Análise da qualidade dos dados das mortes cometidas por policiais no Município de São Paulo, Brasil, 2014-2015

Data quality analysis of deaths committed by the police in the city of São Paulo, Brazil, 2014-2015

Análisis de la calidad de datos de las muertes cometidas por policías en el municipio de São Paulo, 2014-2015

Marcelo Ryngelblum Maria Fernanda Tourinho Peres Sobre os autores

Resumos

A violência policial letal é um problema de saúde pública. Embora o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) seja o registro mais confiável sobre mortes por agressão, o mesmo não acontece nos casos de violência policial letal, que apresenta um alto grau de subnotificação quando comparado aos dados da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP). O presente estudo tem como objetivo estimar a subnotificação nas duas fontes oficiais de informação (SIM e SSP-SP), identificando as categorias da CID-10 utilizadas nos casos de violência policial letal incorretamente classificadas e calcular as taxas de mortalidade nos anos de 2014 e 2015 no Município de São Paulo, Brasil. Por meio da vinculação dos dados do SIM e da SSP-SP, descrevemos o uso das causas básicas de morte nos casos de violência policial letal, estimamos a subnotificação no SIM e na SSP-SP com a metodologia captura-recaptura e as taxas de mortalidade no município. A partir da vinculação das duas bases de dados, nota-se que a maior parte dos óbitos por violência policial letal foi classificada incorretamente (53%) em outras causas básicas de morte no SIM. Observa-se que tanto o SIM como a SSP-SP subnotificam as mortes cometidas por policiais em magnitudes distintas (53,2% no SIM e 7,9% na SSP-SP). A reclassificação dos óbitos a partir da vinculação adicionou ganho por parte do SIM, que passou a ter a mesma taxa média de mortalidade do que a SSP-SP (3,44/100 mil), diminuindo a subnotificação em comparação com o cenário inicial. O registro correto da morte é o primeiro passo para o direito à justiça e à verdade. Registrar com qualidade é garantir o direito à informação, sendo este não um fim, mas apenas o começo na tarefa da prevenção. O compartilhamento de dados e o trabalho intersetorial se faz urgente.

Palavras-chave:
Intervenção Legal; Polícia; Qualidade dos Dados; Mortalidade; Registros de Mortalidade


Deadly police force is a public health problem. Although the Mortality Information System (SIM) is the most reliable record of deaths from violence, the same is not true for cases of deadly police force, which displays a high degree of underreporting when compared to data from the São Paulo Department of Law Enforcement (SSP-SP). The current study aimed to estimate underreporting in the two official data sources (SIM and SSP-SP), identifying the ICD-10 categories used in cases of incorrectly classified deadly police force and mortality rates in the years 2014 and 2015 in the city of São Paulo, Brazil. Using linkage of data from the SIM and SSP-SP databases, we describe the use of underlying causes of death in cases of deadly police force, estimating underreporting in the SIM and the SSP-SP with the capture-recapture methodology and mortality rates in the city. Based on the database linkage, most of the deaths from deadly police force were classified incorrectly (53%) as other underlying causes of death in the SIM. Both the SIM and SSP-SP underreported the deaths committed by police officers, with different magnitudes (53.2% in the SIM and 7.9% in the SSP-SP). Reclassification of the deaths via linkage added a gain in the SIM, which now had the same mean mortality rate as the SSP-SP (3.44/100,000), thereby decreasing the underreporting in comparison to the initial scenario. Correct recording of death is the first step to the ensuring the right to justice and truth. Recording with quality means to guarantee the right to information, which is not an end per se, but the start in the task of prevention. Data-sharing and inter-sector work are urgently needed.

Keywords:
Legal Intervention; Police; Data Quality; Mortality; Mortality Registries


La violencia policial letal es un problema de salud pública. A pesar de que el Sistema de Información de la Mortalidad (SIM) sea el registro más fiable sobre muertes por agresión, este no se produce en los casos de violencia policial letal, que presenta un alto grado de subnotificación, cuando se compara con los datos de la Secretaria de Seguridad Pública de São Paulo (SSP-SP). Este estudio tiene como objetivo estimar la subnotificación en las dos fuentes oficiales de información (SIM y SSP-SP), identificando las categorías de la CID-10 utilizadas en los casos de violencia policial letal incorrectamente clasificados, así como calcular las tasas de mortalidad durante los años de 2014 y 2015 en el municipio de São Paulo, Brasil. Mediante la vinculación de los datos del SIM y de la SSP-SP, describimos el uso de las causas básicas de muerte en los casos de violencia policial letal, estimamos la subnotificación en el SIM y en la SSP-SP, con la metodología capture-recapture y las tasas de mortalidad en el municipio. A partir de la vinculación de las dos bases de datos, se nota que la mayor parte de los óbitos de violencia policial letal se clasificaron incorrectamente (53%) en otras causas básicas de muerte en el SIM. Se observa que tanto el SIM, como la SSP-SP, subnotifican las muertes cometidas por policías, en magnitudes distintas (53,2% en el SIM y 7,9% en la SSP-SP). La reclasificación de los óbitos a partir de la vinculación benefició al SIM, que pasó a tener la misma tasa media de mortalidad que la SSP-SP (3,44/100 mil), disminuyendo la subnotificación, en comparación con el escenario inicial. El registro correcto de la muerte es el primer paso para el derecho a la justicia y a la verdad. Registrar con calidad es garantizar el derecho a la información, siendo este no un fin, sino solo el comienzo de la tarea de prevención. El intercambio de datos y el trabajo intersectorial es algo urgente.

Palabras-clave:
Intervención Legal; Policia; Calidad de los Datos; Mortalidad; Registros de Mortalidad


Introdução

Desde os anos 1980, ocorreu no país uma mudança nos padrões de mortalidade. A transição epidemiológica se deu com aumento expressivo dos casos de homicídio, “o grande vilão da saúde pública11. Souza ER. Homicídios no Brasil: o grande vilão da saúde pública na década de 80. Cad Saúde Pública 1994; 10 Suppl 1:45-60.. Nos últimos 30 anos, o número de casos aumentou de cerca de 32 mil nos anos 1990 para cerca de 58 mil em 2019, sendo eles cometidos em sua maioria por arma de fogo 22. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada/Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Atlas da violência 2020. https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/24/atlas-da-violencia-2020 (acessado em 20/Out/2020).
https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/d...
. Esta escalada da violência vem gerando preocupação, tornando-se uma problemática prioritária para o campo da saúde 33. Minayo MCS, Souza ER, Silva MMA, Assis SG. Institucionalização do tema da violência no SUS: avanços e desafios. Ciênc Saúde Colet 2018; 23:2007-16..

Para além dos assustadores índices de homicídio no Brasil, ocorre também o crescimento da violência policial letal. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública44. Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Anuário de Brasileiro de Segurança Pública 2019. https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2019/10/Anuario-2019-FINAL_21.10.19.pdf (acessado em 20/Out/2020).
https://forumseguranca.org.br/wp-content...
, no ano de 2018, 6.220 pessoas foram mortas pela polícia, representando 10% de todas as mortes violentas intencionais neste ano.

O Estado de São Paulo, ao mesmo tempo em que vivencia uma drástica redução de homicídios desde os anos 2000, acompanha simultaneamente o aumento das mortes cometidas por policiais. Nos anos de 2017 e 2018, as mortes decorrentes da atividade policial representaram cerca de 20% de todas as vítimas letais no Estado de São Paulo 44. Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Anuário de Brasileiro de Segurança Pública 2019. https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2019/10/Anuario-2019-FINAL_21.10.19.pdf (acessado em 20/Out/2020).
https://forumseguranca.org.br/wp-content...
,55. Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo. Pesquisa sobre o uso da força letal por policiais de São Paulo e vitimização em 2017. ftp://ftp.sp.gov.br/ftpouvidoria-policia/UsoForcaLetal2017.pdf (acessado em 20/Out/2020).
ftp://ftp.sp.gov.br/ftpouvidoria-policia...
.

No Brasil, as fontes oficiais de informação sobre a mortalidade violenta são as Secretarias de Segurança Públicas (SSP) e/ou análogas, e as Secretarias Municipais e Estaduais de Saúde, sendo que as informações destas últimas são sistematizadas pelo Ministério da Saúde, por meio do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). Os dados que alimentam o SIM são extraídos das Declarações de Óbito (DO) e são classificados em sua causa básica a partir da 10ª Revisão da Classificação Internacional das Doenças (CID-10). As SSPs, por sua vez, sistematizam os crimes e delitos com base no Código Penal, com dados extraídos dos Boletins de Ocorrência (BO).

Se os registros do SIM são os mais confiáveis sobre as mortes por agressão 66. Cerqueira D. Mapa dos homicídios ocultos no Brasil. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 2013., o mesmo não acontece quando consideramos os casos de violência policial letal. Apesar do uso crescente, a categoria Intervenção Legal (código CID-10: Y35), que designa as mortes cometidas por policiais, continua apresentando um alto grau de subnotificação se comparados aos dados relativos às SSP.

No que se refere especificamente às mortes por Intervenção Legal (Y35), apesar de o Brasil ser um dos países com a maior quantidade de violência policial letal no mundo 77. Nunes SB. Trabalho sujo ou missão de vida? Persistência, reprodução e legitimidade da letalidade na ação da PMESP [Tese de Doutorado]. São Paulo: Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getulio Vargas; 2018., são praticamente inexistentes estudos realizados com o objetivo de avaliar a qualidade da informação e estimar sua subnotificação. Apenas dois artigos 88. Jesus T, Mota E. Fatores associados à subnotificação de causas violentas de óbito. Cad Saúde Colet (Rio J.) 2010; 18:361-70.,99. Lopes AS, Passos VMA, Souza MFM, Cascão AM. Melhoria da qualidade do registro da causa básica de morte por causas externas a partir do relacionamento de dados dos setores Saúde, Segurança Pública e imprensa, no estado do Rio de Janeiro, 2014. Epidemiol Serv Saúde 2018; 27:e2018058. que estimaram a subnotificação das mortes por causas externas, incluindo a categoria Intervenção Legal (Y35), foram encontrados.

Os resultados do primeiro estudo 88. Jesus T, Mota E. Fatores associados à subnotificação de causas violentas de óbito. Cad Saúde Colet (Rio J.) 2010; 18:361-70., realizado em Salvador (Bahia) a partir do uso de múltiplas fontes de dados e linkage, aponta para subnotificação de 32% das mortes por Intervenções Legais (Y35) no ano de 2005. Na classificação original, a causa básica de morte utilizada para todos esses óbitos foi a Agressão por Meio de Disparo de Outra Arma de Fogo ou de Arma Não Especificada (X95). Já o segundo estudo 99. Lopes AS, Passos VMA, Souza MFM, Cascão AM. Melhoria da qualidade do registro da causa básica de morte por causas externas a partir do relacionamento de dados dos setores Saúde, Segurança Pública e imprensa, no estado do Rio de Janeiro, 2014. Epidemiol Serv Saúde 2018; 27:e2018058., realizado no Estado do Rio de Janeiro a partir da vinculação de diversas bases de dados em 2014, apontou que, com a reclassificação dos óbitos a categoria Intervenção Legal (Y35), houve incremento de 744% de uso.

É possível afirmar que a problemática da subnotificação da violência policial letal no SIM não é exclusividade do Município de São Paulo e do Estado de São Paulo, mas um problema brasileiro e mundial. Nos Estados Unidos é o crescente interesse em elucidar os óbitos cometidos pela polícia nos sistemas de monitoramento da mortalidade, impulsionado principalmente pelas mobilizações sociais do movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam). Estudos 1010. Loftin C, McDowall D, Xie M. Underreporting of homicides by police in the United States, 1976-2013. Homicide Stud 2017; 21:159-74.,1111. Feldman JM, Gruskin S, Coull BA, Krieger N. Quantifying underreporting of law-enforcement-related deaths in United States vital statistics and news-media-based data sources: a capture-recapture analysis. PLoS Med 2017; 14:e1002449. são consistentes em apontar para uma subnotificação crônica e persistente dos Sistemas de Informação em Saúde (SIS) em monitorar este evento, sendo alcunhado de “mistério oficial” 12. Esses casos são, segundo os autores, frequentemente subnotificados, o que pode nos levar a conclusões equivocadas a respeito dos padrões da violência policial letal. Em 2015, o jornal inglês The Guardian (https://www.theguardian.com/us-news/series/counted-us-police-killings, acessado em 20/Out/2020) começou uma contagem paralela de violência policial letal via o site The Uncounted, nos Estados Unidos.

Embora haja, por parte do Município de São Paulo, uma preocupação com a melhoria da qualidade dos dados de mortalidade, com o Programa de Aprimoramento das Informações de Mortalidade (PRO-AIM), o uso da categoria Intervenção Legal (Y35) ainda é problemático quando nos propomos a analisar a frequência e a distribuição das mortes perpetradas pela polícia. Ainda que a qualidade dos dados envolva diferentes aspectos, como erros e falta de preenchimento das informações sociodemográficas, como erros de declaração de idade, raça/cor da pele e erros na declaração de causas de morte, o foco deste artigo é subnotificação, investigando o alcance dos sistemas de informação nos casos de violência policial letal.

A hipótese é que tanto a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo (SMS-SP) quanto a SSP-SP apresentam números de mortes perpetradas pela polícia que estão subestimados em magnitudes distintas. Os objetivos são: (1) estimar a magnitude de subnotificação nas duas fontes oficiais de informação, o SIM, e os BOs da SSP-SP no período de 2014 e 2015; (2) identificar as categoriais da CID-10 mais frequentemente utilizadas nos casos de violência policial letal incorretamente classificadas; e (3) calcular a taxa de mortalidade por violência policial após reclassificação e estimação do número casos.

Métodos

Este artigo consiste em estudo epidemiológico descritivo de avaliação do SIM/PRO-AIM do Município de São Paulo quanto à notificação/registro e a classificação dos óbitos por violência policial letal ocorridos no município nos anos de 2014 e 2015. Optou-se por dois anos de análise, por apresentar robustez suficiente para a apreensão dos padrões de subnotificação de violência policial letal. Ademais, 2014 é um ano-chave, pois marca a tendência de crescimento de violência policial letal no Município de São Paulo, que se mantêm até hoje.

O estudo foi realizado no Município de São Paulo, que possui aproximadamente 12 milhões de habitantes (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas. https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/sao-paulo/panorama, acessado em 20/Out/2020) e, segundo o Atlas do Desenvolvimento Humano, seu índice de desenvolvimento humano (IDH) é de 0,805, o que situa a cidade na faixa de IDH alto (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas. https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/sao-paulo/pesquisa/37/30255, acessado em 20/Out/2020).

Fontes de informação

As duas fontes oficiais de informação foram utilizadas: os dados do PRO-AIM da SMS-SP e os dados provenientes dos BOs disponíveis no sistema de Registro Digital de Ocorrência da Polícia Civil (RDO) ligados à SSP-SP.

Secretaria Municipal de Saúde (PRO-AIM)

O PRO-AIM é o gestor municipal do SIM em São Paulo 1313. Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo. PRO-AIM - Programa de Aprimoramento das Informações de Mortalidade. https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/saude/epidemiologia_e_informacao/mortalidade/index.php?p=29586 (acessado em 07/Set/2020).
https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/...
. As informações que alimentam o sistema são extraídas das DOs que seguem a CID-10 para definição da causa básica de óbito. No caso das mortes por causas externas, a DO é preenchida pelo médico legista após exame necroscópico realizado no Instituto Médico Legal (IML).

Uma base de dados foi disponibilizada contendo todos os óbitos ocorridos no Município de São Paulo nos anos de 2014 e 2015, classificados em sua causa básica como Intervenção legal (Y35), agressão por disparo de arma de fogo (X93, X94 e X95), suicídio/lesão autoinflingida por disparo de arma de fogo (X72, X73 e X74), Disparo de Outra Arma de Fogo e de Arma de Fogo Não Especificada, Intenção Não Determinada (Y24) e Outras Causas Mal Definidas e as Não Especificadas de Mortalidade (R99).

Secretaria de Segurança Pública

Bases de dados com informações extraídas dos BOs registrados como morte decorrente de intervenção policial nos anos de 2014 e 2015 foram obtidas no Portal da Transparência da SSP-SP (http://www.ssp.sp.gov.br/transparenciassp/, acessado em 20/Out/20).

Adicionalmente, por meio da Lei de Acesso à Informação 1414. Brasil. Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei nº 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. Diário Oficial da União 2011; 18 nov. (LAI-5417918983), foi consultada a totalidade dos BOs de morte decorrente de intervenção policial ocorridos no mesmo período, com o histórico e a descrição dos eventos. Todos os BOs foram lidos em sua íntegra e as informações existentes foram utilizadas para preencher eventuais lacunas, corrigir imprecisões e acrescentar casos ausentes na base de dados disponível na Internet, melhorando a qualidade das informações. Em situações em que ocorreram divergências, optou-se por eleger as acessadas via LAI como a fonte mais confiável.

Ressalta-se que, mesmo após o pedido via LAI e aprovação do projeto por Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (processo nº 2.785.759), a SSP-SP não disponibilizou os nomes das vítimas que foram a óbito após confronto com a polícia, com intuito de manter sigilo e preservar a identidade. Essa informação, entretanto, está presente no banco público disponibilizado na internet, o que tornou possível o posterior linkage com o banco de dados fornecido pelo PRO-AIM.

Vinculação dos bancos de dados

Realizou-se a vinculação das bases de dados de mortalidade do SIM/PRO-AIM com a base de dados dos BOs de morte decorrente de intervenção policial, com objetivo de identificar as principais causas básicas de óbito (CID-10) utilizadas pelos médicos legistas na DO, quando não utilizada a categoria apropriada, Intervenção Legal (Y35). A vinculação possibilitou também estimar a subnotificação das mortes por violência policial letal por meio da metodologia de captura/recaptura ou Multiple System Estimation (MSE) e calcular a taxa de mortalidade corrigida.

Uma vez que nem todos os BO continham o nome das vítimas, duas estratégias para a vinculação das bases foram utilizadas: (i) vinculação dos casos com nome no BO; e (ii) vinculação dos casos sem nome no BO.

Vinculação dos casos com nome no BO

Para a busca das vítimas identificadas com nome no BO (n = 511; 64,3%), lançou-se mão método probabilístico de registro utilizando o software Reclink (http://reclink.sourceforge.net/). O método probabilístico pode ser dividido em três fases: padronização de registros, blocagem de registros e o pareamento 1515. Camargo Jr. KR, Coeli CM. Reclink: aplicativo para o relacionamento de bases de dados, implementando o método probabilistic record linkage. Cad Saúde Pública 2000; 16:439-47.,1616. Jaro MA. Advances in record-linkage methodology as applied to matching the 1985 census of Tampa, Florida. J Am Stat Assoc 1989; 84:414-20.. A padronização consiste na preparação dos bancos de dados e seus campos, sendo fundamental nos campos não estruturados. Feita a padronização, todos os registros duplicados foram excluídos.

Para a padronização um soundex, foi criado para o campo primeiro nome e último sobrenome, transformando-os em um código fonético. Com esse procedimento, é possível estabelecer uma comparação fonética entre palavras desconsiderandosu a escrita.

Na fase de blocagem, foram construídos blocos lógicos para a comparação dos campos comuns em ambos os bancos de dados. Com a construção dos blocos lógicos, ordenaram-se as comparações segundo nossa lógica de busca. O soundex do primeiro nome e soundex do último sobrenome foram utilizados.

O pareamento foi realizado com base no escore atribuído a cada par. O escore final é calculado a partir dos escores ponderados de cada campo utilizados no pareamento e indica a probabilidade de que os registros sejam da mesma pessoa. Jaro 1616. Jaro MA. Advances in record-linkage methodology as applied to matching the 1985 census of Tampa, Florida. J Am Stat Assoc 1989; 84:414-20. aponta que uma alta probabilidade de semelhança contribui positivamente para o score, enquanto uma baixa probabilidade de semelhaça contribui negativamente. Fellegi & Sunter 1717. Fellegi IP, Sunter AB. A theory for record linkage. J Am Stat Assoc 1969; 64:1183-210. propõem a definição de scores limiares para a classificação dos pares em três categorias: pares verdadeiros, pares duvidosos e falsos.

Os seguintes pontos de corte foram utilizados: m = 95 verdadeiros, u = 5 falsos e 85 duvidosos. Segundo Camargo Jr. & Coeli 1515. Camargo Jr. KR, Coeli CM. Reclink: aplicativo para o relacionamento de bases de dados, implementando o método probabilistic record linkage. Cad Saúde Pública 2000; 16:439-47., m representa a probabilidade de o campo identificar um par verdadeiro, quando ele é realmente verdadeiro, e u designa a probabilidade do campo de identificar um par verdadeiro, quando na verdade ele é falso.

Por se tratar de um banco de dados pequeno, optou-se por revisar todos os pares manualmente para confirmar a autenticidade dos pares verdadeiros, garantindo assim a qualidade do linkage1818. Coeli CM. Qualidade do linkage de dados precisa de mais atenção. Cad Saúde Pública 2015; 31:1349-50..

Vinculação dos casos sem nome no BO

Para a vinculação dos BOs sem nome (n = 283; 35,7%) com as DOs, três critérios foram utilizados para atestar a veracidade dos pares. Esta etapa foi realizada manualmente, verificando se as vítimas contemplavam os três critérios:

(1) Data da emissão do BO e da DO: os documentos deveriam ter sido emitidos no mesmo dia ou dentro de um intervalo de três dias, conforme o desvio padrão médio apontado pelos casos daqueles que possuíam nome;

(2) Local de óbito ser o mesmo nos dois documentos, seja o logradouro em que ocorreu a situação de conflito ou a unidade de saúde em que ocorreu o óbito;

(3) Não haver outros óbitos no mesmo logradouro/hospital no período (a não ser que seja do mesmo BO e/ou já identificado como outro par verdadeiro).

Busca das causas básicas de óbito e reclassificação dos óbitos

Após a vinculação das bases de dados, todos os casos identificados no BO como morte decorrente de intervenção policial e que não foram classificados em sua causa básica na DO como óbito por Intervenção Legal (Y35) foram identificados. Uma análise descritiva das causas básicas de óbito destes casos foi realizada com o objetivo de identificar as causas de óbito mais utilizadas. Posteriormente, todos esses casos foram reclassificados para a causa básica Intervenção Legal (Y35).

Estimativa da subnotificação

Com intuito de investigar a subnotificação das mortes cometidas pela polícia no Município de São Paulo, o método MSE foi utilizado. O método MSE busca estimar o tamanho total de uma população a partir de diversas listas parciais e suas sobreposições. Originalmente, foi concebido para o uso no campo da Ecologia e, nos últimos anos, seu uso se ampliou para outros campos 1919. Lum K, Price M, Banks D. Applications of multiple systems estimation in human rights research. Am Stat 2013; 67:191-200.. Esse método foi empregado no contexto das Comissões de Justiça e Verdade, ao redor do mundo, quando se buscou estimar as mortes e desparecimentos políticos. Essa metodologia também foi empregada nos Estados Unidos para estimar a subnotificação das mortes cometidas por policiais 2020. Banks D, Couzens L, Blanton C, Cribb D. Arrest-related deaths program assessment. Washington DC: U.S. Department of Justice; 2015.,2121. Lum K, Ball P. Estimating undocumented homicides with two lists and list dependence. s.l.: Human Rights Data Analysis Group; 2015.,2222. Feldman J, Gruskin S, Coull BA, Krieger N. Validity of media-based data and misclassification of death certificates in Massachusetts, 2004-2016. Am J Public Health 2017; 107:1624-6.. Nesses casos em específico, o MSE busca apreender padrões de violência que não são completamente aparentes nos dados oficiais.

Utilizando a metodologia do MSE, o número de casos de violência policial letal e, consequentemente, sua subnotificação no Município de São Paulo nos anos de 2014 e 2015 foram estimados. Para o MSE, foi utilizado o pacote Rcapture2323. Baillargeon S, Rivest LP. Rcapture: loglinear models for capture-recapture in R. J Stat Softw 2007; 19:1-31. do Rstudio (https://www.rstudio.com/).

Na concepção original do MSE, existem quatro pressuposições sobre as populações e as listas que precisam ser respeitadas 1919. Lum K, Price M, Banks D. Applications of multiple systems estimation in human rights research. Am Stat 2013; 67:191-200.:

(1) Sistema Fechado: população de interesse não se alterou ao longo do tempo. Este princípio raramente é violado em casos de violência letal, uma vez que estamos nos debruçando sobre dados de anos e locais determinados e dificilmente haverá alteração nos óbitos;

(2) Pareamento Perfeito: a sobreposição entre as listas deve ser perfeitamente realizada conforme descrito;

(3) Igualdade de Probabilidade de Captura nas Listas: toda vítima deve ter a mesma probabilidade de ser incluída em uma das duas listas. Nos casos de violência policial letal, em especial, esse princípio é raramente respeitado, uma vez que vítimas mais conhecidas, ou com maior repercussão na mídia, têm maior probabilidade de estar em uma das listas, por exemplo 1919. Lum K, Price M, Banks D. Applications of multiple systems estimation in human rights research. Am Stat 2013; 67:191-200.;

(4) Independência das Listas: Estar em uma das listas não altera a probabilidade de estar na outra lista. Esse princípio é comumente violado quando trabalhamos com duas bases de dados sobre um mesmo evento. No nosso caso, o médico legista que preenche a DO tem acesso ao BO. Dessa forma, em tese, a definição da causa básica de óbito não é independente da informação contante no BO. Quando a dependência das listas é positiva, como neste caso, a tendência é de que ocorra subestimação dos óbitos cometidos pela polícia 2121. Lum K, Ball P. Estimating undocumented homicides with two lists and list dependence. s.l.: Human Rights Data Analysis Group; 2015.,2222. Feldman J, Gruskin S, Coull BA, Krieger N. Validity of media-based data and misclassification of death certificates in Massachusetts, 2004-2016. Am J Public Health 2017; 107:1624-6..

Os pressupostos 3 e 4 são frequentemente violados e podem ser relaxados 1919. Lum K, Price M, Banks D. Applications of multiple systems estimation in human rights research. Am Stat 2013; 67:191-200.. Modelos log-lineares detectam e corrigem a estimativa considerando a dependência entre as listas (violação do princípio 4). O pacote Rcapture, por utilizar modelos log-lineares, permite o ajuste para dependência e produz estimativas de modelos distintos. A seleção do modelo que tem o melhor ajuste e estimativa populacional é feita com base no menor critério de informaçao de Akaike (AIC) 2323. Baillargeon S, Rivest LP. Rcapture: loglinear models for capture-recapture in R. J Stat Softw 2007; 19:1-31.. Intervalos de 95% de confiança (IC95%) são calculados assumindo normalidade assintótica.

Para estimativa do número de violência policial letal pelo MSE, os seguintes dados são considerados: número de óbitos que aparecem nas duas listas e número óbitos que aparecem em apenas uma das listas. Esses números compõem o total de unidades capturadas pelo modelo. Com base nas listas do PRO-AIM/SIM, da SSP-SP e da sobreposição entre as duas, identificada a partir do linkage, a população total (Noo) de violência policial letal no Município de São Paulo nos anos de 2014 e 2015 foi estimada. Foi estimado o número total de violência policial letal a partir dos óbitos de morte decorrente de intervenção policial na SSP-SP e dos óbitos por Intervenção Legal (Y35), após a reclassificação.

Com base no número de casos corrigidos após a vinculação das bases de dados e nas estimativas obtidas através do MSE, calculamos a subnotificação nas fontes de informação. A subnotificação foi calculada com base na Equação (1):

(sub%)=((ne-nrne)×100)(1)

Sendo n e o número de casos estimado ou corrigido e n r o número de casos registrados.

Taxas de mortalidade por 100 mil habitantes foram calculadas tendo como numerador: (i) número de casos de morte por Intervenção Legal (Y35) antes e após a reclassificação; (ii) número de morte decorrente de intervenção policial obtidos a partir da base de dados da SSP-SP; e (iii) estimativas obtidas por meio do MSE. Para todas as taxas, foram utilizadas a média de óbitos no numerador e a média da população residente no Município de São Paulo no denominador, obtida com a Fundação Seade (http://produtos.seade.gov.br/produtos/projpop/, acessado em 20/Out/2020).

Resultados

No período entre 2014 e 2015, o número de vítimas de violência policial letal no Município de São Paulo foi 794, segundo a SSP-SP, e 403, segundo o PRO-AIM. Os dados mostram uma diferença de 391 óbitos, com subnotificação de 49,24% por parte da SMS-SP em comparação ao total de BOs. Além dos casos de óbito por Intervenção Legal, o PRO-AIM registrou, no período, 2.340 mortes por agressões por disparos de armas de fogo (X93-X95), 99 por suicídios cometidos por armas de fogo (X72-74), 147 por disparo de outras armas de fogo não especificadas de intenção não determinada (Y24) e 1.117 óbitos com causa mal definida (R99), totalizando 4.106 óbitos.

A partir da busca dos casos com nome no BO (n = 511), entre os 4.106 óbitos constantes na base do PRO-AIM, 495 casos (97%) foram pareados. A análise dos scores de concordância entre as variáveis de blocagem resultou em uma média e mediana de 13,2 (SD: 0,15). Já nos casos sem nome no BO (n = 283), 231 casos (81,5%) foram pareados. Assim, 726 pares verdadeiros (91,5%) foram encontrados.

Destes, 50% foram classificados como mortes por agressões por disparos de armas de fogo (X93-95) e 3% como disparo de outras armas de fogo não especificadas de intenção não determinada (Y24). Não foi encontrado nenhum morte decorrente de intervenção policial classificado nas categorias R99 (causas mal definidas) e X72-74 (suicídios por arma de fogo).

Foi possível reclassificar 386 óbitos no banco de dados do SIM, aumentando em 95,7% o uso da categoria Intervenção Legal (Y35) da CID-10 para o período de 2014 e 2015, passando de 403 óbitos para 789 mortes por violência policial letal.

Após a vinculação das bases, observa-se que 726 vítimas aparecem nos dois bancos e 131 aparecem em apenas um, sendo que 68 estão apenas na lista da SSP-SP e 63 no PRO-AIM.

Considerando o número de casos nas duas listas (n = 726) e o número de casos em apenas uma das listas (n = 131), o modelo capturou o total de 857 unidades. O modelo que mostrou melhor ajuste aos dados (M0) sugere 863 casos de violência policial letal. Após correção para a dependência entre as duas listas, o número de óbitos estimados foi de 862 (IC95%: 858-868).

Com base nos resultados e considerando que o PRO-AIM registrou 403 casos de violência policial letal (classificados originalmente como Y35) e a SSP-SP reportou 794 morte decorrente de intervenção policial, verifica-se que o PRO-AIM subnotificou em 53,24% e a SSP-SP em 7,88% o número de casos de violência policial letal. Quando são considerados os óbitos do PRO-AIM reclassificados via o linkage, observa-se subnotificação de apenas 8,47%.

Na Tabela 1 é apresentado um sumário dos resultados obtidos para as estimativas e os cálculos da subnotificação. Observa-se que a vinculação das bases de dados da SMS-SP e da SSP-SP já impacta positivamente na qualidade da informação sobre violência policial letal. As estimativas pelo MSE resultam em um número de casos superior ao encontrado com a reclassificação dos óbitos após a vinculação.

Tabela 1
Número de casos registrados, corrigidos e estimados de violência policial letal e estimativas de subnotificação de informação no Município de São Paulo, Brasil, 2014-2015.

A Tabela 2 mostra as taxas de violência policial letal por 100 mil habitantes, considerando os casos registrados e corrigidos após a vinculação das bases de dados das duas fontes e a estimativa do MSE.

A taxa média estimada de violência policial letal via MSE é 3,73 por 100 mil habitantes, superior à encontrada nos casos registrados pela SSP-SP e pelo PRO-AIM original e corrigido. As taxas médias dos casos registrados pela SSP-SP e reclassificados via linkage são idênticas, apontando para os benefícios da reclassificação.

Tabela 2
Taxas de violência policial letal por 100.000 habitantes no Município de São Paulo, Brasil, 2014-2015.

Com base nessa estimativa, há o aumento de 114,3% na taxa média quando comparada com os dados originais do PRO-AIM na classificação Intervenção Legal (Y35) e 8,43% comparada à taxa média registrada pela SSP-SP e pelos óbitos reclassificados via linkage.

Discussão

O estudo teve como objetivo estimar a subnotificação das mortes por violência policial letal no Município de São Paulo, identificar as categoriais da CID-10 utilizadas nos casos incorretamente classificados e auferir o número de óbitos por meio do método MSE e a taxa de mortalidade por violência policial letal. O número de casos oficialmente registrados pelo SIM/PRO-AIM e pela SSP-SP difere substancialmente, em torno de 100%, evidenciando a subutilização da categoria Intervenção Legal (Y35). Conforme nossa hipótese, as duas fontes de informação subnotificam esse tipo de evento, mas em magnitudes distintas quando utilizamos as estimativas apontadas via MSE (53,24% no SIM e 7,88% na SSP-SP). A existência de divergência entre essas duas fontes de informação é reconhecida na literatura e não expressa a totalidade de casos de violência policial letal 88. Jesus T, Mota E. Fatores associados à subnotificação de causas violentas de óbito. Cad Saúde Colet (Rio J.) 2010; 18:361-70.,99. Lopes AS, Passos VMA, Souza MFM, Cascão AM. Melhoria da qualidade do registro da causa básica de morte por causas externas a partir do relacionamento de dados dos setores Saúde, Segurança Pública e imprensa, no estado do Rio de Janeiro, 2014. Epidemiol Serv Saúde 2018; 27:e2018058.,1111. Feldman JM, Gruskin S, Coull BA, Krieger N. Quantifying underreporting of law-enforcement-related deaths in United States vital statistics and news-media-based data sources: a capture-recapture analysis. PLoS Med 2017; 14:e1002449.,1212. Krieger N, Chen JT, Waterman PD, Kiang MV, Feldman J. Police killings and police deaths are public health data and can be counted. PLoS Med 2015; 12:e1001915.,2121. Lum K, Ball P. Estimating undocumented homicides with two lists and list dependence. s.l.: Human Rights Data Analysis Group; 2015.,2222. Feldman J, Gruskin S, Coull BA, Krieger N. Validity of media-based data and misclassification of death certificates in Massachusetts, 2004-2016. Am J Public Health 2017; 107:1624-6..

Uma das causas para a divergência entre os sistemas poderia ser a utilização de classificações distintas. Nos casos de óbito que decorrem de uma violência interpessoal intencional cometida por arma de fogo não perpetrada por um policial, a categoria da CID-10 utilizada é a mortes por agressões por disparos de armas de fogo (X93-Y09), enquanto, do ponto de vista criminal, estão previstos distintos tipos penais como homicídio, latrocínio ou lesão corporal seguida de morte. O mesmo não ocorre nos casos de violência policial letal: tanto a CID-10 como a SSP-SP apresentam apenas uma categoria para classificar esses casos, respectivamente a Intervenção Legal (Y35) e o morte decorrente de intervenção policial. Dessa forma, não seria esperada uma diferença no número de casos de cerca de 100% e a grande subnotificação por parte do SIM/PRO-AIM.

O SIM é considerado o sistema de informação mais confiável para o estudo das mortes por agressão ou homicídios 66. Cerqueira D. Mapa dos homicídios ocultos no Brasil. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 2013.. As vantagens do SIM decorrem da sua abrangência nacional, boa cobertura, padronização do registro das informações na DO, sistematização em uma base de dados nacionais e acesso público aos dados, além da concentração de todos os casos de morte violenta interpessoal intencional em uma única categoria. Nas últimas décadas, esforços foram feitos no país para melhorar a qualidade dos dados de mortes por agressão, em especial no que se refere ao uso da categoria mortes por causa externa com intencionalidade indeterminada, grande responsável pela subnotificação das mortes por agressão na década de 1990. O mesmo não ocorreu em relação às mortes por Intervenção Legal (Y35). Apesar do uso crescente, a categoria Intervenção Legal (Y35) continua sendo subutilizada com alto grau de subnotificação, comparando-se aos dados produzidos pelas SSP-SP 44. Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Anuário de Brasileiro de Segurança Pública 2019. https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2019/10/Anuario-2019-FINAL_21.10.19.pdf (acessado em 20/Out/2020).
https://forumseguranca.org.br/wp-content...
.

A partir da vinculação de duas bases de dados, observa-se que a maior parte dos óbitos por violência policial letal foram classificados incorretamente (53%), sendo a categoria mortes por agressões por disparos de armas de fogo (X93-95) a mais frequentemente utilizada. Embora não seja possível identificar, por meio deste estudo, as causas da subutilização da categoria Y35 no Município de São Paulo, alguns aspectos merecem ser discutidos. Considerando o fluxo que devem seguir todos os casos de morte por causa externa no país, é de responsabilidade do médico legista o preenchimento da DO após exame pericial necrosópico. O Ministério da Saúde 2424. Ministério da Saúde. A declaração de óbito: documento necessário e importante. 3ª Ed. Brasília: Ministério da Saúde/Conselho Federal de Medicina/Centro Brasileiro de Classificação de Doenças; 2009. (Série A. Normas e Manuais Técnicos). especifica, entre as causas externas de morte os homicídios, acidentes, suicídios e mortes suspeitas, não havendo nenhuma referência às mortes por Intervenção Legal, embora esta categoria esteja prevista como uma das causas externas de mortalidade na CID-10. Essa ausência pode, ao menos parcialmente, explicar a inexpressividade do uso desta categoria, como pudemos observar nesse estudo. Lacuna semelhante é encontrada quando se observa que o PRO-AIM, fonte de dados neste estudo, estabelece, entre suas atribuições, realizar investigação junto ao IML com o objetivo de aprimorar a informação da DO, garantindo sua qualidade nos casos de óbito por causas externas, especificamente homicídios, suicídios e acidentes 1313. Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo. PRO-AIM - Programa de Aprimoramento das Informações de Mortalidade. https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/saude/epidemiologia_e_informacao/mortalidade/index.php?p=29586 (acessado em 07/Set/2020).
https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/...
. A ausência de menção explícita à violência policial letal aponta para o ainda frágil reconhecimento das especificidades deste problema, entre as causas externas de morte, pelo campo da Saúde. Cabe ressaltar que a informação pode ser obtida na SSP-SP, órgão ao qual está vinculado o IML, por meio da consulta ao BO.

Em São Paulo, o IML está subordinado à Superintendência da Polícia Técnico-Científica e tem, entre suas funções, auxiliar as Polícias Civil e Militar, e o sistema judiciário. No Laudo, o perito registra as informações provenientes do corpo e as presenta como a “verdade dos fatos” que levou ao óbito 2525. Medeiros F. O morto no lugar dos mortos: classificações, sistemas de controle e necropolítica no Rio de Janeiro. Revista M. Estudos sobre a Morte, os Mortos e o Morrer 2018; 3:72-91.. A DO, por sua vez, é um documento que possui função legal e epidemiológica, que tem entre seus objetivos alimentar o SIM para gerar informações sobre a situação de saúde das populações 2424. Ministério da Saúde. A declaração de óbito: documento necessário e importante. 3ª Ed. Brasília: Ministério da Saúde/Conselho Federal de Medicina/Centro Brasileiro de Classificação de Doenças; 2009. (Série A. Normas e Manuais Técnicos). e esclarecer a circunstância em que ocorreu o óbito, com suas implicações jurídicas 88. Jesus T, Mota E. Fatores associados à subnotificação de causas violentas de óbito. Cad Saúde Colet (Rio J.) 2010; 18:361-70.,2626. Mello Jorge MHP, Cascão AM, Silva RC. Acidentes e violências: um guia para o aprimoramento da qualidade de sua informação. São Paulo: Ministério da Saúde/Universidade de São Paulo/Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde; 2003. (Série Divulgação, 10)..

Essa fronteira tênue da DO, com sua dupla função, jurídico-penal e sanitária, foi apontada como uma das causas para o preenchimento incorreto da causa básica de morte por receio de médicos legistas em envolvimentos futuros com autoridade policiais e judiciais 88. Jesus T, Mota E. Fatores associados à subnotificação de causas violentas de óbito. Cad Saúde Colet (Rio J.) 2010; 18:361-70.,2626. Mello Jorge MHP, Cascão AM, Silva RC. Acidentes e violências: um guia para o aprimoramento da qualidade de sua informação. São Paulo: Ministério da Saúde/Universidade de São Paulo/Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde; 2003. (Série Divulgação, 10).. Dada a importância das DOs para a produção de conhecimento em saúde, esforços feitos no sentido de desvinculá-lo do processo jurídico-policial e reforçar sua importância epidemiológica, melhorando a qualidade das informações sobre mortes por agressão e por violência policial no Brasil, mostram-se fundamentais.

Quando analisamos os óbitos por Intervenção Legal (Y35), cuja subnotificação em São Paulo é bastante significativa, assim como em Salvador 88. Jesus T, Mota E. Fatores associados à subnotificação de causas violentas de óbito. Cad Saúde Colet (Rio J.) 2010; 18:361-70. e no Rio de Janeiro 99. Lopes AS, Passos VMA, Souza MFM, Cascão AM. Melhoria da qualidade do registro da causa básica de morte por causas externas a partir do relacionamento de dados dos setores Saúde, Segurança Pública e imprensa, no estado do Rio de Janeiro, 2014. Epidemiol Serv Saúde 2018; 27:e2018058., é preciso questionar se as possíveis implicações jurídicas do uso da categoria Y35 pelos médicos legistas podem ser um dos motivos para a sua subutilização. É fundamental esclarecer os médicos-legistas sobre as possíveis consequências legais e dar garantias de que não serão penalizados no exercício de sua função 2727. Lozada EMK, Mathias TAF, Andrade SM, Aidar T. Informações sobre mortalidade por causas externas e eventos de intenção indeterminada, Paraná, Brasil, 1979 a 2005. Cad Saúde Pública 2009; 25:223-8.. Essa questão se torna mais relevante quando consideramos as mortes decorrentes da intervenção policial.

Outro aspecto a ser considerado é a vinculação do IML e, consequentemente, dos médicos legistas, à SSP-SP e às instituições policiais. A “Lei do Silêncio” 2828. Simões EMS, Reichenheim ME. Confiabilidade das informações de causa básica nas declarações de óbito por causas externas em menores de 18 anos no Município de Duque de Caxias, Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saúde Pública 2001; 17:521-31. nas DOs pode ser entendida tanto como expressão do medo das consequências como também um movimento de preservação institucional e corporativismo, uma vez que, mesmo possuindo as informações sobre os óbitos, os legistas não as transferem à DO e aos órgãos responsáveis 2828. Simões EMS, Reichenheim ME. Confiabilidade das informações de causa básica nas declarações de óbito por causas externas em menores de 18 anos no Município de Duque de Caxias, Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saúde Pública 2001; 17:521-31.,2929. Farias J. Governo de mortes: uma etnografia da gestão de populações de favelas no Rio de Janeiro [Tese de Dourotado]. Rio de Janeiro: Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2014.. Muitas vezes, optam por uma postura pragmática, acreditando que o esclarecimento das dinâmicas dos eventos que levaram à morte extrapola sua função, sendo de competência policial, e não médica, eximindo-se de maiores investigações, cabendo a ele apenas as informações sobre as lesões, e não sobre o contexto e/ou causa externa que gerou o óbito 3030. Melo CM, Bevilacqua PD, Barletto M. Production of information on mortality from external causes: meanings and significances in the filling out of death certificates. Ciênc Saúde Colet 2013; 18:1225-34..

Em um estudo etnográfico realizado no Rio de Janeiro 2929. Farias J. Governo de mortes: uma etnografia da gestão de populações de favelas no Rio de Janeiro [Tese de Dourotado]. Rio de Janeiro: Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2014., há o relato de uma avaliação realizada por um perito independente sobre um caso de violência policial letal. Segundo o autor 2929. Farias J. Governo de mortes: uma etnografia da gestão de populações de favelas no Rio de Janeiro [Tese de Dourotado]. Rio de Janeiro: Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2014. (p. 174), os “exames mal feitos, desidiosos, incompletos, falhos, omissos e incompetentes” exercem papel importante na burocracia da morte, uma vez que respostas evasivas, com economia de palavras e preenchimento inadequado, resultam em consequências drásticas para a investigação dos casos. A omissão dos peritos, “mata o morto” novamente, desumanizando sua existência e negando o direito à verdade 2525. Medeiros F. O morto no lugar dos mortos: classificações, sistemas de controle e necropolítica no Rio de Janeiro. Revista M. Estudos sobre a Morte, os Mortos e o Morrer 2018; 3:72-91.. Isso pode ser compreendido como a perpetuação de legados de desinformação e ocultamentos administrativos desenvolvidos na Ditadura Militar 2626. Mello Jorge MHP, Cascão AM, Silva RC. Acidentes e violências: um guia para o aprimoramento da qualidade de sua informação. São Paulo: Ministério da Saúde/Universidade de São Paulo/Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde; 2003. (Série Divulgação, 10).. Cabe acrescentar que, uma vez que a DO é um documento não apenas jurídico-penal, mas epidemiológico, o preenchimento falho e a classificação incorreta da causa de morte compromete o conhecimento fidedigno do perfil de mortalidade da população ao subnotificar as mortes por violência policial letal.

Epidemiologistas 1111. Feldman JM, Gruskin S, Coull BA, Krieger N. Quantifying underreporting of law-enforcement-related deaths in United States vital statistics and news-media-based data sources: a capture-recapture analysis. PLoS Med 2017; 14:e1002449.,1212. Krieger N, Chen JT, Waterman PD, Kiang MV, Feldman J. Police killings and police deaths are public health data and can be counted. PLoS Med 2015; 12:e1001915. têm discutido a necessidade de aprimoramento do sistema de monitoramento das mortes pela polícia nos Estados Unidos. Argumentam que a violência policial letal deve ser considerada um evento prioritário para vigilância epidemiológica, uma vez que a atuação policial não apenas reproduz as desigualdades, mas pode aprofundá-las 3131. González YM. "What citizens can see of the state": police and the construction of democratic citizenship in Latin America. Theor Criminol 2017; 21:494-511.. O monitoramento da violência policial letal se torna prioritário na medida em que é o Estado sancionando a violência, e no limite, decidindo quem deve morrer e quem deve viver.

No Brasil, embora não tenhamos ainda uma fonte alternativa de informações para pesquisa, iniciativas têm sido tomadas nesse sentido, como o Monitor da Violência (https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/), uma parceria entre o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o portal G1. A inexistência de uma fonte alternativa de informações sobre violência policial letal dificulta a identificação da subnotificação.

É nítido o ganho de informação com a utilização de duas fontes e sua vinculação, que poderia ser realizado de maneira contínua por exigir baixo orçamento e baixa tecnologia. A utilização das duas fontes de dados, para além de garantir ampliação da abrangência e a utilização correta da categoria de causa básica de morte, garante, conforme explicitamos em outro artigo 3232. Ryngelblum M, Peres MF. Social segregation and lethal police violence in the City of São Paulo (2014-2015). Ciênc Saúde Colet 2020; [Ahead of print]. http://www.cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/social-segregation-and-lethal-police-violence-in-the-city-of-sao-paulo-20142015/17710?id=17710.
http://www.cienciaesaudecoletiva.com.br/...
, o melhor preenchimento dos campos sociodemográficos das fontes de informação, possibilitando maior entendimento do fenômeno da violência policial letal e o ganho de qualidade de informação. A reclassificação dos óbitos garantiu ganho substancial por parte do PRO-AIM, que passou a ter a mesma taxa média de violência policial letal que a SSP-SP (3,44/100 mil). A vinculação dos bancos e a reclassificação da causa básica de óbito corrigiu o número de óbitos para valores bastante próximos àquele obtido com a estimativa.

Destaca-se que o PRO-AIM já utiliza estratégias para relacionamento entre bancos de dados 1313. Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo. PRO-AIM - Programa de Aprimoramento das Informações de Mortalidade. https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/saude/epidemiologia_e_informacao/mortalidade/index.php?p=29586 (acessado em 07/Set/2020).
https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/...
. A ampliação dessa prática com a inclusão da vinculação dos bancos de dados de mortalidade com os da SSP-SP reforçaria o caráter inovador e pioneiro do órgão, que é tido como exemplo de gestão municipal do SIM.

Este trabalho possui algumas limitações. A primeira reside no uso exclusivo de fontes oficiais, que apresentam problemas quanto à subnotificação de casos de violência policial letal. Para minimizar esse problema, utilizaram-se estimativas pelo método MSE. Infelizmente, não existem fontes alternativas de dados, o que poderia reforçar nossos resultados. Adicionalmente, a busca de casos foi realizada apenas entre os óbitos classificados nas categorias da CID-10 mortes por armas de fogo e as mortes mal definidas. Novos estudos devem ampliar esta busca. Em estudos futuros, um período de tempo maior pode tornar os resultados mais robustos.

Conclusões

O ano de 2020 evidenciou, como nunca antes, a brutalidade policial, com o caso George Floyd e sua repercursão mundial. Centenas de cidades pelo mundo foram ocupadas pela população, exigindo justiça e equidade racial sob a bandeira do Black Lives Matter. Também em 2020, a crise da COVID-19 destacou a importância da produção de dados em saúde, que se tornou objeto de controvérsia pública, com suas imprecisões e disputas de versões. Este trabalho se encontra na intersecção destes temas, uma zona cinzenta e pouco estudada. Os resultados evidenciam a grande subnotificação das mortes perpetradas pela polícia pelo PRO-AIM, assim como apontam para estratégias viáveis que poderiam ser adotadas para minimizar esse problema.

Cabe ressaltar que o direito ao registro correto da morte é o primeiro passo para o direito à justiça e à verdade. Registrar com qualidade e garantir o direito à informação não é o fim, mas apenas o começo da tarefa da prevenção. Se a impunidade é um duplo assassinato, o baixo monitoramento da violência policial letal e a qualidade precária da informação também se perpetuam como a repetição da violência no corpo já sem vida.

Agradecimentos

Coordenação de Epidemiologia e Informação (CEInfo), Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo; Coordenadoria de Análise e Planejamento (CAP), Secretaria de Segurança Pública de São Paulo; Fundo de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp); e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Referências

  • 1
    Souza ER. Homicídios no Brasil: o grande vilão da saúde pública na década de 80. Cad Saúde Pública 1994; 10 Suppl 1:45-60.
  • 2
    Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada/Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Atlas da violência 2020. https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/24/atlas-da-violencia-2020 (acessado em 20/Out/2020).
    » https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/24/atlas-da-violencia-2020
  • 3
    Minayo MCS, Souza ER, Silva MMA, Assis SG. Institucionalização do tema da violência no SUS: avanços e desafios. Ciênc Saúde Colet 2018; 23:2007-16.
  • 4
    Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Anuário de Brasileiro de Segurança Pública 2019. https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2019/10/Anuario-2019-FINAL_21.10.19.pdf (acessado em 20/Out/2020).
    » https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2019/10/Anuario-2019-FINAL_21.10.19.pdf
  • 5
    Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo. Pesquisa sobre o uso da força letal por policiais de São Paulo e vitimização em 2017. ftp://ftp.sp.gov.br/ftpouvidoria-policia/UsoForcaLetal2017.pdf (acessado em 20/Out/2020).
    » ftp://ftp.sp.gov.br/ftpouvidoria-policia/UsoForcaLetal2017.pdf
  • 6
    Cerqueira D. Mapa dos homicídios ocultos no Brasil. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 2013.
  • 7
    Nunes SB. Trabalho sujo ou missão de vida? Persistência, reprodução e legitimidade da letalidade na ação da PMESP [Tese de Doutorado]. São Paulo: Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getulio Vargas; 2018.
  • 8
    Jesus T, Mota E. Fatores associados à subnotificação de causas violentas de óbito. Cad Saúde Colet (Rio J.) 2010; 18:361-70.
  • 9
    Lopes AS, Passos VMA, Souza MFM, Cascão AM. Melhoria da qualidade do registro da causa básica de morte por causas externas a partir do relacionamento de dados dos setores Saúde, Segurança Pública e imprensa, no estado do Rio de Janeiro, 2014. Epidemiol Serv Saúde 2018; 27:e2018058.
  • 10
    Loftin C, McDowall D, Xie M. Underreporting of homicides by police in the United States, 1976-2013. Homicide Stud 2017; 21:159-74.
  • 11
    Feldman JM, Gruskin S, Coull BA, Krieger N. Quantifying underreporting of law-enforcement-related deaths in United States vital statistics and news-media-based data sources: a capture-recapture analysis. PLoS Med 2017; 14:e1002449.
  • 12
    Krieger N, Chen JT, Waterman PD, Kiang MV, Feldman J. Police killings and police deaths are public health data and can be counted. PLoS Med 2015; 12:e1001915.
  • 13
    Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo. PRO-AIM - Programa de Aprimoramento das Informações de Mortalidade. https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/saude/epidemiologia_e_informacao/mortalidade/index.php?p=29586 (acessado em 07/Set/2020).
    » https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/saude/epidemiologia_e_informacao/mortalidade/index.php?p=29586
  • 14
    Brasil. Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei nº 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. Diário Oficial da União 2011; 18 nov.
  • 15
    Camargo Jr. KR, Coeli CM. Reclink: aplicativo para o relacionamento de bases de dados, implementando o método probabilistic record linkage. Cad Saúde Pública 2000; 16:439-47.
  • 16
    Jaro MA. Advances in record-linkage methodology as applied to matching the 1985 census of Tampa, Florida. J Am Stat Assoc 1989; 84:414-20.
  • 17
    Fellegi IP, Sunter AB. A theory for record linkage. J Am Stat Assoc 1969; 64:1183-210.
  • 18
    Coeli CM. Qualidade do linkage de dados precisa de mais atenção. Cad Saúde Pública 2015; 31:1349-50.
  • 19
    Lum K, Price M, Banks D. Applications of multiple systems estimation in human rights research. Am Stat 2013; 67:191-200.
  • 20
    Banks D, Couzens L, Blanton C, Cribb D. Arrest-related deaths program assessment. Washington DC: U.S. Department of Justice; 2015.
  • 21
    Lum K, Ball P. Estimating undocumented homicides with two lists and list dependence. s.l.: Human Rights Data Analysis Group; 2015.
  • 22
    Feldman J, Gruskin S, Coull BA, Krieger N. Validity of media-based data and misclassification of death certificates in Massachusetts, 2004-2016. Am J Public Health 2017; 107:1624-6.
  • 23
    Baillargeon S, Rivest LP. Rcapture: loglinear models for capture-recapture in R. J Stat Softw 2007; 19:1-31.
  • 24
    Ministério da Saúde. A declaração de óbito: documento necessário e importante. 3ª Ed. Brasília: Ministério da Saúde/Conselho Federal de Medicina/Centro Brasileiro de Classificação de Doenças; 2009. (Série A. Normas e Manuais Técnicos).
  • 25
    Medeiros F. O morto no lugar dos mortos: classificações, sistemas de controle e necropolítica no Rio de Janeiro. Revista M. Estudos sobre a Morte, os Mortos e o Morrer 2018; 3:72-91.
  • 26
    Mello Jorge MHP, Cascão AM, Silva RC. Acidentes e violências: um guia para o aprimoramento da qualidade de sua informação. São Paulo: Ministério da Saúde/Universidade de São Paulo/Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde; 2003. (Série Divulgação, 10).
  • 27
    Lozada EMK, Mathias TAF, Andrade SM, Aidar T. Informações sobre mortalidade por causas externas e eventos de intenção indeterminada, Paraná, Brasil, 1979 a 2005. Cad Saúde Pública 2009; 25:223-8.
  • 28
    Simões EMS, Reichenheim ME. Confiabilidade das informações de causa básica nas declarações de óbito por causas externas em menores de 18 anos no Município de Duque de Caxias, Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saúde Pública 2001; 17:521-31.
  • 29
    Farias J. Governo de mortes: uma etnografia da gestão de populações de favelas no Rio de Janeiro [Tese de Dourotado]. Rio de Janeiro: Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2014.
  • 30
    Melo CM, Bevilacqua PD, Barletto M. Production of information on mortality from external causes: meanings and significances in the filling out of death certificates. Ciênc Saúde Colet 2013; 18:1225-34.
  • 31
    González YM. "What citizens can see of the state": police and the construction of democratic citizenship in Latin America. Theor Criminol 2017; 21:494-511.
  • 32
    Ryngelblum M, Peres MF. Social segregation and lethal police violence in the City of São Paulo (2014-2015). Ciênc Saúde Colet 2020; [Ahead of print]. http://www.cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/social-segregation-and-lethal-police-violence-in-the-city-of-sao-paulo-20142015/17710?id=17710
    » http://www.cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/social-segregation-and-lethal-police-violence-in-the-city-of-sao-paulo-20142015/17710?id=17710

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Out 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    05 Nov 2020
  • Revisado
    21 Jan 2021
  • Aceito
    29 Jan 2021
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br