A cor e o sexo da fome: análise da insegurança alimentar sob o olhar da interseccionalidade

The color and gender of hunger: analysis of food insecurity from an intersectional gaze

El color y el sexo del hambre: análisis de la inseguridad alimentaria desde la perspectiva de la interseccionalidad

Silvana Oliveira da Silva Sandra Maria Chaves dos Santos Cíntia Mendes Gama Giselle Ramos Coutinho Maria Elisabete Pereira dos Santos Natanael de Jesus Silva Sobre os autores

Resumos

Este trabalho objetiva analisar a (in)segurança alimentar domiciliar sob o olhar da interseccionalidade. Para isso, foram analisados 14.713 domicílios, utilizando-se um questionário estruturado e a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar, além dos dados do estudo transversal Qualidade do Ambiente Urbano de Salvador - QUALISalvador, realizado entre 2018 e 2020 em Salvador, Bahia, Brasil. A variável desfecho foi a situação de segurança alimentar (insegurança alimentar leve, moderada ou grave) e a variável exposição de interesse foi o cruzamento de raça/cor e sexo autodeclarado (homem branco, mulher branca, homem negro, mulher negra). Modelos de regressão logística multinominal foram usados para estimar a associação entre a exposição de interesse e o desfecho, ajustada a partir de questões socioeconômicas estratificadas segundo escolaridade e renda familiar per capita. Diante disso, concluiu-se que domicílios chefiados por mulheres negras apresentaram maior chance de insegurança alimentar leve (OR = 1,39; IC95%: 1,15-1,68; p = 0,001) e moderada ou grave (OR = 1,94; IC95%: 1,49-2,52; p < 0,001) em relação aos domicílios chefiados por homens brancos, além de maior chance de insegurança alimentar moderada ou grave em todos os níveis de escolaridade e nas faixas de até 1/2 salário mínimo e > 1 salário mínimo. Quando os responsáveis foram homens negros, a maior chance se apresentou na faixa > 1 salário mínimo. A insegurança alimentar nos domicílios chefiados por mulheres negras, mesmo em condições socioeconomicamente favoráveis, revela-se como uma das consequências da interação estrutural do racismo e do sexismo.

Palavras-chave:
Insegurança Alimentar; Interseccionalidade; Racismo; Sexismo


The aim of this study is to analyze home food (in)security via intersectionality. The data are from the cross-sectional study Quality of the Urban Environment of Salvador - QUALISalvador, conducted from 2018 to 2020 in Salvador, Bahia State, Brazil. A structured questionnaire and the Brazilian Food Insecurity Scale were used. A total of 14,713 households were analyzed. The outcome variable was the situation of food security: mild, moderate, or severe food insecurity. The exposure of interest variable was the intersection of the variables self-declared race/color and gender: white man, white woman, black man, black woman. Multinominal logistic regression models were used to estimate the association between exposure of interest and outcome, adjusted for socioeconomic variables and stratified according to education level and per capita family income. Households lead by black women had a higher chance of experiencing mild (OR = 1.39; 95%CI: 1.15-1.68; p = 0.001) and moderate or severe (OR = 1.94; 95%CI: 1.49-2.52; p < 0.001) food insecurity in relation to households lead by white men. They also had a higher chance of experiencing moderate or severe food insecurity in all levels of education and in the ranges of up to 1/2 minimum wage and > 1 minimum wage. When the person responsible for the household was a black man, the greatest chance for this condition was in the > 1 minimum wage. Food insecurity in households lead by black women, even in socioeconomically favorable conditions, is revealed as one of the consequences of the structural interaction of racism and sexism.

Keywords:
Food Insecurity; Intersectionality; Racism; Sexism


El objetivo de este estudio fue analizar la (in)seguridad alimentaria de los hogares desde la perspectiva de la interseccionalidad. Los datos son del estudio transversal Calidad del Medio Ambiente Urbano de Salvador - QUALISalvador, realizado entre el 2018 y el 2020 en Salvador, Bahía, Brasil. Se utilizó un cuestionario estructurado y la Escala Brasileña de Inseguridad Alimentaria. Se analizaron 14.713 hogares. La variable desenlace fue la situación de seguridad alimentaria, inseguridad alimentaria leve, moderada o severa. La variable de exposición de interés fue el cruce de las variables autoinformadas raza/color y sexo: hombre blanco, mujer blanca, hombre negro, mujer negra. Se utilizaron modelos de regresión logística multinomial para estimar la asociación entre la exposición de interés y el desenlace, ajustados por variables socioeconómicas y estratificadas, según la escolaridad y la renta familiar per cápita. Los hogares encabezados por mujeres negras presentaron una mayor probabilidad de inseguridad alimentaria leve (OR = 1,39; IC95%: 1,15-1,68; p = 0,001) y moderada o severa (OR = 1,94; IC95%: 1,49-2,52; p < 0,001) con relación a los hogares encabezados por hombres blancos. También presentaron una mayor probabilidad de inseguridad alimentaria moderada o severa en todos los niveles de escolaridad y en los rangos de hasta 1/2 salario mínimo y > 1 salario mínimo. Cuando el responsable era un hombre negro, la mayor probabilidad para esta condición se presentó en el rango > 1 salario mínimo. La inseguridad alimentaria en los hogares encabezados por mujeres negras, incluso en condiciones socioeconómicamente favorables, se revela como una de las consecuencias de la interacción estructural del racismo y del sexismo.

Palabras-clave:
Inseguridad Alimentaria; Interseccionalidad; Racismo; Sexismo


Introdução

Nas últimas décadas, foi produzido um conjunto de evidências que aponta desigualdades no acesso à alimentação no mundo 11. Hadley C, Lindstrom D, Tessema F, Belachew T. Gender bias in the food insecurity experience of Ethiopian adolescentes. Soc Sci Med 2008; 66:427-8.,22. Aurino E. Dos boys eat better than girls in India? Longitudinal evidence on dietary diversity and food consumption disparities among children and adolescents. Econ Human Biol 2017; 25:99-111.,33. Santos TG, Silveira JAC, Longo-Silva G, Ramires EKNM, Menezes RCE. Tendência e fatores associados à insegurança alimentar no Brasil: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2004, 2009 e 2013. Cad Saúde Pública 2018; 34:e00066917.,44. Graham E, Dallmann D, Melgar-Quiñonez H. Gender disparities in perceived life satisfaction within food insecure populations. Food Secur 2019; 11:493-502.,55. Food and Agriculture Organization of the United Nations; International Fund for Agricultural Development; United Nations Children's Fund; World Food Programme; World Health Organization. The state of food security and nutrition in the world 2021. Transforming food systems for food security, improved nutrition and affordable healthy diets for all. Rome: Food and Agriculture Organization of the United Nations; 2021.. No Brasil, estudos realizados com o objetivo de identificar os fatores associados à insegurança alimentar domiciliar em populações diversas encontram diferenças demográficas e socioeconômicas. Tanto características contextuais, como residir nas regiões Norte e Nordeste do país, quanto individuais, como viver com baixa renda, ser da raça/cor preta/parda e do sexo feminino são fatores relacionados com a maior prevalência de insegurança alimentar 33. Santos TG, Silveira JAC, Longo-Silva G, Ramires EKNM, Menezes RCE. Tendência e fatores associados à insegurança alimentar no Brasil: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2004, 2009 e 2013. Cad Saúde Pública 2018; 34:e00066917.,66. Marin-Leon L, Francisco PMSB, Segall-Corrêa AM, Panigassi G. Bens de consumo e insegurança alimentar: diferenças de gênero, cor de pele autorreferida e condição socioeconômica. Rev Bras Epidemiol 2011; 14:398-410.,77. Bittencourt LS, Santos SMC, Pinto EJ, Aliaga MA, Ribeiro-Silva RC. Factors associated with food insecurity in households of public school students of Salvador City, Bahia, Brazil. J Health Popul Nutr 2013; 31:471-9.,88. Facchini LA, Nunes BP, Motta JVS, Tomasi E, Silva SM, Thume E, et al. Insegurança alimentar no Nordeste e Sul do Brasil: magnitude, fatores associados e padrões de renda per capita para redução das iniquidades. Cad Saúde Pública 2014; 30:161-74.,99. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares: 2017-2018. Avaliação nutricional da disponibilidade domiciliar de alimentos no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2020.,1010. Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar. Inquérito nacional sobre a insegurança alimentar no contexto da pandemia da covid-19 no Brasil. http://olheparaafome.com.br (acessado em 20/Jul/2021).
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,1111. Lignani JB, Palmeira PA, Antunes MML, Salles-Costa R. Relationship between social indicators and food insecurity: a systematic review. Rev Bras Epidemiol 2020; 23:e200068..

Na base da discussão sobre os motivos da segurança alimentar domiciliar, Kepple & Segall-Corrêa 1212. Kepple AW, Segall-Corrêa AM. Conceituando e medindo segurança alimentar e nutricional. Ciênc Saúde Colet 2011; 16:187-99. desenvolveram um marco conceitual cujos determinantes múltiplos e intersetoriais estão distribuídos em três níveis: no nível macrossocioeconômico estão as políticas institucionais, internacionais e nacionais do campo econômico e social. No nível regional/local, o acesso aos alimentos é condicionado pelo emprego, pelo preço dos alimentos, pela disponibilidade de serviços públicos, educação e saúde, além da existência do racismo e discriminação na sociedade. E no nível domiciliar, estão as características demográficas e socioeconômicas dos indivíduos (raça, gênero, escolaridade e renda).

O marco conceitual elaborado por Kepple & Segall-Corrêa 1212. Kepple AW, Segall-Corrêa AM. Conceituando e medindo segurança alimentar e nutricional. Ciênc Saúde Colet 2011; 16:187-99. contribuiu para o avanço do debate sobre a segurança alimentar, pois se atentaram a um elemento estruturante da sociedade brasileira, o racismo, que, junto com as discriminações de gênero, torna-se determinante de oportunidades sociais e do acesso a recursos materiais. Esses dois pontos vêm sendo incorporados em análises sobre a insegurança alimentar, adicionando esse tema ao rol de consequências estruturais das desvantagens sociais vivenciadas pela população negra e pelas mulheres 1313. Oliveira e Silva D, Guerrero AFH, Guerrero CH, Toledo LM. A rede de causalidade da insegurança alimentar e nutricional de comunidades quilombolas com a construção da rodovia BR-163, Pará, Brasil. Rev Nutr 2008; 21 Suppl:83s-97.,1414. Afonso LFC, Correa NAF, Silva HP. Segurança alimentar e nutricional em comunidades quilombolas no Brasil: uma revisão da literatura indexada. Segur Aliment Nutr 2019; 27:e020003.,1515. Cherol CCS, Ferreira AA, Salles-Costa R. Social inequalities and household food insecurity in quilombola communities in Brazil. Rev Nutr 2021; 34:e200173.,1616. Siliprandi E. Políticas de segurança alimentar e relações de gênero. In: Corrêa L, organizador. Diálogos sobre o direito humano à alimentação adequada. Juiz de Fora: Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora; 2019. p. 171-89.,1717. Broussard NH. What explains gender differences in food insecurity? Food Policy 2019; 83:180-94..

No entanto, apesar da identificação recorrente de que a insegurança alimentar é mais prevalente entre a população negra e as mulheres, chamam atenção algumas críticas realizadas por autoras negras quanto às abordagens que consideram fatores associados às desigualdades, ignorando as diferenças dentro dos grupos e, na maioria das vezes, invisibilizando violações de direitos humanos 1818. Gonzalez L. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Ciências Sociais Hoje 1984; 1984:223-44.,1919. Crenshaw K. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Revista Estudos Feministas 2002; 10:171-88.,2020. Hooks B. E eu não sou uma mulher? Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos; 2019.. Por exemplo, mulheres brancas e negras em condição de pobreza não compartilham qualitativamente das mesmas experiências, visto que mulheres negras vivenciam, além da discriminação de gênero, o racismo, e, de forma articulada, essas distinções geram vulnerabilidades específicas. Nesse sentido, Crenshaw 1919. Crenshaw K. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Revista Estudos Feministas 2002; 10:171-88. cunhou o termo interseccionalidade, a fim de dar visibilidade às diferentes formas de subordinação que determinados grupos vivenciam em virtude de suas identidades. Crenshaw entende que a interseccionalidade busca capturar as consequências estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos de opressão, tratando da forma como o racismo, o sexismo, e outros sistemas de segregação criam desigualdades básicas que determinam a posição de grupos marginalizados na sociedade.

O uso da interseccionalidade na discussão das desigualdades exige análises contextuais, e, nesse sentido, para melhor compreensão quanto ao acesso à alimentação, é necessário avançar no entendimento de como eixos de opressão, de forma articulada, estruturam as posições dos grupos que vivem em contexto de maior suscetibilidade à insegurança alimentar. Ao investigar os níveis de insegurança alimentar em diferentes grupos, cruzando as características raciais e de gênero, pode-se compreender os possíveis obstáculos à garantia do acesso à alimentação adequada e suficiente. Para tanto, este artigo tem como objetivo analisar a (in)segurança alimentar segundo raça/cor e sexo sob o olhar da interseccionalidade, tendo como local de estudo Salvador, capital da Bahia, Brasil.

Métodos

Desenho e amostra do estudo

Este trabalho partiu de um estudo transversal de base populacional denominado Qualidade do Ambiente Urbano de Salvador - QUALISalvador, que teve como objetivo produzir conhecimento sobre a realidade urbana ambiental da cidade de Salvador 2121. Santos E, Benevides T, Borja PC, Moraes LRS, Oliveira N, Pedrassoli JC, et al., organizadores. QUALISalvador: qualidade do ambiente urbano na cidade da Bahia. 2ª Ed. Salvador: EDUFBA; 2022.. Em 2021, a população estimada de Salvador era de 2.900.319 habitantes, sendo o quarto município mais populoso do país. Em 2010, apresentava um alto Índice de Desenvolvimento Humano - IDH (0,754) 2222. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Cidades@. Salvador. https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ba/salvador/panorama (acessado em 28/Fev/2022).
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. A capital tem cerca de 80% da população autodeclarada preta e parda e é um território marcado pela expressiva segregação socioespacial, com históricas desigualdades sociais e raciais que afetam negativamente a população negra 2121. Santos E, Benevides T, Borja PC, Moraes LRS, Oliveira N, Pedrassoli JC, et al., organizadores. QUALISalvador: qualidade do ambiente urbano na cidade da Bahia. 2ª Ed. Salvador: EDUFBA; 2022..

Participaram do estudo famílias residentes dos 160 distritos domiciliares da capital. A amostra foi estratificada por bairro, sendo cada um considerado uma população e incluindo todos os domicílios particulares permanentes do local. O cálculo da amostra considerou a população estimada para cada bairro com base no Censo Demográfico de 2010 e no número de moradias cadastradas no sistema de informação da prestadora de serviço de saneamento básico, que cobre 98% das casas da cidade. Devido ao grande número de variáveis a serem estudadas na pesquisa QUALISalvador, a estimativa foi realizada pela proporção, e, para todas, foi considerada a proporção de 50% diante do desconhecimento de seu comportamento. Calculou-se um número amostral de 16.527 domicílios, com acréscimo de 5% para potenciais perdas, totalizando 17.352 habitações.

A equipe de geoprocessamento construiu uma base cadastral contendo todas as moradias de cada bairro, selecionadas aleatoriamente, com igual probabilidade e sem reposição. Essa seleção foi realizada no software estatístico R, versão 3.3.1 (http://www.r-project.org). Cada domicílio selecionado recebeu um número identificador (Id), de forma que foram identificados e georreferenciados. A pesquisa trabalhou com o grau de 90% confiança e margem de erro máxima de 8%. A margem de erro para bairros específicos foi alterada diante de circunstâncias diversas da pesquisa de campo. Todos os detalhes da amostragem estão disponíveis em publicação específica 2121. Santos E, Benevides T, Borja PC, Moraes LRS, Oliveira N, Pedrassoli JC, et al., organizadores. QUALISalvador: qualidade do ambiente urbano na cidade da Bahia. 2ª Ed. Salvador: EDUFBA; 2022..

Para a presente análise, foram excluídas as residências que apresentavam preenchimento incorreto da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar - EBIA (0,5%) e que marcaram “Outros” para variáveis específicas deste trabalho, como sexo (0,1%) e escolaridade (0,2%). Optou-se pela exclusão dos domicílios com responsáveis autodeclarados amarelos e indígenas (2,8%). Ao final, os dados de 14.713 domicílios entraram para análise neste estudo.

Coleta de dados

A localização das habitações foi realizada pelo Id de cada um, com o auxílio do software Qgis (https://qgis.org/en/site/). Com o Google Earth (https://earth.google.com), os endereços de cada domicílio amostrado puderam ser definidos, criando a base cartográfica para a pesquisa de campo.

A coleta de dados ocorreu por meio de entrevistas domiciliares realizadas por pesquisadores bolsistas selecionados via edital público. Estes foram treinados para a aplicação do questionário composto por 62 questões divididas em cinco dimensões: físico-ambiental, socioeconômica, serviços e infraestrutura, cultura e cidadania e bem-estar. Devido às dificuldades de entrevistar domicílios em bairros de classe média e alta, para alcançar a amostra, utilizou-se a técnica snowball sampling. Após o início da pandemia de COVID-19, o questionário foi aplicado online. Em números, 91,8% foram provenientes do levantamento de campo presencial da amostra probabilística, apenas 8,2% foram obtidos pela técnica snowball sampling, e destes, 7,2% foram via Internet. No total, foram entrevistados 15.260 domicílios. Todo o procedimento realizado na metodologia está publicado 2121. Santos E, Benevides T, Borja PC, Moraes LRS, Oliveira N, Pedrassoli JC, et al., organizadores. QUALISalvador: qualidade do ambiente urbano na cidade da Bahia. 2ª Ed. Salvador: EDUFBA; 2022..

A coleta ocorreu entre os anos 2018, 2019 e 2020. Os dados foram digitalizados no software KoBoCollect (http://www.kobotoolbox.org/) e exportados para análise através do software Excel (https://products.office.com/). O banco de dados foi analisado em três fases de checagem. Ao final, para dados omissos, utilizou-se a imputação, através da técnica de imputação múltipla. Para isso, fez-se uso do software R. No banco de dados utilizado neste estudo, apenas os dados da EBIA não passaram pela imputação, pois não houve informações omissas.

Variável desfecho

A variável desfecho foi a condição de segurança alimentar e os níveis de insegurança alimentar, avaliada com a aplicação da EBIA, incorporada no questionário da pesquisa na dimensão socioeconômica. Esse instrumento foi validado no Brasil com metodologia específica para adequação às características nacionais, permitindo avaliar de maneira direta a insegurança alimentar domiciliar, por meio da percepção e experiência com a fome 2323. Pérez-Escamilla R, Segall-Corrêa AM, Maranha LK, Sampaio MFA, Marin-Leon L, Panigassi G. An adapted version of the U.S. Department of Agriculture Food Insecurity module is a valid tool for assessing household food insecurity in Campinas, Brazil. J Nutr 2004; 134:1923-8..

A escala contém 14 questões que fazem referência ao período de três meses anteriores à entrevista. As perguntas são objetivas, tendo como opção de resposta “sim” ou “não”, e cada resposta afirmativa corresponde a um ponto. A análise é baseada em pontos de corte que classificam a residência em segurança alimentar (acesso à alimentação em quantidade suficiente e de qualidade), insegurança alimentar leve (preocupação sobre não acessar alimentos no futuro próximo e problemas na qualidade da alimentação), insegurança alimentar moderada (restrição na quantidade de alimentos entre os adultos) e insegurança alimentar grave (restrição na quantidade de alimentos entre as crianças ou quando há fome entre adultos e/ou crianças) 2424. Segall-Corrêa AM, Marin-Leon L, Melgar-Quiñonez H, Pérez-Escamilla R. Refinement of the Brazilian Household Food Insecurity Measurement Scale: recommendation for a 14-item EBIA. Rev Nutr 2014; 27:241-51.. Para os fins da análise, utilizou-se “segurança alimentar”, “insegurança alimentar leve”, “insegurança alimentar moderada ou grave”, sendo a primeira a categoria de referência. Optou-se pela união das divisões moderada e grave devido ao número reduzido de observações para algumas categorias da variável exposição de interesse.

Variável exposição de interesse

A variável exposição de interesse foi criada a partir do cruzamento entre raça/cor e sexo, formando quatro grupos: homem branco, mulher branca, homem negro, mulher negra. A variável raça/cor foi obtida através da autodeclaração com base nas seguintes opções: branca, preta e parda. A população negra foi composta pela junção das categorias pretos e pardos 2525. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2020.. A variável sexo seguiu as classificações biológicas, feminino e masculino.

Covariáveis

Variáveis demográficas e socioeconômicas frequentemente utilizadas em inquéritos e análises da insegurança alimentar 33. Santos TG, Silveira JAC, Longo-Silva G, Ramires EKNM, Menezes RCE. Tendência e fatores associados à insegurança alimentar no Brasil: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2004, 2009 e 2013. Cad Saúde Pública 2018; 34:e00066917.,99. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares: 2017-2018. Avaliação nutricional da disponibilidade domiciliar de alimentos no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2020.,1010. Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar. Inquérito nacional sobre a insegurança alimentar no contexto da pandemia da covid-19 no Brasil. http://olheparaafome.com.br (acessado em 20/Jul/2021).
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e que são relacionadas tanto ao desfecho quanto à exposição deste estudo foram consideradas para ajuste, sendo elas a faixa etária e a escolaridade do responsável pelo domicílio; a renda familiar per capita em salários mínimos; o número de habitantes por dormitório e um indicador de moradia e saneamento adaptado de Bittencourt et al. 77. Bittencourt LS, Santos SMC, Pinto EJ, Aliaga MA, Ribeiro-Silva RC. Factors associated with food insecurity in households of public school students of Salvador City, Bahia, Brazil. J Health Popul Nutr 2013; 31:471-9., construído com base em cinco variáveis: revestimento (completo ou incompleto/não tem); situação do banheiro (completo ou incompleto/não tem); frequência de água (contínua ou intermitente/não tem); destino do esgoto (adequado ou inadequado); e frequência da coleta de lixo (regular ou irregular/não tem). Cada categoria recebeu uma pontuação: a mais favorável recebeu o valor 0 e a mais desfavorável, o valor 1 - o somatório desses valores caracterizou a situação do domicílio. O indicador de moradia e saneamento foi classificado em dois estratos: adequado (escore ≤ 2) ou inadequado (escore > 2).

Análise estatística

A população deste estudo foi caracterizada segundo raça/cor e sexo e a partir das características demográficas e socioeconômicas. Em seguida, foi analisada a prevalência de segurança alimentar e dos níveis de insegurança alimentar. Utilizou-se o teste qui-quadrado, sendo significativo o valor de p < 0,05.

A análise múltipla foi realizada mediante regressão logística multinomial com estimativas de odds ratio (OR) e intervalo de 95% de confiança (IC95%). A categoria de referência considerada foi o homem branco. As variáveis de ajuste foram: faixa etária, escolaridade, renda familiar per capita, habitantes por dormitório e indicador de moradia e saneamento. Escolaridade e renda foram classificadas como possíveis variáveis de interação e, a partir disso, foram construídos modelos de regressão estratificados pelos níveis de escolaridade e faixa de renda familiar per capita. As análises estatísticas foram elaboradas a partir do Stata, versão 15.1 (https://www.stata.com).

Questões éticas

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Faculdade de Medicina da Bahia, Universidade Federal da Bahia (parecer nº 2.308.547). As entrevistas foram concedidas após o entrevistado, com idade igual ou maior a 18 anos, assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Resultados

Dentre os 14.713 domicílios, a maioria (50,1%) tinha como responsável mulher negra, seguida de homem negro, com 35,4%. Mulher branca e homem branco representavam 8,3% e 6,2%, respectivamente. Menor escolaridade e menor renda familiar per capita foram encontradas em domicílios com responsável homem negro e mulher negra, com destaque para as mulheres negras, em que 41,5% tinham até o Ensino Fundamental e 51,1% tinham renda familiar de até 1/2 salário mínimo per capita. Domicílios com esses responsáveis também apresentaram maior densidade domiciliar e maior prevalência de condição inadequada de moradia e saneamento em comparação com os domicílios chefiados por homem branco e mulher branca (Tabela 1).

Tabela 1
Características demográficas e socioeconômicas da população, segundo raça/cor e sexo do responsável do domicílio. Salvador, Bahia, Brasil, 2018-2020.

As prevalências de insegurança alimentar foram mais elevadas nos domicílios chefiados por mulheres negras (insegurança alimentar leve: 25,6% e insegurança alimentar moderada ou grave: 21,2%). A segurança alimentar foi mais prevalente nos domicílios chefiados por homens brancos (74,5%) (Tabela 2).

Tabela 2
Prevalência de segurança alimentar e níveis de insegurança alimentar da população, segundo raça/cor e sexo do responsável do domicílio. Salvador, Bahia, Brasil, 2018-2020.

A Tabela 3 mostra a associação entre a situação de insegurança alimentar e a raça/cor e sexo dos responsáveis do domicílio. Na análise bruta, observou-se associação da insegurança alimentar leve e moderada ou grave com os domicílios chefiados por mulher negra (insegurança alimentar leve: OR = 2,05; IC95%: 1,71-2,46/insegurança alimentar moderada ou grave: OR = 3,70; IC95%: 2,89-4,74) e homem negro (insegurança alimentar leve: OR = 1,61; IC95%: 1,34-1,93/insegurança alimentar moderada ou grave: OR = 2,15; IC95%: 1,67-2,78). Já os domicílios com responsável mulher branca, a associação foi somente com a insegurança alimentar moderada ou grave (1,45; IC95%: 1,07-1,96). Após ajuste, as condições de insegurança alimentar leve e moderada ou grave apresentaram associação estatisticamente significativa apenas com os domicílios chefiados por mulher negra (insegurança alimentar leve: OR = 1,39; IC95%: 1,15-1,68; p = 0,001/insegurança alimentar moderada ou grave: OR = 1,94; IC95%: 1,49-2,52; p < 0,001).

Tabela 3
Análise bruta e ajustada da associação entre insegurança alimentar e raça/cor e sexo dos responsáveis do domicílio. Salvador, Bahia, Brasil, 2018-2020.

Na análise estratificada por escolaridade e ajustada pelas demais variáveis, a insegurança alimentar leve apresentou associação com escolaridade até Ensino Fundamental e Médio nos domicílios em que a responsável é mulher negra. A insegurança alimentar moderada ou grave apresentou associação com todos os níveis de escolaridade desse mesmo grupo (Tabela 4).

Tabela 4
Associação entre raça/cor e sexo do responsável do domicílio e insegurança alimentar leve, moderada ou grave estratificada por níveis de escolaridade. Salvador, Bahia, Brasil, 2018-2020.

Na análise estratificada por renda e ajustada pelas demais variáveis, a insegurança alimentar leve apresentou associação com a faixa > 1 salário mínimo, e a insegurança alimentar moderada ou grave teve associação com as faixas até 1/2 salário mínimo e > 1 salário mínimo nos domicílios em que a responsável é mulher negra. Nos domicílios com responsável homem negro, a insegurança alimentar moderada ou grave apresentou associação com renda familiar per capita > 1 salário mínimo (Tabela 5).

Tabela 5
Associação entre raça/cor e sexo do responsável do domicílio e insegurança alimentar leve, moderada ou grave estratificada por faixas de renda familiar per capita. Salvador, Bahia, Brasil, 2018-2020.

Discussão

Este estudo mostrou que a insegurança alimentar leve, moderada ou grave apresentou associação com as moradias em que a responsável era mulher negra. Observamos que a insegurança alimentar se manteve significativamente associada às residências chefiadas por esse grupo independentemente de condições socioeconômicas favoráveis, como maiores escolaridade e renda familiar per capita.

Esses achados evidenciam a desigualdade no acesso à alimentação, em que a chefia feminina negra se apresenta mais vulnerável à insegurança alimentar, condição que também foi observada por Marin-Leon et al. 66. Marin-Leon L, Francisco PMSB, Segall-Corrêa AM, Panigassi G. Bens de consumo e insegurança alimentar: diferenças de gênero, cor de pele autorreferida e condição socioeconômica. Rev Bras Epidemiol 2011; 14:398-410. para o Brasil. O presente trabalho analisa essa situação a partir da interseccionalidade, e tal abordagem considera a interação de relações de poder, como o racismo e o sexismo, o que permite analisar o estado dos grupos que são atravessados por mais de uma opressão, como as mulheres negras, favorecendo a compreensão das condições específicas que delas decorrem 1919. Crenshaw K. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Revista Estudos Feministas 2002; 10:171-88., incluindo a insegurança alimentar que atinge esse grupo.

Neste estudo, observou-se a desigualdade racial quanto à situação de insegurança alimentar, conforme já revelado em outros estudos. Santos et al. 33. Santos TG, Silveira JAC, Longo-Silva G, Ramires EKNM, Menezes RCE. Tendência e fatores associados à insegurança alimentar no Brasil: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2004, 2009 e 2013. Cad Saúde Pública 2018; 34:e00066917. identificaram que, em relação aos brancos, as pessoas dos demais grupos raciais apresentaram 52% mais probabilidade de estar em insegurança alimentar. Dados nacionais, considerando o contexto da pandemia da COVID-19, mostraram que a insegurança alimentar moderada ou grave está presente em 24,4% dos domicílios chefiados por negros (pretos e pardos) e em 16,4% daqueles chefiados por brancos 1010. Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar. Inquérito nacional sobre a insegurança alimentar no contexto da pandemia da covid-19 no Brasil. http://olheparaafome.com.br (acessado em 20/Jul/2021).
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. Mesmo com o contexto populacional e social distinto, nos Estados Unidos, um estudo identificou que 30% da população negra nativa estavam em insegurança alimentar, enquanto essa situação foi encontrada em 10% da população branca nativa 2626. Myers AM, Painter MA. Food insecurity in the United States of America: an examination of race/ethnicity and nativity. Food Sec 2017; 9:1419-32..

No Brasil, a análise de indicadores sociais considerando a raça/cor revela a desigualdade racial, mostrando que a população negra é mais prevalente nos trabalhos informais, nos menores níveis de escolaridade e renda, tem menor acesso a serviços como saneamento básico e é a principal vítima de homicídios. Por outro lado, em posições de poder e liderança, como cargos gerenciais ou de deputados federais, é minoria 2727. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2019..

Os resultados deste estudo apontam que a população negra, que é a maioria da população na capital estudada, vivencia condições mais precárias em comparação à população branca, em termos de escolaridade, renda familiar, densidade domiciliar e condições de moradia e saneamento, conforme já foi identificado no contexto nacional 2727. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2019.. Dentre os negros, a mulher negra apresentou a pior condição em termos de renda familiar per capita. No extremo oposto, o homem branco e a mulher branca apresentaram melhores condições socioeconômicas, com especial atenção à escolaridade e renda, indicadores sociais que têm forte poder explicativo para a insegurança alimentar 1111. Lignani JB, Palmeira PA, Antunes MML, Salles-Costa R. Relationship between social indicators and food insecurity: a systematic review. Rev Bras Epidemiol 2020; 23:e200068..

A situação socioeconômica da população brasileira expressa violações de direitos marcadas pelas diferenças raciais. Por exemplo, na extrema pobreza, as mulheres negras correspondem a 39,8%, homens negros são 36,9%, enquanto mulheres e homens brancos são 11,9% e 10,4%, respectivamente 2525. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2020.. Se a pobreza está intimamente relacionada com a desigualdade no acesso aos recursos sociais e materiais, esses dados apontam para a necessidade de considerar os determinantes raciais e de gênero na análise das desigualdades e na elaboração de políticas públicas.

Quanto à questão de gênero, estudos vêm identificando sua relação com a insegurança alimentar em diferentes contextos ao redor do mundo 44. Graham E, Dallmann D, Melgar-Quiñonez H. Gender disparities in perceived life satisfaction within food insecure populations. Food Secur 2019; 11:493-502.,1717. Broussard NH. What explains gender differences in food insecurity? Food Policy 2019; 83:180-94.,2828. Smith MD, Rabbitt MP, Coleman-Jensen A. Who are the world's food insecure? New evidence from the Food and Agriculture Organization's Food Insecurity Experience Scale. World Dev 2017; 93:402-12.. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) 55. Food and Agriculture Organization of the United Nations; International Fund for Agricultural Development; United Nations Children's Fund; World Food Programme; World Health Organization. The state of food security and nutrition in the world 2021. Transforming food systems for food security, improved nutrition and affordable healthy diets for all. Rome: Food and Agriculture Organization of the United Nations; 2021., a insegurança alimentar moderada e grave, em nível global, é 10% mais prevalente entre mulheres do que entre homens. No Brasil, os dados nacionais recentes realizados no contexto da pandemia mostram que a insegurança alimentar moderada ou grave está presente em 27% dos domicílios em que a mulher é responsável e em 15,4%, quando o homem está nessa posição 1010. Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar. Inquérito nacional sobre a insegurança alimentar no contexto da pandemia da covid-19 no Brasil. http://olheparaafome.com.br (acessado em 20/Jul/2021).
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No modelo elaborado neste estudo, a insegurança alimentar leve e moderada ou grave tem maior chance de estar presente no domicílio em que a mulher negra é responsável. A mulher negra aparece em desvantagem também em outros indicadores sociais. Dados para o Brasil, que mostram o rendimento das pessoas ocupadas, revelam que a mulher negra está na posição mais inferior, recebendo 79,1% do rendimento de homens negros, 58,5% do rendimento das mulheres brancas e menos que a metade, 44,4%, do rendimento de homens brancos 27, situação que já tinha sido revelada em análise anterior 2929. Rosa W. Sexo e cor/raça como categorias de controle social: uma abordagem sobre desigualdades socioeconômicas a partir dos dados do Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça - Terceira Edição. In: Bonetti AL, Abreu MA, organizadoras. Faces da desigualdade de gênero e raça no Brasil. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 2011. p. 111-27..

Cada um desses grupos é percebido nas relações sociais de forma específica, o que contribui para a posição na hierarquia social. Mulheres negras apresentam duas características decisivas nas dinâmicas sociais que contribuem para vulnerabilidades específicas, ser mulher e negra. Isso pode ser observado quando, neste estudo, analisamos os dados estratificados por escolaridade e renda. Segundo Carneiro 3030. Carneiro S. Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil. São Paulo: Selo Negro; 2011., a vida das mulheres negras é historicamente marcada pela exploração do seu trabalho e do seu corpo, pela exclusão, discriminação e rejeição social. A insegurança alimentar reforça as desigualdades entre as raças e os gêneros, e revela-se como uma das expressões da exploração e desvalorização socioeconômica desse grupo, podendo ser considerada uma síntese dos indicadores socioeconômicos que demonstram a vulnerabilidade social da posição da mulher negra.

A mulher negra e a mulher branca, apesar de estarem sujeitas a sofrer discriminação de gênero em razão da discriminação racial, possuem experiências distintas em muitas dimensões, uma delas é no trabalho. Em geral, mulheres têm menos acesso ao mercado de trabalho que os homens. Em 2015, a taxa de desocupação feminina no Brasil era de 11,6%, mas analisando por raça/cor, esse percentual era de 13,3% para mulheres negras. Nesse mesmo ano, o emprego doméstico era a ocupação de 18% das mulheres negras e de 10% das mulheres brancas. Esses diferenciais aumentam quando se considera a assinatura da carteira nessa ocupação. Apesar de constituir o maior grupo, apenas 29,3% das trabalhadoras negras estavam com carteira assinada, comparadas a 32,5% das brancas 3131. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Estudo mostra desigualdades de gênero e raça em 20 anos. https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=29526 (acessado em 12/Jul/2021).
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. O emprego doméstico é desvalorizado no país e está enraizado na ideia de servidão das mulheres negras, que até os dias atuais estão sujeitas a baixos salários e também a violência moral e física por parte dos seus empregadores 3232. Nogueira TPCC. Mucama permitida: a identidade negra do trabalho doméstico no Brasil. Cadernos de Gênero e Diversidade 2017; 3:47-58..

A mulher branca vivencia as discriminações de gênero. Mas sua característica racial possibilita maiores oportunidades dentro das relações sociais, pois está em posições melhores que o homem negro e a mulher negra. Isso pode ser compreendido através da maior participação feminina branca no Ensino Superior ou no mercado de trabalho 2525. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2020.,2727. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2019.,2929. Rosa W. Sexo e cor/raça como categorias de controle social: uma abordagem sobre desigualdades socioeconômicas a partir dos dados do Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça - Terceira Edição. In: Bonetti AL, Abreu MA, organizadoras. Faces da desigualdade de gênero e raça no Brasil. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 2011. p. 111-27.. Essa diversificação de funções sociais não foi estendida à mulher negra, mas reforçou desigualdades de classe e de raça entre as mulheres, pois as atividades que não foram culturalmente trabalhadas dentro do ambiente doméstico, com vistas a aniquilar a divisão sexual do trabalho, foram transferidas para mulheres negras, reforçando a presença desse grupo em ambiente privado, na posição, por exemplo, de empregadas domésticas 3333. Ávila MB, Ferreira V. Trabalho doméstico remunerado: contradições estruturantes e emergentes nas relações sociais no Brasil. Psicol Soc 2020; 32:e020008.. Diferenças entre esses grupos também são vistas no campo da saúde 3434. Leal MC, Gama SGN, Pereira APE, Pacheco VE, Carmo CN, Santos RV. A cor da dor: iniquidades raciais na atenção pré-natal e ao parto no Brasil. Cad Saúde Pública 2017; 33 Suppl 1:e00078816.,3535. Santana KSO, D'Oliveira Júnior A, Bittencourt LJ, Nascimento MM, Guimarães ICS, Soares E, et al. Analysis of the socio-environmental vulnerability of black and Caucasian pregnant women in Salvador, Bahia, Brazil to the occurrence of microcephaly associated with the congenital syndrome of zika virus. Geospat Health 2020; 15:50-9. ou nas taxas de violência 3636. Galvão I. Mapa da violência contra mulheres negras: reflexões sobre racismo e gênero na sociedade brasileira. Revista de Direito 2021; 13:1-17.. Essas desigualdades negam a cidadania e limitam a ascensão social da mulher negra, com consequências negativas à garantia dos seus direitos, entre eles o direito à alimentação.

Neste estudo, mulheres negras representavam mais da metade da chefia dos domicílios. No Brasil, principalmente no ambiente urbano, houve aumento significativo de mulheres negras e brancas apontadas como chefe do domicílio, mas considerando o interior dos grupos raciais, dentro da população negra há maior atribuição de chefia de família às mulheres. As mulheres negras são maioria na chefia de famílias que têm o casal e os filhos ou que moram sozinhas com seus filhos, sem companheiro. Por outro lado, mulheres brancas são maioria na chefia de famílias sem filhos ou que vivem sozinhas 3737. Marcondes MM, Pinheiro L, Queiroz C, Querino AC, Valverde D, organizadoras. Dossiê mulheres negras: retrato das condições de vida das mulheres negras no Brasil. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 2013.. Mulheres brancas têm apresentado maior disponibilidade de renda, o que pode permitir sua independência, e maior renda familiar, se residir com companheiro. Enquanto as mulheres negras, como citado anteriormente, possuem renda inferior à dos homens em geral e à de mulheres brancas, o que pode explicar a permanência da sua família no risco de maior vulnerabilidade social e insegurança alimentar.

Considerando políticas públicas para a garantia da segurança alimentar, no Brasil, Mariano & Carloto 3838. Mariano AS, Carloto CM. Aspectos diferenciais da inserção de mulheres negras no Programa Bolsa Família. Revista Sociedade e Estado 2013; 28:393-417., através de entrevistas com mulheres brancas e negras beneficiárias do programa Bolsa Família, identificaram que, mesmo com ambos os grupos em situação de pobreza, as mulheres negras estavam mais vulneráveis social e economicamente. Aliado a isso, vivenciavam a experiência com a discriminação racial na procura por emprego. Em contexto norte-americano, estudo analisou a associação da discriminação racial materna e insegurança alimentar, considerando a participação das mães em programas de benefício público. Os autores identificaram que mães negras que sofreram discriminação racial em momentos de obtenção de emprego, contratação ou nos locais de trabalho tiveram 1,46 vez a chance de ter insegurança alimentar 3939. Phojanakong P, Weida EB, Grimaldi G, Lê-Scherban F, Chilton M. Experiences of racial and ethnic discrimination are associated with food insecurity and poor health. Int J Environ Res Public Health 2019; 16:4369..

Essas observações sinalizam para a limitação de políticas universais, que desconsideram a experiência com a discriminação vivenciada por mulheres negras. Deste modo, programas de assistência devem ser implementados de forma simultânea com ações de combate à cultura de discriminação racial em nível interpessoal e também institucional. Esse esforço era organizado, principalmente, no Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), espaço institucional para participação social que foi extinto dentro de um cenário marcado pelo desmonte de políticas públicas direcionadas à segurança alimentar e que foi agravado pela crise sanitária da pandemia 4040. Vasconcelos FAG, Machado ML, Medeiros MAT, Neves JA, Recine E, Pasquim EM. Public policies of food and nutrition in Brazil: from Lula to Temer. Rev Nutr 2019; 32:e180161.,4141. Ribeiro-Silva RC, Pereira M, Campello T, Aragão E, Guimarães JMM, Ferreira AJF, et al. Implicações da pandemia COVID-19 para a segurança alimentar e nutricional no Brasil. Ciênc Saúde Colet 2020; 25:3421-30..

Os domicílios com responsável mulher negra apresentaram maior chance de estar em insegurança alimentar moderada ou grave mesmo no nível mais alto de escolaridade. E quando a renda familiar per capita era > 1 salário mínimo, apresentou maior chance para essa condição juntamente com o homem negro. Lima & Prates 4242. Lima M, Prates I. Desigualdades raciais no Brasil: um desafio persistente. In: Arretche M, organizadora. Trajetória das desigualdades: como o Brasil mudou nos últimos cinquenta anos. São Paulo: Editora Unesp; 2015. p. 163-92., com base em censos demográficos nacionais, identificaram que a renda de pessoas graduadas nas mesmas profissões e inseridas na mesma categoria ocupacional tinham diferenças expressivas, chegando a mais de R$ 1.000,00, em que brancos ganhavam mais do que os negros, principalmente nas profissões como medicina, engenharia e direito.

As mulheres negras frequentemente têm se formado em cursos de menor valoração social e econômica, geralmente em profissões de relativa subordinação e que têm a marca do “cuidar”, como serviço social, enfermagem ou fisioterapia. Tal formação pode proporcionar uma remuneração que auxilie nas despesas familiares, mas não configura uma mudança financeira substancial para sua família 4343. Góis JBH. Quando raça conta: um estudo de diferenças entre mulheres brancas e negras no acesso e permanência no ensino superior. Revista Estudos Feministas 2008; 16:743-68.,4444. Querino AC, Lima CE, Madsen N. Gênero, raça e educação no Brasil: desafios para igualdade. In. Bonetti AL, Abreu MA, organizadores. Faces da desigualdade de gênero e raça no Brasil. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 2011. p. 129-47.. Outro aspecto é que, de acordo com Assari 4545. Assari SB. Blacks' diminished return of education attainment on subjective health; mediating effect of income. Brain Sci 2018; 8:176., a população negra apresenta retornos educacionais diminuídos em relação aos brancos, em razão da discriminação no mercado de trabalho, que mantém a desigualdade de competição entre negros e brancos com a mesma realização educacional e em empregos semelhantes, através da diferença salarial entre esses grupos.

Dentro das famílias negras são poucos os membros que conseguem ascender socialmente e estes tornam-se ponto de apoio para os que não tiveram a mesma oportunidade. De acordo com Meschede et al. 4646. Meschede T, Taylor J, Mann A, Shapiro T. "Family achievements?": how a college degree accumulates wealth for whites and not for blacks. Review 2017; 99:121-37., famílias negras com Ensino Superior apoiam financeiramente os pais quase três vezes mais do que famílias brancas nesse nível de educação, esse último grupo geralmente recebe mais suporte financeiro dos pais. Isso demonstra que negros e brancos não partem do mesmo lugar social, pois as diferenças de oportunidades geracionais e as disparidades salariais reproduzem as desigualdades raciais, com impactos negativos às famílias negras, as quais têm menor capacidade de consumo e de acumular riqueza e maior vulnerabilidade em momentos de crise econômica e medidas de austeridade.

Outro ponto é que a renda isolada pode não indicar boas condições de vida em famílias negras, que geralmente ocupam trabalhos informais e estão suscetíveis a instabilidades no trabalho e têm menor acesso a direitos trabalhistas, como a aposentadoria 2525. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2020.,2727. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2019.. A renda fixa oriunda de aposentadorias mantém o poder de compra e, consequentemente, o acesso aos alimentos. No entanto, estudo que analisou somente a população com 60 anos ou mais identificou maior insegurança alimentar moderada ou grave em pretos e pardos 4747. Rosa TEC, Mondini L, Gubert MB, Sato GS, Benício MHD. Segurança alimentar em domicílios chefiados por idosos, Brasil. Rev Bras Geriatr Gerontol 2012; 15:69-77.. Isso revela a necessidade de considerar que o acesso a aposentadoria não é universal, e a segurança econômica que este benefício de seguridade social poderia trazer não ocorre da mesma forma para famílias brancas e negras.

Seguindo o marco conceitual utilizado, o racismo e a discriminação são determinantes para a insegurança alimentar domiciliar. De acordo com Almeida 4848. Almeida SL. Racismo estrutural. São Paulo: Pólen; 2019., o racismo é sistemático, e se manifesta na sociedade através de ações conscientes ou inconscientes, gerando desvantagens ou privilégios, a depender do grupo racial pertencente. O tratamento diferenciado à população negra, a partir da discriminação individual ou institucional, prejudica, ao longo do tempo, todos os membros desse grupo devido à falta de reconhecimento, de oportunidades e de sustento material. Outro determinante das desigualdades no acesso à alimentação é o sexismo, que permite a reprodução contínua da discriminação de gênero, limitando, assim, a participação das mulheres na sociedade a formas marginalizadas e subordinadas 4949. Saffioti HIB. Gênero e patriarcado: a necessidade da violência. In: Castillo-Martin M, Oliveira S, organizadoras. Marcadas a ferro: violência contra a mulher, uma visão multidisciplinar. Brasília: Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres; 2005. p. 35-76..

Esses determinantes geram repercussões negativas à vida e estruturam a posição social dos negros e das mulheres, com consequências à saúde, por exemplo 5050. Williams DR, Priest N. Racismo e saúde: um corpus crescente de evidência internacional. Sociologias 2015; 17:124-74.,5151. Estrela FM, Soares CFS, Cruz MA, Silva AF, Santos JRL, Moreira TMO, et al. Pandemia da Covid 19: refletindo as vulnerabilidades a luz do gênero, raça e classe. Ciênc Saúde Colet 2020; 25:3431-6., e a interação entre eles torna-se uma asfixia social para a mulher negra 3030. Carneiro S. Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil. São Paulo: Selo Negro; 2011.. Considerar os efeitos dessa interação a partir da interseccionalidade de raça e gênero contribui para compreender melhor o cenário da insegurança alimentar, pois permite visibilizar diferenciais intragrupos, assim como centralizar esses determinantes no debate sobre a insegurança alimentar.

Algumas limitações deste estudo devem ser consideradas. A natureza transversal dos dados pode limitar a inferência de causalidade. No entanto, vale destacar que as principais variáveis de exposição, sexo e raça/cor, antecedem a condição/experiência de (in)segurança alimentar e nutricional dos participantes, permitindo maior inferência causal a partir dos resultados encontrados neste estudo. Limitações na representatividade da amostra, e consequentemente na generalização dos resultados, devem ser consideradas, devido à exclusão dos grupos autodeclarados indígenas e amarelos. Considerando a importância de evidenciar a magnitude da insegurança alimentar em diferentes níveis, optou-se pela regressão logística multinominal, cuja medida de associação usada para interpretar suas estimativas é a razão de chances. Estas, no entanto, podem ser superestimadas quando a prevalência do desfecho é alta.

Conclusão

Olhar a insegurança alimentar pela interseccionalidade demonstrou a capacidade dessa abordagem para melhorar a compreensão da situação dos domicílios analisados, especialmente as condições de vulnerabilidade específicas, como a das mulheres negras, as quais apresentaram maiores chances de insegurança alimentar moderada ou grave. A insegurança alimentar nos domicílios chefiados por essas mulheres revela-se como uma das consequências da interação estrutural do racismo e do sexismo.

Os avanços relacionados a questões como educação e renda não foram universais, uma vez que a população negra, em particular as mulheres, vivenciam desvantagens sociais. Ainda é preciso atentar-se para as dinâmicas próprias desse grupo e, nesse sentido, há a necessidade de se incorporar a interseccionalidade na elaboração de políticas públicas de combate à fome. Viver em situação de insegurança alimentar sinaliza não somente para privações materiais, mas também para mecanismos ideológicos que interditam oportunidades de melhorias de vida para a população negra. Conclui-se que não parece possível discutir a insegurança alimentar sem considerar a hierarquização social, racial e de gênero, suas articulações e a persistência de práticas discriminatórias reproduzidas no Brasil e em Salvador.

Agradecimentos

Grupo da pesquisa Qualidade do Ambiente Urbano de Salvador - QUALISalvador; Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB); Empresa Baiana de Águas e Saneamento S.A. (EMBASA).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    29 Out 2021
  • Revisado
    22 Abr 2022
  • Aceito
    05 Maio 2022
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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