Morbidade em usuários de equipes de Saúde da Família no nordeste de Minas Gerais com base na Classificação Internacional da Atenção Primária

Valquiria M. Silva Ivelisa V. S. Pereira Maria de Jesus L. Rocha Antônio P. Caldeira Sobre os autores

Resumo

Este estudo objetivou caracterizar o perfil de morbidade referida por usuários das equipes de saúde da família na macrorregião nordeste de Minas Gerais. Trata-se de um estudo transversal de base populacional, desenvolvido junto às equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF), com uso de questionários semiestruturados adaptados para três categorias profissionais das equipes de saúde da família: médicos, enfermeiros e agentes comunitários de saúde (ACS). Utilizou-se a Classificação Internacional da Atenção Primária, segunda edição (CIAP 2), para codificação da morbidade referida. Foram coletadas informações de 17.988 pessoas, em 204 equipes da ESF, sendo 10.855 (60,3%) do sexo feminino; 1.662 (9,2%) questionários foram referentes ao atendimento do médico, 2.530 (14,1%) do enfermeiro e 13.796 (76,7%) corresponderam aos encontros com ACS. Os principais problemas de saúde foram: doenças do aparelho circulatório (especialmente hipertensão), queixas musculoesqueléticas (especialmente as lombalgias) e doenças do aparelho digestório (especialmente as parasitoses intestinais), que juntas responderam por mais de 40% das consultas médicas. As queixas inespecíficas e atendimentos relacionados à saúde da mulher foram prevalentes nos atendimentos de enfermeiros. Os ACS registraram mais as queixas referentes a problemas respiratórios, musculoesqueléticos e cardiovasculares. O perfil de morbidade observado não difere substancialmente de outros estudos, com pequenas diferenças que podem ser atribuídas às particularidades regionais.

Morbidade; Atenção Primária à Saúde; Inquéritos de Saúde; Epidemiologia; Classificação Internacional de Doenças; Sistema Único de Saúde


INTRODUÇÃO

O sistema Único de Saúde (SUS), no Brasil, tem propiciado uma rápida expansão da atenção primária, com resultados positivos importantes na oferta de serviços e indicadores de acesso à saúde para a população1. Paim J, Travassos C, Almeida C, Bahia L, Macinko J. The Brazilian health system: history, advances, and challenges. Lancet 2011; 377(9779): 1778-97.. Apesar dos avanços registrados, ainda existem desafios a serem superados2. Victora CG, Barreto ML, Carmo LM, Monteiro CA, Schmidt MI, Paim J, et al. Lancet Brazil Series Working Group. Health conditions and health-policy innovations in Brazil: the way forward. Lancet 2011; 377(9782): 2042-53.. Desde 1994, quando foram implantadas as primeiras equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF), discute-se o fortalecimento das ações de saúde, com ênfase nas atividades de promoção e nas estratégias de mudança do modelo assistencial, até então hospitalocêntrico e focado na consulta médica.

É natural admitir que a mudança do modelo assistencial implique conhecer melhor, entre outros aspectos, as características da demanda assistida. A autopercepção das condições de saúde tem sido empregada como medida capaz de refletir uma apreensão integrada do indivíduo nas dimensões biológica, psicológica e social3. Nunes APN, Barreto SM, Gonçalves LG. Relações sociais e autopercepção da saúde: Projeto Envelhecimento e Saúde Rev Bras Epidemiol 2012; 15(2): 415-28.. A utilização de dados epidemiológicos associados pode ser bastante útil para o desenho de estratégias de atenção adequada aos usuários, incluindo as estatísticas de morbidade4. Minas M, Koukosias N, Zintzaras E, Kostikas K, Gourgoulianis K. Prevalence of chronic diseases and morbidity in primary health care in central Greece: an epidemiological study. BMC Health serv Research 2010: 252. Available at: http://www.biomedcentral.com/1472-6963/10/252
http://www.biomedcentral.com/1472-6963/1...
.

Existem poucos estudos no País sobre o perfil de morbidades que acometem as pessoas assistidas pela atenção primária. O Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB), que representa o registro oficial das principais morbidades assistidas pela ESF, ainda possui fragilidades e não fornece informações necessárias e fidedignas para identificação das morbidades5. Silva AS, Laprega MR. Avaliação crítica do Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB) e de sua implantação na região de Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública 2005; 21(6): 1821-8..

Em princípio, a realidade acerca da morbidade em usuários da atenção primária demanda, além do desenvolvimento de prontuários eletrônicos padronizados, a capacitação dos trabalhadores da ESF. A classificação e codificação dos diagnósticos, das queixas e necessidades de saúde dos pacientes é uma etapa fundamental desse processo. Nesse contexto, a Classificação Internacional da Atenção Primária, em sua segunda edição (CIAP-2), representa um importante apoio para conhecer a morbidade referida nesse nível de cuidado6. WONCA (Organização Mundial dos Médicos da Família): Classificação internacional de atenção primária, CIAP-2, Sociedade Brasileira de Medicina da Família, Florianópolis, 2009.. O sistema de codificação é relativamente simples e fácil e tem sido utilizado em vários países4. Minas M, Koukosias N, Zintzaras E, Kostikas K, Gourgoulianis K. Prevalence of chronic diseases and morbidity in primary health care in central Greece: an epidemiological study. BMC Health serv Research 2010: 252. Available at: http://www.biomedcentral.com/1472-6963/10/252
http://www.biomedcentral.com/1472-6963/1...
, 7. Brueton V, Yogeswaran P, Chandia J, Mfenyana K, Modell B, Modell M, et al . Primary care morbidity in Eastern Cape Province. S Afr med J 2010; 100(5): 309-12. , 8. Soler JK, Okkesb I, Woodc M, Lambertsb H. The coming of age of ICPC: celebrating the 21st birthday of the International Classification of Primary Care. Family Practice Advance. 2008; Available from: http://fampra.oxfordjournals.org/
http://fampra.oxfordjournals.org/...
.

Em face da inexistência de prontuários eletrônicos, os inquéritos baseados em entrevistas ou prontuários de papel podem fornecer informações importantes. As informações alcançadas pelos inquéritos contribuem para a identificação do perfil epidemiológico da população, auxiliam as políticas de saúde e permitem inferências sobre diferentes dimensões da saúde9. Theme Filha MM, Szwarcwald CL, Souza Júnior PRB. Medidas de morbidade referida e inter-relações com dimensões de saúde. Rev Saúde Pública 2008; 42(1): 73-81.. Também os aspectos da acessibilidade aos vários serviços de saúde podem ser identificados pelos inquéritos1010 . Barros MBA. Inquéritos domiciliares de saúde: potencialidades e desafios. Rev Bras Epidemiol 2008; 11(Suppl 1): 6-19.. No presente estudo, objetivou-se caracterizar o perfil de morbidade referida por usuários das equipes da ESF na macrorregião Nordeste de Minas Gerais, com base na CIAP-2.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo transversal de base populacional que foi desenvolvido na macrorregião Nordeste de Minas Gerais junto às equipes da ESF. A região é composta por 63 municípios e representa uma das áreas mais carentes do País, incorporando os vales do Jequitinhonha e Mucuri, com Índice de Desenvolvimento Humano abaixo de 0,65 como média geral. Durante a coleta de dados, havia registro de 268 equipes da ESF, incluindo-se as Equipes de Agentes Comunitários de Saúde (EACS) para uma população de aproximadamente 917 mil habitantes. Foram elegíveis para este estudo adolescentes e adultos que utilizam o serviço e estão cadastrados pelas equipes de saúde da família na região estudada.

Na coleta de dados, foram utilizados questionários semiestruturados especialmente desenvolvidos pelos pesquisadores, com base em estudos similares na literatura1111 . Gusso GDF. Diagnóstico de demanda em Florianópolis utilizando a Classificação Internacional de Atenção Primária: 2ª edição (CIAP-2). [Tese] USP: São Paulo; 2009. e nos objetivos do estudo. Os questionários foram adaptados para três categorias profissionais das equipes de saúde da família: médicos, enfermeiros e agentes comunitários de saúde (ACS), que foram consideradas pelos pesquisadores como as que possuem maior contato com demandas de morbidade da população. A coleta de dados foi realizada em um dia específico, previamente definido ("one single day morbidity"1212 . Silva N, Mendis K. One-day general practice morbidity survey in Sri Lanka. Family Practice 1998; 15(4): 323-31. , 1313 . Emmanuel SC, Tan BY, Chan KW. A one-day morbidity survey of outpatients. Singapore Fam Physician 1989; 15: 171-97.), após intensiva mobilização dos gestores, coordenadores da atenção primária e profissionais de saúde. Todos os profissionais foram solicitados a preencherem um questionário para cada usuário assistido em um dia preestabelecido, com apontamentos de algumas variáveis sociodemográficas (idade, gênero, procedência, escolaridade), além das informações de saúde (diagnóstico, queixa ou problema de saúde). Os dados foram coletados no período de julho a dezembro de 2011, em um único dia para cada equipe de saúde.

Antes da realização da pesquisa, foi conduzido um estudo piloto em área sorteada, com o objetivo de testar os instrumentos de coleta de dados e a metodologia proposta. Não foram necessários ajustes nos instrumentos de coleta de dados.

Para análise dos dados, foram excluídos os instrumentos preenchidos incorretamente ou de forma ilegível, bem como aqueles de usuários oriundos de municípios não pertencentes à região previamente determinada. Os dados foram analisados através do software SPSS, versão 16.0. Todas as queixas e problemas de saúde registrados foram categorizados segundo a Classificação Internacional da Atenção Primária, segunda versão (CIAP-2), procedimento realizado por uma única pessoa previamente capacitada, no sentido de evitar distorções da classificação. As proporções de diagnósticos, queixas e problemas de saúde nos diferentes sistemas (capítulos da CIAP 2) foram comparadas entre os gêneros através do teste qui-quadrado, assumindo-se um nível de significância de 5% (p < 0,05).

Todos os aspectos éticos foram observados, sendo o projeto previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Montes Claros (Processo 2314/2010). As entrevistas foram realizadas com autorização dos gestores municipais e trabalhadores das equipes de saúde da família e de todos os respondentes, no âmbito das equipes da macrorregião Nordeste de Minas Gerais, mediante assinatura de termo de consentimento livre e esclarecido. Não houve conflito de interesses para a condução do estudo.

RESULTADOS

Das 268 equipes registradas na região, 64 foram excluídas porque os gestores e/ou coordenadores não apoiaram efetivamente ou se recusaram a conduzir a coleta de dados em seus municípios. Assim, foram coletados dados de 204 equipes de saúde da família. No total, 17.988 pessoas participaram do estudo, sendo 10.855 (60,3%) do sexo feminino e 7.133 (39,7%) do sexo masculino. Destas, 1.662 (9,2%) corresponderam aos atendimentos médicos, 2.530 (14,1%) a atendimentos de enfermeiros e 13.796 (76,7%) corresponderam às visitas e encontros com o ACS. A morbidade referida foi distribuída em 'diagnósticos', quando a assistência foi realizada por médicos, em 'queixas ou motivos de consultas', quando o atendimento foi realizado por enfermeiros e em 'problemas de saúde' quando o dado resultou de encontro com agente comunitário de saúde em visita domiciliar. As principais características e padrões de morbidades estão apresentados nas Tabelas 1, 2 e 3, segundo o tipo de profissional da ESF e capítulos da CIAP 2. Foram excluídos 25 formulários em decorrência da ilegibilidade.

Tabela 1
Principais características e diagnósticos de pacientes assistidos por médicos da Estratégia Saúde da Família na macrorregião nordeste de Minas Gerais, Brasil, 2011.
Tabela 2
Principais características e queixas de pacientes adolescentes e adultos assistidos por enfermeiros da Estratégia Saúde da Família na macrorregião nordeste de Minas Gerais, Brasil, 2011.
Tabela 3
Principais características e problemas de saúde referidos aos Agentes Comunitários de Saúde por pacientes assistidos por equipes da Estratégia Saúde da Família na macrorregião nordeste de Minas Gerais, Brasil, 2011.

Registrou-se entre as consultas médicas (Tabela 1) maior prevalência de mulheres (67,6%) e da faixa etária de 40 a 59 anos (31,9%). Entre os atendimentos registrados por médicos, 93 pessoas (5,6%) não receberam qualquer diagnóstico após as consultas. Os diagnósticos mais comuns foram referentes a patologias referentes aos capítulos do aparelho circulatório (n = 253; 15,2%), das afecções do sistema musculoesquelético (n = 225; 13,5%) e das doenças do aparelho digestório (n = 202; 12,1%).

A Tabela 2 apresenta as principais características e queixas/motivos de consultas de pacientes adultos assistidos por enfermeiros da ESF. Registra-se maior proporção de atendimentos à população mais jovem, com predomínio da faixa etária entre 20 e 39 anos (n = 1.048; 41,4%). Também nesse grupo as mulheres responderam pelo maior número de atendimentos (n = 1.870; 73,9%). A escolaridade também foi aferida para esta população, o que permitiu identificar que a maioria dos atendimentos foi feita com pessoas que não haviam concluído o primeiro grau.

Tabela 4
Principais diagnósticos, queixas e problemas de saúde atribuídos aos pacientes assistidos por equipes da Estratégia Saúde da Família na macrorregião nordeste de Minas Gerais, 2011.

As principais queixas foram relacionadas ao capítulo das "causas gerais e não especificas", totalizando 590 atendimentos (23,3%), seguindo-se as queixas do capítulo do aparelho genital feminino, com 445 atendimentos (17,6%), e consultas devido à gravidez ou planejamento familiar 433 (17,1%).

Na Tabela 3, são apresentadas as principais características e problemas de saúde referidos aos ACS pelos usuários da ESF. Houve predomínio de pessoas com baixa escolaridade, incluindo 2.542 (18,4%) analfabetos. Os problemas de saúde registrados referem-se àqueles apresentados nos 15 dias precedentes à coleta de dados. Entre as pessoas entrevistadas pelos ACS, 3.338 (24,2%) relataram alguma queixa ou problema de saúde nos últimos 15 dias. A maior parte dos respondentes compreendia uma população mais jovem, com idade entre 20 e 39 anos (33,7%), sendo em sua maioria mulheres (57,0%). Em relação às queixas/problemas de saúde registrados pelos ACS, os principais foram referentes ao capítulo do aparelho respiratório (n = 518; 15,5%), do sistema musculoesquelético (n = 493; 14,8%) e do sistema circulatório (n = 449; 13,5%).

A Tabela 4 apresenta os principais diagnósticos, queixas e problemas de saúde atribuídos aos usuários participantes do estudo em cada sistema ou capítulo da CIAP 2.

DISCUSSÃO

O presente estudo caracterizou o perfil de morbidade referida por usuários da ESF na macrorregião nordeste de Minas Gerais e, embora não tenha sido considerada a demanda por medicamentos e imunizações, permitiu conhecer os principais problemas de saúde que alcançam as equipes da atenção primária na região estudada. Os resultados registrados revelaram os principais diagnósticos das pessoas assistidas pelos médicos das equipes avaliadas, salientando a importância das doenças do aparelho circulatório (especialmente a hipertensão), musculoesqueléticas (especialmente as lombalgias) e do aparelho digestório (especialmente as parasitoses intestinais), que, juntas, respondem por mais de 40% das consultas. As afecções respiratórias e endócrinas representaram também importantes causas de morbidade. Esses resultados são diferentes daqueles observados no estudo de Gusso1111 . Gusso GDF. Diagnóstico de demanda em Florianópolis utilizando a Classificação Internacional de Atenção Primária: 2ª edição (CIAP-2). [Tese] USP: São Paulo; 2009., que apontou, na distribuição de morbidade por capítulos da CIAP-2, as doenças circulatórias, as queixas gerais e inespecíficas e as doenças respiratórias como os três principais grupos de causas mais frequentes. Entretanto, uma análise mais ampliada da relação de problemas mais frequentes no referido estudo permite identificar maior similaridade, pois os capítulos mais referidos são coincidem com este estudo. O trabalho de Gusso representa o mais recente e amplo estudo nacional acerca da demanda na atenção primária, ainda que tenha sido restrita a apenas uma cidade1111 . Gusso GDF. Diagnóstico de demanda em Florianópolis utilizando a Classificação Internacional de Atenção Primária: 2ª edição (CIAP-2). [Tese] USP: São Paulo; 2009.. Outros estudos nacionais são restritos à caracterização da demanda de uma única unidade1414 . Pimentel IRS, Coelho BC, Lima JC, Ribeiro FG, Sampaio FPC, Pinheiro RP, et al.Caracterização da demanda em uma Unidade de Saúde da Família. Florianópolis. Rev Bras Med Fam Comunidade 2011; 6(20): 175-81., de grupos específicos1515 . Silva DMPP, Tomanik EA. Morbidade referida por moradores ribeirinhos de Porto Rico, PR, Brasil. Rev Bras Enferm 2010; 63(3): 452-8., ou são mais antigos1616 . Cesar CLG, Laurenti R, Buchala CM, Figueredo G M, Carvalho WO,Carantin CVS. Uso da Classificação Internacional de Doenças em inquéritos de saúde. Rev Bras Epidemiol 2001; 4(2): 120-9..

Mesmo considerando que os padrões de morbidade são altamente sensíveis ao contexto social, ambiental e econômico1717 . Szwarcwald CL, Leal MC, Gouveia GC, Souza WV. Desigualdades socioeconômicas em saúde no Brasil: resultados da Pesquisa Mundial de Saúde, 2003. Rev Bras Saúde Matern Infant 2005; 5(Suppl 1): S11-S22. , é notório registrar que os estudos internacionais também apontam entre suas maiores demandas as doenças do aparelho circulatório4. Minas M, Koukosias N, Zintzaras E, Kostikas K, Gourgoulianis K. Prevalence of chronic diseases and morbidity in primary health care in central Greece: an epidemiological study. BMC Health serv Research 2010: 252. Available at: http://www.biomedcentral.com/1472-6963/10/252
http://www.biomedcentral.com/1472-6963/1...
, 1818 . Gataa R, Ajmi TN, Bougmiza I, Mtiraoui A. Morbidity patterns in general practice settings of the province of Sousse, Tunísia. Pan African Med Journal 2009; 3:11. Available at: http://www.panafrican-med-journal.com/content/article/3/11/full
http://www.panafrican-med-journal.com/co...
, as doenças respiratórias4. Minas M, Koukosias N, Zintzaras E, Kostikas K, Gourgoulianis K. Prevalence of chronic diseases and morbidity in primary health care in central Greece: an epidemiological study. BMC Health serv Research 2010: 252. Available at: http://www.biomedcentral.com/1472-6963/10/252
http://www.biomedcentral.com/1472-6963/1...
, 7. Brueton V, Yogeswaran P, Chandia J, Mfenyana K, Modell B, Modell M, et al . Primary care morbidity in Eastern Cape Province. S Afr med J 2010; 100(5): 309-12. , 1818 . Gataa R, Ajmi TN, Bougmiza I, Mtiraoui A. Morbidity patterns in general practice settings of the province of Sousse, Tunísia. Pan African Med Journal 2009; 3:11. Available at: http://www.panafrican-med-journal.com/content/article/3/11/full
http://www.panafrican-med-journal.com/co...
, os problemas musculoesqueléticos4. Minas M, Koukosias N, Zintzaras E, Kostikas K, Gourgoulianis K. Prevalence of chronic diseases and morbidity in primary health care in central Greece: an epidemiological study. BMC Health serv Research 2010: 252. Available at: http://www.biomedcentral.com/1472-6963/10/252
http://www.biomedcentral.com/1472-6963/1...
, 7. Brueton V, Yogeswaran P, Chandia J, Mfenyana K, Modell B, Modell M, et al . Primary care morbidity in Eastern Cape Province. S Afr med J 2010; 100(5): 309-12. e as afecções do sistema digestório7. Brueton V, Yogeswaran P, Chandia J, Mfenyana K, Modell B, Modell M, et al . Primary care morbidity in Eastern Cape Province. S Afr med J 2010; 100(5): 309-12. , 1818 . Gataa R, Ajmi TN, Bougmiza I, Mtiraoui A. Morbidity patterns in general practice settings of the province of Sousse, Tunísia. Pan African Med Journal 2009; 3:11. Available at: http://www.panafrican-med-journal.com/content/article/3/11/full
http://www.panafrican-med-journal.com/co...
, o que é consoante com os resultados do presente estudo. É natural admitir, pois, uma demanda comum aos médicos dos serviços de atenção primária.

As queixas ou motivos de consultas registrados pelos enfermeiros destacaram, sobretudo, sinais e sintomas gerais e não específicos e atendimentos referentes à saúde da mulher. Provavelmente, o destaque observado para os sinais e sintomas gerais e não específicos esteja refletindo a função acolhedora e gerencial do profissional enfermeiro1919 . Ximenes Neto, FRG. Sampaio JJC. Gerentes do território na Estratégia Saúde da Família: análise e perfil de necessidades de qualificação. Rev Bras Enferm 2007; 60(6): 687-95.. De modo geral, esse profissional assume a coordenação do acolhimento nas unidades básicas de saúde e acaba por servir de referência para os usuários em muitas de suas visitas às unidades de saúde. É importante destacar, ainda, que uma elevada proporção de pacientes sem diagnóstico definido, ou mesmo sem um sistema-alvo definido, é comum na atenção primária1111 . Gusso GDF. Diagnóstico de demanda em Florianópolis utilizando a Classificação Internacional de Atenção Primária: 2ª edição (CIAP-2). [Tese] USP: São Paulo; 2009.. Os atendimentos referentes à saúde da mulher também são compatíveis com a função do enfermeiro da ESF, que, tradicionalmente, na organização das atividades assistenciais, compartilha com o médico as atividades de exames preventivos do câncer de colo uterino, acompanhamento da gestação de risco habitual e orientações do planejamento familiar2020 . Rodrigues EM, Nascimento RG, Araújo A. Protocolo na assistência pré-natal: ações, facilidades e dificuldades dos enfermeiros da Estratégia de Saúde da Família. Rev Esc Enferm USP 2011; 45(5): 1041-7..

Em relação aos registros dos ACS, é relevante destacar que os problemas mais apontados pelos usuários correspondem a uma mescla dos principais grupos de problemas ou queixas registrados por médicos e enfermeiros. Os cinco principais problemas de saúde registrados pelos ACS respondem por mais de 60% de todos os problemas referidos. Essa tendência de poucos diagnósticos representarem importante contingente da demanda na atenção primária já foi registrada em outros estudos4. Minas M, Koukosias N, Zintzaras E, Kostikas K, Gourgoulianis K. Prevalence of chronic diseases and morbidity in primary health care in central Greece: an epidemiological study. BMC Health serv Research 2010: 252. Available at: http://www.biomedcentral.com/1472-6963/10/252
http://www.biomedcentral.com/1472-6963/1...
, 1818 . Gataa R, Ajmi TN, Bougmiza I, Mtiraoui A. Morbidity patterns in general practice settings of the province of Sousse, Tunísia. Pan African Med Journal 2009; 3:11. Available at: http://www.panafrican-med-journal.com/content/article/3/11/full
http://www.panafrican-med-journal.com/co...
. Esse dado ressalta a importância da utilização da CIAP-2 na categorização dos problemas assistidos na atenção primária. Os códigos podem facilitar a comunicação de dados dentro da mesma equipe e a troca de informações entre as equipes da ESF.

A CIAP-2 trabalha com um sistema de codificação simples em dois níveis, o primeiro define o sistema orgânico (representado por 17 capítulos) e o segundo define sete componentes (representados por números), que discriminam: (1) queixas e sintomas, (2) diagnósticos de triagem e preventivos, (3) medicações, tratamentos e procedimentos terapêuticos, (4) resultados de exames, (5) componente administrativo, (6) acompanhamento e outros motivos de consulta e (7) diagnósticos e doenças6. WONCA (Organização Mundial dos Médicos da Família): Classificação internacional de atenção primária, CIAP-2, Sociedade Brasileira de Medicina da Família, Florianópolis, 2009. , 7. Brueton V, Yogeswaran P, Chandia J, Mfenyana K, Modell B, Modell M, et al . Primary care morbidity in Eastern Cape Province. S Afr med J 2010; 100(5): 309-12.. Existe ainda a possibilidade de inserção da gravidade no código, o que amplia um pouco a complexidade da classificação. Naturalmente, um mesmo problema de saúde pode ser classificado de diferentes formas, segundo a percepção do profissional de saúde que realiza a codificação, seu grau de certeza acerca do 'diagnóstico' e da sua familiaridade com o processo de codificação. Diferentes codificações para um mesmo episódio de cuidado na atenção primária não implica em inadequação do sistema de codificação e não compromete o reconhecimento do perfil de morbidade de um grupo populacional8. Soler JK, Okkesb I, Woodc M, Lambertsb H. The coming of age of ICPC: celebrating the 21st birthday of the International Classification of Primary Care. Family Practice Advance. 2008; Available from: http://fampra.oxfordjournals.org/
http://fampra.oxfordjournals.org/...
. Um recente estudo nacional registrou uma boa confiabilidade interobservador com o uso da CIAP-2, o que indica um bom desempenho da classificação para codificar motivos de atendimento na atenção básica, mesmo a partir de registros em prontuários2121 . Sampaio MMA, Coeli CAM, Alves MGM, Soares MF, Camargo Jr KR, Moreno AB. Confiabilidade interobservador da Classificação Internacional de Atenção Primária em uma unidade de atenção básica à saúde. Rev Bras Epidemiol. 2012; 15(2): 355-62. . Outros aspectos da classificação tendem a ser mais bem estudados a partir de análises informatizadas, o que ainda não é uma realidade no País. É preciso destacar que, embora a CIAP-2 seja utilizada em vários países4. Minas M, Koukosias N, Zintzaras E, Kostikas K, Gourgoulianis K. Prevalence of chronic diseases and morbidity in primary health care in central Greece: an epidemiological study. BMC Health serv Research 2010: 252. Available at: http://www.biomedcentral.com/1472-6963/10/252
http://www.biomedcentral.com/1472-6963/1...
, 7. Brueton V, Yogeswaran P, Chandia J, Mfenyana K, Modell B, Modell M, et al . Primary care morbidity in Eastern Cape Province. S Afr med J 2010; 100(5): 309-12. , 1818 . Gataa R, Ajmi TN, Bougmiza I, Mtiraoui A. Morbidity patterns in general practice settings of the province of Sousse, Tunísia. Pan African Med Journal 2009; 3:11. Available at: http://www.panafrican-med-journal.com/content/article/3/11/full
http://www.panafrican-med-journal.com/co...
, ainda sofre críticas sobre o seu processo de simplificação, e alguns autores sugerem sua inadequação em atender toda a complexidade dos problemas clínicos7. Brueton V, Yogeswaran P, Chandia J, Mfenyana K, Modell B, Modell M, et al . Primary care morbidity in Eastern Cape Province. S Afr med J 2010; 100(5): 309-12. , 2222 . Botsis T, Bassoe CF, Hartvigsen G.. BMC Medical Informatics and Decision Making. 2010; 10:11. Available from: http://www.biomedcentral.com/1472-6947/10/11
http://www.biomedcentral.com/1472-6947/1...
.

No presente estudo, ainda que houvesse o zelo de uma única pessoa classificando as respostas registradas, a codificação foi feita a partir dos dados do formulário de pesquisa e não diretamente a partir do contato com os pacientes, fato que compromete a precisão diagnóstica. Entretanto, os autores entendem que a definição dos principais capítulos e dos principais problemas de saúde dentro de cada capítulo é menos suscetível a erros grosseiros e suficientes para a caracterização da demanda, como se registra em outros estudos internacionais4. Minas M, Koukosias N, Zintzaras E, Kostikas K, Gourgoulianis K. Prevalence of chronic diseases and morbidity in primary health care in central Greece: an epidemiological study. BMC Health serv Research 2010: 252. Available at: http://www.biomedcentral.com/1472-6963/10/252
http://www.biomedcentral.com/1472-6963/1...
, 7. Brueton V, Yogeswaran P, Chandia J, Mfenyana K, Modell B, Modell M, et al . Primary care morbidity in Eastern Cape Province. S Afr med J 2010; 100(5): 309-12.. A constatação de que até 60% dos principais problemas de saúde referidos pelos usuários das equipes da ESF estão restritos a apenas alguns capítulos da CIAP-2 pode auxiliar o processo de organização da demanda para essas equipes e alertar os gestores de saúde sobre a importância de capacitação dos profissionais de saúde mais orientada para essas necessidades da população assistida.

O sistema oficial de acompanhamento das ações da ESF, o SIAB, embora apresente alguns aspectos positivos em relação à interface com o usuário e elaboração de relatórios, possui algumas limitações. O sistema não possibilita o conhecimento do perfil de morbidade e não tem conseguido atingir seus objetivos. Alguns estudos destacam que o sistema não oferece uma análise crítica da morbidade e não sofre crítica quantitativa ou qualitativa do processo de sua análise, servindo, muitas vezes, apenas de instrumento burocrático de registro de funcionamento das equipes5. Silva AS, Laprega MR. Avaliação crítica do Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB) e de sua implantação na região de Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública 2005; 21(6): 1821-8. , 2323 . Marcolino JS, Scochi MJ. Informações em saúde: o uso do SIAB pelos profissionais das Equipes de Saúde da Família. Rev Gaúch Enferm 2010; 31(2): 314-20..

A carência de dados nacionais mais amplos ou mais recentes sobre a morbidade registrada pelas equipes da ESF prejudica análises mais detalhadas dos dados observados. Seguramente, a falta de um sistema informático é um fator limitante para tais estudos, diferentemente do que ocorre em outros países8. Soler JK, Okkesb I, Woodc M, Lambertsb H. The coming of age of ICPC: celebrating the 21st birthday of the International Classification of Primary Care. Family Practice Advance. 2008; Available from: http://fampra.oxfordjournals.org/
http://fampra.oxfordjournals.org/...
.

De modo geral, a estrutura da população assistida pelas equipes avaliadas é semelhante ao que registram outros trabalhos, destacando maior prevalência de mulheres e indivíduos mais jovens na demanda da atenção primária1818 . Gataa R, Ajmi TN, Bougmiza I, Mtiraoui A. Morbidity patterns in general practice settings of the province of Sousse, Tunísia. Pan African Med Journal 2009; 3:11. Available at: http://www.panafrican-med-journal.com/content/article/3/11/full
http://www.panafrican-med-journal.com/co...
. Embora não tenha sido objetivo específico deste trabalho conduzir uma análise mais profunda a partir de um recorte de gêneros, é importante observar que, nos registros de todas as categorias profissionais, as mulheres apresentaram mais queixas ou problemas de saúde.

Em relação aos atendimentos médicos, observou-se homogeneidade para os diferentes diagnósticos entre homens e mulheres, exceto para as doenças da pele e queixas gerais e não específicas, que foram mais comuns para os homens. Nos registros de enfermagem, além dos dois capítulos assinalados, os homens também apresentaram maiores proporções de queixas em relação aos problemas do aparelho circulatório, digestivo, musculoesquelético e nervoso. Entretanto, considerando a grande demanda para a enfermagem em relação às condições de saúde da mulher (problemas ginecológicos, relacionados à gestação e planejamento familiar), não é razoável estabelecer qualquer inferência sobre essas diferenças observadas. Nos registros dos ACS, apenas as doenças da pele foram mais prevalentes entre os homens, não se registrando outras diferenças de gênero nos demais capítulos da CIAP-2. Assim, de modo geral, pequenas diferenças são observadas no registro de morbidade entre homens e mulheres, o que é compatível com a observação de Laurenti et al.2424 . Laurenti R, Jorge MHPM, Gotlieb SLD. Perfil epidemiológico da morbi-mortalidade masculina. Rev C S Col 2005; 10(1): 35-46.. Esses autores observaram que, na avaliação de morbidade entre os gêneros, medida pelas internações e excluindo-se as causas ligadas à gestação, parto e puerpério, há um equilíbrio entre o número de hospitalizações masculinas e femininas, com distribuição de motivos de internação similares, exceto para causas externas, transtornos mentais e comportamentais.

A similaridade de alguns resultados do presente estudo com resultados de estudos internacionais, especialmente em relação à prevalência de problemas circulatórios (com ênfase na hipertensão arterial), musculoesqueléticos (com ênfase nas lombalgias) e respiratórios (com ênfase nas infecções de vias aéreas superiores), salienta a universalidade desses problemas e a acelerada transição nosológica/epidemiológica vivenciada pelo país4. Minas M, Koukosias N, Zintzaras E, Kostikas K, Gourgoulianis K. Prevalence of chronic diseases and morbidity in primary health care in central Greece: an epidemiological study. BMC Health serv Research 2010: 252. Available at: http://www.biomedcentral.com/1472-6963/10/252
http://www.biomedcentral.com/1472-6963/1...
, 7. Brueton V, Yogeswaran P, Chandia J, Mfenyana K, Modell B, Modell M, et al . Primary care morbidity in Eastern Cape Province. S Afr med J 2010; 100(5): 309-12.. Goldbaum et al. já haviam destacado em estudo realizado em São Paulo que, para a população coberta pela ESF os aspectos sociais (renda e escolaridade) não imprimem diferenças significativas no perfil de utilização de serviços de saúde e de procura por assistência, indicando que a ampliação da cobertura assistencial pode estar contribuindo para maior equidade nessas condições2525 . Goldbaum M, Gianini RJ, Novaes HMD, César CLG. Utilização de serviços de saúde em áreas cobertas pelo programa saúde da família (Qualis) no Município de São Paulo. Rev Saúde Pública 2005; 39(1): 90-9.. Para além das semelhanças, as diferenças observadas também devem ser pontuadas como notórias e dignas de contínuas análises. A elevada proporção de doenças do aparelho digestivo (com ênfase nas parasitoses intestinais) denota a persistência de condições inadequadas de vida. A baixa prevalência das afecções do capítulo de problemas psicológicos, como ansiedade, depressão, abuso de álcool e outras drogas, pode denotar a invisibilidade desses problemas para a equipe de saúde ou a dificuldade de reconhecimento ou manejo para os mesmos. Muitas vezes, pacientes com problemas de saúde mental se apresentam com queixas inespecíficas ou com outros problemas físicos, que são mais facilmente identificados pelas equipes de saúde. Estas representam apenas algumas das diferenças que reforçam a necessidade de inquéritos regulares, com o potencial de revelar, em abordagens mais profundas, o papel das desigualdades socioeconômicas sobre o processo saúde-doença1717 . Szwarcwald CL, Leal MC, Gouveia GC, Souza WV. Desigualdades socioeconômicas em saúde no Brasil: resultados da Pesquisa Mundial de Saúde, 2003. Rev Bras Saúde Matern Infant 2005; 5(Suppl 1): S11-S22. . Em verdade, o conjunto dos resultados observados aponta a relevância dos estudos de morbidade em base populacional. Para Barros, este seria um componente essencial para a geração de informações necessárias à definição e novas políticas de intervenção e avaliações de impacto das mesmas na área da saúde1010 . Barros MBA. Inquéritos domiciliares de saúde: potencialidades e desafios. Rev Bras Epidemiol 2008; 11(Suppl 1): 6-19.. Os inquéritos de saúde de base populacional são importantes para o conhecimento da realidade de afecções ocorridas na população, incluindo desde as muito bem definidas até os sintomas ou sinais pouco característicos, que, muitas vezes, podem desaparecer sem nenhuma interferência1616 . Cesar CLG, Laurenti R, Buchala CM, Figueredo G M, Carvalho WO,Carantin CVS. Uso da Classificação Internacional de Doenças em inquéritos de saúde. Rev Bras Epidemiol 2001; 4(2): 120-9..

É relevante salientar que a região abordada no presente estudo constitui uma das mais carentes do país, com baixos indicadores socioeconômicos. Uma medida indireta desse quadro se reflete nos elevados percentuais observados de pessoas analfabetas ou de baixa escolaridade. Esse aspecto é um forte influenciador da carga de morbidade e não deve ser negligenciado. Em um inquérito de saúde na grande São Paulo, Barros e colaboradores verificaram que havia um significativo impacto da desigualdade social sobre a presença de condições crônicas referidas, sendo que o segmento de menor escolaridade da população apresentou 62% a mais de prevalência de doenças crônicas, quando comparado aos de melhor nível1010 . Barros MBA. Inquéritos domiciliares de saúde: potencialidades e desafios. Rev Bras Epidemiol 2008; 11(Suppl 1): 6-19..

Os resultados deste estudo devem ser interpretados à luz de algumas limitações. O fato de a pesquisa ser realizada em um único dia é um dos fatores limitadores, pois algumas morbidades podem sofrer efeitos da sazonalidade (doenças respiratórias são, por exemplo, mais comuns durante o inverno). A agenda de demanda programada das unidades de saúde (com grupos de hipertensos, gestantes, etc.) pode também interferir nos resultados coletados em um único dia. Entretanto, a dificuldade logística de coletas múltiplas e o fato de a metodologia já apresentar respaldo da literatura internacional foram fatores que propiciaram a seleção da estratégia empregada1212 . Silva N, Mendis K. One-day general practice morbidity survey in Sri Lanka. Family Practice 1998; 15(4): 323-31. , 1313 . Emmanuel SC, Tan BY, Chan KW. A one-day morbidity survey of outpatients. Singapore Fam Physician 1989; 15: 171-97..

Outra limitação identificada foi a baixa participação do médico, apresentando um quantitativo pequeno em relação à quantidade de municípios participantes deste estudo. Isso influenciou de forma negativa o estudo, pois dificultou uma abrangência maior nos resultados com diagnósticos, visto que somente este profissional pode fornecer o diagnóstico do paciente.

Embora o instrumento de coleta de dados seja de fácil assimilação, com poucas variáveis, e sua aplicação tenha ocorrido após capacitação, a multiplicidade de atores envolvidos na coleta de dados pode ser também uma variável a comprometer a validade dos resultados finais. Essa é uma limitação inerente ao método pela virtual impossibilidade de um número restrito de entrevistadores em estudos similares. Compensando, ainda que parcialmente, as limitações apresentadas, este estudo registra um elevado contingente de participantes não observado na literatura nacional.

CONCLUSÕES

As características da atenção primária e a relevância que tem assumido no Brasil nos últimos anos destacam a necessidade de novos estudos nessa área. Para maior efetividade do modelo assistencial assumido no País, é desejável que a atenção primária determine o trabalho dos outros níveis do sistema de saúde, abordando os problemas mais comuns na comunidade e integrando a atenção quando existem vários problema de saúde. Nesse contexto, as pesquisas de morbidade e avaliativas nos serviços da ESF podem oferecer subsídios para fortalecimento da atenção primária.

Os resultados permitiram conhecer as necessidades de saúde das pessoas assistidas pelas equipes da ESF, definindo-se um padrão de morbidade da atenção primária para a região avaliada. A utilização da CIAP-2 mostrou-se útil e aplicável ao contexto das equipes de saúde da família e pode representar uma importante ferramenta para os gestores de saúde. Indiretamente, esses dados permitiram ainda conhecer a carga de trabalho diária para as equipes avaliadas em relação aos principais problemas de saúde. Resultados de estudos similares devem ser utilizados no processo de planejamento das atividades e programas de educação continuada para os trabalhadores dos serviços de atenção primária.

Referências bibliográficas

  • 1
    Paim J, Travassos C, Almeida C, Bahia L, Macinko J. The Brazilian health system: history, advances, and challenges. Lancet 2011; 377(9779): 1778-97.
  • 2
    Victora CG, Barreto ML, Carmo LM, Monteiro CA, Schmidt MI, Paim J, et al. Lancet Brazil Series Working Group. Health conditions and health-policy innovations in Brazil: the way forward. Lancet 2011; 377(9782): 2042-53.
  • 3
    Nunes APN, Barreto SM, Gonçalves LG. Relações sociais e autopercepção da saúde: Projeto Envelhecimento e Saúde Rev Bras Epidemiol 2012; 15(2): 415-28.
  • 4
    Minas M, Koukosias N, Zintzaras E, Kostikas K, Gourgoulianis K. Prevalence of chronic diseases and morbidity in primary health care in central Greece: an epidemiological study. BMC Health serv Research 2010: 252. Available at: http://www.biomedcentral.com/1472-6963/10/252
    » http://www.biomedcentral.com/1472-6963/10/252
  • 5
    Silva AS, Laprega MR. Avaliação crítica do Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB) e de sua implantação na região de Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública 2005; 21(6): 1821-8.
  • 6
    WONCA (Organização Mundial dos Médicos da Família): Classificação internacional de atenção primária, CIAP-2, Sociedade Brasileira de Medicina da Família, Florianópolis, 2009.
  • 7
    Brueton V, Yogeswaran P, Chandia J, Mfenyana K, Modell B, Modell M, et al . Primary care morbidity in Eastern Cape Province. S Afr med J 2010; 100(5): 309-12.
  • 8
    Soler JK, Okkesb I, Woodc M, Lambertsb H. The coming of age of ICPC: celebrating the 21st birthday of the International Classification of Primary Care. Family Practice Advance. 2008; Available from: http://fampra.oxfordjournals.org/
    » http://fampra.oxfordjournals.org/
  • 9
    Theme Filha MM, Szwarcwald CL, Souza Júnior PRB. Medidas de morbidade referida e inter-relações com dimensões de saúde. Rev Saúde Pública 2008; 42(1): 73-81.
  • 10
    Barros MBA. Inquéritos domiciliares de saúde: potencialidades e desafios. Rev Bras Epidemiol 2008; 11(Suppl 1): 6-19.
  • 11
    Gusso GDF. Diagnóstico de demanda em Florianópolis utilizando a Classificação Internacional de Atenção Primária: 2ª edição (CIAP-2). [Tese] USP: São Paulo; 2009.
  • 12
    Silva N, Mendis K. One-day general practice morbidity survey in Sri Lanka. Family Practice 1998; 15(4): 323-31.
  • 13
    Emmanuel SC, Tan BY, Chan KW. A one-day morbidity survey of outpatients. Singapore Fam Physician 1989; 15: 171-97.
  • 14
    Pimentel IRS, Coelho BC, Lima JC, Ribeiro FG, Sampaio FPC, Pinheiro RP, et al.Caracterização da demanda em uma Unidade de Saúde da Família. Florianópolis. Rev Bras Med Fam Comunidade 2011; 6(20): 175-81.
  • 15
    Silva DMPP, Tomanik EA. Morbidade referida por moradores ribeirinhos de Porto Rico, PR, Brasil. Rev Bras Enferm 2010; 63(3): 452-8.
  • 16
    Cesar CLG, Laurenti R, Buchala CM, Figueredo G M, Carvalho WO,Carantin CVS. Uso da Classificação Internacional de Doenças em inquéritos de saúde. Rev Bras Epidemiol 2001; 4(2): 120-9.
  • 17
    Szwarcwald CL, Leal MC, Gouveia GC, Souza WV. Desigualdades socioeconômicas em saúde no Brasil: resultados da Pesquisa Mundial de Saúde, 2003. Rev Bras Saúde Matern Infant 2005; 5(Suppl 1): S11-S22.
  • 18
    Gataa R, Ajmi TN, Bougmiza I, Mtiraoui A. Morbidity patterns in general practice settings of the province of Sousse, Tunísia. Pan African Med Journal 2009; 3:11. Available at: http://www.panafrican-med-journal.com/content/article/3/11/full
    » http://www.panafrican-med-journal.com/content/article/3/11/full
  • 19
    Ximenes Neto, FRG. Sampaio JJC. Gerentes do território na Estratégia Saúde da Família: análise e perfil de necessidades de qualificação. Rev Bras Enferm 2007; 60(6): 687-95.
  • 20
    Rodrigues EM, Nascimento RG, Araújo A. Protocolo na assistência pré-natal: ações, facilidades e dificuldades dos enfermeiros da Estratégia de Saúde da Família. Rev Esc Enferm USP 2011; 45(5): 1041-7.
  • 21
    Sampaio MMA, Coeli CAM, Alves MGM, Soares MF, Camargo Jr KR, Moreno AB. Confiabilidade interobservador da Classificação Internacional de Atenção Primária em uma unidade de atenção básica à saúde. Rev Bras Epidemiol. 2012; 15(2): 355-62.
  • 22
    Botsis T, Bassoe CF, Hartvigsen G.. BMC Medical Informatics and Decision Making. 2010; 10:11. Available from: http://www.biomedcentral.com/1472-6947/10/11
    » http://www.biomedcentral.com/1472-6947/10/11
  • 23
    Marcolino JS, Scochi MJ. Informações em saúde: o uso do SIAB pelos profissionais das Equipes de Saúde da Família. Rev Gaúch Enferm 2010; 31(2): 314-20.
  • 24
    Laurenti R, Jorge MHPM, Gotlieb SLD. Perfil epidemiológico da morbi-mortalidade masculina. Rev C S Col 2005; 10(1): 35-46.
  • 25
    Goldbaum M, Gianini RJ, Novaes HMD, César CLG. Utilização de serviços de saúde em áreas cobertas pelo programa saúde da família (Qualis) no Município de São Paulo. Rev Saúde Pública 2005; 39(1): 90-9.

  • Fonte de financiamento: nenhuma

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2014

Histórico

  • Recebido
    03 Out 2012
  • Revisado
    01 Maio 2013
  • Aceito
    05 Jun 2013
Associação Brasileira de Pós -Graduação em Saúde Coletiva São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revbrepi@usp.br