Pós-alta de hanseníase: limitação de atividade e participação social em área hiperendêmica do Norte do Brasil

Lorena Dias Monteiro Carlos Henrique Alencar Jaqueline Caracas Barbosa Candice Cristiane Barros Santana Novaes Rita de Cássia Pereira da Silva Jorg Heukelbach Sobre os autores

Resumo

INTRODUÇÃO:

Os danos neurais estão entre os principais fatores que contribuem para incapacidade física na hanseníase, então é necessário monitoramento sistematizado desses pacientes com abordagem ampla nos aspectos físicos, psicológicos e sociais.

OBJETIVO:

O objetivo deste trabalho foi caracterizar a limitação de atividade e participação social e sua correlação com incapacidades e/ou deficiências nas pessoas em pós-alta da poliquimioterapia para hanseníase.

MÉTODO:

Foi conduzido um estudo transversal no município de Araguaína, Tocantins, hiperendêmico para hanseníase. Avaliaram-se casos novos em alta por cura de janeiro de 2004 a dezembro de 2009, com realização de exame dermatoneurológico e análise da limitação funcional, de atividade e de restrição à participação social.

RESULTADOS:

Foram entrevistadas e avaliadas 282 pessoas (média de idade: 45,8 anos). As formas clínicas paucibacilares foram mais frequentes (170 pessoas; 60,3%). O escore olho, mão e pé variou de 0 a 12 (média: 0,7). Um total de 84 (29,8%) pessoas apresentou limitação de atividade. A leve restrição à participação social foi mais frequente em 18 (6,3%) casos. Houve correlação estatisticamente significante da limitação de atividade com idade mais avançada (r = 0,40; p < 0,0001) e com o grau da limitação funcional (r = 0,54; p < 0,0001), e da restrição à participação social com a limitação de atividade (r = 0,56; p < 0,0001) e com a limitação funcional (r = 0,54; p < 0,0001).

CONCLUSÃO:

A limitação funcional teve impacto sobre a realização de atividades e participação social das pessoas em alta da hanseníase. A associação entre os níveis de comprometimento nas escalas Screening of Activity Limitation and Safety Awareness e de participação pode subsidiar os profissionais na compreensão do comprometimento subjacente ao prestar assistência às pessoas atingidas.

Hanseníase; Limitação crônica da atividade; Participação social; Epidemiologia; Escalas; Pessoas com deficiência


INTRODUÇÃO

No ano de 2010, foram registrados aproximadamente 230 mil casos novos de hanseníase em todo o mundo, e mais de 13 mil pessoas apresentavam incapacidades físicas visíveis no momento do diagnóstico. De fato, a hanseníase é a principal doença infecciosa que leva a incapacidades físicas permanentes11. Croft RP, Nicholls PG, Steyerberg EW, Richardus JH, Smith WCS. A clinical prediction rule for nerve-function impairment in leprosy patients. Lancet 2000; 355(9215): 1603-6. , 22. Rodrigues LC, Lockwood DNJ. Leprosy now: epidemiology, progress, challenges, and research gaps. Lancet Infect Dis 2011; 11(6): 464-70.. Estima-se que 2 milhões de pessoas tenham desenvolvido algum tipo de incapacidade desde a implementação da poliquimioterapia no ano de 198022. Rodrigues LC, Lockwood DNJ. Leprosy now: epidemiology, progress, challenges, and research gaps. Lancet Infect Dis 2011; 11(6): 464-70.. No Brasil, mesmo com as ações empreendidas nos serviços de saúde, a hanseníase mantém-se um problema relevante de saúde pública33. Penna MLF, Oliveira ML, Penna GO, Richardus JH. The epidemiological behaviour of leprosy in Brazil. Lepr Rev 2009; 80(3): 332-44.. Foi o segundo país em número de casos novos detectados, responsável por aproximadamente 93% dos casos das Américas44. World Health Organization. Global leprosy situation, 2011 (additional information). 2011; 86: 389-400.. Tocantins foi o Estado brasileiro com o segundo maior coeficiente de detecção geral, com 72,14 casos novos/100.000 habitantes em 2010 e um coeficiente de detecção em menores de 15 anos de idade de 20,86/100.000 habitantes55. Ministério da Saúde (Brasil). Portal da saúde. Coeficientes de detecção geral de casos novos de hanseníase Brasil e Estados. 2011. Disponível em: http://www.portal.saude.gov.br. (Acessado em 5 maio 2011).
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. O município de Araguaína, localizado nesse Estado, está inserido no aglomerado de casos mais importante do País, pois apresenta alto risco para a hanseníase33. Penna MLF, Oliveira ML, Penna GO, Richardus JH. The epidemiological behaviour of leprosy in Brazil. Lepr Rev 2009; 80(3): 332-44. , 66. Alencar CH, Ramos AN Jr, dos Santos ES, Richter J, Heukelbach J. Clusters of leprosy transmission and of late diagnosis in a highly endemic area in Brazil: focus on different spatial analysis approaches. Trop Med Int Health 2012 ; 17(4): 518-25..

Dados do Ministério da Saúde do Brasil, de 2010, indicam que 7,2% dos casos de hanseníase avaliados apresentaram grau 2 de incapacidade física no momento do diagnóstico e iniciaram o tratamento com alguma deficiência visível nos olhos, nas mãos e/ou nos pés55. Ministério da Saúde (Brasil). Portal da saúde. Coeficientes de detecção geral de casos novos de hanseníase Brasil e Estados. 2011. Disponível em: http://www.portal.saude.gov.br. (Acessado em 5 maio 2011).
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. Nesse contexto, os danos neurais estão entre os principais fatores que contribuem para incapacidade física, o que faz necessário monitoramento sistematizado11. Croft RP, Nicholls PG, Steyerberg EW, Richardus JH, Smith WCS. A clinical prediction rule for nerve-function impairment in leprosy patients. Lancet 2000; 355(9215): 1603-6. , 77. Moschioni C, Antunes CM, Grossi MA, Lambertucci JR. Risk factors for physical disability at diagnosis of 19,283 new cases of leprosy. Rev Soc Bras Med Trop 2010; 43(1): 19-22.. Entretanto, existem lacunas importantes em termos da operacionalização da atenção às pessoas atingidas pela hanseníase, no momento do pós-alta88. Barbosa JC, Ramos na Jr, Alencar MJF, de Castro CGJ. Pós-alta em hanseníase no Ceará: limitação da atividade funcional, consciência de risco e participação social. Rev Bras Enferm 2008; 61(especial): 727-33. , 99. Barbosa JC. Pós-alta em hanseníase no Ceará: olhares sobre políticas, rede de atenção à saúde, limitação funcional, de atividades e participação social das pessoas atingidas [tese de doutorado]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da USP; 2009..

Muitos estudos abordam a questão da limitação funcional das pessoas atingidas pela hanseníase, mas muito pouco sobre o medo quanto às deficiências e/ou aos estigmas associados à doença que afetam a realização das atividades diárias e a participação social de uma pessoa1010. Van Brakel WH, Anderson AM, Wörpel FC, Saiju R, Bk HB, Sherpa S, et al. A scale to assess activities of daily living in persons affected by leprosy. Lepr Rev 1999; 70(3): 314-23. , 1111. Van Brakel WH, Anderson AM, Mutatkar RK, Bakirtzief Z, Nicholls PG, Raju MS, et al. The Participation Scale: measuring a key concept in public health. Disabil Rehabil 2006; 28(4): 193-203..

Acrescenta-se a isso a necessidade dos serviços de saúde de subsidiar o manejo da hanseníase com ferramentas que avaliem questões além da condição física, de forma que garanta a atenção integral e a longitudinalidade do cuidado a esse grupo de pessoas88. Barbosa JC, Ramos na Jr, Alencar MJF, de Castro CGJ. Pós-alta em hanseníase no Ceará: limitação da atividade funcional, consciência de risco e participação social. Rev Bras Enferm 2008; 61(especial): 727-33. , 99. Barbosa JC. Pós-alta em hanseníase no Ceará: olhares sobre políticas, rede de atenção à saúde, limitação funcional, de atividades e participação social das pessoas atingidas [tese de doutorado]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da USP; 2009..

O presente estudo teve como objetivo caracterizar a limitação de atividade e participação social nas pessoas em pós-alta da poliquimioterapia para hanseníase no município de Araguaína, Tocantins, correlacionando-as com os diferentes graus de incapacidades/deficiências físicas.

MÉTODOS

Este estudo faz parte de um projeto maior da Universidade Federal do Ceará denominado INTEGRAHANS - MAPATOPI, fundamentado em uma abordagem integrada de estudos relativos aos padrões epidemiológicos, clínicos, psicossociais e operacionais da hanseníase nos Estados do Maranhão, Pará, Tocantins e Piauí, e tem o apoio financeiro do Departamento de Ciência e Tecnologia (DECIT) do Ministério da Saúde (MS).

Trata-se de estudo transversal no município de Araguaína, Norte do Estado do Tocantins, situado na Amazônia Legal. O município tinha população estimada de 150.000 habitantes em 2010, com uma área aproximada de 4.000 km² 1212. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. 2010. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/estadosat/perfil. php?sigla=to. (Acessado em 24 de novembro de 2011).
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A população-alvo do estudo foi constituída por todos os casos novos de hanseníase com 15 anos de idade ou mais que receberam alta por cura no período de janeiro de 2004 a dezembro de 2009, totalizando 693 pessoas; a alta por cura foi definida como o término regular da poliquimioterapia (PQT)55. Ministério da Saúde (Brasil). Portal da saúde. Coeficientes de detecção geral de casos novos de hanseníase Brasil e Estados. 2011. Disponível em: http://www.portal.saude.gov.br. (Acessado em 5 maio 2011).
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Os participantes responderam a uma entrevista padronizada e informações complementares foram obtidas da base de dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) e dos prontuários das unidades de saúde onde as pessoas acometidas pela doença foram tratadas. As atividades ocupacionais foram classificadas de acordo com a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). Investigaram-se variáveis sobre sexo, idade, ocupação, forma clínica e escore olho, mão e pé (OMP).

A magnitude da incapacidade no momento do diagnóstico, expresso pelo escore OMP, foi calculada com base nos dados coletados durante a avaliação neurológica simplificada. Esse escore verifica o somatório de todos os graus de incapacidades individuais referentes aos dois olhos, as duas mãos e aos dois pés, determinando o grau máximo de incapacidade para cada seguimento acometido variando de 0 a 121010. Van Brakel WH, Anderson AM, Wörpel FC, Saiju R, Bk HB, Sherpa S, et al. A scale to assess activities of daily living in persons affected by leprosy. Lepr Rev 1999; 70(3): 314-23..

Para dimensionar a limitação de atividade das pessoas acometidas pela hanseníase utilizou-se a escala Screening of Activity Limitation and Safety Awarenes (SALSA)1313. SALSA Scale: Users Manual. 2010. Disponível em: http://www.ilep.org.uk/fileadmin/ uploads/Documents/Infolep_Documents/Salsa/ SALS A_manual_v1.1pdf.pdf. (Acessado em 5 fev 2012).
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. Essa escala é utilizada para medir a limitação de atividade e a consciência de risco em decorrência de deformidades das pessoas acometidas pela hanseníase, diabetes e outras neuropatias. O seu escore varia de 0 a 80, e escores mais altos são indicativos de crescente limitação na realização de atividades. Os graus de limitação são classificados em: sem limitação (até 24), leve limitação (25 a 39), moderada limitação (40 a 49), grave limitação (50 a 59) e extrema limitação (60 a 80)1313. SALSA Scale: Users Manual. 2010. Disponível em: http://www.ilep.org.uk/fileadmin/ uploads/Documents/Infolep_Documents/Salsa/ SALS A_manual_v1.1pdf.pdf. (Acessado em 5 fev 2012).
Disponível em: http://www.ilep.org.uk/fi...
. O escore da consciência de risco é calculado adicionalmente e varia de 0 a 11, e quanto mais elevado indica maior consciência nos riscos envolvendo as atividades da vida diária em consequência de alguma limitação de atividade1313. SALSA Scale: Users Manual. 2010. Disponível em: http://www.ilep.org.uk/fileadmin/ uploads/Documents/Infolep_Documents/Salsa/ SALS A_manual_v1.1pdf.pdf. (Acessado em 5 fev 2012).
Disponível em: http://www.ilep.org.uk/fi...
, 1414. Ebenso J, Ebenso BE. Monitoring impairment in leprosy: choosing the appropriate tool. Lepr Rev 2007; 78(3): 270-80..

Por outro lado, a escala de participação abrange oito dos nove domínios do componente atividade e participação da Classificação Internacional de Funcionalidades (CIF) e foi utilizada para dimensionar a restrição à participação social da população do estudo; seu uso é recomendado nos países com hanseníase endêmica e é adequada para medir restrições à participação de pessoas acometidas pela hanseníase maiores de 15 anos, por deficiências e por outras condições estigmatizantes. Composta por 18 itens, seu escore varia 0 a 90. Os graus de restrição são classificados em: sem restrição (0 a 12), leve restrição (13 a 22), moderada restrição (23 a 32), grave restrição (33 a 52) e extrema restrição (53 a 90)1111. Van Brakel WH, Anderson AM, Mutatkar RK, Bakirtzief Z, Nicholls PG, Raju MS, et al. The Participation Scale: measuring a key concept in public health. Disabil Rehabil 2006; 28(4): 193-203. , 1515. Ministério da Saúde (Brasil). Secretaria de Vigilância à Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Manual de prevenção de incapacidades. 3. ed. rev. e ampl. Brasília (DF); 2008. , 1616. PARTICIPATION scale users. 2005. Disponível em: http://www.leprastichting.nl/ assets/infolep/Participation%20Scale%20Users%20 Manual%20v.4.6.pdf. (Acessado em 21 de novembro de 2011).
Disponível em: http://www.leprastichting...
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Para análise dos dados, utilizou-se o programa Stata 11(r) (Stata Corporation, College Station, USA). A análise foi baseada na descrição dos dados e na utilização do teste do χ2 de Pearson e de gráficos de dispersão com correlação entre os diversos escores calculados, com intervalos de confiança em 95% (IC95%) e nível de significância de 5%.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário Luterano de Palmas, Tocantins (protocolo nº 28/2009/CEP/ULBRA). A coleta de dados foi realizada com o consentimento escrito do participante (ou do seu representante legal) após esclarecimento dos objetivos da pesquisa.

RESULTADOS

Foram incluídos 282 indivíduos no estudo (40,7% da população alvo). O total de 411 (59,3%) indivíduos não incluídos esteve associado a: não localização e/ou mudança de endereço (287; 69,8%), não comparecimento (69; 16,8%), recusa (31; 7,5%), outros (25; 6,0%). Entre os avaliados, 145 (51,4%) eram do sexo masculino. A média de idade foi de 45,8 anos, com uma amplitude entre 15 e 85 anos. Mais da metade dos participantes (171; 60,6%) era composta por trabalhadores remunerados com atividades definidas pela classificação brasileira de ocupações. Noventa e seis (34,0%) apresentaram a forma indeterminada, 74 (26,2%), tuberculoide, 75 (26,6%), dimorfa e 37 (13,1%), virchowiana.

A graduação máxima de incapacidade física (12 pontos), classificada pelo escore OMP, foi constatada em apenas um caso. Os demais apresentaram graduação entre 0 e 8 pontos, e 32 (11,3%) pessoas apresentaram pelo menos dois segmentos comprometidos (Tabela 1). A média da graduação OMP foi de 0,7, com uma amplitude de 0 a 12. A mediana foi 0, com um intervalo interquartil entre 0 e 1.

Tabela 1
Incapacidade física pelo escore olho, mão e pé, classificação do escore Screening of Activity Limitation and Safety Awareness, consciência de risco e restrição à participação social das pessoas em pós-alta de hanseníase no período de 2004 a 2009, Araguaína, Tocantis.

A média do escore SALSA foi de 4,8 pontos (DP = 7,84), com uma amplitude entre 0 e 66 pontos. A mediana foi 21, com intervalo interquartil entre 19 e 26. A pontuação da escala SALSA teve diferentes graus de limitações de atividades, com escore igual ou maior a 25 pontos em 84 (29,8%) pessoas. O escore de limitação muito grave foi identificado em 5 (1,8%) pessoas. Entretanto, entre as pessoas com limitação, a leve foi predominante, com 68 (24,0%) casos.

O escore de consciência de risco variou de 0 a 7. Porém, os mais frequentes foram 1 e 2, com 56 (19,9%) casos no total (Tabela 1). A mediana foi 0, com um intervalo interquartil de 0 a 0.

A média do escore da escala de participação social foi de 24,4 pontos (DP = 7,88), com uma amplitude de 16 a 68 pontos. A mediana foi 2 (intervalo interquartil de 0 a 6). Entre os casos que apresentaram restrição à participação social, a restrição leve foi mais frequente, com 18 (6,3%) casos (Tabela 1).

A limitação de atividade esteve significativamente associada com idade mais avançada nas duas classificações operacionais. Nos casos paucibacilares a correlação positiva foi considerada moderada com a idade (r = 0,40; p < 0,0001), enquanto que nos casos multibacilares a correlação foi de menor grau (r = 0,34; p = 0,0003) (Figura 1).

Figura 1
Correlação entre escore Screening of Activity Limitation and Safety Awareness e idade segundo a classificação operacional da hanseníase nas pessoas em pós-alta no período de 2004 a 2009, Araguaína, Tocantins.

Houve associação estatisticamente significante da limitação de atividade com a limitação funcional, e foi apresentada uma correlação positiva moderada nos casos paucibacilares (r = 0,54; p < 0,0001) e multibacilares (r = 0,48; p < 0,0001) (Figura 2).

Figura 2
Correlação entre os escores olho, mão e pé e Screening of Activity Limitation and Safety Awareness segundo a classificação operacional de hanseníase nas pessoas em pós-alta no período de 2004 a 2009, Araguaína, Tocantins.

A restrição à participação social (Figura 3) foi significativamente associada à limitação de atividade em ambas as classificações operacionais (p < 0,0001) e apresentou correlação positiva moderada nas formas paucibacilares (r = 0,56) e multibacilares (r = 0,55).

Figura 3
Correlação da participação social e do escore Screening of Activity Limitation and Safety Awareness segundo a classificação operacional de hanseníase nas pessoas em pós-alta no período de 2004 a 2009, Araguaína, Tocantins.

Verificou-se ainda que as pessoas sem restrição à participação social apresentaram escores SALSA variados nos casos paucibacilares e multibacilares. A restrição grave à participação social foi verificada em 1 (0,3%) pessoa, com escore SALSA entre 50 e 59 e classificação multibacilar. A extrema restrição à participação social ocorreu em 2 (0,7%) pessoas, com escore SALSA de 50 a 59 no caso paucibacilar e de 25 a 39 no caso multibacilar (Figura 3).

Verificou-se ainda associação significativa da restrição à participação social com a limitação funcional, que apresenta uma correlação moderada nas formas clínicas paucibacilares (r = 0,54; p < 0,0001) e multibacilares (r = 0,48; p < 0,0001). A maioria das pessoas avaliadas (256; 90,7%) não apresentou restrição à participação social. Dessas pessoas, 194 (68,7%) tinham graduação OMP igual a 0, e 26 (9,2%), OMP entre 1 e 12. Das duas (0,7%) pessoas com grande e extrema restrição à participação social, apenas uma (0,3%) foi classificada como paucibacilar e com graduação OMP igual a três, enquanto a outra, como multibacilar com OMP igual a zero (Figura 4).

Figura 4
Correlação da participação social e graduação olho, mão e pé segundo classificação operacional de hanseníase nas pessoas em pós-alta no período de 2004 a 2009, Araguaína, Tocantins.

DISCUSSÃO

Neste estudo, a triagem por meio das diferentes escalas validadas internacionalmente foi capaz de identificar níveis significativos de limitação de atividades e de restrição à participação social nas pessoas acometidas pela hanseníase. Apesar do grande conhecimento em relação às deficiências e incapacidades físicas associadas a essa condição crônica, ainda há uma grande lacuna sobre como elas afetam a realização das atividades da vida diária e a participação social de uma pessoa em alta por cura da hanseníase1010. Van Brakel WH, Anderson AM, Wörpel FC, Saiju R, Bk HB, Sherpa S, et al. A scale to assess activities of daily living in persons affected by leprosy. Lepr Rev 1999; 70(3): 314-23. , 1111. Van Brakel WH, Anderson AM, Mutatkar RK, Bakirtzief Z, Nicholls PG, Raju MS, et al. The Participation Scale: measuring a key concept in public health. Disabil Rehabil 2006; 28(4): 193-203. , 1515. Ministério da Saúde (Brasil). Secretaria de Vigilância à Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Manual de prevenção de incapacidades. 3. ed. rev. e ampl. Brasília (DF); 2008..

Verificou-se maior proporção de casos paucibacilares na população estudada, o que indica o diagnóstico oportuno nos serviços de saúde local. Isso pode estar relacionado com fatores do serviço como integração das ações de controle da hanseníase nos serviços, acesso facilitado à assistência, bem como a abordagem, a informação e a educação em saúde para a população1717. Cunha MD, Cavaliere FA, Hercules FM, Duraes SM, de Oliveira ML, de Matos HJ. Os indicadores da hanseníase e as estratégias de eliminação da doença, em município endêmico do Estado do Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saúde Publica 2007; 23(5): 1187-97.. A verificação da maioria dos casos em idade produtiva amplia-se em importância considerando o potencial incapacitante da doença, o que gera diferentes impactos nos planos social, econômico, físico e psicológico1818. Teixeira MAG, Silveira VM, França ER. Characteristics of leprosy reactions in paucibacillary and multibacillary individuals attended at two reference centers in Recife, Pernambuco. Rev Soc Bras Med Trop 2010; 43(3): 287-92..

O escore OMP representou uma medida mais precisa ao classificar o comprometimento em diferentes seguimentos. Ele é recomendado para a identificação do desenvolvimento de incapacidades físicas novas ou adicionais no diagnóstico, alta e pós-alta, comparando cada momento para fins de avaliação da progressão ou regressão de incapacidades1919. Buddingh H, Idle G. Grading impairment in leprosy. Lepr Rev 2000; 71(1): 85-8. , 2020. Van Brakel WH, Reed NK, Reed DS. Grading impairment in leprosy. Lepr Rev 1999; 70(2): 180-8.. Sua utilização possibilitou a obtenção de informações em profundidade sobre o grau de limitação funcional em uma pessoa e se mostrou mais apropriado do que a classificação do grau de incapacidade para descrever a extensão da condição de incapacidade das pessoas avaliadas1919. Buddingh H, Idle G. Grading impairment in leprosy. Lepr Rev 2000; 71(1): 85-8..

A proporção de casos com duas ou mais estruturas do corpo comprometidas foi inferior a outras realidades brasileiras. Entretanto, o diagnóstico precoce foi primordial para prevenir ou minimizar essas incapacidades. Alguns estudos indicaram proporções diferentes em diversos cenários no Brasil, que variou de 30,4 a 37,7% no Nordeste99. Barbosa JC. Pós-alta em hanseníase no Ceará: olhares sobre políticas, rede de atenção à saúde, limitação funcional, de atividades e participação social das pessoas atingidas [tese de doutorado]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da USP; 2009. , 2121. Raposo MT. Incapacidades Físicas em Hanseníase: Avaliação da Dimensão da Dano Através do Grau de Incapacidade e Eye, Hand, Foot score. Cad Saúde Colet 2008; 16(2): 393-4. e foi de 66,7% no Centro-Oeste2222. Rafael AC. Pacientes em tratamento e pós-alta em hanseníase: estudo comparativo entre os graus de incapacidades preconizados pelo Ministério da Saúde correlacionando-os com as escalas SALSA e participação social [dissertação de mestrado]. Brasília: Faculdade de Ciências Médicas da UnB; 2010.. Na Nigéria e na Holanda a proporção foi de 78,6 e 83% respectivamente2323. Ebenso J, Velema JP. Test-retest reliability of the Screening Activity Limitation and Safety Awareness (SALSA) Scale in North-West Nigeria. Lepr Rev 2010; 80(2): 197-204. , 2424. Slim FJ, van Schie CH, Keukenkamp R, Faber WR, Nollet F. Effects of impairments on activities and participation in people affected by leprosy in The Netherlands. J Rehabil Med 2010; 42(6): 536-43..

O escore final da escala SALSA apresentou uma variação com diferentes classificações da limitação de atividade, como observado em outros cenários88. Barbosa JC, Ramos na Jr, Alencar MJF, de Castro CGJ. Pós-alta em hanseníase no Ceará: limitação da atividade funcional, consciência de risco e participação social. Rev Bras Enferm 2008; 61(especial): 727-33. , 99. Barbosa JC. Pós-alta em hanseníase no Ceará: olhares sobre políticas, rede de atenção à saúde, limitação funcional, de atividades e participação social das pessoas atingidas [tese de doutorado]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da USP; 2009. , 2222. Rafael AC. Pacientes em tratamento e pós-alta em hanseníase: estudo comparativo entre os graus de incapacidades preconizados pelo Ministério da Saúde correlacionando-os com as escalas SALSA e participação social [dissertação de mestrado]. Brasília: Faculdade de Ciências Médicas da UnB; 2010.. A média desse escore foi relativamente baixa quando comparada com dados recentes da Nigéria e de Israel, onde foi relatada uma média de 27,42323. Ebenso J, Velema JP. Test-retest reliability of the Screening Activity Limitation and Safety Awareness (SALSA) Scale in North-West Nigeria. Lepr Rev 2010; 80(2): 197-204. e 29,12525. Melchior H, Velema J. A comparison of the Screening Activity Limitation and Safety Awareness (SALSA) scale to objective hand function assessments. Disabil Rehabil 2011; 33(21-22): 2044-52. pontos respectivamente. No presente estudo, a limitação leve foi a mais frequente, contudo, pouco mais de 5% das pessoas em pós-alta apresentaram limitações de atividade de caráter moderado a muito grave, provavelmente pela condição da limitação funcional. Essa diferença com outros estudos pode ser explicada pelo contexto epidemiológico, pelos aspectos culturais e pelos diferentes contextos sociais/econômicos de vida desses países. No Brasil, os serviços de saúde desenvolvem as ações de controle da hanseníase em especial na rede de atenção primária, com a possibilidade de desenvolver ações de referência e contrarreferência (em maior ou menor grau) com serviços de maior complexidade do Sistema Único de Saúde (SUS).

Em geral, verificou-se baixa percepção de risco dos participantes. O fato de não conseguirem fisicamente realizar uma atividade específica determinou muitas das situações da consciência de risco, semelhante ao observado em outros estudos88. Barbosa JC, Ramos na Jr, Alencar MJF, de Castro CGJ. Pós-alta em hanseníase no Ceará: limitação da atividade funcional, consciência de risco e participação social. Rev Bras Enferm 2008; 61(especial): 727-33. , 99. Barbosa JC. Pós-alta em hanseníase no Ceará: olhares sobre políticas, rede de atenção à saúde, limitação funcional, de atividades e participação social das pessoas atingidas [tese de doutorado]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da USP; 2009.. Caso fosse estabelecer a avaliação da coluna do instrumento da escala SALSA referente a "não, eu evito por causa do risco", o escore de consciência teria sido ainda mais baixo.

Grande parte das pessoas não apresentou restrição à participação social no momento da avaliação, provavelmente em virtude de o momento de maiores dificuldades para aceitação da doença ser durante o diagnóstico e tratamento88. Barbosa JC, Ramos na Jr, Alencar MJF, de Castro CGJ. Pós-alta em hanseníase no Ceará: limitação da atividade funcional, consciência de risco e participação social. Rev Bras Enferm 2008; 61(especial): 727-33. , 99. Barbosa JC. Pós-alta em hanseníase no Ceará: olhares sobre políticas, rede de atenção à saúde, limitação funcional, de atividades e participação social das pessoas atingidas [tese de doutorado]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da USP; 2009.. Verificou-se que menos de 10% das pessoas que apresentaram leve restrição eram homens, com relação aos itens referentes ao trabalho, que consideravam "ser um grande problema" não conseguir trabalho, não trabalhar o mesmo número de horas e não contribuir financeiramente em casa tanto quanto "seu par", devido ou não ao fato de ter tido hanseníase. Outros estudos identificaram uma restrição mais frequente (22,7%) por possivelmente incluir pessoas em tratamento e em alta na sua avaliação2222. Rafael AC. Pacientes em tratamento e pós-alta em hanseníase: estudo comparativo entre os graus de incapacidades preconizados pelo Ministério da Saúde correlacionando-os com as escalas SALSA e participação social [dissertação de mestrado]. Brasília: Faculdade de Ciências Médicas da UnB; 2010..

Das pessoas que apresentaram grande e extrema restrição à participação social, duas estavam relacionadas à hanseníase. A outra correspondia a uma pessoa idosa que apresentava sequela neuromotora por acidente vascular cerebral, além de não ter oportunidades para ter uma vida social ativa, já que residia em casa de apoio para idosos e convivia apenas com os funcionários e companheira de quarto.

A associação da limitação de atividade com idades mais avançadas corrobora com a natureza das escalas, pois escores mais elevados são frequentemente crescentes com a idade2626. SALSA Collaborative Study Group, Ebenso J, Fuzikawa P, Melchior H, Wexler R, Piefer A, et al. The development of a short questionnaire for screening of activity limitation and safety awareness (SALSA) in clients affected by leprosy or diabetes. Disabil Rehabil 2007; 29(9): 689-700.. A correlação positiva moderada encontrada para os casos paucibacilares pode ser explicada em consequência de maior concentração de pessoas com limitação a partir dos 40 anos de idade. Nos casos multibacilares a correlação com a idade pode ser considerada fraca, visto que a limitação de atividades foi observada em pessoas muito jovens com a forma avançada da doença, cujo potencial para incapacidades físicas e possíveis limitações das atividades da vida diária é maior. Em estudo anterior, a correlação entre o escore SALSA e a idade não foi tão representativa com os escores SALSA mais baixos perpassando por todas as faixas etárias.

A associação da limitação de atividade com a limitação funcional foi uma situação relativamente esperada. De acordo com a validação das escalas, quanto maior a limitação funcional maior seria a limitação de atividades2626. SALSA Collaborative Study Group, Ebenso J, Fuzikawa P, Melchior H, Wexler R, Piefer A, et al. The development of a short questionnaire for screening of activity limitation and safety awareness (SALSA) in clients affected by leprosy or diabetes. Disabil Rehabil 2007; 29(9): 689-700.. Chamou a atenção o fato de ter ocorrido correlação positiva moderada para as formas clínicas paucibacilares, estágio inicial da doença. Esperava-se que nessa etapa as incapacidades não fossem significativas a ponto de limitar atividades do dia a dia dos indivíduos afetados. Nesse contexto, possivelmente pode ter acontecido erro na classificação operacional. Porém, a limitação leve foi mais frequente entre os casos avaliados e ocorreu em maior concentração nos casos paucibacilares, o que explicaria uma correlação discretamente mais forte.

Nas Filipinas, as deformidades visíveis representaram fator de risco para a limitação da atividade entre as pessoas afetadas pela hanseníase2727. Boku N, Lockwood DN, Balagon MV, Pardillo FE, Maghanoy AA, Mallari IB, et al. Impacts of the diagnosis of leprosy and of visible impairments amongst people affected by leprosy in Cebu, the Philippines. Lepr Rev 2010; 81(2): 111-20.. O mesmo pôde ser observado na Holanda, onde a gravidade das deficiências se correlacionou significativamente com limitações de atividade2424. Slim FJ, van Schie CH, Keukenkamp R, Faber WR, Nollet F. Effects of impairments on activities and participation in people affected by leprosy in The Netherlands. J Rehabil Med 2010; 42(6): 536-43.. No Brasil e em Bangladesh as pessoas com limitação funcional que foram submetidas à cirurgia reconstrutora tiveram uma melhora significativa da limitação de atividade após nova avaliação2828. Van Veen NH, Hemo DA, Bowers RL, Pahan D, Negrini JF, Velema JP, et al. Evaluation of activity limitation and social participation, and the effects of reconstructive surgery in people with disability due to leprosy: a prospective cohort study. Disabil Rehabil 2011; 33(8): 667-74. , 2929. Alencar MJF, Barbosa JC, Carmelita RO, Ramos Junior AN, Schreuder PAM, Amaral RCG, et al. Satisfação de indivíduos atingidos pela hanseníase a respeito de neurolise no estado de Rondônia. Cad Saúde Colet 2008; 16(2): 205-16.. Em outra análise, escores SALSA mais elevados foram significativamente associados às deficiências3030. Ikehara E, Nardi SMT, Ferrigno ISV, Pedro HSP, Paschoal VDA. Escala Salsa e grau de Incapacidades da Organização Mundial de Saúde: avaliação da limitação de atividades e deficiência na hanseníase. Acta Fisiátrica 2010; 17(4): 169-74.. Em outros estudos observou-se uma correlação das incapacidades físicas com escores SALSA mais elevados. Porém, essa relação foi observada parcialmente nos dois estudos, visto que pessoas que apresentaram grau 0 de incapacidade física obtiveram escore SALSA elevado88. Barbosa JC, Ramos na Jr, Alencar MJF, de Castro CGJ. Pós-alta em hanseníase no Ceará: limitação da atividade funcional, consciência de risco e participação social. Rev Bras Enferm 2008; 61(especial): 727-33. , 99. Barbosa JC. Pós-alta em hanseníase no Ceará: olhares sobre políticas, rede de atenção à saúde, limitação funcional, de atividades e participação social das pessoas atingidas [tese de doutorado]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da USP; 2009. , 2222. Rafael AC. Pacientes em tratamento e pós-alta em hanseníase: estudo comparativo entre os graus de incapacidades preconizados pelo Ministério da Saúde correlacionando-os com as escalas SALSA e participação social [dissertação de mestrado]. Brasília: Faculdade de Ciências Médicas da UnB; 2010..

A escala de participação social apresentou correlação estatisticamente significante com a limitação de atividades concordando com a validação das escalas1616. PARTICIPATION scale users. 2005. Disponível em: http://www.leprastichting.nl/ assets/infolep/Participation%20Scale%20Users%20 Manual%20v.4.6.pdf. (Acessado em 21 de novembro de 2011).
Disponível em: http://www.leprastichting...
. Contudo, na correlação entre a escala de participação e o escore SALSA, verificou-se que o total de pessoas sem restrição à participação social apresentou diversas classificações do escore SALSA nas formas clínicas paucibacilares e multibacilares. Assim, foi possível constatar que a escala de participação, mesmo quando correlacionada à escala SALSA, não permitiu concluir se a restrição identificada é resultado exclusivo da hanseníase, acrescendo-se a necessidade de estudos futuros88. Barbosa JC, Ramos na Jr, Alencar MJF, de Castro CGJ. Pós-alta em hanseníase no Ceará: limitação da atividade funcional, consciência de risco e participação social. Rev Bras Enferm 2008; 61(especial): 727-33. , 99. Barbosa JC. Pós-alta em hanseníase no Ceará: olhares sobre políticas, rede de atenção à saúde, limitação funcional, de atividades e participação social das pessoas atingidas [tese de doutorado]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da USP; 2009. , 1313. SALSA Scale: Users Manual. 2010. Disponível em: http://www.ilep.org.uk/fileadmin/ uploads/Documents/Infolep_Documents/Salsa/ SALS A_manual_v1.1pdf.pdf. (Acessado em 5 fev 2012).
Disponível em: http://www.ilep.org.uk/fi...
, ou ainda por questões do autoestigma, estigma e/ou preconceito em que pessoas podem apresentar alguma restrição à participação social e um escore SALSA baixo, sem limitação, por exemplo. Também se identificou correlação estatisticamente significante da participação social com a limitação funcional. Isso indica que as deficiências podem fisicamente restringir as habilidades para participação social. Por outro lado, tais indivíduos podem sofrer com algum tipo de estigma. Por exemplo, nas Filipinas os indivíduos com deficiências visíveis apresentaram maiores níveis de restrição de participação do que aqueles com outras doenças de pele2727. Boku N, Lockwood DN, Balagon MV, Pardillo FE, Maghanoy AA, Mallari IB, et al. Impacts of the diagnosis of leprosy and of visible impairments amongst people affected by leprosy in Cebu, the Philippines. Lepr Rev 2010; 81(2): 111-20..

Observou-se ainda que aproximadamente 1/4 das pessoas com limitação funcional não apresentou restrição à participação social. A extrema restrição à participação social ocorreu em uma das pessoas por apresentar um histórico depressivo. A outra foi em consequência da hanseníase, pois graças a ela vivenciou situações extremas de preconceito e isolamento social. A participação social de pessoas com limitação funcional melhorou ao longo do tempo em grupos de pessoas que fizeram cirurgia reconstrutiva, mas a diferença foi significativa apenas no grupo que não realizou a cirurgia2828. Van Veen NH, Hemo DA, Bowers RL, Pahan D, Negrini JF, Velema JP, et al. Evaluation of activity limitation and social participation, and the effects of reconstructive surgery in people with disability due to leprosy: a prospective cohort study. Disabil Rehabil 2011; 33(8): 667-74.. Outro estudo não encontrou associação da escala de participação com incapacidades físicas3030. Ikehara E, Nardi SMT, Ferrigno ISV, Pedro HSP, Paschoal VDA. Escala Salsa e grau de Incapacidades da Organização Mundial de Saúde: avaliação da limitação de atividades e deficiência na hanseníase. Acta Fisiátrica 2010; 17(4): 169-74..

Dessa forma, a aplicação da escala de participação não permite afirmar que a restrição identificada seja exclusiva da hanseníase e deve-se sempre conhecer o contexto de vida da pessoa avaliada88. Barbosa JC, Ramos na Jr, Alencar MJF, de Castro CGJ. Pós-alta em hanseníase no Ceará: limitação da atividade funcional, consciência de risco e participação social. Rev Bras Enferm 2008; 61(especial): 727-33..

A limitação deste estudo ocorreu pela não inclusão de maior número de pessoas em pós-alta de hanseníase pelo motivo de não localização e/ou mudança de endereço (69,8%) e ainda não comparecimento (16,8%). Além disso, houve erro ou falta de informações consistentes no SINAN e nos prontuários.

As pessoas no pós-alta apresentaram alteração na limitação funcional, limitação de atividade e restrição à participação, o que ressalta a necessidade de estudos sobre o impacto da hanseníase na qualidade de vida dessas pessoas.

CONCLUSÃO

Em um município hiperendêmico no Norte do Estado de Tocantins, a limitação funcional teve impacto considerável sobre a realização de atividades e participação social das pessoas em alta da hanseníase. A associação entre os níveis de comprometimento das escalas SALSA e de participação podem subsidiar os profissionais de saúde na compreensão do comprometimento subjacente ao tratar as pessoas atingidas pela hanseníase. Contudo, a hanseníase não pôde ser relacionada de forma unicamente causal para a restrição à participação social. A baixa percepção da consciência de risco apontou a necessidade de orientação quanto aos domínios dos olhos, das mãos e dos pés.

O estudo ainda afirma a potencialidade da aplicação das escalas para a qualificação da atenção aos portadores de hanseníase no pós-alta, garantindo a integralidade da atenção, com abordagem ampla nos aspectos físicos, psicológicos e sociais. Reforça que, mesmo no pós-alta, não obstante se torna indispensável uma avaliação sistemática das pessoas acometidas a fim de prevenir incapacidades e promover a reabilitação biopsicossocial pelos serviços de saúde.

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  • Fonte de financiamento: Apoio financeiro do Departamento de Ciência e Tecnologia (DECIT) do Ministério da Saúde (MS).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2014

Histórico

  • Recebido
    27 Jul 2012
  • Aceito
    08 Maio 2013
Associação Brasileira de Pós -Graduação em Saúde Coletiva São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revbrepi@usp.br