Acesso e utilização de serviços de pré-natal na rede SUS do município do Rio de Janeiro, Brasil

Rosa Maria Soares Madeira Domingues Maria do Carmo Leal Zulmira Maria de Araújo Hartz Marcos Augusto Bastos Dias Marcelo Vianna Vettore Sobre os autores

Resumo

A assistência pré-natal é composta por práticas consideradas efetivas para a redução de desfechos perinatais negativos. Entretanto, estudos têm demonstrado iniquidades no acesso das gestantes aos cuidados pré-natais, com piores resultados para mulheres de menor nível socioeconômico. O objetivo deste estudo é avaliar o acesso e a utilização dos serviços de pré-natal na rede do Sistema Único de Saúde (SUS) do Município do Rio de Janeiro e verificar sua associação a características das gestantes e dos serviços de saúde. Foi realizado um estudo transversal, no período 2007 - 2008, por meio de entrevista e análise de cartões de pré-natal de 2.353 gestantes em atendimento em serviços de pré-natal de baixo risco do SUS. Foi feita análise descritiva das razões referidas pelas mulheres para início tardio do pré-natal e regressão logística hierarquizada para identificação dos fatores associados à utilização do pré-natal. A ausência de diagnóstico da gravidez e dificuldades de acesso aos serviços foram as razões mais relatadas para o início tardio do pré-natal. Verificou-se acesso mais precoce de gestantes de cor branca, com maior escolaridade, primigestas e com companheiro. O início tardio foi o fator mais associado ao número inadequado de consultas, também verificado em gestantes adolescentes. Mulheres de cor preta apresentaram menor adequação na realização de exames, bem como menor adequação global do pré-natal, segundo parâmetros do Programa de Humanização do Pré-natal e Nascimento (PHPN). Estratégias para identificação de gestantes de maior risco reprodutivo, redução de barreiras organizacionais nos serviços e ampliação do acesso ao planejamento familiar e ao diagnóstico precoce da gravidez são prioritárias.

Gestação; Assistência pré-natal; Acesso aos serviços de saúde; Equidade no acesso; Avaliação de programas e projetos de saúde; Sistema Único de Saúde


Introdução

A assistência pré-natal no Brasil apresentou um aumento considerável de sua cobertura nos últimos anos. Segundo dados do DATASUS, o número de gestantes sem qualquer consulta de pré-natal passou de 10,7% em 1995 para apenas 2% no ano de 2009 (http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php, acessado em 16/06/2011). No mesmo período, a proporção de gestantes com sete ou mais consultas aumentou de 49,0% para 58,5%.

Acredita-se que a assistência pré-natal possa contribuir para desfechos perinatais mais favoráveis, existindo evidência científica para a efetividade de algumas práticas utilizadas rotineiramente no acompanhamento das gestantes11. Carroli G, Rooney C, Villar J. How effective is antenatal care in preventing maternal mortality and serious morbidity? An overview of the evidence. Paediatr Perinat Epidemiol 2001; 15(S1): 1-42.. Esses efeitos seriam mais intensos em países em desenvolvimento e em populações mais desfavorecidas socialmente, onde fatores associados a desfechos negativos, como infecções, problemas nutricionais e exposição a substâncias nocivas, tais como fumo, álcool e outras drogas, são mais frequentes22. McClure, Goldenberg RL, Bann CM. Maternal mortality, stillbirth and measure of obstetric care in developing and developed countries. Int J Gynec Obstet 2007; 96: 39-146..

Entretanto, apesar da ampliação da assistência pré-natal e das iniciativas governamentais que poderiam contribuir para melhores resultados perinatais33. Brasil.Ministério da Saúde. Programa de Humanização do Pré-Natal e Nascimento. Brasília: Secretaria de Políticas de Saúde; 2000., observam-se ainda problemas de saúde relacionados à assistência à gestação, ao parto e ao recém-nascido. Dentre as causas de óbito em menores de um ano, consideradas evitáveis por intervenções do SUS44. Malta DC, Duarte EC, Escalante JJ, Almeida MF, Sardinha LM, Macário EM, et al. Avoidable causes of infant mortality in Brazil, 1997-2006: contributions to performance evaluation of the Unified National Health System. Cad Saúde Pública 2010; 26(3): 481-91., aquelas relacionadas à assistência pré-natal foram as únicas que não apresentaram redução no período 1997 - 2006.

Estudos nacionais têm identificado problemas na realização dos cuidados pré-natais, com início tardio dessa assistência, número inadequado de consultas e realização incompleta dos procedimentos preconizados, que poderiam explicar a persistência dos desfechos negativos55. Andrucci CB, Cecatti JG. Desempenho de indicadores de processo do Programa de Humanização do Pré-Natal e Nascimento no Brasil: uma revisão sistemática. Cad Saúde Pública 2011; 27(6): 1053-64..

Alguns desses estudos avaliaram especificamente a qualidade do pré-natal segundo características socioeconômicas das mulheres e verificaram iniquidades nessa assistência, com piores resultados para mulheres de menor renda e escolaridade, justamente as de maior risco para a ocorrência de desfechos negativos e que teoricamente mais se beneficiariam do cuidado pré-natal66. Dias da Costa JS, Victora CG, Barros FC. Assistência médica materno-infantil em duas coortes de base populacional no sul do Brasil: tendências e diferenciais. Cad Saúde Pública 1996; 12(S1): 59-66.

7. Coimbra LC, Silva AAM, Mochel EG, Alves MTSSB, Ribeiro VS, Aragão VMF, et al. Fatores associados à inadequação do uso da assistência pré-natal. Rev Saúde Pública 2003; 37(4): 456-62.

8. Puccini RF, Pedroso GC, Silva EMK, Araújo NS, Silva NN. Equidade na atenção pré-natal e ao parto em área da região Metropolitana de São Paulo, 1996. Cad Saúde Pública 2003; 19(1): 35-45.

9. Leal MC, Gama SGN, Ratto KMN, Cunha CB. Uso do índice de Kotelchuck modificado na avaliação da assistência pré-natal e sua relação com as características maternas e o peso do recém-nascido no Município do Rio de Janeiro. Cad Saúde Pública 2004; 20(S1): 63-72.

10. Coimbra, LC, Figueiredo, FP, Silva AAM, Barbieri MA, Bettiol H, Caldas AJM, et al. Inadequate utilization of prenatal care in two Brazilian Birth Cohorts. Braz J Med Biol Res 2007; 40(9): 1195-202.
- 1111. Silveira MF, Barros AJD, Santos IS, Matijasevich A, Victora CG. Socioeconomic differentials in performing urinalysis during prenatal care. Rev Saúde Pública 2008; 42(3): 389-95..

Embora as desigualdades sociais nas condições de saúde sejam determinadas principalmente por fatores tais como pobreza, condições de moradia e de trabalho, serviços de saúde adequados podem contribuir para a redução dessas desigualdades, por seu papel na promoção da saúde e na prevenção e tratamento de doenças1212. Travassos C, Castro MSM. Determinantes e desigualdades sociais no acesso e na utilização de serviços de saúde. In: Giovanella L, Escorel S, Vasconcelos Lobato LVC, Noronha JC, Carvalho AI (orgs.). Políticas e Sistema de Saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2008. p. 215-43..

Estudo representativo para a cidade do RJ, realizado no final da década de 1990, identificou elevada cobertura da assistência pré-natal, aliada à persistência de desfechos perinatais desfavoráveis99. Leal MC, Gama SGN, Ratto KMN, Cunha CB. Uso do índice de Kotelchuck modificado na avaliação da assistência pré-natal e sua relação com as características maternas e o peso do recém-nascido no Município do Rio de Janeiro. Cad Saúde Pública 2004; 20(S1): 63-72., sendo observado um gradiente nítido entre escolaridade e renda da gestante e os desfechos baixo peso ao nascer e mortalidade perinatal1313. Andrade CLT, Szwarcwald CL, Gama SGN, Leal MC. Desigualdades sócio-econômicas do baixo peso ao nascer e da mortalidade perinatal no Município do Rio de Janeiro, 2001. Cad Saúde Pública; 2004; 20(S1): 44-51.. Foi evidenciada baixa adequação da assistência pré-natal, segundo o índice de Kotelchuck modificado, estando a utilização desses serviços (época de início do acompanhamento e número de consultas recebidas) associada a várias características socioeconômicas, demográficas e biológicas das puérperas99. Leal MC, Gama SGN, Ratto KMN, Cunha CB. Uso do índice de Kotelchuck modificado na avaliação da assistência pré-natal e sua relação com as características maternas e o peso do recém-nascido no Município do Rio de Janeiro. Cad Saúde Pública 2004; 20(S1): 63-72..

Transcorrida quase uma década, este estudo tem por objetivo avaliar o acesso e utilização dos serviços de pré-natal na rede SUS do município do Rio de Janeiro, segundo recomendações do Programa de Humanização do Pré-Natal e Nascimento (PHPN) do Ministério da Saúde33. Brasil.Ministério da Saúde. Programa de Humanização do Pré-Natal e Nascimento. Brasília: Secretaria de Políticas de Saúde; 2000., que inclui outros parâmetros além da época de início do pré-natal e do número de consultas, verificando sua associação a fatores relacionados às características das gestantes e aos serviços de saúde.

Métodos

Foi realizado um estudo transversal com gestantes atendidas na rede SUS do município do Rio de Janeiro, no período de novembro de 2007 a julho de 2008.

Uma amostragem por conglomerado em dois estágios selecionou, no primeiro estágio, os estabelecimentos de saúde com atendimento pré-natal de baixo risco e, no segundo estágio, as gestantes atendidas em cada um dos serviços selecionados. As unidades primárias de seleção foram estratificadas, segundo tipo de unidade, em: Unidades Básicas de Saúde (UBS), Hospitais/maternidades, Casa de Parto (CP) e Unidades de Saúde da Família (USF). Para os estratos de UBS e Hospitais, foi realizada seleção aleatória simples das unidades de saúde elegíveis nas dez Áreas Programáticas da cidade (AP), mantendo-se na amostra a mesma distribuição proporcional de unidades por AP existente na época da realização do estudo. Com relação ao estrato CP, a única unidade existente no município foi incluída no estudo. As USF foram selecionadas nas áreas de maior expansão da estratégia de saúde da família, sendo incluídas aquelas que melhor atendessem aos critérios estabelecidos pela pesquisa (não estar localizada em área de elevado risco de violência, dispor do maior número de equipes e ter maior tempo de funcionamento).

O tamanho da amostra foi estabelecido considerando-se o desfecho "adequação do pré-natal", estimado em 50%, e nível de significância de 5%. Para UBS, hospitais e CP, foi definida margem de erro bilateral de 2,5% e para as USF de 5,2%. Foi feita correção para população finita e para efeito de desenho, estimado em 1,5, com uma amostra final de 2.187 mulheres no estrato UBS, Hospitais e CP e 230 entrevistas nas USF. Como as poucas recusas foram repostas, foi obtido o tamanho estimado, sendo entrevistadas 2.422 gestantes.

Foram consideradas elegíveis para o estudo todas as gestantes atendidas nas unidades selecionadas, independente da sua idade, local de residência e época da gestação.

Para obtenção dos dados necessários, foi realizada entrevista com as gestantes e extração de dados do cartão de pré-natal. Para a entrevista foi utilizado um questionário padronizado contendo perguntas relativas às características maternas e informações sobre a assistência recebida. Toda a coleta de dados foi realizada por profissionais e estudantes da área de saúde previamente treinados na própria unidade de saúde.

Para a obtenção dos dados do cartão foi realizada cópia manual ou reprográfica dos mesmos, com posterior extração das informações relevantes, sendo utilizado um instrutivo, padronizando a extração dos dados, visando menor viés de aferição.

Todos os instrumentos foram avaliados e pré-testados no estudo piloto. Os questionários das gestantes foram revisados e codificados por membros da equipe, sendo o armazenamento dos dados realizado por meio do programa Access, com digitação com dupla entrada em 100% dos questionários.

Foi elaborado um modelo de utilização dos serviços de pré-natal, baseado em modelo teórico que considera que a utilização dos serviços de saúde é influenciada por fatores contextuais externos e pelas características do sistema de saúde, que são intermediados por fatores individuais1212. Travassos C, Castro MSM. Determinantes e desigualdades sociais no acesso e na utilização de serviços de saúde. In: Giovanella L, Escorel S, Vasconcelos Lobato LVC, Noronha JC, Carvalho AI (orgs.). Políticas e Sistema de Saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2008. p. 215-43. , 1414. Andersen RM. Revisiting the Behavioral Model and Access to Medical care: Does it Matter? J Soc Behav 1995; 36(1): 1-10.. Esses são categorizados em fatores predisponentes (existentes antes do surgimento do problema de saúde), fatores capacitantes (individuais ou comunitários) e a necessidade de saúde.

Foram definidos como fatores predisponentes a "idade materna" (em anos), "escolaridade materna" (1º grau incompleto, 1º grau completo, ensino médio ou mais), "cor da pele" (branca, parda ou preta) e a "paridade" (primigesta ou não). Como fatores capacitantes individuais, a "classe econômica" (classificação econômica Brasil da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa1515. Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa. Critério de Classificação Econômica Brasil. Http://www.abep.org/novo/Content.aspx?ContentID=302 [Acessado em 30 de junho de 2010].
Http://www.abep.org/novo/Content.aspx?Co...
), "trabalho remunerado materno" (sim ou não) e a "situação conjugal" (vive ou não com companheiro) e como fator capacitante comunitário o "tipo de unidade de saúde" (hospital, Unidade Básica de Saúde, Unidade de Saúde da Família/Casa de Parto). Para definição da necessidade em saúde utilizou-se como critério a presença de "antecedentes de doença crônica" (hipertensão arterial ou diabetes mellitus) ou de "antecedentes obstétricos de risco", definidos como a ocorrência, em gestações anteriores, de uma das seguintes situações: número de abortos (3 ou mais), número de partos (4 ou mais), número de partos cesáreos (2 ou mais), ocorrência em gestações anteriores de complicações obstétricas (doença hipertensiva, diabetes gestacional) ou de desfechos desfavoráveis (natimorto, neomorto, prematuro, baixo peso).

Como medida de utilização dos serviços de pré-natal, utilizou-se o critério estabelecido pelo PHPN33. Brasil.Ministério da Saúde. Programa de Humanização do Pré-Natal e Nascimento. Brasília: Secretaria de Políticas de Saúde; 2000.. Como este estudo foi realizado com gestantes que se encontravam em diversas idades gestacionais, definiu-se o número mínimo de consultas e procedimentos que deveriam ter sido realizados em seis faixas gestacionais distintas. Considerou-se como adequado o início do pré-natal até a 16ª semana gestacional; um número mínimo de consultas para a idade gestacional (uma consulta no primeiro trimestre gestacional, duas no segundo e três no terceiro); resultado dos exames da 1ª rotina a partir da 22ª semana gestacional e da 2ª rotina de exames a partir da 34ª semana gestacional; e vacinação antitetânica (VAT) após a 28ª semana gestacional. Além da adequação de cada um dos componentes, verificou-se também adequação global do PHPN, sendo todas as informações utilizadas para essa avaliação extraídas do cartão de pré-natal.

Para a realização da análise estatística, cada elemento da amostra recebeu uma ponderação pelo inverso de sua probabilidade de seleção e uma calibração para restituir a distribuição conhecida das consultas de pré-natal. Na fase de análise, a CP foi incluída no estrato das USF para permitir a inclusão do efeito de desenho1616. Szwarcwald CL, Damacena GN. Amostras complexas em inquéritos populacionais: planejamento e implicações na análise estatística dos dados. Rev Bras Epidemiol 2008; 11 (S1): 38-45..

Foi feita inicialmente a descrição das características das gestantes e dos problemas referidos por elas para a utilização dos serviços de saúde. Para avaliar a associação das características das mulheres e dos serviços à utilização dos serviços de pré-natal foi realizada inicialmente a análise bivariada, tendo como variáveis desfecho a adequação global da assistência do PHPN e seus componentes, com aplicação do teste χ2 para verificar diferenças entre proporções. A análise estatística multivariada dos fatores associados à utilização dos serviços de pré-natal foi realizada através de regressão logística não condicional, seguindo o modelo hierarquizado17 17. Victora CG, Huttly SR, Fuchs SC, Olinto MT. The role of conceptual frameworks in epidemiological analysis: a hierarchical approach. Int J Epidemiol 1997; 26(1): 224-7.previamente estabelecido (Figura 1). Variáveis com nível de significância < 0,20 na análise bivariada foram incluídas no modelo. Permaneceram no modelo final aquelas com p < 0,05. A variável dependente foi novamente a adequação do pré-natal segundo o critério do PHPN. Porém, considerando-se que a época de início do pré-natal pode afetar a realização de consultas, e que ambas podem afetar a realização de exames e vacinação, foram definidos dois modelos de análise adicionais (modelos 2 e 3), em que o início precoce da assistência pré-natal (até a 16ª semana gestacional) e o número de consultas de pré-natal (adequado ou não para a idade gestacional) foram utilizados como variáveis explicativas para exames e vacinação (Figura 1). Toda a análise dos dados foi realizada utilizando-se o pacote estatístico SPSS versão 16.0.

Figura 1
Modelo hierarquizado para análise da adequação da assistência pré-natal.

Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca/Fiocruz (Parecer Nº 142/06) e pelo CEP da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro Protocolo de Pesquisa Nº 113/07). Os dados foram colhidos mediante assinatura de termo de consentimento livre e esclarecido e todos os cuidados foram adotados visando garantir o sigilo e a confidencialidade das informações obtidas. Não foram identificados conflitos de interesses na realização do estudo.

Resultados

Das 2.422 gestantes entrevistadas, 69 foram excluídas da análise por não possuírem cartão de pré-natal (n = 25) ou não terem idade gestacional definida (n = 44). Essas gestantes não apresentavam diferenças significativas em relação às que foram incluídas na análise, sendo observada apenas uma proporção um pouco menor de primigestas entre as excluídas (Tabela 1).

Tabela 1
Características socioeconômicas, demográficas, reprodutivas e adequação do pré-natal das gestantes incluídas e excluídas da análise. Município do Rio de Janeiro, RJ, 2007 - 2008.

As 2.353 gestantes analisadas apresentavam média de idade de 24,6 anos, sendo quase um quarto delas adolescentes. Aproximadamente um terço apresentava escolaridade inferior ao ensino fundamental, com média de 8,4 anos de estudo. A maioria das gestantes pertencia à classe "C", não havendo qualquer gestante classificada como classe "A". Aproximadamente 2% das gestantes referiam cor da pele amarela e 0,5% se autodeclararam indígenas, sendo excluídas das análises posteriores por representarem uma categoria muito pequena. Apenas um terço das mulheres referia ter trabalho remunerado e mais de 70% residiam com companheiro. O principal local de atendimento foram as UBS, seguida pelos hospitais/maternidades. Quanto às características obstétricas, 37,4% das entrevistadas eram primigestas e, dentre aquelas que já haviam engravidado anteriormente, 36,9% foram classificadas como tendo antecedentes obstétricos de risco. Em relação aos antecedentes de doença crônica, 8% referiam ter hipertensão arterial e/ou diabetes antes da gestação atual.

Aproximadamente 75% das gestantes apresentaram início precoce da assistência pré-natal, realizado até a 16ª semana gestacional (Tabela 1). A principal razão para o início mais tardio foi não saber que estava grávida (40%), sendo relatadas também dificuldades de acesso ao serviço (27%) e questões pessoais (18%), tais como dúvidas em relação à manutenção da gravidez e dificuldades de assumir a gestação junto aos familiares. Cerca de um terço das gestantes referiram ter procurado outro serviço de saúde antes de conseguir atendimento no atual, retardando o início da assistência pré-natal. Em aproximadamente 27% dos casos, a mudança foi motivada por não ter conseguido atendimento na primeira unidade procurada e em 33% por ter sido encaminhada, sendo 17% por situação de risco gestacional e 16% por motivo não declarado.

O número de consultas de pré-natal só foi adequado para as gestantes que estavam no início da gestação, sendo de aproximadamente 80% para o conjunto das gestantes (Tabela 1). Mais de 95% das gestantes informaram que a consulta subsequente era sempre agendada ao final do atendimento. Entretanto, quase um quinto delas havia perdido alguma consulta, sendo em 36% dos casos por problemas do serviço e em 30% por motivos não especificados. Das gestantes que perderam alguma consulta de pré-natal, 13% tiveram dificuldades para agendar novo atendimento, em mais de 80% dos casos por questões relacionadas ao serviço.

A solicitação e realização de exames de sangue e urina foram elevadas, referidas por mais de 95% das gestantes. Das gestantes que não fizeram o exame, aproximadamente 70% referiram dificuldades para a sua realização, em quase 60% dos casos por dificuldades relacionadas a problemas do serviço, em 10% por questões pessoais e em 30% por outras razões não especificadas. Entretanto, a adequação dos exames foi baixa, atingindo um valor máximo de apenas 41% em gestantes com 28 a 33 semanas, sendo próximo a 30% para o conjunto das gestantes com mais de 22 semanas (Tabela 1). Em relação à vacinação antitetânica (VAT) a cobertura também foi baixa, de apenas 54,8% em gestantes com mais de 28 semanas (Tabela 1). Considerando todos os parâmetros do PHPN, apenas 38,5% das gestantes apresentaram assistência adequada (Tabela 1).

Na análise bivariada (Tabela 2), os principais fatores associados ao "início precoce" foram a maior escolaridade, viver com companheiro, cor da pele branca e a não ocorrência de gestações anteriores, tendo as duas últimas significância limítrofe. Para o "número adequado de consultas", o principal fator associado foi o início precoce da assistência pré-natal. Outros fatores identificados foram a idade da gestante (menor proporção em adolescentes), maior escolaridade, viver com companheiro e ser primigesta. Antecedente de doença crônica e classe econômica apresentaram significância limítrofe, sendo a maior proporção de adequação observada na classe "B" e em mulheres com doença crônica anterior. A "adequação dos exames" esteve fortemente associada ao início precoce e à adequação do número de consultas, sendo também observada associação com cor da pele branca e maior escolaridade. A "VAT" esteve associada ao início precoce, ao número adequado de consultas e ao tipo de unidade de saúde. Na avaliação global do PHPN, escolaridade, trabalho e antecedente de doença crônica foram as variáveis que mantiveram associações significativas.

Tabela 2
Análise bivariada* dos fatores associados à adequação da assistência pré-natal segundo o critério PHPN e seus componentes. Município do Rio de Janeiro, 2007 - 2008.

Na análise multivariada (Tabela 3), cor da pele branca, maior escolaridade, viver com companheiro e estar na primeira gestação estiveram positivamente associados ao início precoce da assistência pré-natal. Gestantes com início tardio do pré-natal e gestantes adolescentes apresentaram menor adequação do número de consultas, enquanto primigestas apresentaram maior adequação. Ter menos consultas e ter cor da pele preta se mostraram associados à menor adequação de exames. Menor adequação do número de consultas também manteve associação com menor adequação de VAT, enquanto ter a assistência pré-natal em UBS ou em USF/CP dobrou a adequação de vacinação. Na avaliação global, o PHPN manteve associação significativa apenas com escolaridade, cor da pele e antecedentes de doença crônica, estando a menor adequação associada à cor da pele preta e à menor escolaridade da gestante e a maior adequação ao diagnóstico anterior de doença crônica.

Tabela 3
Análise multivariada hierarquizada dos fatores associados à adequação da assistência pré-natal segundo o critério do PHPN e seus componentes. Município do Rio de Janeiro, 2007 - 2008.

Discussão

Foram identificados vários problemas na utilização da assistência pré-natal, considerando-se os parâmetros preconizados pelo PHPN. O primeiro foi o início tardio da assistência pré-natal, identificado em 25% das gestantes, resultado pior do que o encontrado por Leal et al.99. Leal MC, Gama SGN, Ratto KMN, Cunha CB. Uso do índice de Kotelchuck modificado na avaliação da assistência pré-natal e sua relação com as características maternas e o peso do recém-nascido no Município do Rio de Janeiro. Cad Saúde Pública 2004; 20(S1): 63-72. em estudo realizado no município do RJ em 1999. Essa diferença é provavelmente decorrente da inclusão de gestantes atendidas no setor privado no estudo realizado anteriormente, tendo essas mulheres melhor nível socioeconômico e de condições de acesso aos serviços. Outros estudos nacionais também encontraram problemas na captação precoce de gestantes, com valores que variaram de 14 a 82%55. Andrucci CB, Cecatti JG. Desempenho de indicadores de processo do Programa de Humanização do Pré-Natal e Nascimento no Brasil: uma revisão sistemática. Cad Saúde Pública 2011; 27(6): 1053-64..

Neste estudo, a ausência do diagnóstico da gestação foi o principal motivo para o início tardio da assistência, sendo relatado por 40% das mulheres. Saber que está grávida é a condição primeira para gerar a procura por assistência pré-natal. Embora o estudo não tenha detalhado as razões para a falta de diagnóstico, um dos fatores possíveis é a dificuldade de acesso a métodos diagnósticos para confirmação da gravidez. É possível também que mulheres com gestação não planejada tenham retardado a busca pelo diagnóstico da gravidez, evitando a confirmação de uma gestação não desejada.

Um grande estudo de base populacional representativo para 29 Estados norte-americanos evidenciou que o diagnóstico precoce da gravidez, até a sexta semana gestacional, aumentou em seis vezes a chance de início precoce da assistência pré-natal, bem como a chance de ter um número maior de consultas de pré-natal1818. Ayoola AB, Nettleman MD, Stommel M, Canady RB. Time of pregnancy recognition and prenatal care use: a population based study in the United States. Birth 2010; 37: 37-43.. Os autores consideram que o diagnóstico precoce da gravidez é um dos fatores que podem influenciar o comportamento das mulheres em relação ao uso do pré-natal, propiciando seu início mais precoce, podendo ser melhorado por ações educativas e outros meios.

Das gestantes com início tardio, aproximadamente 30% relataram problemas no acesso12 12. Travassos C, Castro MSM. Determinantes e desigualdades sociais no acesso e na utilização de serviços de saúde. In: Giovanella L, Escorel S, Vasconcelos Lobato LVC, Noronha JC, Carvalho AI (orgs.). Políticas e Sistema de Saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2008. p. 215-43.ao serviço como razão para não ter iniciado o pré-natal mais precocemente. Além disso, das gestantes que mudaram de unidade de saúde durante o pré-natal, quase 50% mencionaram problemas no atendimento como justificativa para a mudança.

Estudo realizado nos EUA para avaliar a época de início do pré-natal em gestantes adolescentes no período 1978 - 2003 evidenciou um aumento do início do pré-natal no primeiro trimestre gestacional associado à expansão da cobertura assistencial para esse grupo, sugerindo que a ampliação do acesso favorece o início mais precoce dessa assistência1919. Hueston WJ, Geesey ME, Diaz V. Prenatal care initiation among pregnant teens in the United States: an analysis over 25 years. J Adolesc Health 2008; 48: 243-48.. Resultado semelhante foi encontrado em relação ao acesso a consultas, com maior número de consultas de pré-natal em mulheres com alguma cobertura assistencial nos EUA1818. Ayoola AB, Nettleman MD, Stommel M, Canady RB. Time of pregnancy recognition and prenatal care use: a population based study in the United States. Birth 2010; 37: 37-43.. Neste estudo, com gestantes recebendo assistência pré-natal em unidades do SUS, as dificuldades de acesso relatadas estão provavelmente relacionadas à distribuição geográfica das unidades no município, disponibilidade de recursos humanos e barreiras organizacionais no agendamento de consultas.

Além dos problemas relatados, 20% das gestantes referiram questões pessoais, tais como não achar o pré-natal importante ou não ter certeza se iria manter a gestação, ou problemas familiares para não ter procurado o serviço mais precocemente. Paredes2020. Paredes I, Hidalgo L, Chedraui P, Palma J, Eugenio J. Factors associated with inadequate prenatal care in Ecuadorian women. Int J Gynaecol Obstet 2005; 88(2): 168-72., em estudo no Equador com mulheres de baixa renda, encontrou baixa proporção de gestantes com conhecimentos sobre o significado do cuidado pré-natal e do pré-natal adequado, sendo essa proporção ainda menor em gestantes com cuidado inadequado.

Questões relacionadas ao planejamento da gestação atual e à satisfação com a gravidez não foram aferidas neste estudo. Em estudo anterior realizado no município do Rio de Janeiro, a satisfação materna com a gravidez se mostrou associada à maior utilização do pré-natal, segundo o índice de Kotelchuck modificado99. Leal MC, Gama SGN, Ratto KMN, Cunha CB. Uso do índice de Kotelchuck modificado na avaliação da assistência pré-natal e sua relação com as características maternas e o peso do recém-nascido no Município do Rio de Janeiro. Cad Saúde Pública 2004; 20(S1): 63-72.. Bassani et al.21 21. Bassani DG, Surkan PJ, Olinto MTA. Inadequate use of prenatal services among Brazilian women: the role of maternal characteristics. Int Perspec Sex Reprod Health 2009; 35(1): 15- 20.verificaram que ter uma gravidez não planejada e a insatisfação com a gravidez estiveram fortemente associados à inadequação do pré-natal quando utilizado o índice de Kessner. Paredes20 20. Paredes I, Hidalgo L, Chedraui P, Palma J, Eugenio J. Factors associated with inadequate prenatal care in Ecuadorian women. Int J Gynaecol Obstet 2005; 88(2): 168-72.também encontrou associação entre inadequação do pré-natal com gestação não desejada e paridade elevada. A ampliação do planejamento familiar pode propiciar um melhor espaçamento entre as gestações, evitar gestações em mulheres de maior risco reprodutivo e gestações não planejadas, sendo uma das medidas para a redução da mortalidade materna e uma possível estratégia para a maior adequação do pré-natal.

Viver com companheiro esteve positivamente associado ao início precoce da assistência pré-natal, indicando a importância do suporte social para os cuidados com a gravidez. A situação conjugal já foi apontada em outros estudos como fator associado à inadequação do cuidado pré-natal, tanto no MRJ99. Leal MC, Gama SGN, Ratto KMN, Cunha CB. Uso do índice de Kotelchuck modificado na avaliação da assistência pré-natal e sua relação com as características maternas e o peso do recém-nascido no Município do Rio de Janeiro. Cad Saúde Pública 2004; 20(S1): 63-72. , 2222. Gama SGN, Szwarcwald CL, Sabroza AR, Branco VC, Leal MC. Fatores associados à assistência pré-natal precária em uma amostra de puérperas adolescentes em maternidades do Município do Rio de Janeiro, 1999-2000. Cad Saúde Pública 2004; 20 (S1): 101-11. quanto em outros locais77. Coimbra LC, Silva AAM, Mochel EG, Alves MTSSB, Ribeiro VS, Aragão VMF, et al. Fatores associados à inadequação do uso da assistência pré-natal. Rev Saúde Pública 2003; 37(4): 456-62. , 1111. Silveira MF, Barros AJD, Santos IS, Matijasevich A, Victora CG. Socioeconomic differentials in performing urinalysis during prenatal care. Rev Saúde Pública 2008; 42(3): 389-95. , 1818. Ayoola AB, Nettleman MD, Stommel M, Canady RB. Time of pregnancy recognition and prenatal care use: a population based study in the United States. Birth 2010; 37: 37-43. , 2121. Bassani DG, Surkan PJ, Olinto MTA. Inadequate use of prenatal services among Brazilian women: the role of maternal characteristics. Int Perspec Sex Reprod Health 2009; 35(1): 15- 20., sendo um dos aspectos que mais explicou a diferença na inadequação do cuidado nas coortes de Ribeirão Preto e São Luiz do Maranhão1010. Coimbra, LC, Figueiredo, FP, Silva AAM, Barbieri MA, Bettiol H, Caldas AJM, et al. Inadequate utilization of prenatal care in two Brazilian Birth Cohorts. Braz J Med Biol Res 2007; 40(9): 1195-202..

Ser primigesta também foi um fator facilitador do acesso precoce ao pré-natal e ao número de consultas mínimo previsto pelo Ministério da Saúde. A paridade materna tem sido identificada como um dos fatores associados à adequação do cuidado pré-natal, tendo as multíparas maior proporção de cuidados inadequados77. Coimbra LC, Silva AAM, Mochel EG, Alves MTSSB, Ribeiro VS, Aragão VMF, et al. Fatores associados à inadequação do uso da assistência pré-natal. Rev Saúde Pública 2003; 37(4): 456-62. , 99. Leal MC, Gama SGN, Ratto KMN, Cunha CB. Uso do índice de Kotelchuck modificado na avaliação da assistência pré-natal e sua relação com as características maternas e o peso do recém-nascido no Município do Rio de Janeiro. Cad Saúde Pública 2004; 20(S1): 63-72. , 1010. Coimbra, LC, Figueiredo, FP, Silva AAM, Barbieri MA, Bettiol H, Caldas AJM, et al. Inadequate utilization of prenatal care in two Brazilian Birth Cohorts. Braz J Med Biol Res 2007; 40(9): 1195-202. , 1919. Hueston WJ, Geesey ME, Diaz V. Prenatal care initiation among pregnant teens in the United States: an analysis over 25 years. J Adolesc Health 2008; 48: 243-48. , 2121. Bassani DG, Surkan PJ, Olinto MTA. Inadequate use of prenatal services among Brazilian women: the role of maternal characteristics. Int Perspec Sex Reprod Health 2009; 35(1): 15- 20. , 2222. Gama SGN, Szwarcwald CL, Sabroza AR, Branco VC, Leal MC. Fatores associados à assistência pré-natal precária em uma amostra de puérperas adolescentes em maternidades do Município do Rio de Janeiro, 1999-2000. Cad Saúde Pública 2004; 20 (S1): 101-11.. A menor utilização do pré-natal por gestantes com partos anteriores pode estar relacionada a dificuldades no comparecimento ao serviço, por problemas de transporte ou falta de suporte social no cuidado com as demais crianças2020. Paredes I, Hidalgo L, Chedraui P, Palma J, Eugenio J. Factors associated with inadequate prenatal care in Ecuadorian women. Int J Gynaecol Obstet 2005; 88(2): 168-72., mas também pode ser decorrente de experiências negativas com a assistência pré-natal em gestações anteriores ou com o sentimento de ter conhecimento e experiência suficiente, atribuindo menor importância ao cuidado pré-natal77. Coimbra LC, Silva AAM, Mochel EG, Alves MTSSB, Ribeiro VS, Aragão VMF, et al. Fatores associados à inadequação do uso da assistência pré-natal. Rev Saúde Pública 2003; 37(4): 456-62. , 2121. Bassani DG, Surkan PJ, Olinto MTA. Inadequate use of prenatal services among Brazilian women: the role of maternal characteristics. Int Perspec Sex Reprod Health 2009; 35(1): 15- 20..

Foi observada menor proporção de gestantes com número adequado de consultas entre as adolescentes. A menor adequação do pré-natal em adolescentes88. Puccini RF, Pedroso GC, Silva EMK, Araújo NS, Silva NN. Equidade na atenção pré-natal e ao parto em área da região Metropolitana de São Paulo, 1996. Cad Saúde Pública 2003; 19(1): 35-45.

9. Leal MC, Gama SGN, Ratto KMN, Cunha CB. Uso do índice de Kotelchuck modificado na avaliação da assistência pré-natal e sua relação com as características maternas e o peso do recém-nascido no Município do Rio de Janeiro. Cad Saúde Pública 2004; 20(S1): 63-72.
- 1010. Coimbra, LC, Figueiredo, FP, Silva AAM, Barbieri MA, Bettiol H, Caldas AJM, et al. Inadequate utilization of prenatal care in two Brazilian Birth Cohorts. Braz J Med Biol Res 2007; 40(9): 1195-202. , 1818. Ayoola AB, Nettleman MD, Stommel M, Canady RB. Time of pregnancy recognition and prenatal care use: a population based study in the United States. Birth 2010; 37: 37-43., principalmente as mais jovens1919. Hueston WJ, Geesey ME, Diaz V. Prenatal care initiation among pregnant teens in the United States: an analysis over 25 years. J Adolesc Health 2008; 48: 243-48. , 2222. Gama SGN, Szwarcwald CL, Sabroza AR, Branco VC, Leal MC. Fatores associados à assistência pré-natal precária em uma amostra de puérperas adolescentes em maternidades do Município do Rio de Janeiro, 1999-2000. Cad Saúde Pública 2004; 20 (S1): 101-11., e em mulheres com mais de 35 anos77. Coimbra LC, Silva AAM, Mochel EG, Alves MTSSB, Ribeiro VS, Aragão VMF, et al. Fatores associados à inadequação do uso da assistência pré-natal. Rev Saúde Pública 2003; 37(4): 456-62., tem sido identificada em outros estudos de avaliação e apontam para a necessidade de estratégias diferenciadas para grupos etários específicos.

Neste estudo, a presença de antecedentes obstétricos de risco não favoreceu o acesso precoce à assistência pré-natal, de forma semelhante ao observado no estudo realizado por Leal et al.99. Leal MC, Gama SGN, Ratto KMN, Cunha CB. Uso do índice de Kotelchuck modificado na avaliação da assistência pré-natal e sua relação com as características maternas e o peso do recém-nascido no Município do Rio de Janeiro. Cad Saúde Pública 2004; 20(S1): 63-72., onde o histórico de natimortos anteriores não se mostrou associado à maior utilização do pré-natal. Pior qualidade da assistência pré-natal em mulheres de maior risco reprodutivo também foi evidenciada em estudo realizado no sul do país66. Dias da Costa JS, Victora CG, Barros FC. Assistência médica materno-infantil em duas coortes de base populacional no sul do Brasil: tendências e diferenciais. Cad Saúde Pública 1996; 12(S1): 59-66.. Verificou-se, entretanto, maior adequação global do pré-natal em gestantes com antecedentes de doenças crônicas, o que pode ser decorrente tanto de uma assistência diferenciada a essas gestantes, como a uma maior adesão das mesmas às condutas do pré-natal, pela necessidade percebida de cuidado. Maior utilização dos serviços de pré-natal em mulheres com morbidade na gravidez também foi observada em estudo anterior realizado no MRJ99. Leal MC, Gama SGN, Ratto KMN, Cunha CB. Uso do índice de Kotelchuck modificado na avaliação da assistência pré-natal e sua relação com as características maternas e o peso do recém-nascido no Município do Rio de Janeiro. Cad Saúde Pública 2004; 20(S1): 63-72. e no município de São Luis do Maranhão77. Coimbra LC, Silva AAM, Mochel EG, Alves MTSSB, Ribeiro VS, Aragão VMF, et al. Fatores associados à inadequação do uso da assistência pré-natal. Rev Saúde Pública 2003; 37(4): 456-62..

Ressalta-se que o principal fator associado ao número inadequado de consultas foi o início tardio do pré-natal, enquanto o número inadequado de consultas foi o principal fator associado à inadequação de exames e vacinas, demonstrando a importância da captação precoce das gestantes e da continuidade do cuidado para o acesso efetivo14 14. Andersen RM. Revisiting the Behavioral Model and Access to Medical care: Does it Matter? J Soc Behav 1995; 36(1): 1-10.ao pré-natal.

Não foi verificada associação significativa entre classe econômica e os critérios de adequação utilizados. A relativa homogeneidade do grupo estudado, com grande concentração de gestantes nas classes C e D, pode ter dificultado a detecção dessas diferenças. Estudos que utilizaram a renda familiar como marcador da condição socioeconômica66. Dias da Costa JS, Victora CG, Barros FC. Assistência médica materno-infantil em duas coortes de base populacional no sul do Brasil: tendências e diferenciais. Cad Saúde Pública 1996; 12(S1): 59-66.

7. Coimbra LC, Silva AAM, Mochel EG, Alves MTSSB, Ribeiro VS, Aragão VMF, et al. Fatores associados à inadequação do uso da assistência pré-natal. Rev Saúde Pública 2003; 37(4): 456-62.
- 88. Puccini RF, Pedroso GC, Silva EMK, Araújo NS, Silva NN. Equidade na atenção pré-natal e ao parto em área da região Metropolitana de São Paulo, 1996. Cad Saúde Pública 2003; 19(1): 35-45. , 1010. Coimbra, LC, Figueiredo, FP, Silva AAM, Barbieri MA, Bettiol H, Caldas AJM, et al. Inadequate utilization of prenatal care in two Brazilian Birth Cohorts. Braz J Med Biol Res 2007; 40(9): 1195-202. encontraram maior inadequação do cuidado pré-natal, com início mais tardio e menor número de consultas, em gestantes de menor renda.

Verificou-se que a cor da pele e a escolaridade estiveram associadas a vários critérios de adequação, sendo as únicas características sociais que se mantiveram associadas ao índice de adequação global. Observou-se pior adequação da assistência para mulheres com ensino fundamental completo quando comparadas àquelas com ensino fundamental incompleto. É possível que esse resultado seja decorrente de um efeito de coorte, com acesso ampliado das gerações mais novas ao sistema educacional, já que 42% das mulheres com ensino fundamental completo eram adolescentes, permanecendo provavelmente um confundimento residual, mesmo após o ajuste para a idade. A associação da escolaridade com maior acesso a práticas e serviços de saúde tem sido demostrada em vários estudos77. Coimbra LC, Silva AAM, Mochel EG, Alves MTSSB, Ribeiro VS, Aragão VMF, et al. Fatores associados à inadequação do uso da assistência pré-natal. Rev Saúde Pública 2003; 37(4): 456-62. , 99. Leal MC, Gama SGN, Ratto KMN, Cunha CB. Uso do índice de Kotelchuck modificado na avaliação da assistência pré-natal e sua relação com as características maternas e o peso do recém-nascido no Município do Rio de Janeiro. Cad Saúde Pública 2004; 20(S1): 63-72.

10. Coimbra, LC, Figueiredo, FP, Silva AAM, Barbieri MA, Bettiol H, Caldas AJM, et al. Inadequate utilization of prenatal care in two Brazilian Birth Cohorts. Braz J Med Biol Res 2007; 40(9): 1195-202.
- 1111. Silveira MF, Barros AJD, Santos IS, Matijasevich A, Victora CG. Socioeconomic differentials in performing urinalysis during prenatal care. Rev Saúde Pública 2008; 42(3): 389-95..

Em relação à cor da pele, Victora et al.2323. Victora CG, Matijasevich A, Silveira MF, Santos IS, et al. Socio-economic and ethnic group inequities in antenatal care quality in the public and private sector in Brazil. Health Policy Plan 2010; 25(4): 253-61. observaram menor realização de procedimentos em mulheres de menor renda e de cor da pele preta, mas estas diferenças não se mantiveram após ajustes, sendo a diferença na avaliação global da qualidade do atendimento pré-natal atribuída ao tipo de prestador (público ou privado). Neste estudo, com gestantes atendidas exclusivamente em unidades públicas, mulheres pardas e negras, além das dificuldades no acesso ao início precoce, tiveram menor adequação da realização de exames, mesmo após ajuste para as variáveis socioeconômicas incluídas no modelo. Ressalta-se que não foram observadas diferenças na solicitação do exame segundo características das gestantes (dado não mostrado em tabela), o que falaria contra a hipótese de discriminação dos profissionais em relação à sua cor da pele. Entretanto, a menor realização dos exames de rotina indica que essas mulheres apresentaram mais dificuldades que as demais para o recebimento do cuidado pré-natal considerado mínimo. Em estudo anterior no MRJ, Leal et al.2424. Leal MC, Gama SGN, Cunha CB. Desigualdades raciais, sociodemográficas e na assistência ao pré-natal e ao parto, 1999-2001. Rev Saúde Pública 2005; 39(1): 100-7. já haviam identificado menor adequação do pré-natal em mulheres de cor parda e preta, bem como menor uso de anestesia e menor satisfação com a assistência recebida. Estudos realizados no sul do país também encontraram diferenças no acesso de mulheres pardas e negras aos cuidados em saúde, mesmo quando inseridas no mesmo serviço1111. Silveira MF, Barros AJD, Santos IS, Matijasevich A, Victora CG. Socioeconomic differentials in performing urinalysis during prenatal care. Rev Saúde Pública 2008; 42(3): 389-95. , 2525. Quadros CAT, Victora CG, Costa JSD. Coverage and focus of a cervical cancer prevention program in southern Brazil. Rev Panam Salud Publica 2004; 16(4): 223-32..

Considerações finais

Os resultados encontrados reafirmam achados anteriores de que são as mulheres brancas, de maior escolaridade, primigestas e com companheiro as que iniciam o pré-natal mais precocemente. Mulheres de maior risco social e reprodutivo, por não desejarem a gravidez, não saberem que estão grávidas, não reconhecerem a importância do pré-natal ou por dificuldades de acesso aos serviços, iniciam o pré-natal mais tardiamente, tendo em consequência menor acesso às consultas e procedimentos considerados mínimos, o que pode contribuir para a ocorrência de novos desfechos negativos. Esses resultados revelam iniquidades na assistência pré-natal, já que fatores não relacionados às necessidades em saúde, como cor da pele e escolaridade, determinaram o acesso e utilização dos serviços de pré-natal1414. Andersen RM. Revisiting the Behavioral Model and Access to Medical care: Does it Matter? J Soc Behav 1995; 36(1): 1-10..

A ampliação do acesso ao diagnóstico da gravidez, propiciando o início precoce da assistência pré-natal; a melhor organização dos fluxos assistenciais nos serviços, diminuindo barreiras de acesso às práticas consideradas benéficas para os desfechos perinatais; e, possivelmente, a ampliação de serviços de planejamento familiar, evitando gestações não desejadas, revelam-se prioritários. Mecanismos de identificação das mulheres de maior risco reprodutivo e a facilitação do seu ingresso na assistência pré-natal também devem ser fomentados, além de trabalhos educativos visando aumentar a percepção das mulheres sobre a importância dessa assistência. Novos estudos para melhor compreensão das razões pelas quais as gestantes não comparecem às consultas agendadas ou não realizam os exames solicitados também são necessários para embasar estratégias futuras.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2013

Histórico

  • Recebido
    18 Nov 2011
  • Revisado
    20 Mar 2012
  • Aceito
    23 Maio 2012
Associação Brasileira de Pós -Graduação em Saúde Coletiva São Paulo - SP - Brazil
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