Agressões nos atendimentos de urgência e emergência em capitais do Brasil: perspectivas do VIVA Inquérito 2011, 2014 e 2017

Isabella Vitral Pinto Paula Dias Bevilacqua Adalgisa Peixoto Ribeiro Ana Pereira dos Santos Regina Tomie Ivata Bernal Deborah Carvalho Malta Sobre os autores

RESUMO:

Objetivos:

Descrever o perfil dos atendimentos por agressões em unidades de urgência e emergência com base nos dados do Inquérito de Violências e Acidentes em Serviços Sentinela de Urgência e Emergência (VIVA Inquérito) 2011, 2014 e 2017 e comparar a evolução de seis indicadores ao longo de quatro (2011 a 2014) e sete anos (2011 a 2017).

Métodos:

Estudo transversal, com dados das três últimas edições do VIVA Inquérito realizadas no Distrito Federal e em 19 capitais do Brasil. Foram selecionados os tipos de ocorrência: agressão/maus-tratos e intervenção por agente público. Calcularam-se as frequências ponderadas das características das pessoas atendidas, das agressões, das lesões e da evolução dos casos, segundo o sexo. As diferenças entre as proporções foram comparadas pelo teste χ2. Também foram selecionados seis indicadores, e avaliou-se sua evolução ao longo dos anos por meio da variação percentual e do intervalo de confiança a 95%.

Resultados:

Em grande parte dos atendimentos por agressão, os indivíduos eram negros, jovens e adultos, em ambos os sexos. A principal natureza das agressões foi física, alcançando mais de 85% em todos os inquéritos, seguida da negligência. Na comparação entre 2011 e 2017, as agressões de natureza negligência tiveram aumento significativo em ambos os sexos e em crianças e idosos; já as agressões de natureza sexual tiveram aumento significativo apenas em crianças.

Conclusões:

O VIVA Inquérito é uma importante ferramenta para o Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes do Brasil, proporcionando evidências para a tomada de decisões em Saúde Coletiva e para o enfrentamento e a prevenção das violências.

Palavras-chave:
Violência; Inquéritos epidemiológicos; Serviços médicos de emergência; Ferimentos e lesões

INTRODUÇÃO

A violência é considerada um problema social que acompanha a humanidade desde seus primórdios. No campo da saúde coletiva, a violência produz importantes impactos de morbimortalidade, acometendo as pessoas em diversas fases da vida. É importante causa de mortes, lesões, sequelas e incapacidades, principalmente entre jovens11. Melo ACM, Garcia LP. Fatores associados a agressões por desconhecidos entre jovens do sexo masculino atendidos em serviços de urgência e emergência: estudo de casos e controles Ciênc Saúde Coletiva 2019; 24(8): 2825-34 http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018248.31172017
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,22. Souza ERD, Meira KC, Ribeiro AP, Santos JD, Guimarães RM, Borges LF, et al. Homicídios de mulheres nas distintas regiões brasileiras nos últimos 35 anos: análise do efeito da idade-período e coorte de nascimento. Ciênc Saúde Coletiva 2017; 22(9): 2949-62. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017229.12392017
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.159...
,33. Krug EG, Dahlberg LL, Mercy JA, Zwi AB, Lozano R. World report on violence and health [Internet]. WHO; 2002 [acessado em 17 out. 2019]. Disponível em: Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/42495/9241545615_eng.pdf;jsessionid=A8EF6ADB687250DDB1DD05416E0A96AC?sequence=1
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.

Segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde, a violência resulta em mais de 1,5 milhão de mortes a cada ano, além de ocasionar ferimentos não fatais. Em geral, a violência está entre as principais causas de morte para pessoas de 15 a 44 anos44. World Health Organization & WHO Collaborating Centre for Violence Prevention. Violence prevention: the evidence. Genebra: World Health Organization; 2010..

Em termos de magnitude, no Brasil, somente em 2017, foram registrados 65.602 óbitos por homicídio, correspondendo à taxa de 31,6 óbitos/100 mil habitantes e representando aumento de 21,0% em relação à taxa de 200755. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Atlas da Violência 2019. Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo: IPEA, FBSP; 2019.. Os homens jovens foram as principais vítimas (59,1% dos homicídios acometeram homens entre 15 e 19 anos), com importante destaque para populações específicas, como negros, população lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais e mulheres55. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Atlas da Violência 2019. Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo: IPEA, FBSP; 2019..

Segundo estimativas do Instituto de Métricas e Avaliação em Saúde66. The Institute for Health Metrics and Evaluation. Global Health Data Exchange [Internet]. 2019 [acessado em 28 set. 2019]. Disponível em: Disponível em: https://vizhub.healthdata.org/gbd-compare///
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, com método próprio para correção dos dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade, no Brasil, as causas externas foram responsáveis por 14,2% dos óbitos em 2000 e por 12,3% em 2017, e em primeiro lugar situam-se as violências, com 6,5% em 2000 e 5,8% em 2017. Nesse mesmo período, a perda de anos de vida por morte prematura e incapacidade em razão das violências passou de 6,8% (2000) para 7,1% (2017)66. The Institute for Health Metrics and Evaluation. Global Health Data Exchange [Internet]. 2019 [acessado em 28 set. 2019]. Disponível em: Disponível em: https://vizhub.healthdata.org/gbd-compare///
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Quando não levam ao óbito, as agressões podem provocar lesões graves que exigem cuidados em saúde. No Brasil, somente em 2017, foram registradas 52.359 internações hospitalares por violência nos hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS), sendo a maior parte delas entre homens (84,8%) e pessoas com idade de 20 a 39 anos (53,5%)77. Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Informática do SUS. Informações de saúde [Internet]. [acessado em 28 nov. 2019]. Disponível em: Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sih/cnv/fruf.def
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. Nesse sentido, os serviços de urgência e emergência são a principal porta de entrada para as vítimas de agressões no sistema público de saúde. Como afirma Deslandes88. Deslandes SF. O atendimento às vítimas de violência na emergência: “prevenção numa hora dessas?” Ciênc Saúde Coletiva 1999; 4(1): 81-94. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81231999000100007
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, são para as emergências que são levadas as vítimas com ferimentos ou mesmo em iminência de morte, sendo o atendimento realizado nesses serviços incontestável indicador da violência de uma cidade.

Em âmbito internacional, todos os Estados-membros da Organização das Nações Unidas afirmaram o compromisso com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que compõem a Agenda 2030 e refletem, especialmente nos objetivos 5 e 16, a preocupação com a igualdade de gênero e com a construção de sociedades pacíficas. Nesse sentido, os ODS propõem eliminar as violências baseadas em gênero e reduzir significativamente todas as formas de violência99. Organização das Nações Unidas. Transformando Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável [Internet]. ONU; 2015 [acessado em 28 set. 2019]. Disponível em: Disponível em: https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/
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.

O Brasil implantou em 2006 o Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA), nas modalidades inquérito e vigilância contínua, com o objetivo de analisar a tendência das violências e dos acidentes e descrever o perfil desses atendimentos nos serviços de saúde1010. Neves ACM, Mascarenhas MDM, Silva MMA, Malta DC. Perfil das vítimas de violências e acidentes atendidas em serviços de urgência e emergência do Sistema Único de Saúde em capitais brasileiras - 2011. Epidemiol Serv Saúde 2013; 22(4): 587-96. http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742013000400005
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. O Inquérito de Violências e Acidentes em Serviços Sentinela de Urgência e Emergência (VIVA Inquérito) objetiva identificar o perfil epidemiológico e os fatores de risco relacionados a violência e acidentes nas unidades de urgência e emergência participantes da pesquisa1111. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (Viva): 2009, 2010 e 2011. Brasília: Ministério da Saúde; 2013.,1212. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Viva: Vigilância de Violências e Acidentes: 2013 e 2014. Brasília: Ministério da Saúde ; 2017., assim como permite esclarecer as circunstâncias das ocorrências desses eventos, das pessoas atendidas e dos agressores.

Portanto, o VIVA Inquérito pode contribuir, ao longo das edições da pesquisa, para o monitoramento de indicadores relacionados à ocorrência de violência, à luz dos indicadores propostos para monitoramento dos ODS, apoiando o planejamento de políticas públicas de prevenção e promoção da saúde1212. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Viva: Vigilância de Violências e Acidentes: 2013 e 2014. Brasília: Ministério da Saúde ; 2017..

O objetivo do estudo foi descrever o perfil das pessoas atendidas por agressões em unidades de urgência e emergência em 2011, 2014 e 2017, assim como as ocorrências, as lesões e a evolução dos atendimentos. Adicionalmente, comparou a evolução de seis indicadores ao longo de quatro (2011 a 2014) e sete anos (2011 a 2017) dos inquéritos.

MÉTODOS

Estudo transversal, utilizando dados do VIVA Inquérito, pesquisa conduzida pelas Secretarias Municipais de Saúde de capitais e municípios selecionados, com o apoio das Secretarias Estaduais e do Ministério da Saúde (MS)1010. Neves ACM, Mascarenhas MDM, Silva MMA, Malta DC. Perfil das vítimas de violências e acidentes atendidas em serviços de urgência e emergência do Sistema Único de Saúde em capitais brasileiras - 2011. Epidemiol Serv Saúde 2013; 22(4): 587-96. http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742013000400005
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,1111. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (Viva): 2009, 2010 e 2011. Brasília: Ministério da Saúde; 2013.. O VIVA Inquérito é uma ferramenta de vigilância sentinela no âmbito do VIVA.

A população do VIVA Inquérito1111. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (Viva): 2009, 2010 e 2011. Brasília: Ministério da Saúde; 2013.,1212. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Viva: Vigilância de Violências e Acidentes: 2013 e 2014. Brasília: Ministério da Saúde ; 2017. foi composta de pessoas atendidas por violências e acidentes (causas externas) que procuraram os serviços de urgência e emergência selecionados no âmbito do SUS. As informações foram coletadas por meio de formulário padronizado pelo MS que incluiu dados sociodemográficos das pessoas atendidas, dados sobre o evento (características das agressões e das lesões) e evolução do atendimento. A pesquisa ocorreu durante 30 dias consecutivos em turnos sorteados de forma probabilística.

Para o presente artigo, consideramos os tipos de ocorrência agressão/maus-tratos (códigos X85 a Y09 da 10ª edição da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde) e intervenção por agente público (códigos X35 a Y36) nos inquéritos de 2011 e 20141111. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (Viva): 2009, 2010 e 2011. Brasília: Ministério da Saúde; 2013.,1212. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Viva: Vigilância de Violências e Acidentes: 2013 e 2014. Brasília: Ministério da Saúde ; 2017.. No inquérito de 2017, essas duas categorias foram agregadas em um único tipo de ocorrência: agressão/maus-tratos/intervenção por agente público (códigos X85 a Y09 e X35 a Y36). Os inquéritos realizados nesses três anos foram selecionados porque a variável natureza da agressão permite comparação. Os dados abrangeram Distrito Federal (DF) e 19 capitais que participaram dessas três edições da pesquisa: Aracaju (SE), Belém (PA), Belo Horizonte (MG), Boa Vista (RR), Campo Grande (MS), Curitiba (PR), Fortaleza (CE), Goiânia (GO), João Pessoa (PB), Maceió (AL), Natal (RN), Palmas (TO), Porto Velho (RO), Rio Branco (AC), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), São Luís (MA), Teresina (PI) e Vitória (ES).

Como os dados são provenientes de planos complexos de amostragem, para análise conjunta das capitais é necessário o uso dos pesos amostrais. Portanto, para as três edições do VIVA Inquérito foram calculadas as frequências ponderadas para as seguintes variáveis, segundo sexo (feminino e masculino):

  • características das pessoas atendidas: raça/cor, faixa etária, escolaridade, consumo de álcool, vulnerabilidade (cigano, quilombola, aldeado, pessoa em situação de rua, população privada de liberdade, população campo, floresta e água e outras) e deficiência;

  • características das agressões: natureza da agressão, meio de agressão e vínculo com o provável agressor;

  • lesões e evolução dos casos: natureza da lesão, parte do corpo atingida e evolução.

As diferenças entre as proporções encontradas, segundo os sexos, foram comparadas pelo teste χ2, considerando significância a 0,05.

Para monitoramento das ocorrências de agressão nas três edições do Viva Inquérito, foram selecionados os seguintes indicadores:

  • Violência sexual: percentual de atendimentos com natureza da agressão violência sexual no total de atendimentos por agressão;

  • Violência física: percentual de atendimentos com natureza da agressão violência física no total de atendimentos por agressão;

  • Negligência: percentual de atendimentos com natureza da agressão negligência no total de atendimentos por agressão;

  • Violência intrafamiliar: percentual de atendimentos com provável autor pai/mãe e outro familiar no total de atendimentos por agressão;

  • Violência por parceiro íntimo: percentual de atendimentos com provável autor companheiro/ex no total de atendimentos por agressão;

  • Violência por desconhecido: percentual de atendimentos com provável autor desconhecido no total de atendimentos por agressão.

A evolução desses indicadores foi avaliada por meio da variação percentual no período de quatro (2011 a 2014) e de sete anos (2011 a 2017), com apresentação do intervalo de confiança a 95%.

O VIVA Inquérito foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Ministério da Saúde, sob pareceres nº 2.234.509,23/8/2017 - Certificado de Apresentação para Apreciação Ética: 67709417.0.0000.0008 (2017), nº 735.933/2014 (2014) e nº 006/2011 (2011).

RESULTADOS

Em 2011, 2014 e 2017, no DF e em 19 capitais que realizaram o Viva Inquérito, foram atendidas 3.363, 3.489 e 2.902 pessoas com o tipo de ocorrência agressão/maus tratos/intervenção legal, respectivamente. O sexo masculino foi o mais frequente, representando 74,09, 71,41 e 71,65% dos atendimentos em 2011, 2014 e 2017, respectivamente. A raça/cor negra (preta e parda) foi majoritária entre os indivíduos de ambos os sexos, em todas as edições da pesquisa, tendo correspondido, em 2017, a 77,5% dos homens e 72,6% das mulheres. A principal faixa etária das pessoas atendidas foi de jovens (15 a 29 anos), nos inquéritos de 2011 e 2014, e de adultos (30 a 59 anos), na pesquisa realizada em 2017. Os percentuais de atendimentos por agressões nos extremos do ciclo de vida foram menores, no entanto, entre as crianças, as meninas tiveram maior frequência de agressões em todos os anos dos inquéritos analisados, chegando a ser o dobro do percentual dos meninos em 2017 (Tabela 1). Pequena parte das pessoas atendidas tinha ensino superior (máximo de 8,2% em 2017 entre mulheres; máximo de 5,7% em 2014 entre homens), e as mulheres atendidas apresentaram maiores níveis de escolarização em comparação com os homens, especialmente a partir do ensino médio (menor percentual em 2014, sendo 35,6% entre mulheres e 30,0% entre homens). Em todas as edições, o percentual de uso referido de bebida alcoólica pela vítima foi maior entre homens (mínimo de 39,1% em 2017) em relação às mulheres (mínimo de 20,9% em 2014). Em 2017, os percentuais de população vulnerável e de pessoa com deficiência foram maiores entre os homens (7,9 e 5,1%, respectivamente); e entre mulheres foram de 3,3 e 3,9%, respectivamente.

Tabela 1.
Número e percentual dos atendimentos por agressão segundo perfil das pessoas atendidas, dos eventos e da evolução dos atendimentos em três edições do VIVA Inquérito. Distrito Federal e 19 capitais, 2011, 2014 e 2017.

A principal natureza das agressões foi física, alcançando mais de 85% entre as pessoas do sexo feminino e mais de 95% entre as do sexo masculino em todos os inquéritos. Entre as mulheres, destacou-se, ainda, a negligência, com percentuais que alcançaram 7,0% em 2014 e 6,6% em 2017. Para ambos os sexos o principal meio de agressão foi a força física e o espancamento, com percentuais maiores entre as mulheres, seguidos de objetos perfurocortantes. Entre os homens, as armas de fogo representaram o terceiro meio mais expressivo de perpetração das violências, e, entre as mulheres, os objetos contundentes ocuparam essa posição. Nas agressões contra os homens, os principais autores foram pessoas desconhecidas, seguidas de amigos, em todas as edições do inquérito; entre as mulheres os principais autores foram os parceiros íntimos atuais ou anteriores, seguidos dos desconhecidos nos inquéritos de 2011 e 2014 e de amigos no de 2017 (Tabela 1).

Os cortes e as lacerações foram as lesões mais frequentes nos atendimentos por agressão em ambos os sexos nas três edições da pesquisa (mínimo de 36,8% entre mulheres e de 49,3% entre homens, em 2017). Em segundo lugar, destacaram-se os traumas entre os homens e as contusões, entorses e luxações entre as mulheres. As principais partes do corpo atingidas foram cabeça/pescoço e membros superiores em ambos os sexos (59,1% ou mais entre mulheres; 55,6% ou mais entre homens). Na evolução dos casos, em ambos os sexos, a alta foi o principal desfecho e a internação o segundo, e entre os homens os percentuais de internação foram sempre mais elevados do que entre mulheres, alcançando 26,2% dos atendimentos em 2017 (Tabela 1).

Na análise dos indicadores relacionados à natureza da agressão, observou-se que (Tabela 2):

  • A violência física foi a mais atendida nos três anos dos inquéritos. Houve decréscimo desses atendimentos em ambos os sexos no período 2011-2017, principalmente entre as mulheres (8,0%). Em todas as faixas etárias houve decréscimo nesses atendimentos no período 2011-2014. A comparação entre 2011 e 2017 mostrou decréscimo significativo de violência física de 29,2% entre as crianças e de 13,2% entre os idosos;

  • A negligência foi a segunda natureza de agressão mais prevalente nos atendimentos nas três edições do inquérito, sendo maior no sexo feminino. Em ambos os períodos (2011-2014 e 2011-2017), observou-se variação percentual positiva e significativa dos atendimentos por negligência em homens, mulheres, crianças e idosos, com destaque para o incremento de 23,8% nos atendimentos de crianças e de 7,5% de idosos, para o período 2011-2017;

  • Os atendimentos aos casos de violência sexual nas três edições da pesquisa foram mais frequentes entre pessoas do sexo feminino, com aumento significativo de 3,1% entre 2011 e 2014. Entre 2011 e 2017, observou-se aumento significativo de 5,7% dos atendimentos de casos de violência sexual para a faixa etária de 0 a 14 anos.

Tabela 2.
Indicadores relacionados à natureza da agressão, segundo sexo e faixa etária, em três edições do VIVA Inquérito. Distrito Federal e 19 capitais, 2011, 2014 e 2017*.

A análise dos indicadores relativos ao vínculo do agressor com a vítima mostrou que (dados não apresentados em tabela):

  • As agressões perpetradas por familiares foram mais frequentes em pessoas do sexo feminino nas três edições da pesquisa, alcançando 19,6% em 2017. No sexo masculino, observou-se aumento significativo de 2,9% entre 2011 e 2014. Os maiores percentuais desses atendimentos ocorreram em crianças e idosos nos três anos estudados; a comparação entre 2011-2014 e 2011-2017 mostra aumento expressivo de mais de 20% entre as crianças;

  • Os atendimentos cujas agressões foram perpetradas por parceiros íntimos foram mais frequentes em pessoas do sexo feminino nas três edições da pesquisa, alcançando 31,6% em 2017. No sexo masculino, observou-se aumento significativo de 2,8% entre 2011 e 2017. Os maiores percentuais desses atendimentos foram encontrados em jovens e adultos nos três anos estudados, e na comparação entre 2011 e 2017 houve aumento expressivo de 3,9% entre os jovens;

  • Os atendimentos cujas agressões foram perpetradas por desconhecidos ocorreram principalmente em pessoas do sexo masculino nas três edições da pesquisa, alcançando 47,9% em 2017. No entanto, em ambos os sexos, os percentuais mantiveram-se estáveis. Os maiores percentuais desses atendimentos ocorreram em jovens e adultos nos três anos estudados, e na comparação entre 2011 e 2017 houve decréscimo significativo de 6,3% entre as crianças.

DISCUSSÃO

O estudo apontou a evolução do perfil dos atendimentos de casos de violência nas três últimas edições do VIVA Inquérito, em que a natureza da agressão mais frequente foi a física e o meio mais usado para perpetrá-la foi física corporal/espancamento. O sexo masculino foi o mais frequente, e as faixas etárias mais atendidas as de jovens e adultos (15 a 29 e 30 a 59 anos). Em relação aos agressores, os resultados corroboram outros estudos: em idosos1313. Mascarenhas MDM, Andrade SSCA, Neves ACM, Pedrosa AAG, Silva MMA, Malta DC. Violência contra a pessoa idosa: análise das notificações realizadas no setor saúde - Brasil, 2010. Ciênc Saúde Coletiva 2012; 17(9): 2331-41. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232012000900014
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, crianças1414. Malta DC, Minayo MCS, Soares Filho AM, Silva MMA, Montenegro MMS, Ladeira RM, et al. Mortalidade e anos de vida perdidos por violências interpessoais e autoprovocadas no Brasil e Estados: análise das estimativas do Estudo Carga Global de Doença, 1990 e 2015. Rev Bras Epidemiol 2017; 20(Supl. 1): 142-56. http://dx.doi.org/10.1590/1980-5497201700050012
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e mulheres1515. Rodrigues CS, Malta DC, Godinho T, Mascarenhas MDM, Silva MMA, Silva RE. Acidentes e violências entre mulheres atendidas em Serviços de Emergência Sentinela - Brasil, 2009. Ciênc Saúde Coletiva 2012; 17(9): 2319-29. https://doi.org/10.1590/S1413-81232012000900013
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os autores de violência são, na maioria dos casos atendidos, familiares ou parceiros íntimos; em homens1010. Neves ACM, Mascarenhas MDM, Silva MMA, Malta DC. Perfil das vítimas de violências e acidentes atendidas em serviços de urgência e emergência do Sistema Único de Saúde em capitais brasileiras - 2011. Epidemiol Serv Saúde 2013; 22(4): 587-96. http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742013000400005
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, a maioria dos autores é desconhecida. Esses resultados retratam uma questão já demonstrada1616. Alves RA, Pinto LMN, Silveira AM, Oliveira GL, Melo EM. Homens, vítimas e autores de violência: a corrosão do espaço público e a perda da condição humana. Interface 2012; 16(43): 871-83. http://dx.doi.org/10.1590/S1414-32832012005000049
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,1717. Souza ER, Gomes R, Silva JG, Correia BSC, Silva MMA. Morbimortalidade de homens jovens brasileiros por agressão: expressão dos diferenciais de gênero. Ciênc Saúde Coletiva 2012; 17(12): 3243-8. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232012001200009
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,1818. Souza ER. Masculinidade e violência no Brasil: contribuições para a reflexão no campo da saúde. Ciênc Saúde Coletiva 2005; 10(1): 59-70. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232005000100012
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sobre as violências interpessoais que ocorrem em ambientes públicos, envolvendo homens em locais como bares e rua e, não raro, consumo de álcool. Os conflitos ocorridos nesses espaços, majoritariamente frequentado por homens, revelam a afirmação dos papeis sociais que forjam a socialização masculina, determinando relação desigual e opressiva entre as pessoas1818. Souza ER. Masculinidade e violência no Brasil: contribuições para a reflexão no campo da saúde. Ciênc Saúde Coletiva 2005; 10(1): 59-70. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232005000100012
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. Os resultados da presente análise identificaram, nas três edições do inquérito, o consumo mais frequente de álcool entre homens (cerca de 40%) em relação ás mulheres (cerca de 20%). O uso, principalmente o uso abusivo, de álcool tem sido associado à maior ocorrência de lesões decorrentes de violência em adultos jovens1919. Freitas EAM, Mendes ID, Oliveira LCM. Ingestão alcoólica em vítimas de causas externas atendidas em um hospital geral universitário. Rev Saúde Pública 2008; 42(5): 813-21. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102008000500005
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e de acidentes e violências no trânsito2020. Damacena GN, Malta DC, Boccolini CS, Souza Júnio PRB, Almeida WS, Ribeiro LS, et al. Consumo abusivo de álcool e envolvimento em acidentes de trânsito na população brasileira, 2013. Ciênc Saúde Coletiva 2016; 21(12): 3777-86. http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320152112.25692015
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.

Embora o consumo de drogas e a violência apresentem relação complexa, o álcool pode ser aqui analisado como elemento potencializador de atos agressivos. Por um lado, o consumo provoca alterações físicas ligadas a ausência de sono, mudanças neuroquímicas e alteração da percepção e da atenção que, aliadas às contingências socioculturais em que o abuso de drogas é encorajado e a cultura da violência é banalizada, criam com maior facilidade relação entre abuso de substâncias psicoativas e uso da violência como resposta aos dilemas relacionais2121. Laranjeira R, Duailib SM, Pinsky I. Álcool e violência: a psiquiatria e a saúde pública. Rev Bras Psiquiatr 2005; 27(3): 176-7. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-44462005000300004
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As agressões perpetradas por parceiros íntimos atingiram predominantemente pessoas do sexo feminino, nas três edições da pesquisa, alcançando cerca de um terço dos atendimentos em 2017. Esse perfil da violência de gênero que atinge as mulheres tem sido demonstrado em diversos estudos que consideram desde a violência letal até as violências menos graves mas que ganham potencial de letalidade por conta de sua reincidência. Nesse contexto, observam-se as consequências imediatas da violência, como as lesões que levam as pessoas aos serviços de urgência e emergência, mas também as de longo prazo, que geram sofrimento e efeitos indiretos, como dores crônicas, problemas gastrointestinais, fibromialgias, doenças sexualmente transmissíveis, disfunções sexuais e comprometimento da saúde mental, como depressão ou ansiedade2222. Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Saúde Brasil 2018 uma análise de situação de saúde e das doenças e agravos crônicos: desafios e perspectivas. Brasília: Ministério da Saúde ; 2019..

Pode-se dizer que a violência de gênero está associada a uma masculinidade construída por meio de processos de subjetivação que ainda convidam os homens a sustentar demonstrações de força, potência sexual e diversas formas de dominação, resultando em agressões entre homens - incluindo desfechos mais graves, como internações e óbitos - e vitimização de mulheres e crianças do sexo feminino.

Apesar dos avanços decorrentes da implementação da Lei Maria da Penha2323. Brasil. Presidência da República. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Diário Oficial da União [Internet]. 2006 [acessado em 28 set. 2019]; Seção 1: 1. Disponível em: Disponível em: https://legis.senado.leg.br/norma/572125/publicacao/15732035
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e da Lei do Feminicídio2424. Brasil. Presidência da República. Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015. Altera o art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos. Diário Oficial da União [Internet]. 2015 [acessado em 28 set. 2019]; Seção 1: 1. Disponível em: Disponível em: https://legis.senado.leg.br/norma/584916/publicacao/15633553
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, tipificando e punindo crimes de natureza relacionais baseados no gênero, ainda preocupa a ausência de políticas educativas para homens que os auxiliem a confrontar a masculinidade hegemônica ligada ao uso da força por meio de um processo educativo, dialógico e de apoio, para além dos aparatos jurídicos e policiais que facilmente utilizamos nos casos de homens autores de violência e nas consequências de suas formas relacionais.

A raça/cor parda foi a mais referida nos atendimentos pesquisados. A associação entre a raça/cor negra e mortalidade já tem sido apontada em estudos2525. Soares Filho AM. Vitimização por homicídios segundo características de raça no Brasil. Rev Saúde Pública 2011; 45(4): 745-55. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102011005000045
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e em outras edições do VIVA Inquérito1010. Neves ACM, Mascarenhas MDM, Silva MMA, Malta DC. Perfil das vítimas de violências e acidentes atendidas em serviços de urgência e emergência do Sistema Único de Saúde em capitais brasileiras - 2011. Epidemiol Serv Saúde 2013; 22(4): 587-96. http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742013000400005
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. As desigualdades sociais, expressas pelas diferenças de raça/cor, escolaridade, renda e acesso a serviços e bens e amplificadas pela interseccionalidade dessas categorias, além do preconceito e da discriminação presentes na sociedade, ajudam a explicar as ocorrências muito mais elevadas na população negra e a maior exposição aos riscos de violência2626. Araújo EM, Costa MCN, Hogan VK, Araújo TM, Dias AB, Oliveira LOA. A utilização da variável raça/cor em saúde pública: possibilidades e limites. Interface Comum Saúde Educ 2009; 13(31): 383-94. http://dx.doi.org/10.1590/S1414-32832009000400012
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,2727. Reichenheim ME, Souza ER, Moraes CL, Mello-Jorge MHP, Silva CMFP, Minayo MCS. Violence and injuries in Brazil: the effect, progress made, and challenges ahead. The Lancet 2011; 377(9781): 1962-75. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(11)60053-6
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.

A análise das três edições do VIVA Inquérito demonstra que a negligência teve variação positiva importante, entre 2011 e 2017, nos extremos do ciclo de vida. Adicionalmente, a violência cometida por pessoas conhecidas da vítima atinge de forma significativa crianças e idosos. Esses resultados suscitam reflexões intrigantes sobre os espaços de convivência e de exposição ao risco de negligência: o ambiente doméstico e as instituições que prestam assistência a crianças e idosos. Mesmo após vários anos de criação de legislações, como o Estatuto da Criança e do Adolescente2828. Brasil. Senado Federal. Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Diário Oficial da União [Internet]. 1990 [acessado em 28 set. 2019]; Seção 1: 13563. Disponível em: Disponível em: https://legis.senado.leg.br/norma/549945/publicacao/15713055
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e o Estatuto do Idoso2929. Brasil. Senado Federal. Lei nº 10.741 de 1 de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Diário Oficial da União [Internet]. 2003 [acessado em 28 set. 2019]; Seção 1: 1. Disponível em: Disponível em: https://legis.senado.leg.br/norma/552617/publicacao/15677040
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, e de estudos demonstrando suas vulnerabilidades e as possibilidades de ações para atenção e proteção a esses grupos, a violência que ocorre no ambiente doméstico revela as condições desfavoráveis em que vivem e se desenvolvem as famílias brasileiras. A negligência, conceito controverso em sua compreensão, carrega consigo uma complexidade que dificulta definir na vida real as situações vivenciadas como negligentes, podendo as famílias reproduzir, praticar ou sofrer negligências3030. Mata NT, Silveira LMB, Deslandes SF. Família e negligência: uma análise do conceito de negligência na infância. Ciênc Saúde Coletiva 2017; 22(9): 2881-8. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017229.13032017
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. Essa complexidade pode afetar o registro, mas também as possibilidades de atuação em relação a essa forma de violência.

Este estudo teve como limitação o fato de os dados terem sido coletados em 71 unidades de urgência e emergência selecionadas, que atendem ao setor público de saúde em 19 capitais do país e no DF. A amostragem do VIVA Inquérito é representativa para a população atendida na unidade de saúde participante da pesquisa, contudo não tem representatividade para o município ou estado. Além disso, embora unidades como essas correspondam aos serviços de referência em urgência utilizados pela maioria da população das capitais brasileiras, não contemplam usuários atendidos no setor privado, não representando, assim, a população dos municípios.

As violências são reconhecidas como problema de saúde pública e contribuem com elevada carga de morbimortalidade. A prevenção desses eventos representa grande desafio pela necessidade de estabelecerem-se diálogos intersetoriais por meio da constituição de redes de atenção e atendimento cuja conformação esteja atenta e disposta ao acompanhamento conjunto, contínuo e intersetorial, proporcionando espaço de escuta e acolhimento que contraponha as lógicas relacionais baseadas no segredo e no sigilo em que a violência, principalmente intrafamiliar e perpetrada por parceiro íntimo, ganha força. A Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável representa oportunidade para o país priorizar políticas públicas que pautem temas como a paz, o desarmamento, a proteção e a vida3131. Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para Agenda 2030. Relatórios Luz: síntese e completo [Internet]. 2017 [acessado em 10 out. 2019]. Disponível em: Disponível em: https://gtagenda2030.org.br/
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. Nesse sentido, a discussão sobre a maioridade penal e os ataques ao estatuto do desarmamento55. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Atlas da Violência 2019. Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo: IPEA, FBSP; 2019.,3232. Malta DC. Crianças e Adolescentes, políticas de austeridade e os compromissos da Agenda 2030. Ciênc Saúde Coletiva 2019; 24(2): 348. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018242.32412018
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afrontam diretamente o presente e o futuro dos jovens. Mais acesso às armas trará aumento das mortes violentas, especialmente ao público mais vulnerável, jovens, pobres e negros3232. Malta DC. Crianças e Adolescentes, políticas de austeridade e os compromissos da Agenda 2030. Ciênc Saúde Coletiva 2019; 24(2): 348. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018242.32412018
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, além de ampliar e intensificar as agressões às mulheres, resultando, inclusive, em desfechos fatais e em feminicídios, tendência que já vem sendo registrada por estudos recentes55. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Atlas da Violência 2019. Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo: IPEA, FBSP; 2019..

A implementação, a expansão e o aperfeiçoamento das políticas de vigilância em saúde são, atualmente, estratégia fundamental para que as violências intrafamiliares sejam reveladas e acompanhadas por serviços públicos de atendimento das diversas áreas de atenção, como saúde, assistência social, segurança pública, judiciário e educação.

Importa ressaltar que o VIVA Inquérito, além de registrar os atendimentos por violências, incluindo de homens adultos, também contempla outros eventos de causas externas, como acidentes de transporte, quedas, queimaduras e outros acidentes, eventos cuja notificação não é obrigatória no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). Portanto, destaca-se a importância da vigilância na modalidade inquérito em produzir informações que não compõem a vigilância contínua das violências, colaborando para a produção de informações mais abrangentes sobre eventos de causas externas.

Os resultados apontam a importância de inovações no modelo de vigilância atual. Considerando a gravidade da agressão por arma de fogo, sugere-se monitoramento por meio de vigilância contínua em unidades sentinelas (urgência e emergência), em homens e mulheres de todas as idades. Ademais, ressalta-se como relevante a revisão dos critérios de inclusão dos homens adultos como população-alvo de notificação de violência interpessoal/autoprovocada no Sinan.

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  • Fonte de financiamento: Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    30 Out 2019
  • Revisado
    21 Jan 2020
  • Aceito
    27 Jan 2020
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