guarani. In: Silveira NH, Melo CR, Jesus SC, organizadores. Diálogos com os Guarani: articulando compreensões antropológicas e indígenas. Florianópolis: Editora da UFSC; 2016. p. 119-39..

Entre outras questões relevantes às formas de acesso a alimentos pelos domicílios indígenas, o dinamismo de seus sistemas alimentares e a sazonalidade devem ser especialmente considerados. Submetidos a crescentes pressões sobre seus territórios e, em muitos casos, à monetarização de suas economias alimentares, os sistemas alimentares nativos seguem em franca transformação 4040. Leite MS. Transformação e persistência: antropologia da alimentação e nutrição em uma sociedade indígena Amazônica. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2007.. A sazonalidade tem sido raramente investigada 4040. Leite MS. Transformação e persistência: antropologia da alimentação e nutrição em uma sociedade indígena Amazônica. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2007.,4343. Flowers NM. Seasonal factors in subsistence, nutrition, and child growth in a Central Brazilian community. In: Hames RB, Vickers WT, editors. Adaptive responses of native Amazonians. New York: Academic Press; 1983. p. 357-90., dimensão ausente também do desenho e da discussão das principais pesquisas relacionadas à EBIA, conforme demonstramos. O trabalho de Yuyama et al. 3131. Yuyama LKO, Py-Daniel V, Ishikawa NK, Medeiros JF, Kepple AW, Segall-Corrêa AM. Percepção e compreensão dos conceitos contidos na Escala Brasileira de Insegurança Alimentar, em comunidades indígenas no Estado do Amazonas, Brasil. Rev Nutr 2008; 21 Suppl:53s-63s. registra a importância da variável, que não foi efetivamente incorporada em iniciativas posteriores.

Nas discussões acerca de sua aplicação, parte da experiência de “(in)segurança alimentar” e da “fome” é entendida como universal e mensurável, ainda que em contextos de reconhecida singularidade. Contemplar a sociodiversidade indígena e ao mesmo tempo garantir a comparabilidade entre os diversos contextos etnográficos é também, parafraseando Azevedo et al. 1010. Azevedo MM, Segall-Corrêa AM, Ferreira MBR. Estudo do Conceito e Percepção de Segurança Alimentar e Nutricional entre os Guarani no Estado de São Paulo. In: Mendes RT, Vilarta R, Gutierrez GL, organizadores. Qualidade de vida e cultura alimentar. Campinas: Ipês Editorial; 2009. p. 167-76., um desafio que precisa ser enfrentado na busca por uma compreensão culturalmente sensível do fenômeno e, parece-nos, um dos mais significativos.

Uma vez aceita a possibilidade de haver elementos comuns, mensuráveis e comparáveis nas experiências de insegurança alimentar de povos plurais, o que fica de fora e poderia ser importante a esta compreensão, especialmente com base na perspectiva nativa? Autores como Coates et al. 2020. Coates J, Frongillo EA, Rogers BL, Webb P, Wilde PE, Houser R. Commonalities in the experience of household food insecurity across cultures: what are measures missing? J Nutr 2006; 136:1438S-48S. não deixam de aderir à ideia de que há muitos fatores comuns à experiência de insegurança alimentar, entre diversos povos e culturas no mundo. Mas também se perguntam, justamente, sobre o que essas coisas “comuns” podem deixar de “medir” ou “expressar”, uma possibilidade mesmo onde o uso das escalas demonstra ser internamente consistente.

Centrar análises sobre aspectos comuns e comparáveis, uma condição operativa do modelo escalar, pode conduzir a evitar ambiguidades e, ao mesmo tempo, a que redundâncias, talvez significativas da perspectiva nativa, sejam extraídas. Para capturar o universal na experiência da fome, justamente as particularidades daquela experiência vão sendo apagadas. A diversidade dos sistemas alimentares pode acabar sendo subtraída, “purificada” 4444. Latour B. Ciência em ação. São Paulo: Editora Unesp; 2000., no que talvez eles tenham de mais relevante do ponto de vista dos povos sobre os quais pretendemos conhecer e mensurar a experiência com sua comida e com a “fome”.

Na relação entre epistemologias possivelmente distintas, corre-se o risco do diálogo entre os conhecimentos nativo e científico assumir uma assimetria persistente, com predominância de um em detrimento de outro 4444. Latour B. Ciência em ação. São Paulo: Editora Unesp; 2000., apesar da franca disposição dos pesquisadores em dialogar. Afinal, as escalas de insegurança alimentar foram originalmente criadas com base na “nossa” compreensão de eventos e situações selecionados e interpretados como relevantes ao constructo da insegurança alimentar e da “fome”.

Como afirmam Webb et al. 2121. Webb P, Coates J, Frongillo Jr. EA, Rogers BL, Swindale A, Bilinsky P. Measuring household food insecurity: why it's so important and yet so difficult to do. J Nutr 2006; 136:1404S-8S., o “acesso à comida” demonstrou ser um conceito relativo à experiência de insegurança alimentar dos domicílios americanos. Porque proveniente desse universo, sua compreensão prescinde mesmo da privação alimentar efetiva para existir entre os entrevistados. Nesse caso, o comprometimento do acesso à comida explicava melhor o estado nutricional das pessoas do que fatores como o acesso à atenção primária em saúde, à potabilidade da água ou ao saneamento adequado 2121. Webb P, Coates J, Frongillo Jr. EA, Rogers BL, Swindale A, Bilinsky P. Measuring household food insecurity: why it's so important and yet so difficult to do. J Nutr 2006; 136:1404S-8S.. Isso implica assumir também que pode haver distintas relações entre renda e insegurança alimentar onde a produção de alimentos pelo próprio domicílio é significativa 2121. Webb P, Coates J, Frongillo Jr. EA, Rogers BL, Swindale A, Bilinsky P. Measuring household food insecurity: why it's so important and yet so difficult to do. J Nutr 2006; 136:1404S-8S..

Por sua vez, a importância da “disponibilidade” e do “acesso físico e econômico” aos alimentos está referida a uma epistemologia que associa o comprometimento gradativo deste acesso à piora das “condições de vida” domiciliares. A possibilidade de aquisição, armazenamento e gestão do acúmulo de comida, ao longo de um determinado período, são critérios centrais neste modelo. Mas o que significaria ou como se dá o “acesso” a alimentos no universo múltiplo de povos indígenas brasileiros?

Ainda que consistências possam estar fortemente expressas no valor de face das escalas de insegurança alimentar, sua adequação a cada um dos contextos socioculturalmente diversos de aplicação não pode prescindir de uma igualmente forte articulação com dados etnográficos. Do contrário, mesmo medidas consideradas mais robustas e consistentes poderão ter somente uma frágil conexão com a realidade analisada.

Escalas, povos indígenas e governança

Diante da reconhecida gravidade da situação alimentar e nutricional indígena no país, a adoção de uma escala única para avaliação e governança deve obedecer a um processo amplo, duradouro, interdisciplinar e, notadamente, participativo de discussão nacional, dialogando tanto com a sociodiversidade quanto com noções de bem-estar e saúde possivelmente diversas. O debate envolveria não apenas uma reflexão sobre o sentido que o conceito de insegurança alimentar possa ter para suas epistemologias de mundo, mas também a quais tipos de ações esta aplicação poderá conduzir. O conceito de segurança alimentar, afinal, tem sido alvo de preocupação de organizações indígenas, integrando levantamentos participativos e constituindo, mesmo, um eixo temático das duas últimas Conferências Nacionais de Saúde Indígena 4545. Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro. FUNAI, ISA E FOIRN assinam acordo de cooperação técnica para fortalecer a gestão indígena sobre territórios do Rio Negro. https://foirn.blog/2016/05/12/funai-isa-e-foirn-assinam-acordo-de-cooperacao-tecnica-act-para-fortalecer-a-gestao-indigena-sobre-territorios-do-rio-negro/ (acessado em 01/Mai/2020).
https://foirn.blog/2016/05/12/funai-isa-...
,4646. Fundação Nacional de Saúde. 4ª Conferência Nacional de Saúde Indígena. Relatório final. Brasília: Fundação Nacional de Saúde; 2007.,4747. Ministério da Saúde. 5ª Conferência Nacional de Saúde Indígena. Relatório final. Brasília: Ministério da Saúde; 2015..

Além de reconhecer a importância do problema, trata-se de incluir outras variáveis em sua compreensão, de modo a produzir soluções que tenham efetividade e, ao mesmo tempo, respeitem a diversidade dos modos de vida de povos indígenas, constitucionalmente prevista no Brasil. Reconhecendo as múltiplas dimensões da insegurança alimentar, Webb et al. 2121. Webb P, Coates J, Frongillo Jr. EA, Rogers BL, Swindale A, Bilinsky P. Measuring household food insecurity: why it's so important and yet so difficult to do. J Nutr 2006; 136:1404S-8S. mencionam que a usual associação da “fome” com a falta de disponibilidade de comida, e da falta de disponibilidade de comida com a produção de mais comida, conduziu a uma hiperconfiança em soluções de agricultura doméstica, para problemas que possivelmente tinham outras origens. Iniciativas inspiradas em diagnósticos fundados em um modo semelhante de conceber a vida e os problemas de povos indígenas no país têm se multiplicado ao longo da história. Projetadas para garantir e aumentar a produção de alimentos, seu excedente, gerar renda a partir dele ou gerar alimento por meio de políticas de transferência de renda, elas não têm alcançado resultados satisfatórios entre povos indígenas brasileiros 4848. Athila AR. "Gente que anda" e os percursos da "cidadania". In: Ricardo F, Ricardo B, organizadores. Povos indígenas no Brasil: 2011/2016. São Paulo: Instituto Socioambiental; 2017. p. 236-9..

Frequentemente, indígenas, suas formas de vida ou sua “incapacidade” em gerar “produção”, “excedente” ou “renda” são responsabilizados por condições desiguais de saúde, saneamento ambiental, degradação e limitação de seus territórios, histórica e juridicamente da competência do Estado. Intencionalmente ou não, a causa dos problemas tem seu eixo completamente deslocado. Mais recentemente, a política indigenista oficial reacende projetos constitucionalmente desautorizados de “integração” de povos indígenas à economia de mercado, como forma de usurpar ou ocupar indevidamente seus territórios, abrindo-os a atividades de mineração e ao agronegócio 4949. Carneiro da Cunha M, Caixeta R, Campbell JM, Fausto C, Kelly JA, Lomnitz C, et al. Indigenous peoples boxed in by Brazil's political crisis. Journal of Ethnographic Theory 2017; 7:403-26., ambos estimulados por ações de uma sucessão de Governos e, sem precedentes, pelo Governo atual.

Um estudo interdisciplinar sobre a percepção, a execução e o uso de recursos provenientes de programas nacionais relacionados à segurança alimentar e nutricional entre povos indígenas, entre os Shawi peruanos, demonstra quanto o respeito aos contextos culturais nativos - de suas configurações territoriais, histórico de contato a dietas e sistemas alimentares - é decisivo à capacidade das iniciativas em efetivamente promover suas condições de saúde 5050. Zavaleta C, Berrang-Ford L, Llanos-Cuentas A, Cárcamo C, Forda J, Silvera R, et al. Indigenous Shawi communities and national food security support: right direction, but not enough. Food Policy 2017; 73:75-87.. Em suas conclusões, os autores acrescentam outra dimensão importante ao aspecto da eficiência sanitária dos Programas. Considerar as especificidades de indígenas é, além do mais, um “imperativo moral” que atende resolutivamente às iniquidades de suas condições de saúde naquele país 5050. Zavaleta C, Berrang-Ford L, Llanos-Cuentas A, Cárcamo C, Forda J, Silvera R, et al. Indigenous Shawi communities and national food security support: right direction, but not enough. Food Policy 2017; 73:75-87..

No Brasil, onde também persistem as iniquidades históricas, em especial, de suas condições de saúde, esse imperativo moral está reforçado pelo imperativo jurídico de que as políticas públicas destinadas ao segmento adotem tanto formas de diagnóstico quanto soluções culturalmente sensíveis. Colocando dessa forma, o respeito à sociodiversidade de povos indígenas atende a um imperativo simultaneamente moral e jurídico, mas que não deixa de estar também relacionado à eficiência das políticas públicas a eles destinadas.

Conclusões

A produção de informações e o esforço de “tornar visíveis” os povos indígenas, suas condições sociodemográficas e de saúde, têm recomendado sua participação e de suas organizações, de modo que seus “valores, conceitos de saúde e prioridades” possam resultar na expressão e mensuração adequada de suas “noções de bem-estar e saúde” 22. Anderson I, Robson B, Connolly M, Al-Yaman F, Bjertness E, King A, et al. Indigenous and tribal peoples' health (The Lancet - Lowitja Institute Global Collaboration): a population study. Lancet 2016; 388:131-57.. Esse é um passo importante à correção das assimetrias do diálogo entre povos indígenas, seus sistemas alimentares e especialistas. No caso específico de uma possível EBIA-I, estudos pautados em etnografia e com profundidade temporal poderiam sugerir caminhos e percepções outras sobre esses povos e sua comida, fundados em outras epistemologias e conceitos que não aqueles adotados pelos Estados-nação. A participação de povos indígenas nesse processo envolveria, inclusive, a possibilidade de refletir sobre se e, em caso positivo, qual sentido a própria noção de “segurança alimentar” tem diante de suas epistemologias alimentares.

Mais precisamente, propomos que estudos etnográficos constituam componentes específicos da metodologia transdisciplinar dedicada à compreensão dos fenômenos da insegurança alimentar e da fome em contextos indígenas, na direção de um diálogo intercultural o mais simétrico possível. Os elementos aqui apontados, entre outros que possam emergir de um conhecimento progressivo das dinâmicas e perspectivas desses povos sobre a insegurança alimentar, devem ser considerados nas futuras iniciativas para compreender e medir a experiência da insegurança alimentar entre povos indígenas no país.

Por fim, faz-se necessário pensar criticamente quais tipos de ações estatais podem resultar da aplicação das Escalas de Insegurança Alimentar entre esses povos. Essa observação é válida tanto para o desenvolvimento de instrumentos de governança que sejam potencialmente capazes de atingir diretamente sua vida, gerando novas ações ou correções, como para a (re)formulação de políticas públicas às quais já tenham acesso.

Agradecimentos

A João Luiz Dornelles Bastos e Deise Bresan, pelos ricos diálogos sobre o tema. Ao Programa de Pós-graduação em Epidemiologia em Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, pela bolsa de pós-doutorado (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - bolsista de PNPD/Capes). À Fundação Wellcome Trust (203486/Z/16/Z).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Out 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    24 Out 2019
  • Revisado
    07 Maio 2020
  • Aceito
    14 Maio 2020
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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