Feminicídios na cidade de Porto Alegre: Quantos são? Quem são?

Ane Freitas Margarites Stela Nazareth Meneghel Roger Flores Ceccon Sobre os autores

RESUMO:

Objetivo:

Quantificar e tipificar os feminicídios ocorridos no município de Porto Alegre entre 2006 e 2010.

Métodos:

Estudo transversal que identifica as características sociodemográficas das vítimas e dos agressores e as circunstâncias de mortes femininas por agressão obtidas em inquéritos policiais na cidade de Porto Alegre. As análises estatísticas foram realizadas por meio do software SPSS, versão 20.0, utilizando o teste χ2 e considerando significativo p<0,05.

Resultados:

Dos 89 inquéritos analisados, 64 mortes (72%) foram categorizadas como feminicídios. A maioria das vítimas era jovem, com baixa escolaridade e exercia ocupações pouco valorizadas socialmente. Elas tinham histórico de violências perpetradas por parceiro íntimo e um quarto delas havia registrado boletim de ocorrência policial.

Conclusão:

Esses dados indicam a magnitude desse crime e a necessidade de identificar situações de risco e prevenir desfechos letais.

Palavras-chave:
Violência contra a mulher; Homicídio; Gênero e saúde

INTRODUÇÃO

Femicídio é um conceito de cunho político e legal que designa assassinatos pautados em gênero ou mortes femininas por agressão cujo determinante decorre do fato de a vítima ser mulher. Compreende um vasto conjunto de situações, não apenas as ocorridas no ambiente doméstico ou familiar. A morte das mulheres representa a etapa final de um continuum em que pode haver estupro; tortura; mutilação; violência física, emocional e/ou sexual; incesto; assédio sexual; mutilação genital; cirurgias ginecológicas desnecessárias; heterossexualidade compulsória; esterilização e/ou maternidade forçadas; cirurgias psíquicas e cosméticas. Sempre que alguma dessas violências resultarem em morte, tem-se um femicídio11. Russel D, Caputti J. Femicide: The Politics of Women Killing. New York: Twayne Publisher; 1992..

O debate acerca do uso do termo femicídio ou feminicídio ainda é recente por se tratar de um conceito relativamente novo. Militantes mexicanas pelo direito das mulheres22. Lagarde M. Antropología, feminismo y política: violência feminicida y derechos humanos de las mujeres. In: Bullen C, Mintegui CD, editors. Retos teóricos y nuevas practicas. España: Ankulegi Antropologia Elkartea; 2008. p. 209-39. propuseram o uso do termo femicídio para designar quaisquer assassinatos de mulheres e feminicídio para indicar os assassinatos de mulheres em razão do gênero, nos quais há negligência do Estado, o que permite considerá-los crimes de lesa-humanidade. Embora em pesquisas e trabalhos anteriores tenhamos optado pela denominação femicídio33. Meneghel SN, Hirakata VN. Femicides: female homicide in Brazil. Rev Saude Pública 2011; 45(3): 564-74.,44. Leites GT, Meneghel SN, Hirakata VN. Homicídios femininos no Rio Grande do Sul, Brasil. Rev Bras Epidemiol 2014; 17(3): 642-53.,55. Meneghel SN. Femicídios e outros assassinatos pautados em gênero no Rio Grande do Sul. [Projeto de pesquisa]. Porto Alegre: UFRGS; 2010..66. Meneghel SN, Ceccon RF, Hesler LZ, Margarites AF, Rosa S. Femicídios: narrativas de crimes de gênero. Interface 2013; 17(46): 523-33., a partir da escolha legal brasileira pelo conceito feminicídio na criação da recente lei, adotou-se essa terminologia77. Brasil. Presidência da República. Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015. Altera o art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1.º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos. Brasília; 2015..

O feminicídio está previsto na legislação desde a entrada em vigor da Lei nº 13.104/2015, que prevê esse tipo de crime como circunstância qualificadora do homicídio. Assim, o feminicídio é considerado o assassinato de uma mulher cometido por razões da condição de sexo feminino, isto é, quando o crime envolve violência doméstica e familiar e/ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher77. Brasil. Presidência da República. Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015. Altera o art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1.º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos. Brasília; 2015.. Enquanto os homicídios simples têm pena de 6 a 20 anos, os homicídios qualificados têm de 12 a 30 anos. Os crimes hediondos são inafiançáveis, sem possibilidade de redução de pena e sujeitos a agravantes, com aumento da pena em 1/3 quando o feminicídio é cometido durante a gestação ou até 3 meses após o parto, com menores de 14 anos, com maiores de 60 anos, com pessoas com deficiência e na presença de ascendentes ou descendentes da vítima77. Brasil. Presidência da República. Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015. Altera o art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1.º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos. Brasília; 2015..

A elaboração da lei resultou de um longo processo de trabalho e mobilização social entre os grupos que atuam no campo de gênero, feminismo e direito das mulheres e, mesmo o Brasil sendo um dos países que mais registram homicídios de mulheres88. Agência Patrícia Galvão. Dossiê violência contra as mulheres. [Internet]. Disponível em: Disponível em: http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/dossie/violencias/feminicidio (Acesso em: 7 de abril de 2016).
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,99. Waiselfisz JJ. Mapa da Violência 2012: Os novos Padrões da Violência Homicida no Brasil. Caderno complementar 1. Homicídio de mulheres no Brasil. 2012. [Internet]. Disponível em: Disponível em: http://www.mapadaviolencia.org.br (Acesso em: 10 de junho de 2015).
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, a iniciativa da lei foi recebida com críticas por parte de setores mais conservadores do campo jurídico1010. Cabette ELS. Feminicídio. Lei 13.104/15 consagra a demagogia legislativa e direito penal simbólico mesclado com o politicamente correto. [Internet]. Disponível em: Disponível em: https://jus.com.br/artigos/37148/feminicidio (Acesso em: 1º de janeiro de 2016).
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. Atualmente, além do Brasil, 14 países das Américas elaboraram leis que versam sobre o feminicídio: Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Peru e Venezuela1111. Brasil. Ministério da Justiça. A violência doméstica fatal: o problema do feminicídio íntimo no Brasil. Brasília: Centro de Estudos sobre o Sistema de Justiça; 2015..

Em âmbito mundial, são estimados 66.000 assassinatos de mulheres a cada ano, representando 17% do total de mortes por agressão. Mais da metade dos homicídios de mulheres corresponde a feminicídios, fenômeno que apresenta grande variação nas diferentes regiões do mundo. Há 25 países cujas taxas são muito altas; metade deles localizam-se no Caribe, na América Central e na América do Sul, regiões consideradas, por esse motivo, muito perigosas para as mulheres. Entre os países estão El Salvador, Jamaica, Guatemala, Honduras, Pequenas Antilhas, Colômbia, Bolívia, Bahamas e Brasil1212. Geneva Declaration of Armed Violence. Global Burden of Armed Violence. When the victims is a women. 2011:113-44. [Internet]. Disponível em: Disponível em: http://www.genevadeclaration.org/fileadmin/docs/GBAV2/GBAV2011_CH4.pdf (Acesso em: setembro de 2013).
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,1313. Mathew S. “Cada seis horas”: femicidio íntimo en África del Sur. PATH; 2009. [Internet]. Disponível em: Disponível em: http://docplayer.es/18259704-Fortaleciendo-la-comprension-del-femicidio-de-la-investigacion-a-la-accion.html (Acesso em: 7 de junho de 2015).
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,1414. Prieto-Carrón M, Thomson M, Mac Donald M. No more killings! Women respond to femicides in Central America. Gend Dev 2007; 15(1): 25-40.,1515. Velez-Guzman Y. Feminicidios en Medellín, 2010-2011: conceptualización, caracterización y análisis. Rev Crim 2012; 54(2): 13-26.. El Salvador apresentou as taxas mais altas das Américas em 2006: 13/100.000 mulheres, superior ao patamar de 6/100.0001212. Geneva Declaration of Armed Violence. Global Burden of Armed Violence. When the victims is a women. 2011:113-44. [Internet]. Disponível em: Disponível em: http://www.genevadeclaration.org/fileadmin/docs/GBAV2/GBAV2011_CH4.pdf (Acesso em: setembro de 2013).
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,1313. Mathew S. “Cada seis horas”: femicidio íntimo en África del Sur. PATH; 2009. [Internet]. Disponível em: Disponível em: http://docplayer.es/18259704-Fortaleciendo-la-comprension-del-femicidio-de-la-investigacion-a-la-accion.html (Acesso em: 7 de junho de 2015).
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,1414. Prieto-Carrón M, Thomson M, Mac Donald M. No more killings! Women respond to femicides in Central America. Gend Dev 2007; 15(1): 25-40.,1515. Velez-Guzman Y. Feminicidios en Medellín, 2010-2011: conceptualización, caracterización y análisis. Rev Crim 2012; 54(2): 13-26..

No Brasil, dados apresentados no Mapa da Violência99. Waiselfisz JJ. Mapa da Violência 2012: Os novos Padrões da Violência Homicida no Brasil. Caderno complementar 1. Homicídio de mulheres no Brasil. 2012. [Internet]. Disponível em: Disponível em: http://www.mapadaviolencia.org.br (Acesso em: 10 de junho de 2015).
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revelam que nos 30 anos decorridos entre 1980 e 2010 foram assassinadas mais de 92 mil mulheres. Na última década, foram 43,7 mil, representando um aumento de 230%. Esses dados mostram o montante de homicídios femininos, porém não indicam quantos são feminicídios. Em sua maioria, as mulheres em maior risco de serem assassinadas são jovens, migrantes, negras ou pertencentes a etnias minoritárias e em situação de vulnerabilidade econômica ou social. Os agressores são parceiros íntimos atuais ou passados, familiares, autores de violência sexual, proxenetas, traficantes de pessoas e criminosos ligados ao tráfico1313. Mathew S. “Cada seis horas”: femicidio íntimo en África del Sur. PATH; 2009. [Internet]. Disponível em: Disponível em: http://docplayer.es/18259704-Fortaleciendo-la-comprension-del-femicidio-de-la-investigacion-a-la-accion.html (Acesso em: 7 de junho de 2015).
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,1616. Carcedo A, editor. No olvidamos niaceptamos: Femicídio en Centroamérica, 2000-2006. San José: Associación Cetroamericana de Información y Acción; 2010.,1717. Álvarez MD, D’Angelo A. El femicidio em Nicaragua. Abordaje y propuesta de indicadores para la acción / PATH. Managua: InterCambios; 2010..

Feminicídios perpetrados por parceiros íntimos são comuns em culturas pautadas na honra, em que os homens matam as mulheres quando acreditam que elas não cumpriram os papéis de gênero designados socialmente, quando elas querem separar-se ou mantiveram relações extraconjugais1818. Correa M. Morte em família. Rio de Janeiro: Edições Graal; 1983.. Os feminicídios são mais frequentes quando as relações de gênero são rígidas e tradicionais e as mulheres ocupam posição de subordinação1616. Carcedo A, editor. No olvidamos niaceptamos: Femicídio en Centroamérica, 2000-2006. San José: Associación Cetroamericana de Información y Acción; 2010.,1919. Carcedo A, Sagot M. Femicidio en Costa Rica: balance mortal. Med Leg 2002; 19(1): 5-16.,2020. Carcedo A, Sagot M. Femicidio en Costa Rica 1990-1999. Washington, D.C.: Organización Panamericana de la Salud; 2000. (Colección Teórica, 1).; e em cenários em que há relações desiguais de poder entre os gêneros, permanecendo o domínio dos homens sobre as mulheres.

As informações contidas na declaração de óbito disponibilizam dados relativos à idade, ao sexo, ao estado civil, à profissão e ao local de residência da vítima, não incluindo o autor do homicídio. Em muitas situações os médicos legistas não declaram o homicídio como causa da morte, caracterizando esses óbitos como mortes por causas externas não especificadas2121. Brasil. Ministério da Justiça. Homicídios no Brasil: registro e fluxo de informações. Brasília: Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de Segurança Pública; 2013.. Os dados oriundos do sistema de mortalidade não permitem, portanto, caracterizar os feminicídios, tornando invisível a questão de gênero associada a essas mortes.

Como não há estimativas brasileiras sobre a proporção de mulheres assassinadas em razão de questões de gênero ou qual é a fração de feminicídios entre o total dos homicídios de mulheres, pesquisadores33. Meneghel SN, Hirakata VN. Femicides: female homicide in Brazil. Rev Saude Pública 2011; 45(3): 564-74.,44. Leites GT, Meneghel SN, Hirakata VN. Homicídios femininos no Rio Grande do Sul, Brasil. Rev Bras Epidemiol 2014; 17(3): 642-53.,99. Waiselfisz JJ. Mapa da Violência 2012: Os novos Padrões da Violência Homicida no Brasil. Caderno complementar 1. Homicídio de mulheres no Brasil. 2012. [Internet]. Disponível em: Disponível em: http://www.mapadaviolencia.org.br (Acesso em: 10 de junho de 2015).
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,2222. Garcia LP, Freitas LRS, Da Silva GD, Höfelmann DA. Violência contra a mulher: feminicídios no Brasil. IPEA; 2014. [Internet]. Disponível em: Disponível em: https://fusiondotnet.files.wordpress.com/2014/09/130925_sum_estudo_feminicidio_leilagarcia.pdf (Acesso em: 13 de maio de 2015).
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consideram a totalidade dos óbitos femininos por agressão como indicador aproximado do número de feminicídios, um recurso que pode incorrer tanto em superdimensionamento do agravo (quando o sistema de informação de mortalidade é bastante fidedigno e está situado em região onde a violência letal contra a mulher não tem elevada prevalência) quanto em subdimensionamento (quando nem todas as mortes são registradas).

A inexistência de estudos que quantifiquem os feminicídios na sociedade brasileira e de uma classificação que permita identificar os assassinatos pautados em gênero1111. Brasil. Ministério da Justiça. A violência doméstica fatal: o problema do feminicídio íntimo no Brasil. Brasília: Centro de Estudos sobre o Sistema de Justiça; 2015. são razões que motivaram a realização deste trabalho, cujo objetivo foi quantificar e tipificar os feminicídios no município de Porto Alegre.

MÉTODOS

Este é um estudo transversal que apresenta informações relativas às características sociodemográficas das vítimas e dos agressores e às circunstâncias dos assassinatos de mulheres, além de identificar a fração dos óbitos considerada feminicídio. Identificaram-se cenários de maior vulnerabilidade para a ocorrência das mortes, e os óbitos classificados como feminicídios foram comparados com outros crimes femininos por agressão, nas quais o gênero não foi determinante.

Os dados foram obtidos em inquéritos policiais de mulheres assassinadas na cidade de Porto Alegre no período de 2006 a 2010. A entrada em campo foi negociada com o delegado titular da única Delegacia de Homicídios existente no momento do início do estudo, e os inquéritos referentes a assassinatos de todas as pessoas do sexo feminino foram solicitados, sendo disponibilizados paulatinamente para consulta local. Foram obtidos 89 inquéritos policiais concluídos referentes a assassinatos de mulheres no período estudado. A busca de dados na Delegacia de Homicídios estendeu-se de 2010 a 2013, encerrando-se a coleta pela dificuldade de encontrar inquéritos adicionais. No momento da coleta de dados, os inquéritos eram lidos em voz alta e gravados em áudio para diminuir o tempo de permanência da equipe de pesquisa na delegacia e para não interferir nas atividades dos policiais. Não foi usado um roteiro específico para a coleta de dados, compilando-se a ficha de identificação dos casos e o relatório final dos inquéritos com a síntese do processo e a versão final elaborada pela autoridade policial, com indicação de um indiciado, encaminhamento ao Ministério Público ou encerramento do documento por falta de informações e provas.

Organizou-se um banco de dados contendo informações referentes à vítima, ao agressor e ao crime, e os crimes foram categorizados como feminicídio ou outro tipo de homicídio feminino. As variáveis selecionadas foram: idade, cor da pele, escolaridade e bairro de residência das vítimas e dos agressores. Em relação ao crime foi incluído local, método utilizado, história de violência física e sexual, denúncia prévia, relação do agressor com a vítima e indiciamento do autor.

As análises estatísticas foram realizadas por meio do software SPSS, versão 20.0, utilizando o teste χ2 e objetivando comparar as características dos assassinatos classificados como feminicídios com os demais homicídios femininos. As variáveis “violências prévias” e “denúncia prévia à polícia” estiveram ausentes nos homicídios comuns, portanto não se aplicou teste estatístico para comparar os grupos, assim como para “escolaridade”, cujo percentual de informação ignorada foi alto.

Os feminicídios foram categorizados por meio da análise dos dados contidos nos inquéritos, caso a caso. Os critérios para a classificação pautaram-se no estudo de Ana Carcedo1616. Carcedo A, editor. No olvidamos niaceptamos: Femicídio en Centroamérica, 2000-2006. San José: Associación Cetroamericana de Información y Acción; 2010. e incluíram assassinatos de mulheres perpetrados por parceiro íntimo atual ou passado, em que o autor confessou ou havia provas contra ele; mortes com violência sexual, incluindo assassinatos de prostitutas em seu local de trabalho; mortes em que houve mutilação genital ou desfiguramento do rosto da vítima; uso desproporcional dos meios letais; e execuções relacionadas ao tráfico, nas quais se considerou que o fato de ser mulher potencializou o crime. Os assassinatos que não foram considerados feminicídios incluíram mortes acidentais em tiroteios, brigas, latrocínio ou mesmo execuções em que a questão de gênero não era comprovadamente o fator desencadeador da violência.

O artigo faz parte de uma pesquisa maior intitulada “Femicídios - Homicídios de mulheres no Rio Grande do Sul”55. Meneghel SN. Femicídios e outros assassinatos pautados em gênero no Rio Grande do Sul. [Projeto de pesquisa]. Porto Alegre: UFRGS; 2010.. Neste estudo não há conflito de interesses, e o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Escola de Saúde Pública sob o número 473/09.

RESULTADOS

Este estudo partiu da estimativa de que seriam encontrados aproximadamente 200 inquéritos policiais, dado referente às mortes femininas por agressão registradas no Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) para a cidade de Porto Alegre no período de 2006 a 2010. Todas as mortes femininas foram consideradas parâmetro de busca e indicador indireto do feminicídio, já que este pode ocorrer em qualquer idade da vítima, atingindo também crianças e idosas. Porém, foram disponibilizados pela Delegacia de Homicídios apenas 89 inquéritos, representando menos da metade das mulheres mortas por agressão no período. Na Tabela 1, apresentam-se os números de mortes femininas por agressão disponíveis no SIM do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde do Brasil (DATASUS) segundo local de residência (207), local de ocorrência (238) e os dados dos inquéritos (89), que correspondem a 43% do total de mortes femininas por agressão segundo o local em que vivem.

Tabela 1:
Óbitos femininos por agressão (Sistema de Informação de Mortalidade do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde do Brasil) e inquéritos (Delegacia de Homicídios/Secretaria de Segurança Pública), Porto Alegre, 2006-2010.

Portanto, as informações apresentadas neste artigo referem-se a 89 inquéritos policiais de assassinatos femininos ocorridos em Porto Alegre no período de 2006 a 2010. A classificação das mortes femininas permitiu categorizar 64 casos como feminicídios, representando 72% do total dos inquéritos estudados. A maioria dos feminicídios (39 mortes) foi classificada como íntimo, ou seja, são crimes que foram perpetrados por parceiros atuais ou passados - maridos, namorados, noivos ou ficantes. Das 21 mortes que ocorreram em ambientes públicos, 10 apresentaram violência sexual (sendo que 8 dessas 10 vítimas eram prostitutas) e 10 foram execuções de mulheres em ambientes de tráfico, em que o fato de ser mulher foi o determinante da morte.

Em relação às características demográficas, vítimas e agressores eram predominantemente jovens, embora os perpetradores sejam um pouco mais velhos que as mulheres. Observou-se que, proporcionalmente, morrem mais mulheres jovens por feminicídio do que nos demais homicídios femininos, já que 84% (54) das vítimas tinham menos de 40 anos, enquanto nos demais este percentual foi de 56% (15 óbitos). As mulheres negras representam 20% da população feminina de Porto Alegre2323. Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre. Proporção de mulheres negras em Porto Alegre. 2010. [Internet]. Disponível em: Disponível em: http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/sms/usu_doc/pms.pdf (Acesso em: 1.º de junho de 2015).
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, havendo, portanto, sobremortalidade de negras em todos os tipos de homicídios, representando 23% dos feminicídios (15 mulheres) e 60% dos demais assassinatos (15 mulheres). A comparação entre feminicídios e outras mortes femininas apresentou diferenças estatisticamente significativas no que se refere à idade das vítimas e à relação vítima/agressor. Constatou-se que, em 78% dos feminicídios, o agressor era conhecido (50 mortes) (Tabela 2).

Tabela 2:
Mortes por agressão e características demográficas das vítimas e dos agressores. Porto Alegre, 2006-2010.

A Tabela 3 mostra os cenários e as características do crime comparando os feminicídios com as outras mortes. O local mais frequente foi o domicílio da vítima, presente em 67% dos feminicídios (43 mortes) e em 48% dos outros crimes (12 mortes). Embora não se tenha realizado teste estatístico, uma diferença importante entre as vítimas de feminicídios e as outras mulheres foi a história de violência anterior, presente em 83% dos feminicídios (36 casos) e ausente nos demais. Em relação à denúncia prévia dessas violências à autoridade policial, 50% das vítimas (18 mulheres) havia denunciado o agressor por meio de Boletim de Ocorrência. Salienta-se que as mulheres que realizaram a denúncia não eram necessariamente as mesmas em que havia história de violência por parte do agressor.

Tabela 3:
Cenários e características dos crimes, feminicídios e outras mortes por agressão. Porto Alegre, 2006-2010.

DISCUSSÃO

Em 2012, segundo o Mapa da Violência, Porto Alegre ocupava o oitavo lugar no ordenamento nacional das mortes femininas por agressão, com uma taxa de 6,6 homicídios femininos a cada 100 mil mulheres99. Waiselfisz JJ. Mapa da Violência 2012: Os novos Padrões da Violência Homicida no Brasil. Caderno complementar 1. Homicídio de mulheres no Brasil. 2012. [Internet]. Disponível em: Disponível em: http://www.mapadaviolencia.org.br (Acesso em: 10 de junho de 2015).
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. No Mapa da Violência, os dados são oriundos do SIM, não permitindo identificar quantos são feminicídios.

Este estudo permitiu calcular a fração de mortes correspondentes aos assassinatos pautados em gênero, tendo sido identificadas 64 mortes (72%) como feminicídios. Não se encontrou outro estudo brasileiro que calculasse a prevalência de feminicídios a partir de dados do inquérito policial, sendo comum33. Meneghel SN, Hirakata VN. Femicides: female homicide in Brazil. Rev Saude Pública 2011; 45(3): 564-74.,44. Leites GT, Meneghel SN, Hirakata VN. Homicídios femininos no Rio Grande do Sul, Brasil. Rev Bras Epidemiol 2014; 17(3): 642-53.,2121. Brasil. Ministério da Justiça. Homicídios no Brasil: registro e fluxo de informações. Brasília: Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de Segurança Pública; 2013.,2222. Garcia LP, Freitas LRS, Da Silva GD, Höfelmann DA. Violência contra a mulher: feminicídios no Brasil. IPEA; 2014. [Internet]. Disponível em: Disponível em: https://fusiondotnet.files.wordpress.com/2014/09/130925_sum_estudo_feminicidio_leilagarcia.pdf (Acesso em: 13 de maio de 2015).
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usar como indicador do feminicídio o número total de mortes femininas por agressão. O percentual encontrado (72%) é similar ao de outros países, em que 60 a 70% dos homicídios de mulheres correspondem a feminicídios2020. Carcedo A, Sagot M. Femicidio en Costa Rica 1990-1999. Washington, D.C.: Organización Panamericana de la Salud; 2000. (Colección Teórica, 1).. Esse achado permite inferir que 70% das mortes femininas disponíveis no DATASUS podem ser consideradas assassinatos pautados em gênero.

A caracterização das vítimas mostrou que elas são jovens e de baixa renda, e que há uma sobremortalidade de mulheres negras. Embora estas não constituam a maioria numérica das vítimas em Porto Alegre, em que 80% da população se autodeclara branca, elas constituíram 23% das vítimas de feminicídios e 60% das vítimas de outros assassinatos, perfazendo 1/3 do total desses crimes. Esses dados corroboram outros estudos que mostram as maiores taxas de feminicídios em locais onde predomina a vulnerabilidade social, a população negra e os crimes violentos2424. Campbell JC, Glass N, Sharps PW, Laughon K, Bloom T. Intimate partner homicide: review and implications of research and policy. Trauma Violence Abuse 2007; 8(3): 246-69.,2525. Grana SJ. Sociostrutural considerations of domestic femicide. J Fam Violence 2001;16(4): 421-35.,2626. Dobasch RM, Dobasch RP, Cavanagh K, Lewis R. Not an ordinary killer - just an ordinary guy: when men murder an intimate woman partner. Violence Against Women 2004; 10(6): 577-605.. No Brasil, a população negra é vítima prioritária da violência homicida e, enquanto os coeficientes de mortalidade da população branca estão diminuindo, os da população negra estão ascendendo2727. Waiselfisz JJ. Mapa da violência 2015: Homicídios de mulheres no Brasil. Brasília: Flacso; 2015. [Internet]. Disponível em: Disponível em: http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2015/MapaViolencia_2015_mulheres.pdf (Acesso em: 9 de abril de 2016).
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. Além disso, a maioria dos homicídios de mulheres é perpetrada por homens, enquanto menos de 5% das mortes masculinas são de autoria feminina2424. Campbell JC, Glass N, Sharps PW, Laughon K, Bloom T. Intimate partner homicide: review and implications of research and policy. Trauma Violence Abuse 2007; 8(3): 246-69.. Em Porto Alegre, no período estudado, apenas duas mulheres foram autoras de homicídios em que a vítima também era mulher.

Mais da metade dos feminicídios foram íntimos e realizados no domicílio das vítimas. Essas mulheres foram assassinadas em suas casas, a maioria por homens conhecidos com os quais tinham relações de afeto e intimidade2828. Sagot M. Ruta crítica de las mujeres afectadas por la violencia intrafamiliar en América Latina: estudios de caso de diez países.Washington: OPAS; 2000., mostrando que o casal heterossexual é o arranjo que apresenta o maior risco para a mulher11. Russel D, Caputti J. Femicide: The Politics of Women Killing. New York: Twayne Publisher; 1992..

Tem-se observado que a alta frequência de assassinatos de mulheres está acompanhada de elevados níveis de tolerância social à violência2929. Segato RL. Que és um feminicídio. Notas para um debate emergente. Brasília: Universidade Nacional de Brasília; 2006. Série Antropologia, 401. [Internet]. Disponível em: Disponível em: http://www.dan.unb.br/images/doc/Serie401empdf.pdf (Acesso em: 10 de junho de 2015).
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,3030. Monarrez Fragoso J. Feminicidio sexual serial en Ciudad Juarez: 1993-2001. Debate Feminista 2002; 25(13): 1-16. e de agressões e ameaças perpetradas por parceiro íntimo, atual ou passado2626. Dobasch RM, Dobasch RP, Cavanagh K, Lewis R. Not an ordinary killer - just an ordinary guy: when men murder an intimate woman partner. Violence Against Women 2004; 10(6): 577-605.. Nesta pesquisa, 84% das mulheres assassinadas tinham histórico de violência.

A presença de arma no domicílio constitui risco para a ocorrência de um homicídio3131. World Health Organization. Femicidio. Comprender y abordar la violéncia contra las mujeres. [Internet]. Disponível em: Disponível em: http://www.who.int/reproductivehealth/topics/violence/vaw_series/es/ (Acessado em: 13 de junho de 2015).
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. Observou-se, neste estudo, elevada frequência de feminicídios e outras mortes de mulheres produzidas por arma de fogo. Apesar do Estatuto do Desarmamento, o Brasil é o país com o maior número de pessoas mortas por arma de fogo no mundo, constituindo a primeira causa de morte entre os jovens3232. Waiselfisz JJ. Mapa da violência 2015: mortes matadas por armas de fogo. Brasília: Flacso; 2016. [Internet]. Disponível em: Disponível em: http://www.mapadaviolencia.org.br/ (Acessado em: 7 de abril de 2015).
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e o meio utilizado em 48% dos assassinatos de mulheres2727. Waiselfisz JJ. Mapa da violência 2015: Homicídios de mulheres no Brasil. Brasília: Flacso; 2015. [Internet]. Disponível em: Disponível em: http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2015/MapaViolencia_2015_mulheres.pdf (Acesso em: 9 de abril de 2016).
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Atualmente, vivenciamos a emergência de novos cenários para os feminicídios, como os da América Central e do México, em territórios marcados pela violência estrutural1616. Carcedo A, editor. No olvidamos niaceptamos: Femicídio en Centroamérica, 2000-2006. San José: Associación Cetroamericana de Información y Acción; 2010.,3030. Monarrez Fragoso J. Feminicidio sexual serial en Ciudad Juarez: 1993-2001. Debate Feminista 2002; 25(13): 1-16.. Esses tipos de feminicídios também foram observados em Porto Alegre, porém em dimensão menor. Identificaram-se situações similares a regiões em que mulheres são mortas por sua vinculação ao tráfico, por disputarem espaços tipicamente masculinos, por denunciarem os traficantes ou por serem os alvos mais fáceis para vinganças contra companheiros, filhos ou outros familiares.

Nos territórios ocupados pelo tráfico vigora um segundo estado, que opera como milícia, com crueldade e segundo os códigos do patriarcado. Nesse contexto, as mortes e execuções são banalizadas e não têm sido consideradas feminicídios; muitas delas permanecem sem resolução e os inquéritos são encerrados por falta de provas, testemunhas e indícios. O mais preocupante é que essas mortes não são vistas como feminicídios, e essas vítimas são meramente denominadas, tanto pela população quanto pela autoridade policial, como “mortes do tráfico”. Dessa maneira, descaracteriza-se a determinação social e de gênero, retirando-se a conotação política desses assassinatos.

Embora não fosse o objetivo principal deste trabalho, em sua realização foi preciso entender o processo de elaboração de documentos no âmbito policial. O fluxo de um inquérito policial tem início com a realização do boletim de ocorrência, seguido de investigação, registrando-se as informações pertinentes ao processo, que incluem depoimentos de testemunhas, laudos de perícia, declaração de óbito e relatório final. Observou-se grande diversidade entre os inquéritos, havendo os que praticamente foram encerrados sem dados e outros que perfaziam dezenas de páginas.

Um estudo realizado no Brasil2121. Brasil. Ministério da Justiça. Homicídios no Brasil: registro e fluxo de informações. Brasília: Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de Segurança Pública; 2013. sobre os sistemas de informação de homicídios identificou a carência de comunicação e a baixa conectividade entre as organizações responsáveis (saúde e segurança pública) como fatores limitantes para o sistema. Ao iniciar a investigação, a perspectiva era encontrar o mesmo número de inquéritos constantes no SIM, já que todos os homicídios devem ser investigados por meio de um processo que se inicia com a instauração de um inquérito. Foi fornecido ao grupo de pesquisa menos da metade dos inquéritos estimados segundo dados do DATASUS referentes às mortes femininas por agressão de mulheres que moravam em Porto Alegre. Uma das razões pelo menor número de inquéritos encontrados seria o fato de que em algumas situações os registros de morte são realizados em municípios diferentes de onde a vítima foi assassinada.

Muitos inquéritos ainda estavam sendo realizados três anos após o crime. Em termos jurídicos, o inquérito deve ser encerrado em um prazo de 10 dias se o indiciado tiver sido preso em flagrante ou estiver preso preventivamente, ou no prazo de 30 dias quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela3333. Brasil. Código Penal Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais; 2008.. Estudo realizado em Pernambuco3434. Ratton JL, Torres V, Bastos C. Inquérito policial, Sistema de Justiça Criminal e políticas públicas de segurança: dilemas e limites da Governança. Soc Estado 2011; 26(1): 29-58. acompanhando a produção de inquéritos policiais constatou que o tempo médio entre as diferentes fases do procedimento sempre ultrapassa o determinado, sendo feita a remessa do inquérito pela autoridade policial para o Ministério Público em média oito meses depois da data da ocorrência. Em Porto Alegre, a existência de muitos inquéritos não concluídos em 2013 mostra a fragilidade do sistema policial em realizar essas investigações, além de não haver registro específico para os feminicídios, nem mesmo uma categorização ou separação segundo o sexo, dificultando a busca por eles.

Em vários casos, o inquérito foi encerrado em razão da “lei do silêncio”, um fator citado como obstáculo para a busca de informações em Porto Alegre, assim como em outros estudos e locais3434. Ratton JL, Torres V, Bastos C. Inquérito policial, Sistema de Justiça Criminal e políticas públicas de segurança: dilemas e limites da Governança. Soc Estado 2011; 26(1): 29-58.. Houve situações em que os assassinos poderiam ter sido presos ou indiciados, mas facilmente sumiram no tecido urbano, e em 20% dos inquéritos não houve identificação do autor e indiciamento.

A aferição incorreta da magnitude dos assassinatos de mulheres pode levar à falsa impressão de que se trata de evento raro. Para isso, é importante realizar uma tipificação abrangente do feminicídio, incluindo não apenas as mortes provocadas por parceiro íntimo, sob pena de subestimar a real incidência do agravo ao excluir os feminicídios que acontecem em cenários públicos.

CONCLUSÃO

Este trabalho permitiu identificar a fração de feminicídios entre os assassinatos femininos em Porto Alegre, evidenciando não só as elevadas incidências, mas um padrão de violência de gênero que começa a aparecer em cenários públicos, em crimes com violência sexual e em execuções de mulheres em disputas do tráfico.

Embora se saiba que é comum haver divergências entre os sistemas de informação oriundos dos campos da segurança pública e da saúde, consideramos que no estudo dessas mortes devam-se incluir sempre dados do SIM/DATASUS, buscando compatibilizar as informações provenientes dos dois sistemas. Ressalta-se que os inquéritos policiais são a única fonte de informações sobre o agressor e permitem tipificar os feminicídios, embora o estudo deles corresponda a um trabalho minucioso e demorado, com resultados aparentemente simples.

Ainda há uma ideia na sociedade de que a maioria dos feminicídios é de caráter íntimo e ocorre sempre no âmbito privado. As violências estruturais da “etapa apocalíptica do capitalismo”3535. Gago V. Entrevista com Rita Segato. Pedagogia da crueldade. Suplemento de las 12. Los 12. Buenos Aires; 2015. [Internet]. Disponível em: Disponível em: http://www.pagina12.com.ar/diario/suplementos/las12/13-9737-2015-05-29.html (Acessado em: 11 de junho de 2015).
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, que se manifestam por meio da violência, da guerra civil, de um segundo estado, do tráfico, das gangues e das máfias, ainda não têm sido percebidas em sua real dimensão como violência letal para as mulheres. Algumas autoras já se deram conta desses novos tipos de feminicídios e os têm identificado e denunciado1414. Prieto-Carrón M, Thomson M, Mac Donald M. No more killings! Women respond to femicides in Central America. Gend Dev 2007; 15(1): 25-40.,2929. Segato RL. Que és um feminicídio. Notas para um debate emergente. Brasília: Universidade Nacional de Brasília; 2006. Série Antropologia, 401. [Internet]. Disponível em: Disponível em: http://www.dan.unb.br/images/doc/Serie401empdf.pdf (Acesso em: 10 de junho de 2015).
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. Esses cenários já existem no Brasil e estão emergindo em Porto Alegre, e a história de muitas das mortes que foram lidas nos inquéritos policiais de nada diferem dos quadros de crueldade e terror que acontecem na América Central e no México. Portanto, é preciso incorporar esses outros tipos de crime no conceito mais amplo de feminicídio, para não haver o risco de subestimar a real prevalência desse agravo, apresentando um perfil estatístico que não corresponde à realidade.

Esperamos que os resultados deste estudo colaborem para colocar em pauta a necessidade de sistematização adequada de dados referentes aos feminicídios. Ações interinstitucionais são necessárias para que registros dos setores jurídico, policial e da saúde permitam identificar quantos são os feminicídios e quem são essas vítimas, para que se possam produzir estratégias mais acuradas de prevenção desse tipo de crime.

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  • Fonte de financiamento: nenhuma

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    13 Abr 2016
  • Aceito
    28 Nov 2016
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