Modificações no consumo de bebidas de adolescentes de escolas públicas na primeira década do século XXI

Luana Silva Monteiro Thaís Meirelles de Vasconcelos Gloria Valéria da Veiga Rosângela Alves Pereira Sobre os autores

RESUMO:

Objetivo:

Avaliar mudanças no consumo de bebidas em adolescentes entre 2003 e 2008.

Métodos:

Foram realizados dois estudos transversais de base escolar com estudantes de 12 a 19 anos de idade de escolas públicas de Niterói, Rio de Janeiro. Dados de três registros alimentares foram utilizados para estimar o consumo médio diário, de dias de semana e de final de semana (volume e a contribuição para a ingestão diária de energia) de leite, bebidas à base de leite, bebidas com adição de açúcar, suco de frutas frescas, bebidas cafeinadas e bebidas alcoólicas. Foram utilizados Modelos Lineares Generalizados (GLM) para estimar médias ajustadas por idade e as diferenças nos estimadores segundo os dias de semana.

Resultados:

Foram investigados 433 adolescentes em 2003 e 510 foram investigados em 2008. A prevalência de excesso de peso foi de 17% em 2003 e de 22% em 2008 (p > 0,05). O leite foi a bebida mais consumida, sendo relatada por 89% dos adolescentes, seguido dos refrigerantes (75%). De maneira geral, no período de cinco anos, verificou-se aumento da prevalência de consumo de bebidas alcoólicas, bebidas à base de xarope de guaraná e sucos processados, especialmente nos dias de semana. O refrigerante foi a bebida que mais contribuiu para o consumo energético total, correspondendo, em média, a 4% da ingestão energética diária.

Conclusão:

As principais mudanças no perfil de consumo de bebidas entre os adolescentes de Niterói na primeira década do século XXI foram a tendência para redução do consumo de leite e o aumento no consumo das bebidas processadas e das bebidas alcoólicas.

Palavras-chave:
Adolescente; Estado nutricional; Consumo de alimentos; Hábitos alimentares; Bebidas; Estudos transversais seriados

INTRODUÇÃO

Em diversas partes do mundo vêm sendo observadas mudanças importantes nos hábitos alimentares de adolescentes, cujo consumo se caracteriza por quantidades reduzidas de hortaliças, frutas, cálcio, ferro, fontes de proteína e elevada ingestão de alimentos processados, com alta densidade energética e ricos em gorduras, açúcar e sódio11. Colucci ACA, Cesar CLG, Marchioni DML, Fisberg RM. Relação entre o consumo de açúcares de adição e a adequação da dieta de adolescentes residentes no município de São Paulo. Rev Nutr 2011; 24(2): 219-31.. Tais hábitos contribuem para o ganho de peso excessivo e o desenvolvimento precoce de distúrbios metabólicos, que até bem pouco tempo eram mais comuns em indivíduos em idade madura, como as dislipidemias22. Alcântara Neto OD, Silva RC, Assis AM, Pinto EJ. Factors associated with dyslipidemia in children and adolescents enrolled in public schools of Salvador, Bahia. Rev Bras Epidemiol 2012; 15(2): 335-45., alterações no metabolismo de insulina e glicose33. Cardoso Chaves O, Franceschini SC, Machado RRS, Ferreira RSAL, Garçon FC, Priore SE. Anthropometric and biochemical parameters in adolescents and their relationship with eating habits and household food availability. Nutr Hosp 2013; 28(4): 1352-6. e elevação da pressão arterial44. Pinto SL, Silva RC, Priore SE, Assis AM, Pinto EJ. Prevalence of pre-hypertension and arterial hypertension and evaluation of associated factors in children and adolescents in public schools in Salvador, Bahia State, Brazil. Cad Saúde Pública 2011; 27(6): 1065-75.. Nesse cenário, as bebidas, especialmente aquelas com adição de açúcar, têm recebido destaque devido ao seu provável papel no desenvolvimento da obesidade e no controle da saciedade. As calorias provenientes do consumo de bebidas têm sido relacionadas como uma fonte importante para o aumento no consumo de energia e a contribuição das bebidas com adição de açúcar para a epidemia de sobrepeso e obesidade55. Cassady BA, Considine RV, Mattes RD. Beverage consumption, appetite, and energy intake: what did you expect? Am J Clin Nutr 2012; 95(3): 587-93. e de diabetes66. Malik VS, Schulze MB, Hu FB. Intake of sugar-sweetened beverages and weight gain: a systematic review. Am J Clin Nutr 2006; 84(2): 274-88. tem sido evidenciada. Além disso, o consumo desse tipo de bebida tem sido associado a uma pior qualidade da dieta e redução do consumo de leite77. Frary CD, Johnson RK, Wang MQ. Children and adolescents' choices of foods and beverages high in added sugars are associated with intakes of key nutrients and food groups. J Adolesc Health 2004; 34(1): 56-63.. O consumo excessivo de bebidas com adição de açúcar tem sido relacionado ao consumo inadequado de cálcio, fibras, proteínas e vitamina D88. Fiorito LM, Marini M, Mitchell DC, Smiciklas-Wright H, Birch LL. Girls' early sweetened carbonated beverage intake predicts different patterns of beverage and nutrient intake across childhood and adolescence. J Am Diet Assoc 2010; 110(4): 543-50., excesso de peso, circunferência da cintura elevada, aumento do colesterol, triglicerídeos séricos e pressão arterial99. Duffey KJ, Gordon-Larsen P, Steffen LM, Jacobs Junior DR, Popkin BM. Drinking caloric beverages increases the risk of adverse cardiometabolic outcomes in the Coronary Artery Risk Development in Young Adults (CARDIA) Study. Am J Clin Nutr 2010; 92(4): 954-9.,1010. Jia M, Wang C, Zhang Y, Zheng Y, Zhang L, Huang Y, et al. Sugary beverage intakes and obesity prevalence among junior high school students in Beijing: a cross-sectional research on SSBs intake. Asia Pac J Clin Nutr 2012; 21(3): 425-30..

O consumo de alimentos marcadores de alimentação não saudável, como as bebidas com adição de açúcar, entre adolescentes brasileiros tem sido observado em pesquisas de abrangência nacional. Por exemplo, resultados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) de 2012 revelaram que 33,2% dos adolescentes consomem refrigerantes em 5 dias ou mais na semana, sendo esse um dos marcadores de alimentação não saudável mais referidos pelos escolares1111. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar - PENSE 2012. Rio de Janeiro: IBGE; 2012. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/pense/2012/ (Acessado em 25 de setembro de 2015).
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/...
. Além disso, dados do Inquérito Nacional de Alimentação (2008 - 2009) mostraram que os adolescentes apresentavam consumo elevado de bebidas com adição de açúcar, como sucos, refrigerantes e refrescos, sendo o consumo médio dessas bebidas nessa faixa etária (122 mL diários) maior que o dobro da média dos adultos e idosos1212. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares POF 2008-2009. Análise do Consumo Alimentar Pessoal no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE; 2011. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/pof/2008_2009_analise_consumo/ (Acessado em 25 de setembro de 2015).
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/...
. Analisando dados desse inquérito de abrangência nacional, Pereira et al.1313. Pereira RA, Duffey KJ, Sichieri R, Popkin BM. Sources of excessive saturated fat, trans fat and sugar consumption in Brazil: an analysis of the first Brazilian nationwide individual dietary survey. Public Health Nutr 2014 ;17(1): 113-21. verificaram que a contribuição média global de bebidas na ingestão energética dos brasileiros total foi de 17,1%, sendo observado que entre adolescentes essa contribuição era mais expressiva do que entre adultos e idosos.

Diversos estudos evidenciaram o incremento no consumo de bebidas com adição de açúcar em diferentes contextos. No Brasil, análise desenvolvida por Levy et al.1414. Levy RB, Castro IRR, Cardoso LO, Tavares LF, Sardinha LMV, Gomes FS, et al. Consumo e comportamento alimentar entre adolescentes brasileiros: Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), 2009. Ciênc Saúde Colet 2010; 15(Suppl 2): S3085-97. com dados de disponibilidade domiciliar de alimentos no país mostrou que entre as décadas de 1970 e 2000, o consumo de refrigerantes aumentou 400%. No México, Barquera et al.1515. Barquera S, Hernandez-Barrera L, Tolentino ML, Espinosa J, Ng SW, Rivera JA, et al. Energy intake from beverages is increasing among Mexican adolescents and adults. J Nutr 2008; 138(12): 2454-61. analisaram as mudanças no consumo de bebidas entre os anos de 1999 e 2006 a partir de dados de pesquisas com representatividade nacional, observaram que, nesse período, o consumo de bebidas com elevado teor calórico, como as bebidas com adição de açúcar, aumentou mais que o dobro entre adolescentes de 10 a 18 anos de idades. Nos Estados Unidos, Nielsen e Popkin1616. Nielsen SJ, Popkin BM. Changes in beverage intake between 1977 and 2001. Am J Prev Med 2004; 27(3): 205-10. mostraram que, entre 1977 e 2001, as modificações no consumo de bebidas foram marcadas pelo aumento do consumo de bebidas com adição de açúcar e redução do consumo de leite.

Apesar dessas evidências, são escassos os estudos que examinam especificamente o consumo de bebidas entre adolescentes brasileiros, especialmente focando mudanças no seu consumo. Dessa forma, este estudo analisa dados de dois estudos transversais, com idêntico desenho metodológico, com o objetivo de avaliar as mudanças no consumo de bebidas em adolescentes de área urbana no Brasil na primeira década do século XXI.

MÉTODOS

Os dados de consumo de bebidas foram obtidos de 2 estudos transversais de base escolar desenvolvidos em 2003 e 2008, com adolescentes entre 12 e 19 anos de idade, estudantes de 13 escolas públicas da cidade de Niterói, localizada na região metropolitana do Rio de Janeiro, Brasil.

Originalmente os dois estudos tinham como objetivo avaliar marcadores bioquímicos de risco para doenças cardiovasculares e a evolução de medidas antropométricas em adolescentes. Assim, para garantir a comparabilidade, o mesmo desenho amostral em conglomerados com um estágio de seleção (sorteio de turmas) foi adotado nos dois estudos, tendo sido selecionadas as mesmas escolas para compor a amostra de ambos os estudos. O cálculo do tamanho da amostra considerou nível de confiança de 95%, erro máximo de 5% e a prevalência de hipercolesterolemia de 25%, sendo estimado tamanho amostral de 600 estudantes, adicionando-se 30% devido a possíveis não respostas, estimando-se tamanho amostral final em 780 adolescentes1717. Alvarez MM, Vieira AC, Sichieri R, Veiga GV. Prevalence of metabolic syndrome and of its specifc components among adolescents from Niterói City, Rio de Janeiro State, Brazil. Arq Bras Endocrinol Metabol 2011; 55(2): 164-70.. Não foram considerados elegíveis as adolescentes grávidas e aqueles com deficiência física que impedisse a avaliação antropométrica.

Ambos os projetos foram aprovados pelos Comitês de Ética (CEP) das instituições envolvidas: CEP do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, em 11 de junho de 2002, e pelo CEP do Instituto de Pediatria e Puericultura Martagão Gesteira, em 11 de abril de 2008. Somente participaram dos estudos os adolescentes que apresentaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinado pelo responsável ou por ele próprio, quando maior de 18 anos.

Os dados foram coletados nas escolas por examinadores treinados e após processo de padronização para a aferição de medidas antropométricas1818. Habicht JP. Estandartización de métodos epidemiológicos Ccuantitativos sobre el terreno. Bol Oficina Sanit Panam 1974; 76(5): 375-84.. O status de peso foi classificado com base nos escores z do Índice de Massa Corporal (IMC = peso/estatura2) considerando excesso de peso para os escores z acima de + 1, como proposto pela Organização Mundial de Saúde1919. Onis M, Onyango AW, Borghi E, Syyan A, Nishida C, Siekmann J. Development of a WHO growth reference for school-aged children and adolescents. Bull World Health Organ 2007; 85(9): 660-7.. Para a aferição das medidas antropométricas, o examinando permaneceu com roupa leves e descalço. Para a aferição do peso, nos dois estudos, foi utilizada balança digital portátil Kratos (plataforma PPS), com capacidade até 150 kg e variação de 50 g. Em 2003, aferiu-se a altura com o uso de estadiômetro portátil da marca Leicester e o Alturaexata foi utilizado em 2008, ambos os instrumentos tinham variação de 0,1 cm. As medidas de estatura foram aferidas duas vezes, sendo considerada a média das duas medidas desde que a variação entre elas não ultrapassasse 0,5. Caso a variação excedesse esse valor, as medidas eram repetidas. Devido à alta precisão da balança digital, o peso corporal foi aferido uma única vez.

AFERIÇÃO E ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES DO CONSUMO DE BEBIDAS

Os adolescentes completaram três dias de registro alimentar no intervalo de uma semana, sendo dois dias durante a semana e um dia de final de semana. Nutricionistas treinados para essa atividade orientaram os participantes a descrever todos os alimentos e preparações que comeram nos dias especificados, as quantidades em medidas caseiras, o horário e o local da refeição. No momento de recolher os registros alimentares os nutricionistas revisavam, junto com os estudantes, as informações registradas. Nesse momento, o avaliador sondava se houve omissão de itens, refinava a informação sobre quantidades consumidas e elucidava situações que pudessem dar margem a confusão, como preparações ou alimentos não reconhecidos, longos períodos sem registro de consumo ou pouquíssimos itens registrados para um dia. Além disso, os entrevistadores também questionavam sobre o consumo de itens que usualmente são omitidos em registros alimentares, como: manteiga, café, balas, doces, pequenos lanches, entre outros.

Para a análise dos dados de consumo alimentar, utilizou-se o software Nutwin (Programa de Apoio à Nutrição, Escola Paulista de Medicina, São Paulo), que utiliza como base de dados a tabela de composição de alimentos do United States Department of Agriculture (USDA). Para os alimentos que não estavam inseridos no banco de dados desse programa, foram utilizadas as informações da Tabela Brasileira de Composição de Alimentos (TACO)2020. Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação, Universidade de Campinas. Tabela Brasileira de Composição de Alimentos TACO. 4 ed. Campinas: NEPA/UNICAMP; 2011., da Tabela de Composição Química de Alimentos2121. Philippi ST. Tabela de composição química de alimentos: suporte para decisão nutricional. Brasília: ANVISA; 2001. e da Tabela de Medidas Caseiras2222. Pinheiro ABV, Lacerda EMA, Benzecry EH, Gomes MCS, Costa VM. Tabela para avaliação de consumo em medidas caseiras. 5 ed. São Paulo: Atheneu; 2004., preferencialmente nessa ordem. A composição dos alimentos industrializados foi obtida a partir das informações nutricionais disponíveis nos rótulos dos alimentos. Para avaliar consumo alimentar implausível, adotou-se como critério a proposta de Andrade et al.2323. Andrade RG, Pereira RA, Sichieri R. Consumo alimentar de adolescentes com e sem sobrepeso do Município do Rio de Janeiro. Cad Saúde Pública 2003; 19(5): 1485-95., que considera como aceitável consumo energético acima de 500 kcal e inferior a 6 mil kcal. Contudo, no presente estudo não foram observados adolescentes com informações sobre ingestão diária de energia fora desses limites.

Foi analisado o consumo de leite e derivados do leite (leite, leite aromatizado com achocolatado), iogurte/bebida láctea (bebida resultante da mistura de leite e soro de leite, adicionado de produtos alimentícios), bebidas com adição de açúcar (bebidas à base de xarope de guaraná, refrigerantes, sucos processados), suco de frutas frescas, bebidas cafeinadas (café, chá e mate) e bebidas alcoólicas (cerveja, licor, vinho, vodka e uísque). Não foi avaliada a ingestão de água.

Para padronizar o cálculo das quantidades das bebidas com preparações mistas, como por exemplo, café com leite, estimou-se a combinação dos respectivos alimentos em partes iguais, tomando por base as normas propostas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística1212. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares POF 2008-2009. Análise do Consumo Alimentar Pessoal no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE; 2011. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/pof/2008_2009_analise_consumo/ (Acessado em 25 de setembro de 2015).
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/...
, as quais também foram adotadas para padronizar a quantidade de açúcar adicionado às bebidas em 10% (10 g de açúcar para cada 100 mL de bebida). Em relação aos sucos artificiais em pó e o achocolatado, utilizou-se a especificação de diluição do fabricante, respectivamente, 35 g de pó para cada 1000 mL de água e 20 g de pó para cada 160 mL de leite.

ANÁLISE DE DADOS

Para as análises, foi considerado o efeito do desenho da amostra e a expansão com base no peso amostral. Foram estimadas as prevalências, as médias e intervalos de confiança de 95% (IC95%) do consumo semanal de bebidas, sendo estimado ainda o consumo em dias de semana e de final de semana para 2003 e 2008. Foi avaliado o consumo de bebidas em medidas de volume (mL) e a energia fornecida pelas bebidas (kcal), sendo avaliada a contribuição das bebidas para o consumo energético diário total. As análises relativas ao consumo de energia derivada das bebidas foram estimadas para a população em geral e considerando apenas o grupo dos consumidores de cada bebida específica. Para a estimativa da média global, foi estimada a média dos três dias de consumo para cada bebida para cada adolescente. Para a estimativa da média do consumo de bebidas durante os dias da semana foi considerado o consumo relatado nos dois dias de semana. Para a estimativa da média de consumo de bebidas no final de semana, foi estimada a média do consumo nos dias de final de semana.

Aplicou-se o teste Kolgomorov-Smirnov para verificar a simetria das distribuições. Para comparar as médias do consumo de bebidas entre os dois estudos e entre dias de semana e dias de final de semana foram aplicados Modelos Lineares Generalizados (GLM). As frequências foram comparadas pelo teste do χ2. As médias e frequências foram ajustadas por idade. Foram considerados estatisticamente significantes os testes com p < 0,05.

RESULTADOS

Em 2003, 764 adolescentes foram considerados elegíveis para o estudo, 610 (80%) foram examinados e 433 (71%) apresentaram dados completos sobre consumo alimentar. Em 2008, 918 adolescentes eram elegíveis para participar do estudo, 700 (76%) foram examinados e 510 (73%) apresentaram dados completos sobre consumo alimentar. Não foram observadas diferenças significativas nas proporções de sexo, faixa etária e status de peso (p ≥ 0,05), quando comparados os grupos investigados nas amostras gerais dos estudos de 2003 e 2008 com os analisados no presente estudo (2003: 610 versus 433; 2008: 700 versus 510).

A idade média dos 433 adolescentes examinados em 2003 (dos quais 69,3% eram meninas) era de 16,9 anos, com desvio padrão (DP) de 1,5 anos. A média de idade no estudo de 2008 era de 16,1 anos (DP = 1,8 anos) e dos 510 participantes, 64,3% eram meninas. Verificou-se excesso de peso em 16,9% adolescentes em 2003 e 22% em 2008 (p ≥ 0,05). Não se observou diferença estatisticamente significativa para a prevalência de excesso de peso segundo o sexo nos dois períodos analisados.

O consumo de algum tipo de bebida foi referido por 99% dos adolescentes estudados em ambos os estudos. Não havia diferenças significativas no consumo das bebidas segundo o sexo. O leite foi a bebida mais referida pelos adolescentes: 89% dos adolescentes referiram consumir leite semanalmente em 2003 e 84% em 2008 (p = 0,02). O leite era consumido em maior proporção nos dias de semana comparados aos dias de final de semana, tendo havido redução na frequência de consumo de leite nos finais de semana entre 2003 e 2008: em 2003, 70% dos adolescentes referiram consumir leite nos dias de semana e 65% no final de semana (p = 0,05); em 2008, essas proporções eram de 76 e 58% (p < 0,01), respectivamente. Em compensação, a prevalência do consumo de leite aromatizado com achocolatado aumentou entre 2003 e 2008 (37 versus 44%; p = 0,04), sendo esse produto mais consumido em dias de semana do que nos finais de semana (Tabela 1).

Tabela 1:
Prevalência de consumo de bebidas nos dias de semana e de final de semana. Adolescentes estudantes de escolas públicas de Niterói, RJ, 2003 e 2008.

O grupo das bebidas com adição de açúcar foi o segundo mais referido pelos adolescentes, sendo o refrigerante relatado por 75 e 73% dos adolescentes em 2003 e 2008, respectivamente (p = 0,5). Em 2003, a referência ao consumo de refrigerantes era menor nos dias de semana do que no de final de semana (49 versus 59%; p < 0,01). Porém, em 2008 a diferença nas prevalências de consumo de refrigerantes entre dias de semana e de final de semana desapareceu (54 versus 57%; p = 0,20), observando, portanto, incremento significativo no consumo dessas bebidas nos dias de semana (Tabela 1).

Ao longo do período de cinco anos, de modo geral, verificou-se aumento também na proporção de consumo das bebidas à base de xarope de guaraná (25 versus 33%; p < 0,01). Entretanto, a proporção de adolescentes que relataram o consumo dessa bebida nos dias de semana aumentou em, aproximadamente, 50% (21 versus 31%; p < 0,01), sendo que em ambos os estudos o consumo dessas bebidas foi menos frequente nos dias de final de semana (2003: 7% e 2008: 8%) em comparação com os dias de semana (Tabela 1).

Entre 2003 e 2008 houve incremento na prevalência de consumo de suco processado (22 versus 25%; p = 0,02) e redução no consumo de chá/mate/café (55 versus 44%; p < 0,01), o qual se reduziu em 22% nos dias de semana (50 versus 39%; p < 0,01). Embora fosse modesto, o consumo de bebida alcoólica durante os dias de semana dobrou (1 versus 2%; p = 0,04). Em ambos os estudos, constatou-se maior frequência de consumo de suco processado, chá/mate/café nos dias de semana e de bebida alcoólica no final de semana (Tabela 1).

Considerando as quantidades consumidas das bebidas, verificou-se que tanto em 2003 quanto em 2008 o consumo médio de bebida à base de xarope de guaraná foi maior em dias de semana em comparação com os de final de semana (2003: 49 versus 26 mL; p = 0,02 e 2008: 62 versus 29 mL; p < 0,01). O mesmo foi observado para o suco natural (2003: 102 versus 80 mL; p < 0,01 e 2008: 92 versus 53 mL; p < 0,01). Por outro lado, outras bebidas eram consumidas em maiores quantidades nos dias de final de semana, destacadamente, os refrigerantes (2003: 155 versus 346 mL; p < 0,01 e 2008: 168 versus 367 mL; p < 0,01), bebidas alcoólicas (2003: 0,3 versus 45 mL; p < 0,01 e 2008: 13 versus 106 mL; p < 0,01) e bebidas com adição de açúcar de modo geral (2003: 248 versus. 402 mL; p < 0,01 e 2008: 271 versus 431 mL; p < 0,01) (Tabela 2).

Tabela 2:
Médias e intervalos de confiança de 95% do consumo diário de bebidas em dias de semana e dias de final de semana. Adolescentes estudantes de escolas públicas de Niterói, RJ, 2003 e 2008.

Em relação às calorias fornecidas pelas bebidas, verificou-se aumento da energia proveniente do consumo de bebidas de modo geral, tanto quando foi considerada a média diária per capita (269 versus 327 kcal; p = 0,01) como a média da contribuição percentual das bebidas para o consumo energético total/dia (13 versus 14 %; p = 0,04). O refrigerante foi a bebida que mais contribuiu para o consumo energético total nos dois anos avaliados (4%). Quando foram considerados apenas os indivíduos que relataram o consumo de cada bebida, observou-se também aumento da contribuição percentual das bebidas para o consumo calórico total (13 versus 15%; p = 0,02) (Tabela 3).

Tabela 3:
Ingestão diária média de energia proveniente das bebidas e sua contribuição para a ingestão total diária de energia para a população em geral e para os consumidores das bebidas específicas. Adolescentes estudantes de escolas públicas Niterói, RJ, 2003 e 2008.

DISCUSSÃO

Foram analisadas as modificações no consumo de bebidas entre adolescentes estudantes de escolas públicas da região metropolitana do Rio de Janeiro a partir de dados obtidos em dois estudos transversais de base escolar realizados em 2003 e em 2008. Observou-se redução na prevalência de consumo de leite e aumento no consumo bebidas adicionadas de açúcar, especialmente as bebidas à base de xarope de guaraná. Individualmente, os refrigerantes eram as bebidas com maior contribuição para a ingestão média diária de energia. Foi notória a mudança nos hábitos de consumo dessas bebidas, que em 2003 eram mais frequentemente consumidas nos dias de final de semana e, em 2008, passaram a ser tão comum nos dias de semana como nos dias de final de semana.

A prevalência do consumo de leite (94%) em Niterói foi mais elevada do que a frequência de 78,6% observada para os adolescentes do Distrito Federal avaliados em estudo transversal pela aplicação de questionário de frequência de consumo alimentar1414. Levy RB, Castro IRR, Cardoso LO, Tavares LF, Sardinha LMV, Gomes FS, et al. Consumo e comportamento alimentar entre adolescentes brasileiros: Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), 2009. Ciênc Saúde Colet 2010; 15(Suppl 2): S3085-97.. A quantidade média diária de consumo de leite observada para os adolescentes de Niterói (158 mL) foi semelhante à média estimada para os adolescentes brasileiros no Inquérito Nacional de Alimentação 2008-20091212. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares POF 2008-2009. Análise do Consumo Alimentar Pessoal no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE; 2011. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/pof/2008_2009_analise_consumo/ (Acessado em 25 de setembro de 2015).
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/...
. Os achados deste estudo com relação ao consumo de leite são comparáveis aos observados por Nielsen et al.2424. Nielsen MC, Neumark-Sztainer D, Hannan PJ, Story M. Five-year longitudinal and secular shifts in adolescent beverage intake: findings from project EAT (Eating Among Teens)-II. J Am Diet Assoc 2009; 109(2): 308-12. para adolescentes de ensino fundamental e médio que evidenciaram redução no consumo de leite ao longo de um período de cinco anos. A redução no consumo de leite é preocupante, pois durante a adolescência o ocorre o pico de densidade óssea e a redução na ingestão de cálcio pode afetar a saúde óssea em fase precoce da vida2525. Abreu S, Santos R, Moreira C, Santos PC, Vale S, Soares-Miranda L, et al. Relationship of milk intake and physical activity to abdominal obesity among adolescents. Pediatr Obes 2014; 9(1): 71-80..

O consumo médio de refrigerantes entre adolescentes de Niterói foi comparável ao observada por Carmo et al.2626. Carmo MB, Toral N, Silva MV, Slater B. Consumo de doces, refrigerantes e bebidas com adição de açúcar entre adolescentes da rede pública de ensino de Piracicaba, São Paulo. Rev Bras Epidemiol 2006; 9(1): 121-30. em estudantes da cidade de Piracicaba, São Paulo (230 mL/dia). A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, desenvolvida em 2009, também mostrou que os adolescentes apresentam consumo frequente de refrigerantes, pois 37,2% dos escolares investigados referiram ter consumido refrigerante em 5 dias ou mais na semana anterior à investigação2727. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de saúde do Escolar. Rio de Janeiro: IBGE; 2009. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/pense/ (Acessado em 25 de setembro de 2015).
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/...
. Similarmente ao observado neste estudo, estudo realizado com adolescentes americanos revelou que os refrigerantes contribuíam com 67% das calorias provenientes das bebidas adoçadas com açúcar2828. Wang YC, Bleich SN, Gortmaker SL. Increasing caloric contribution from sugar-sweetened beverages and 100% fruit juices among US children and adolescents, 1988-2004. Pediatrics 2008; 121(6): e1604-14..

Em estudo com adolescentes americanos, o aumento no consumo de refrigerantes esteve associado à redução no consumo de leite e derivados2929. Cavadini C, Siega-Riz AM, Popkin BM. US adolescent food intake trends from 1965 to 1996. Arch Dis Child 2000; 83(18): 18-24.. Da mesma forma, é possível que entre os adolescentes de Niterói o aumento no consumo de bebidas com adição de açúcar tenha contribuído para a redução no consumo de leite. O aumento do consumo das bebidas com adição de açúcar tem sido associado ao prejuízo na qualidade da dieta de adolescentes3030. Louzada MLC, Martins APB, Canella DS, Baraldi LG, Levy RB, Claro RM, et al. Alimentos ultraprocessados e perfil nutricional da dieta no Brasil. Rev Saúde Pública 2015; 49: 38., com o desenvolvimento de sobrepeso e obesidade1010. Jia M, Wang C, Zhang Y, Zheng Y, Zhang L, Huang Y, et al. Sugary beverage intakes and obesity prevalence among junior high school students in Beijing: a cross-sectional research on SSBs intake. Asia Pac J Clin Nutr 2012; 21(3): 425-30. e com o diabetes tipo 2 em adultos3131. Wang ML, Lemon SC, Olendzki B, Rosal MC. Beverage-consumption patterns and associations with metabolic risk factors among low-income Latinos with uncontrolled type 2 diabetes. J Acad Nutr Diet 2013; 113(12): 1695-703.. A associação entre o consumo das bebidas com adição de açúcar e o aumento da obesidade tem sido atribuída à menor saciedade proporcionada por alimentos líquidos em relação aos sólidos, em decorrência da não ativação dos centros de saciedade3232. Di Meglio DP, Mattes RD. Liquid versus solid carbohydrate: effects on food intake and body weight. Int J Obes Relat Metab Disord 2000; 24(6): 794-800., e ao incompleto potencial de compensação para o consumo de energia, que podem contribuir para a ingestão calórica aumentada e ganho de peso3333. Vartanian LR, Schwartz MB, Brownell KD. Effects of soft drink consumption on nutrition and health: a systematic review and meta-analysis. Am J Public Health 2007; 97(4): 667-75..

Outro achado importante deste estudo foi o aumento, no período de cinco anos, do consumo de bebidas alcoólicas, especialmente nos dias de semana entre os adolescentes. O consumo de bebidas alcoólicas entre adolescentes tem sido relatado com frequência tanto no Brasil3434. Carlini EA (supervisor). II Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil: estudo envolvendo as 108 maiores cidades do país, 2005. Brasília: Secretaria Nacional Antidrogas; 2007. como em outros países3535. World Health Organization. Global Status Report on Alcohol 2004. Geneva: World Health Organization; 2004.. Esses resultados são inquietantes, visto que quanto mais cedo ocorrer o contato com bebidas alcoólicas maiores são as chances de consumo excessivo e de dependência do álcool ao longo da vida3636. Caetano R, Babor TF. Diagnosis of alcohol dependence in epidemiological surveys: an epidemic of youthful alcohol dependence or a case of measurement error? Addiction 2006; 101(Suppl 1): S111-4..

O uso de dados de registro alimentar discriminados segundo os dias da semana permitiu avaliar a variação nos hábitos de consumo de bebidas segundo essa importante fonte de variabilidade do consumo alimentar3737. Beaton GH, Milner J, McGuire V, Feather TE, Little JA. Source of variance in 24-hour dietary recall data: implications for nutrition study design and interpretation: carbohydrate sources, vitamins, and minerals. Am J Clin Nutr 1983; 37(6): 986-95.. Esse tipo de análise permite levantar hipóteses sobre as principais influências nos hábitos de consumo. Essas análises são calcadas na premissa de que dados de um dia de registro alimentar fornecem informações confiáveis para médias populacionais3838. Dodd KW, Guenther PM, Freedman LS, Subar AF, Kipnis V, Midthune D, et al. Statistical methods for estimating usual intake of nutrients and foods: a review of the theory. J Am Diet Assoc 2006; 106(10): 1640-50..

Este estudo revelou que a prevalência do consumo de bebidas com adição de açúcar, em geral, e especificamente os refrigerantes e as bebidas à base de xarope de guaraná aumentaram para os dias de semana, mas não se alteram nos finais de semana, o que leva a pensar que essa mudança pode estar relacionada com a rotina escolar. Porém, quando se avalia o volume médio ingerido de bebidas, foi evidenciado que, no final de semana, os adolescentes consumiam, em média, um volume 60% maior de bebidas com adição de açúcar em comparação aos dias de semana. Essa diferença pode representar um acréscimo de 3.000 kcal ao longo de um ano, o que pode redundar em desequilíbrio positivo do balanço energético e um possível ganho de peso.

Estudos que avaliaram o consumo alimentar segundo os dias da semana também têm mostrado resultados similares ao do presente estudo, uma vez que têm constatado maior ingestão de refrigerantes e outras bebidas adoçadas, bebidas alcoólicas, menor ingestão de alimentos integrais e, consequentemente, mais energia e açúcar nos finais de semana3939. Haines PS, Hama MY, Guilkey DK, Popkin BM. Weekend eating in the United States is linked with greater energy, fat, and alcohol intake. Obes Res 2003; 11(8): 945-9.,4040. Rothausen BW, Matthiessen J, Hoppe C, Brockhoff PB, Andersen LF, Tetens I. Differences in Danish children's diet quality on weekdays v. weekend days. Public Health Nutr 2012; 15(9): 1653-60.. Esse padrão de consumo diferenciado entre dia de semana e final de semana pode estar relacionado a um comportamento mais indulgente nos finais de semana, havendo menor preocupação com horários e obrigações da rotina diária4141. Collaço JHL. Um olhar antropológico sobre o hábito de comer fora. Campos 2003; 4: 171-94..

A elevada proporção de não reposta para os dados de consumo alimentar poderia ser considerada como uma possível limitação deste estudo, porém, não existiam diferenças significativas com relação ao sexo, faixa etária e condição de peso entre os participantes do estudo geral e aqueles incluídos na presente análise. Além disso, com uma amostra de pelo menos 433 adolescentes em cada grupo, é possível estimar diferenças nas proporções de consumo de bebidas de 8,3 pontos percentuais, com nível de confiança de 95% e poder de 80%4242. Lwanga SK, Lemeshow S. Sample size determination in health studies: a practical manual. Geneva: World Health Organization; 1991.. Dessa forma, supõe-se que a não resposta não tenha introduzido viés nos resultados observados.

As limitações inerentes ao método do registro alimentar, como a necessidade de intensa cooperação do participante, poderiam levar a prejuízos na qualidade dos dados de consumo alimentar. Durante a coleta de dados foram desenvolvidos procedimentos que garantiram a qualidade dos dados, uma vez que os registros alimentares eram detalhadamente revisados por nutricionistas treinados que esclareciam as anotações que poderiam gerar dúvidas, como dados incompletos ou incompreensíveis; adicionalmente, foram adotados critérios para crítica dos dados como a identificação de ingestão energética implausível2323. Andrade RG, Pereira RA, Sichieri R. Consumo alimentar de adolescentes com e sem sobrepeso do Município do Rio de Janeiro. Cad Saúde Pública 2003; 19(5): 1485-95..

Um ponto forte do presente trabalho é a representatividade das amostras investigadas. Utilizando o mesmo desenho amostral, em 2003 e em 2008 foram selecionadas amostras probabilísticas de adolescentes matriculados entre a 5a série do ensino fundamental e 3º ano do ensino médio de escolas públicas do município de Niterói. Considera-se, portanto, que os resultados apresentados podem ser generalizados para esse grupo da população.

O estudo de painel também é uma característica positiva deste estudo. Estudos de painel são constituídos por inquéritos transversais repetidos que fornecem um meio para compreender a dinâmica das mudanças em aspectos específicos da população4343. Bynner J. Panel study. In: Jupp J. The SAGE dictionary of social research methods. Londres: Sage Publications; 2006. p. 211-12.. Assim, este estudo tem o mérito de enfocar mudanças no consumo de bebidas de adolescentes ao longo do tempo, uma área de investigação pouco privilegiada no país.

A presente análise tem o mérito de avaliar as variações no consumo de bebidas no período de 2003 a 2008, o qual se caracterizou por importantes mudanças no cenário social e econômico do país, as quais atingiram principalmente os grupos menos favorecidos economicamente4444. Brasil. Economia Brasileira em perspectiva. Brasília: Ministério da Fazenda; 2010.,4545. Silva MOS. Pobreza, desigualdade e políticas públicas: caracterizando e problematizando a realidade brasileira. Rev Katál 2010; 13(2): 155-63. como é o caso dos estudantes de escolas públicas avaliados, os quais experimentaram aumento do poder de compra, o que poderia explicar, pelo menos parcialmente, o aumento no consumo de bebidas processadas, especialmente, os refrigerantes e os refrescos à base de xarope de guaraná.

Os achados do presente estudo são coerentes com as características da dieta típica do processo que vem sendo conhecido como transição nutricional, relatada em diversas partes do mundo4646. Popkin BM. The nutrition transition and obesity in the developing world. J Nutr 2001; 131(Suppl 3): 871S-3S.,4747. Wang Y, Monteiro C, Popkin BM. Trends of obesity and underweight in older children and adolescents in the United States, Brazil, China, and Russia. Am J Clin Nutr 2002; 75(6): 971-7. e que também vem sendo observado no Brasil nas últimas décadas1414. Levy RB, Castro IRR, Cardoso LO, Tavares LF, Sardinha LMV, Gomes FS, et al. Consumo e comportamento alimentar entre adolescentes brasileiros: Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), 2009. Ciênc Saúde Colet 2010; 15(Suppl 2): S3085-97.,4848. Guimarães LV, Barros MBA. As diferenças de estado nutricional em pré-escolares de rede pública e a transição nutricional. J Pediatr 2001; 77(5): 381-6.,4949. Kac G, Velásquez-Meléndez G. A transição nutricional e a epidemiologia da obesidade na América Latina. Cad Saúde Pública 2003; 19(Suppl 1): S4-5.. Esse processo se caracteriza por modificações na dieta e no padrão de atividade física que contribuem para o aumento das taxas de obesidade e de doenças crônicas não transmissíveis relacionadas com a nutrição. Dentre essas mudanças destaca-se o aumento do consumo de bebidas com adição de açúcar, cujo efeito sobre a saúde vem sendo relatado em diferentes contextos66. Malik VS, Schulze MB, Hu FB. Intake of sugar-sweetened beverages and weight gain: a systematic review. Am J Clin Nutr 2006; 84(2): 274-88.,3333. Vartanian LR, Schwartz MB, Brownell KD. Effects of soft drink consumption on nutrition and health: a systematic review and meta-analysis. Am J Public Health 2007; 97(4): 667-75.,3131. Wang ML, Lemon SC, Olendzki B, Rosal MC. Beverage-consumption patterns and associations with metabolic risk factors among low-income Latinos with uncontrolled type 2 diabetes. J Acad Nutr Diet 2013; 113(12): 1695-703..

CONCLUSÃO

As principais mudanças no perfil de consumo de bebidas entre os adolescentes de Niterói na primeira década do século XXI foram a tendência para redução do consumo de leite e o aumento no consumo das bebidas processadas e das bebidas alcoólicas. Destaca-se também o deslocamento do consumo de refrigerante para os dias de semana e o incremento no consumo das bebidas à base de xarope de guaraná.

Esse aspecto particular do consumo alimentar de adolescentes, mudanças ao longo do tempo, vem sendo pouco estudado no Brasil e os resultados apresentados contribuem para fundamentar iniciativas voltadas para o incentivo das práticas alimentares saudáveis nessa faixa etária, as quais devem incluir o consumo de bebidas como um dos alvos de atenção.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Colucci ACA, Cesar CLG, Marchioni DML, Fisberg RM. Relação entre o consumo de açúcares de adição e a adequação da dieta de adolescentes residentes no município de São Paulo. Rev Nutr 2011; 24(2): 219-31.
  • 2
    Alcântara Neto OD, Silva RC, Assis AM, Pinto EJ. Factors associated with dyslipidemia in children and adolescents enrolled in public schools of Salvador, Bahia. Rev Bras Epidemiol 2012; 15(2): 335-45.
  • 3
    Cardoso Chaves O, Franceschini SC, Machado RRS, Ferreira RSAL, Garçon FC, Priore SE. Anthropometric and biochemical parameters in adolescents and their relationship with eating habits and household food availability. Nutr Hosp 2013; 28(4): 1352-6.
  • 4
    Pinto SL, Silva RC, Priore SE, Assis AM, Pinto EJ. Prevalence of pre-hypertension and arterial hypertension and evaluation of associated factors in children and adolescents in public schools in Salvador, Bahia State, Brazil. Cad Saúde Pública 2011; 27(6): 1065-75.
  • 5
    Cassady BA, Considine RV, Mattes RD. Beverage consumption, appetite, and energy intake: what did you expect? Am J Clin Nutr 2012; 95(3): 587-93.
  • 6
    Malik VS, Schulze MB, Hu FB. Intake of sugar-sweetened beverages and weight gain: a systematic review. Am J Clin Nutr 2006; 84(2): 274-88.
  • 7
    Frary CD, Johnson RK, Wang MQ. Children and adolescents' choices of foods and beverages high in added sugars are associated with intakes of key nutrients and food groups. J Adolesc Health 2004; 34(1): 56-63.
  • 8
    Fiorito LM, Marini M, Mitchell DC, Smiciklas-Wright H, Birch LL. Girls' early sweetened carbonated beverage intake predicts different patterns of beverage and nutrient intake across childhood and adolescence. J Am Diet Assoc 2010; 110(4): 543-50.
  • 9
    Duffey KJ, Gordon-Larsen P, Steffen LM, Jacobs Junior DR, Popkin BM. Drinking caloric beverages increases the risk of adverse cardiometabolic outcomes in the Coronary Artery Risk Development in Young Adults (CARDIA) Study. Am J Clin Nutr 2010; 92(4): 954-9.
  • 10
    Jia M, Wang C, Zhang Y, Zheng Y, Zhang L, Huang Y, et al. Sugary beverage intakes and obesity prevalence among junior high school students in Beijing: a cross-sectional research on SSBs intake. Asia Pac J Clin Nutr 2012; 21(3): 425-30.
  • 11
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar - PENSE 2012. Rio de Janeiro: IBGE; 2012. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/pense/2012/ (Acessado em 25 de setembro de 2015).
    » http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/pense/2012/
  • 12
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares POF 2008-2009. Análise do Consumo Alimentar Pessoal no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE; 2011. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/pof/2008_2009_analise_consumo/ (Acessado em 25 de setembro de 2015).
    » http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/pof/2008_2009_analise_consumo/
  • 13
    Pereira RA, Duffey KJ, Sichieri R, Popkin BM. Sources of excessive saturated fat, trans fat and sugar consumption in Brazil: an analysis of the first Brazilian nationwide individual dietary survey. Public Health Nutr 2014 ;17(1): 113-21.
  • 14
    Levy RB, Castro IRR, Cardoso LO, Tavares LF, Sardinha LMV, Gomes FS, et al. Consumo e comportamento alimentar entre adolescentes brasileiros: Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), 2009. Ciênc Saúde Colet 2010; 15(Suppl 2): S3085-97.
  • 15
    Barquera S, Hernandez-Barrera L, Tolentino ML, Espinosa J, Ng SW, Rivera JA, et al. Energy intake from beverages is increasing among Mexican adolescents and adults. J Nutr 2008; 138(12): 2454-61.
  • 16
    Nielsen SJ, Popkin BM. Changes in beverage intake between 1977 and 2001. Am J Prev Med 2004; 27(3): 205-10.
  • 17
    Alvarez MM, Vieira AC, Sichieri R, Veiga GV. Prevalence of metabolic syndrome and of its specifc components among adolescents from Niterói City, Rio de Janeiro State, Brazil. Arq Bras Endocrinol Metabol 2011; 55(2): 164-70.
  • 18
    Habicht JP. Estandartización de métodos epidemiológicos Ccuantitativos sobre el terreno. Bol Oficina Sanit Panam 1974; 76(5): 375-84.
  • 19
    Onis M, Onyango AW, Borghi E, Syyan A, Nishida C, Siekmann J. Development of a WHO growth reference for school-aged children and adolescents. Bull World Health Organ 2007; 85(9): 660-7.
  • 20
    Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação, Universidade de Campinas. Tabela Brasileira de Composição de Alimentos TACO. 4 ed. Campinas: NEPA/UNICAMP; 2011.
  • 21
    Philippi ST. Tabela de composição química de alimentos: suporte para decisão nutricional. Brasília: ANVISA; 2001.
  • 22
    Pinheiro ABV, Lacerda EMA, Benzecry EH, Gomes MCS, Costa VM. Tabela para avaliação de consumo em medidas caseiras. 5 ed. São Paulo: Atheneu; 2004.
  • 23
    Andrade RG, Pereira RA, Sichieri R. Consumo alimentar de adolescentes com e sem sobrepeso do Município do Rio de Janeiro. Cad Saúde Pública 2003; 19(5): 1485-95.
  • 24
    Nielsen MC, Neumark-Sztainer D, Hannan PJ, Story M. Five-year longitudinal and secular shifts in adolescent beverage intake: findings from project EAT (Eating Among Teens)-II. J Am Diet Assoc 2009; 109(2): 308-12.
  • 25
    Abreu S, Santos R, Moreira C, Santos PC, Vale S, Soares-Miranda L, et al. Relationship of milk intake and physical activity to abdominal obesity among adolescents. Pediatr Obes 2014; 9(1): 71-80.
  • 26
    Carmo MB, Toral N, Silva MV, Slater B. Consumo de doces, refrigerantes e bebidas com adição de açúcar entre adolescentes da rede pública de ensino de Piracicaba, São Paulo. Rev Bras Epidemiol 2006; 9(1): 121-30.
  • 27
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de saúde do Escolar. Rio de Janeiro: IBGE; 2009. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/pense/ (Acessado em 25 de setembro de 2015).
    » http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/pense/
  • 28
    Wang YC, Bleich SN, Gortmaker SL. Increasing caloric contribution from sugar-sweetened beverages and 100% fruit juices among US children and adolescents, 1988-2004. Pediatrics 2008; 121(6): e1604-14.
  • 29
    Cavadini C, Siega-Riz AM, Popkin BM. US adolescent food intake trends from 1965 to 1996. Arch Dis Child 2000; 83(18): 18-24.
  • 30
    Louzada MLC, Martins APB, Canella DS, Baraldi LG, Levy RB, Claro RM, et al. Alimentos ultraprocessados e perfil nutricional da dieta no Brasil. Rev Saúde Pública 2015; 49: 38.
  • 31
    Wang ML, Lemon SC, Olendzki B, Rosal MC. Beverage-consumption patterns and associations with metabolic risk factors among low-income Latinos with uncontrolled type 2 diabetes. J Acad Nutr Diet 2013; 113(12): 1695-703.
  • 32
    Di Meglio DP, Mattes RD. Liquid versus solid carbohydrate: effects on food intake and body weight. Int J Obes Relat Metab Disord 2000; 24(6): 794-800.
  • 33
    Vartanian LR, Schwartz MB, Brownell KD. Effects of soft drink consumption on nutrition and health: a systematic review and meta-analysis. Am J Public Health 2007; 97(4): 667-75.
  • 34
    Carlini EA (supervisor). II Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil: estudo envolvendo as 108 maiores cidades do país, 2005. Brasília: Secretaria Nacional Antidrogas; 2007.
  • 35
    World Health Organization. Global Status Report on Alcohol 2004. Geneva: World Health Organization; 2004.
  • 36
    Caetano R, Babor TF. Diagnosis of alcohol dependence in epidemiological surveys: an epidemic of youthful alcohol dependence or a case of measurement error? Addiction 2006; 101(Suppl 1): S111-4.
  • 37
    Beaton GH, Milner J, McGuire V, Feather TE, Little JA. Source of variance in 24-hour dietary recall data: implications for nutrition study design and interpretation: carbohydrate sources, vitamins, and minerals. Am J Clin Nutr 1983; 37(6): 986-95.
  • 38
    Dodd KW, Guenther PM, Freedman LS, Subar AF, Kipnis V, Midthune D, et al. Statistical methods for estimating usual intake of nutrients and foods: a review of the theory. J Am Diet Assoc 2006; 106(10): 1640-50.
  • 39
    Haines PS, Hama MY, Guilkey DK, Popkin BM. Weekend eating in the United States is linked with greater energy, fat, and alcohol intake. Obes Res 2003; 11(8): 945-9.
  • 40
    Rothausen BW, Matthiessen J, Hoppe C, Brockhoff PB, Andersen LF, Tetens I. Differences in Danish children's diet quality on weekdays v. weekend days. Public Health Nutr 2012; 15(9): 1653-60.
  • 41
    Collaço JHL. Um olhar antropológico sobre o hábito de comer fora. Campos 2003; 4: 171-94.
  • 42
    Lwanga SK, Lemeshow S. Sample size determination in health studies: a practical manual. Geneva: World Health Organization; 1991.
  • 43
    Bynner J. Panel study. In: Jupp J. The SAGE dictionary of social research methods. Londres: Sage Publications; 2006. p. 211-12.
  • 44
    Brasil. Economia Brasileira em perspectiva. Brasília: Ministério da Fazenda; 2010.
  • 45
    Silva MOS. Pobreza, desigualdade e políticas públicas: caracterizando e problematizando a realidade brasileira. Rev Katál 2010; 13(2): 155-63.
  • 46
    Popkin BM. The nutrition transition and obesity in the developing world. J Nutr 2001; 131(Suppl 3): 871S-3S.
  • 47
    Wang Y, Monteiro C, Popkin BM. Trends of obesity and underweight in older children and adolescents in the United States, Brazil, China, and Russia. Am J Clin Nutr 2002; 75(6): 971-7.
  • 48
    Guimarães LV, Barros MBA. As diferenças de estado nutricional em pré-escolares de rede pública e a transição nutricional. J Pediatr 2001; 77(5): 381-6.
  • 49
    Kac G, Velásquez-Meléndez G. A transição nutricional e a epidemiologia da obesidade na América Latina. Cad Saúde Pública 2003; 19(Suppl 1): S4-5.

  • Fonte de financiamento: Apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) processo n° 283/02 (pesquisa 2003) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) processo n° 27/08 (pesquisa 2008).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    17 Mar 2015
  • Aceito
    14 Dez 2015
Associação Brasileira de Pós -Graduação em Saúde Coletiva São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revbrepi@usp.br