Adaptação transcultural do Fat Talk Questionnaire para o Português do Brasil

Giovanna Carvalho Antunes da Silva Aline Ganen de Piano Ganen Marle dos Santos Alvarenga Sobre os autores

RESUMO:

Objetivo:

Realizar a adaptação transcultural do Fat Talk Questionnaire para o português do Brasil com foco no grupo de meninas adolescentes.

Métodos:

O trabalho seguiu as etapas de equivalência conceitual e de itens, semântica e operacional. A avaliação conceitual e de itens foi realizada por pesquisadores da área de nutrição e imagem corporal; a semântica envolveu tradutores fluentes em inglês e português (n = 3) e experts (n = 19) em imagem corporal e comportamento alimentar. A terceira etapa contou com 32 adolescentes do sexo feminino (de 15 a 18 anos) que responderam à versão traduzida e adaptada para avaliação da compreensão pelo público-alvo.

Resultados:

Dos 14 itens do instrumento, seis foram considerados adequados pelos experts, três necessitaram de adequações mínimas de linguagem e cinco careciam de alterações mais amplas para adequações cultural e idiomática. A retrotradução foi aprovada pelos autores originais. O tempo médio de resposta pelas adolescentes foi de 3,5 minutos, não sendo apontadas dúvidas.

Conclusão:

A escala encontra-se traduzida e adaptada para o português para aplicação em adolescentes do sexo feminino, demonstrando resultados satisfatórios no processo de tradução e equivalências conceitual, semântica e operacional. São necessárias ainda análises de validade externa, equivalência de mensuração e reprodutibilidade.

Palavras-chave:
Inquéritos e questionários; Comportamento do adolescente; Imagem corporal; Comparação transcultural

INTRODUÇÂO

O termo fat talk é utilizado para se referir a conversas negativas relacionadas ao corpo, que ocorrem frequentemente em grupos do sexo feminino11. Mimi N, Nancy V. Fat talk. In: Young K, Sault N, editores. Many mirrors: Body image and social relations. New Brunswick: Rutgers University Press; 1994.,22. Royal S, MacDonald DE, Dionne MM. Development and validation of the Fat Talk Questionnaire. Body Image 2013; 10(1): 62-9. http://dx.doi.org/10.1016/j.bodyim.2012.10.003
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. Esse comportamento envolve pensar, ouvir e falar de maneira negativa sobre o próprio corpo33. Sladek MR, Engeln R, Miller SA. Development and validation of the Male Body Talk Scale: a psychometric investigation. Body Image 2014; 11(3): 233-44. http://dx.doi.org/10.1016/j.bodyim.2014.02.005
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.101...
. O termo foi criado em um estudo longitudinal, com duração de três anos, que acompanhou 240 garotas do ensino fundamental II e do ensino médio, com idades entre 12 e 18 anos, no Oeste dos Estados Unidos22. Royal S, MacDonald DE, Dionne MM. Development and validation of the Fat Talk Questionnaire. Body Image 2013; 10(1): 62-9. http://dx.doi.org/10.1016/j.bodyim.2012.10.003
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.101...
. As participantes foram entrevistadas sobre seus pensamentos e sentimentos relacionados aos seus corpos, e observaram-se queixas e críticas sobre a aparência do próprio corpo enquanto conversavam22. Royal S, MacDonald DE, Dionne MM. Development and validation of the Fat Talk Questionnaire. Body Image 2013; 10(1): 62-9. http://dx.doi.org/10.1016/j.bodyim.2012.10.003
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.101...
.

Depois desse estudo pioneiro, pesquisadores desenvolveram medidas de avaliação do fat talk22. Royal S, MacDonald DE, Dionne MM. Development and validation of the Fat Talk Questionnaire. Body Image 2013; 10(1): 62-9. http://dx.doi.org/10.1016/j.bodyim.2012.10.003
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55. Clarke PM, Murnen SK, Smolak L. Development and psychometric evaluation of a quantitative measure of “fat talk”. Body Image 2010; 1(7): 1-7. http://dx.doi.org/10.1016/j.bodyim.2009.09.006
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, como o Fat Talk Questionnaire (FTQ)22. Royal S, MacDonald DE, Dionne MM. Development and validation of the Fat Talk Questionnaire. Body Image 2013; 10(1): 62-9. http://dx.doi.org/10.1016/j.bodyim.2012.10.003
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, a Fat Talk Scale66. Becker CB, Diedrichs PC, Jankowski G, Werchan C. I'm not just fat, I'm old: has the study of body image overlooked “old talk”? J Eat Disord 2013; 1: 6. http://dx.doi.org/10.1186/2050-2974-1-6
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, a Male Body Talk Scale3 e a Family FTQ44. MacDonald DE, Dimitropoulos G, Royal S, Polanco A, Dionne MM. The Family Fat Talk Questionnaire: development and psychometric properties of a measure of fat talk behaviors within the family context. Body Image 2015; 12: 44-52. http://dx.doi.org/10.1016/j.bodyim.2014.10.001
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.

O comportamento de fat talk, usualmente presente no contexto familiar e de amizade77. Lydecker JA, Riley KE, Grilo CM. Associations of parents’ self, child, and other “fat talk” with child eating behaviors and weight. Int J Eat Disord 2018; 51(6): 527-34. https://doi.org/10.1002/eat.22858
https://doi.org/https://doi.org/10.1002/...
,88. Warren CS, Holland S, Billings H, Parker A. The relationships between fat talk, body dissatisfaction, and drive for thinness: Perceived stress as a moderator. Body Image 2012; 9(3): 358-64. https://doi.org/10.1016/j.bodyim.2012.03.008
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
,99. Lin L, Soby M. Appearance comparisons styles and eating disordered symptoms in women. Eat Behav 2016; 23: 7-12. https://doi.org/10.1016/j.eatbeh.2016.06.006
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
,1010. Lin L, Soby M. Is listening to fat talk the same as participating in fat talk? Eat Disord 2017; 25(2): 165-72. https://doi.org/10.1080/10640266.2016.1255106
https://doi.org/https://doi.org/10.1080/...
,1111. Lydecker JA, Grilo CM. The apple of their eye: Attitudinal and behavioral correlates of parents’ perceptions of child obesity. Obesity 2016; 24(5): 1124-31. https://doi.org/10.1002/oby.21439
https://doi.org/https://doi.org/10.1002/...
,1212. Rogers CB, Martz DM, Webb RM, Galloway AT. Everyone else is doing it (I think): The power of perception in fat talk. Body Image 2017; 20: 116-9. https://doi.org/10.1016/j.bodyim.2017.01.004
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
,1313. Salk RH, Engeln-Maddox R. “If You're Fat, Then I'm Humongous!”. Psychol Women Q 2011; 35(1): 18-28.https://doi.org/10.1177/0361684310384107
https://doi.org/https://doi.org/10.1177/...
, é considerado comum por meninas adolescentes e mulheres jovens (mas presente também em adultas e idosas)22. Royal S, MacDonald DE, Dionne MM. Development and validation of the Fat Talk Questionnaire. Body Image 2013; 10(1): 62-9. http://dx.doi.org/10.1016/j.bodyim.2012.10.003
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.101...
,66. Becker CB, Diedrichs PC, Jankowski G, Werchan C. I'm not just fat, I'm old: has the study of body image overlooked “old talk”? J Eat Disord 2013; 1: 6. http://dx.doi.org/10.1186/2050-2974-1-6
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.118...
,1414. Webb JB, Rogers CB, Etzel L, Padro MP. “Mom, quit fat talking—I'm trying to eat (mindfully) here!”: Evaluating a sociocultural model of family fat talk, positive body image, and mindful eating in college women’. Appetite 2018; 126: 169-75. http://dx.doi.org/10.1016/j.appet.2018.04.003
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.101...
,1515. Arroyo AE, Harwood J. Exploring the Causes and Consequences of Engaging in Fat Talk. J Appl Commun Res 2012; 40(2): 167-87. https://doi.org/10.1080/009 09882.2012.654500
https://doi.org/https://doi.org/10.1080/...
.

Desde a criação do termo, em 2013, estudos avaliaram o impacto do comportamento de fat talk e suas implicações, em que a maioria77. Lydecker JA, Riley KE, Grilo CM. Associations of parents’ self, child, and other “fat talk” with child eating behaviors and weight. Int J Eat Disord 2018; 51(6): 527-34. https://doi.org/10.1002/eat.22858
https://doi.org/https://doi.org/10.1002/...
,99. Lin L, Soby M. Appearance comparisons styles and eating disordered symptoms in women. Eat Behav 2016; 23: 7-12. https://doi.org/10.1016/j.eatbeh.2016.06.006
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
1212. Rogers CB, Martz DM, Webb RM, Galloway AT. Everyone else is doing it (I think): The power of perception in fat talk. Body Image 2017; 20: 116-9. https://doi.org/10.1016/j.bodyim.2017.01.004
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
,1616. Sutin AR, Terracciano A. Personality and the social experience of body weight. Pers Individ Dif 2019; 137: 76-9. https://doi.org/10.1016/j.paid.2018.08.007
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
,1717. Sladek MR, Salk RH, Engeln R. Negative body talk measures for Asian, Latina (o), and White women and men: Measurement equivalence and associations with ethnic-racial identity. Body Image 2018; 25: 66-77. https://doi.org/10.1016/j.bodyim.2018.02.005
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utilizou o FTQ, pois possui amplo conteúdo de itens, que pode ser aplicado e adaptado a diferentes contextos, culturas e etnias, apresentando grande abrangência e aplicabilidade. Além disso, outras escalas, como a Male Body Talk Scale33. Sladek MR, Engeln R, Miller SA. Development and validation of the Male Body Talk Scale: a psychometric investigation. Body Image 2014; 11(3): 233-44. http://dx.doi.org/10.1016/j.bodyim.2014.02.005
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e o Family FTQ44. MacDonald DE, Dimitropoulos G, Royal S, Polanco A, Dionne MM. The Family Fat Talk Questionnaire: development and psychometric properties of a measure of fat talk behaviors within the family context. Body Image 2015; 12: 44-52. http://dx.doi.org/10.1016/j.bodyim.2014.10.001
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, foram construídas pela adaptação do FTQ.

A Fat Talk Scale Items descreve cenários com uma personagem fictícia chamada Naomi e, para responder à escala, as participantes devem se imaginar na mesma situação de uma pessoa de peso e altura médios como a personagem. Porém, Salk e Engeln-Maddox1313. Salk RH, Engeln-Maddox R. “If You're Fat, Then I'm Humongous!”. Psychol Women Q 2011; 35(1): 18-28.https://doi.org/10.1177/0361684310384107
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apontaram que a participação no fat talk não variou, com base no índice de massa corporal, destacando a importância de examinar esse tipo de comportamento em mulheres de todos os tamanhos. Por fim, a Fat Talk Scale pede para mulheres imaginarem como agiriam em determinadas situações, entretanto, é possível que o comportamento real e o imaginado das mulheres difiram. Dessa forma, o FTQ destaca-se como instrumento de escolha para avaliação desse comportamento em estudos desenvolvidos com o público feminino, majoritariamente com idades entre 15 e 25 anos22. Royal S, MacDonald DE, Dionne MM. Development and validation of the Fat Talk Questionnaire. Body Image 2013; 10(1): 62-9. http://dx.doi.org/10.1016/j.bodyim.2012.10.003
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.101...
,77. Lydecker JA, Riley KE, Grilo CM. Associations of parents’ self, child, and other “fat talk” with child eating behaviors and weight. Int J Eat Disord 2018; 51(6): 527-34. https://doi.org/10.1002/eat.22858
https://doi.org/https://doi.org/10.1002/...
.

O desenvolvimento do FTQ foi realizado por pesquisadores de uma universidade do Canadá, seguiu várias etapas22. Royal S, MacDonald DE, Dionne MM. Development and validation of the Fat Talk Questionnaire. Body Image 2013; 10(1): 62-9. http://dx.doi.org/10.1016/j.bodyim.2012.10.003
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.101...
e teve versáo preliminar com mais itens55. Clarke PM, Murnen SK, Smolak L. Development and psychometric evaluation of a quantitative measure of “fat talk”. Body Image 2010; 1(7): 1-7. http://dx.doi.org/10.1016/j.bodyim.2009.09.006
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, que foi utilizada conjuntamente com outros instrumentos para avaliar a imagem corporal1818. Cooper PJ, Phil D, Psych D, Taylor MJB, Cooper Z, Phil D, et al. The development and validation of the body shape questionnaire. Int J Eat Disord 1987; 6(4): 485-94. https://doi.org/10.1002/1098-108X(198707)6:4%3C485::AIDEAT2260060405%3E3.0.CO;2-0
https://doi.org/https://doi.org/10.1002/...
, a restriçáo alimentar1919. Herman CP, Mack D. Restrained and unrestrained eating. J Pers 1975; 43(4): 647-60. https://doi.org/10.nn/j.1467-6494.1975.tb00727.x
https://doi.org/https://doi.org/10.nn/j....
, a ansiedade2020.Hart EA, Leary MR, Rejeski WJ. The measurement of social physique anxiety. J Sport Exerc Psychol 1989; 11(1): 94-104. https://doi.org/10.1123/jsep.11.1.94
https://doi.org/https://doi.org/10.1123/...
e o desejo de aceitação social2121. Crowne D, Marlowe D. A New Scale of Social Desirability Independent of Psychopathology. J Couns Psychol 1960; 24(4): 349-54. http://dx.doi.org/10.1037/h0047358
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.103...
. Sua versão final publicada22. Royal S, MacDonald DE, Dionne MM. Development and validation of the Fat Talk Questionnaire. Body Image 2013; 10(1): 62-9. http://dx.doi.org/10.1016/j.bodyim.2012.10.003
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é composta de 14 questões e avalia o construto fat talk de maneira unidimensional, ou seja, os itens relacionados a partes do corpo ou a comparações sociais compõem uma única dimensão, de autopreenchimento, com respostas em escala do tipo Linkert, abrangendo questões relacionadas com possíveis autocríticas ao próprio corpo, frases sobre sentir-se ou notar-se gorda e expressadas de maneira pejorativa22. Royal S, MacDonald DE, Dionne MM. Development and validation of the Fat Talk Questionnaire. Body Image 2013; 10(1): 62-9. http://dx.doi.org/10.1016/j.bodyim.2012.10.003
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.

A avaliação do comportamento de fat é importante, porque os estudos realizados até o presente momento apontam que se engajar e estar exposto ao fat talk são iniciativas fortemente associadas à insatisfação corporal e ampliam a idealização e a internalização dos ideais corporais irreais88. Warren CS, Holland S, Billings H, Parker A. The relationships between fat talk, body dissatisfaction, and drive for thinness: Perceived stress as a moderator. Body Image 2012; 9(3): 358-64. https://doi.org/10.1016/j.bodyim.2012.03.008
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
,99. Lin L, Soby M. Appearance comparisons styles and eating disordered symptoms in women. Eat Behav 2016; 23: 7-12. https://doi.org/10.1016/j.eatbeh.2016.06.006
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
,2222. Voelker D, Reel J, Greenleaf C. Weight status and body image perceptions in adolescents: current perspectives. Adolesc Health Med Ther 2015; 2015(6): 149-58. https://doi.org/10.2147/AHMT.S68344
https://doi.org/https://doi.org/10.2147/...
. Na busca desse ideal, comportamentos alimentares inadequados podem surgir (como restrições e compensações)2323. Mills J, Fuller-Tyszkiewicz M. Fat talk and its relationship with body image disturbance. Body Image 2016; 18: 61-4. https://doi.org/10.1016/j.bodyim.2016.05.001
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
,2424. Guertin C, Barbeau K, Pelletier L, Martinelli G. Why do women engage in fat talk? Examining fat talk using Self-Determination Theory as an explanatory framework. Body Image 2017; 20: 7-15. http://dx.doi.org/10.1016/j.bodyim.2016.10.008
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.101...
, bem como impacto na saúde mental, associado inclusive à depressão e à autoestima1515. Arroyo AE, Harwood J. Exploring the Causes and Consequences of Engaging in Fat Talk. J Appl Commun Res 2012; 40(2): 167-87. https://doi.org/10.1080/009 09882.2012.654500
https://doi.org/https://doi.org/10.1080/...
.

Na presença de transtorno alimentar, o fat talk tem potencial na manutenção da sintomatologia e preocupação com o peso e a forma2525. Cruwys T, Leverington CT, Sheldon AM. An experimental investigation of the consequences and social functions of fat talk in friendship groups. International J Eat Disord 2016; 49(1): 84-91. http://dx.doi.org/10.1002/eat.22446
https://doi.org/href="http://dx.doi.org/...
. O foco de avaliação em adolescentes se justifica, portanto, pela alta prevalência de distúrbios da imagem corporal nesse público, especialmente entre meninas, e por questões de autoestima, construtos que podem estar relacionados2626.Freitas CB, Veloso TCP, Segundo LPS, Sousa FPG, Galvão BS, Paixão PAR. Prevalência de insatisfação corporal entre adolescentes. Res Soc Dev 2020; 9(4): e191943018. https://doi.org/10.33448/rsd-v9i4.3018
https://doi.org/https://doi.org/10.33448...
,2727. 27. Justino MI, Enes CC, Nucci LB. Imagem corporal autopercebida e satisfação corporal de adolescentes. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2020; 20(3): 715-24. http://dx.doi.org/10.1590/1806-93042020000300004
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.159...
,2828. Fortes LDS, Cipriani FM, Coelho FD, Paes ST, Ferreira MEC. A autoestima afeta a insatisfação corporal em adolescentes do sexo feminino? Rev Paul Pediatr 2014; 32(3): 236-40. http://dx.doi.org/10.1590/0103-0582201432314
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.159...
,2929. Rentz-Fernandes AR, Silveira-Viana MD, Liz CMD, Andrade A. Autoestima, imagem corporal e depressão de adolescentes em diferentes estados nutricionais. Rev Salud Pública 2017; 19(1): 66-72. https://doi.org/10.15446/rsap.v19n1.47697
https://doi.org/https://doi.org/10.15446...
.

Apesar de as pesquisas na literatura internacional explorarem as consequências da prática do fat talk na saúde mental, imagem corporal e suas implicações no comportamento alimentar88. Warren CS, Holland S, Billings H, Parker A. The relationships between fat talk, body dissatisfaction, and drive for thinness: Perceived stress as a moderator. Body Image 2012; 9(3): 358-64. https://doi.org/10.1016/j.bodyim.2012.03.008
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
,99. Lin L, Soby M. Appearance comparisons styles and eating disordered symptoms in women. Eat Behav 2016; 23: 7-12. https://doi.org/10.1016/j.eatbeh.2016.06.006
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
,1515. Arroyo AE, Harwood J. Exploring the Causes and Consequences of Engaging in Fat Talk. J Appl Commun Res 2012; 40(2): 167-87. https://doi.org/10.1080/009 09882.2012.654500
https://doi.org/https://doi.org/10.1080/...
,2222. Voelker D, Reel J, Greenleaf C. Weight status and body image perceptions in adolescents: current perspectives. Adolesc Health Med Ther 2015; 2015(6): 149-58. https://doi.org/10.2147/AHMT.S68344
https://doi.org/https://doi.org/10.2147/...
,2424. Guertin C, Barbeau K, Pelletier L, Martinelli G. Why do women engage in fat talk? Examining fat talk using Self-Determination Theory as an explanatory framework. Body Image 2017; 20: 7-15. http://dx.doi.org/10.1016/j.bodyim.2016.10.008
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.101...
, não há nenhum instrumento validado para a língua portuguesa ou estudos nacionais sobre essa temática. Dessa forma, o presente estudo objetiva realizar o processo de adaptação transcultural e a validação de conteúdo do FTQ para que o instrumento se torne adequado e disponível para pesquisas com meninas adolescentes no cenário nacional.

METODOLOGIA

A adaptação transcultural do FTQ para o português do Brasil foi realizada conforme a sistematização descrita por Reichenheim e Moraes3030. Reichenheim ME, Moraes CL. Operacionalização de adaptação transcultural de instrumentos de aferição usados em epidemiologia. Rev Saúde Pública 2007; 41(4): 665-73. https://doi.org/10.1590/S0034-89102006005000035
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
. Trata-se de uma abordagem universalista, cuja metodologia de adaptação transcultural e de validação de conteúdo dos construtos é a mesma em diferentes culturas3131.Peters M, Passchier J. Translating Instruments for Cross-Cultural Studies in Headache Research. Headache 2006; 46(1): 82-91. https://doi.org/10.1111/j.1526-4610.2006.00298.x
https://doi.org/https://doi.org/10.1111/...
3333. Beaton DE, Bombardier CG, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine 2000; 25(24): 3186-91. https://doi.org/10.1097/00007632-200012150-00014
https://doi.org/https://doi.org/10.1097/...
.

A adaptação preliminar seguiu as etapas de equivalência conceitual e de itens, equivalência semântica e equivalência operacional. A equivalência conceitual e de itens refere-se à análise da relevância do construto de interesse e de suas dimensoes, bem como à sua aplicabilidade para o cenário e o público-alvo que se deseja investigar. A equivalencia semântica pretende transferir o sentido das dimensões do instrumento original para a versào traduzida e corresponde à validade de conteúdo. Já a equivalência operacional refere-se à avaliação da compreensão do instrumento por meio da aplicação deste, em sua versão já adaptada, ao público-alvo3030. Reichenheim ME, Moraes CL. Operacionalização de adaptação transcultural de instrumentos de aferição usados em epidemiologia. Rev Saúde Pública 2007; 41(4): 665-73. https://doi.org/10.1590/S0034-89102006005000035
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
.

A primeira etapa de equivalencia conceitual e de itens foi realizada por meio de revisão de literatura sobre instrumentos de avaliação do fat talk e especialmente de publicações sobre o FTQ, para avaliar a relevância e o interesse do instrumento para o nosso contexto sociocultural e população-alvo de adolescentes do sexo feminino. A revisão integrativa, que resultou em seis artigos internacionais77. Lydecker JA, Riley KE, Grilo CM. Associations of parents’ self, child, and other “fat talk” with child eating behaviors and weight. Int J Eat Disord 2018; 51(6): 527-34. https://doi.org/10.1002/eat.22858
https://doi.org/https://doi.org/10.1002/...
1212. Rogers CB, Martz DM, Webb RM, Galloway AT. Everyone else is doing it (I think): The power of perception in fat talk. Body Image 2017; 20: 116-9. https://doi.org/10.1016/j.bodyim.2017.01.004
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
,1616. Sutin AR, Terracciano A. Personality and the social experience of body weight. Pers Individ Dif 2019; 137: 76-9. https://doi.org/10.1016/j.paid.2018.08.007
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
,1717. Sladek MR, Salk RH, Engeln R. Negative body talk measures for Asian, Latina (o), and White women and men: Measurement equivalence and associations with ethnic-racial identity. Body Image 2018; 25: 66-77. https://doi.org/10.1016/j.bodyim.2018.02.005
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
,3434. Rogers CB, Taylor JJ, Jafari N, Webb JB. “No seconds for you!”: exploring a sociocultural model of fat-talking in the presenceof family involving restrictive/critical caregiver eating messages, relational body image, and anti-fat attitudes in college women. Body Image 2019; 30: 56-63. http://dx.doi.org/10.1016/j.bodyim.2019.05.004
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.101...
, localizou quatro instrumentos para avaliação do fat talk (mencionados na Introdução)22. Royal S, MacDonald DE, Dionne MM. Development and validation of the Fat Talk Questionnaire. Body Image 2013; 10(1): 62-9. http://dx.doi.org/10.1016/j.bodyim.2012.10.003
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.101...
55. Clarke PM, Murnen SK, Smolak L. Development and psychometric evaluation of a quantitative measure of “fat talk”. Body Image 2010; 1(7): 1-7. http://dx.doi.org/10.1016/j.bodyim.2009.09.006
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.101...
. O FTQ22. Royal S, MacDonald DE, Dionne MM. Development and validation of the Fat Talk Questionnaire. Body Image 2013; 10(1): 62-9. http://dx.doi.org/10.1016/j.bodyim.2012.10.003
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.101...
foi definido em função do seu cuidadoso desenvolvimento, que seguiu várias etapas até chegar à versão de 14 itens, com Alpha de Cronbach de 0,963535. Stevens JP. Applied multivariate statistics for the social sciences. 4a ed. Hillsdale: Erlbaum; 2002..

A autora do questionário original foi contatada por e-mail para autorização da sua adaptação transcultural para o português brasileiro.

Na segunda etapa, de equivalência semântica, realizou-se a tradução do questionário original do inglês para o português do Brasil por dois tradutores fluentes em inglês/português, não cientes do tema abordado e leigos na área estudada. A tradução foi realizada de maneira independente, acompanhada de relatórios contendo as palavras e os termos com os quais os tradutores tiveram dificuldade e incerteza. As duas versões traduzidas foram então comparadas e discutidas pelos autores deste trabalho para produzir uma versão síntese.

A versão síntese foi então enviada, por meio de uma carta-convite on-line, utilizando-se o Microsoft Forms, a um comitê de experts (n = 19), constituído por um grupo de profissionais e pesquisadores da área de imagem corporal e comportamento alimentar (nutricionistas, psicólogos e educadores físicos). Após o consentimento, estes receberam o questionário para avaliação quanto à compreensão, dúvidas e sugestões, julgando os critérios de equivalência semântica (relacionada ao significado das palavras em relação ao vocabulário e gramática), idiomática (relacionada à equivalência do significado das expressões), cultural (relacionada à adequação do contexto na cultura do público-alvo do estudo) e conceitual (relacionada ao objetivo de manutenção do conceito do instrumento original), utilizando a pontuação -1 (inadequado, com necessidade de reformulação), 0 (adequado) e 1 (extremamente adequado), conforme diretrizes de Beaton3333. Beaton DE, Bombardier CG, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine 2000; 25(24): 3186-91. https://doi.org/10.1097/00007632-200012150-00014
https://doi.org/https://doi.org/10.1097/...
.

Solicitou-se também aos especialistas que avaliassem a clareza e o grau de compreensão de cada questão e do instrumento, pelo preenchimento de uma escala de pontuação, atribuindo o valor -1, quando não havia compreensão da questão, sendo necessária sua reformulação, 0 (adequado) e 1 (extremamente adequado), e sugerissem alterações com justificativa para mudança, se fosse o caso.

A equivalência semântica envolveu ainda o envio da versão, depois da revisão dos especialistas, a outro tradutor fluente em inglês/português para a retrotradução, o qual não participou das etapas anteriores e não era ciente do tema do questionário, sendo, portanto, leigo na área estudada.

A retrotradução consiste na verificação de validade para garantir que a versão síntese reflita o mesmo conteúdo da original55. Clarke PM, Murnen SK, Smolak L. Development and psychometric evaluation of a quantitative measure of “fat talk”. Body Image 2010; 1(7): 1-7. http://dx.doi.org/10.1016/j.bodyim.2009.09.006
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.101...
. A versão retrotraduzida foi enviada aos autores da escala original para verificar se o instrumento manteve o sentido original.

Na terceira etapa, a equivalência operacional, uma avaliação da compreensão, do tempo de preenchimento e da apresentação do instrumento foi mostrada para a população-alvo. Especificamente, 32 adolescentes do sexo feminino, com idade entre 15 e 18 anos, estudantes do ensino médio de uma instituição de ensino privado do município de São Paulo, responderam ao instrumento on-line. Consideraram-se elegíveis para o estudo as adolescentes que possuíssem consentimento de seus pais ou responsáveis e assentissem sua participação no estudo. Estas receberam um formulário via forms on-line, que continha instruções detalhadas sobre o preenchimento da versão final do questionário adaptado e traduzido, seguido de uma pergunta, com espaço para declarar possíveis dúvidas e sugestões sobre o instrumento, com o intuito de avaliar a compreensão do FTQ.

Apesar de a maioria dos estudos que utilizaram essa escala apresentar como público-alvo mulheres jovens, com idade entre 15 e 25 anos, optou-se na presente investigação por aplicar esse instrumento a adolescentes de 15 a 18 anos. A justificativa está pautada na definição da Organização Mundial de Saúde, segundo a qual a adolescência é compreendida por indivíduos com idade entre 10 e 19 anos completos3636. World Health Organization. Young People’s Health - a Challenge for Society. Report of a WHO Study Group on Young People and Health for All. Technical Report Series 731. Geneva: WHO; 1986.. Restringimos a faixa de 15 a 18 anos para obter um grupo mais homogêneo, compreendido no ensino médio.

Realizaram-se análises descritivas para caracterizar a população de estudo sobre dados sociodemográficos, como idade, índice de massa corporal, renda familiar e escolaridade paterna. Obtiveram-se medidas centrais e de dispersão (média, desvios padrão, valores mínimos e máximos e frequência (%)), por meio do software Statistica 6.0.

Este estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, conforme normas da Resolução n° 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde para pesquisa em seres humanos.

RESULTADOS

Quanto à equivalência conceitual e de itens, na revisão integrativa da literatura, encontraram-se quatro instrumentos para avaliação do fat talk, mencionados anteriormente: Fat Talk Scale55. Clarke PM, Murnen SK, Smolak L. Development and psychometric evaluation of a quantitative measure of “fat talk”. Body Image 2010; 1(7): 1-7. http://dx.doi.org/10.1016/j.bodyim.2009.09.006
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.101...
, FTQ22. Royal S, MacDonald DE, Dionne MM. Development and validation of the Fat Talk Questionnaire. Body Image 2013; 10(1): 62-9. http://dx.doi.org/10.1016/j.bodyim.2012.10.003
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.101...
, Male Body Talk Scale33. Sladek MR, Engeln R, Miller SA. Development and validation of the Male Body Talk Scale: a psychometric investigation. Body Image 2014; 11(3): 233-44. http://dx.doi.org/10.1016/j.bodyim.2014.02.005
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.101...
e Family FTQ44. MacDonald DE, Dimitropoulos G, Royal S, Polanco A, Dionne MM. The Family Fat Talk Questionnaire: development and psychometric properties of a measure of fat talk behaviors within the family context. Body Image 2015; 12: 44-52. http://dx.doi.org/10.1016/j.bodyim.2014.10.001
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.101...
.

Os autores afirmam que o FTQ tem amplo conteúdo de itens, com comportamentos que podem ocorrer em diferentes situações, contextos ou configurações e referindo-se a várias partes do corpo. Os itens evitam alusões a situações ou linguagem específicas e foram desenvolvidos e validados usando-se amostras etnicamente diversas. Esse tipo de abrangência permite que o FTQ seja razoavelmente generalizável, tanto para a diversidade situacional quanto para a diversidade cultural dos respondentes. No entanto, é importante notar que o fat talk em si pode ser específico da cultura e se manifestar de forma diferente, ou não, em outros grupos culturais/étnicos. Portanto, o FTQ precisará ser validado com grupos adicionais, que sâo diferentes em termos de cultura, etnia e idade.

Destaca-se ainda que a Male Body Talk Scale33. Sladek MR, Engeln R, Miller SA. Development and validation of the Male Body Talk Scale: a psychometric investigation. Body Image 2014; 11(3): 233-44. http://dx.doi.org/10.1016/j.bodyim.2014.02.005
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e o Family FTQ44. MacDonald DE, Dimitropoulos G, Royal S, Polanco A, Dionne MM. The Family Fat Talk Questionnaire: development and psychometric properties of a measure of fat talk behaviors within the family context. Body Image 2015; 12: 44-52. http://dx.doi.org/10.1016/j.bodyim.2014.10.001
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foram desenvolvidos com base no FTQ, apontando que é a referência para construyçâo deles. A Fat Talk Scale Items descreve cenários em que uma personagem chamada Naomi está conversando com uma amiga, utilizando expressões de depreciaçâo do corpo. Para responder à escala, a participante deve se imaginar na mesma situação de Naomi. Uma das limitações apontadas com relação a essa escala é que o fraseado coloquial e a formulação podem não ser compreendidos por indivíduos nativos de culturas não ocidentais, aqueles cujo idioma nativo não é o inglês ou que não são altamente instruídos22. Royal S, MacDonald DE, Dionne MM. Development and validation of the Fat Talk Questionnaire. Body Image 2013; 10(1): 62-9. http://dx.doi.org/10.1016/j.bodyim.2012.10.003
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.

O fato de a maioria avaliar adolescentes e mulheres jovens justifica a relevância e a pertinência dos dominios da escala do FTQ para uso com adolescentes brasileiros.

Concluindo sobre a pertinência do instrumento, a tradução foi realizada de maneira independente, acompanhada de relatórios contendo as palavras com as quais os tradutores tiveram dificuldade e incerteza. As duas versões traduzidas foram comparadas e discutidas pelos autores deste trabalho para produzir a versão síntese (V1), que apresentou melhor equivalência conceitual e adequação para o público-alvo (Material Suplementar 1).

Os experts avaliaram essa versão síntese quanto à equivalência semântico-idiomática, cultural e conceitual, utilizando a pontuação -1 (inadequado, com necessidade de reformulação), 0 (adequado) e 1 (extremamente adequado), conforme diretrizes de Beaton3333. Beaton DE, Bombardier CG, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine 2000; 25(24): 3186-91. https://doi.org/10.1097/00007632-200012150-00014
https://doi.org/https://doi.org/10.1097/...
. Avaliaram ainda a clareza e o grau de compreensão de cada questão e do instrumento. As respostas podem ser visualizadas na Tabela 1.

Observa-se que, para os itens 5, 6, 9, 12, 13 e 14 (n = 6), não houve nenhuma resposta de inadequação na avaliação dos experts (Tabela 1). No entanto, para o texto geral dos itens, que usava muito a expressão “quando estou com amigas próximas”, foi sugerido omitir a palavra “próxima”, e discutido com os especialistas, o que parece não acrescentar a equivalência semântica e conceitual e melhorar a equivalência cultural e idiomática. Assim, esses seis itens foram alterados sem o termo “próximas”. No item 13, considerou-se mais adequado usar as palavras “nojento/repugnante”, versão de disgusting, para ampliar sua compreensão (Material Suplementar 1).

Tabela 1.
Frequência de concordância da avaliação do comitê de especialistas, segundo a equivalência conceitual, cultural, idiomática e semântica.

As questões 1, 2 e 4, embora tenham recebido algumas respostas de “inadequado” dos experts (Tabela 1), apontaram essencialmente a questão do uso do termo “próximas”, e foram também apenas reformuladas quanto a essa exclusão. No item 2, a palavra “possuem” foi trocada por “têm” (Material Suplementar 1).

Os itens 3, 7, 8, 10 e 11 receberam mais avaliações de “inadequado” (Tabela 1) e sugestões para revisão, a saber: para o item 3, a expressão com “as modelos famosas magras” (thin models in magazines) não foi considerada uma boa opção de comparação, sendo discutido com os experts (em nova troca de formulários forms) e acordado o uso de “com as mulheres magras da mídia”. No caso do item 7, seguindo sugestão dos experts, a expressão “comidas gordas” foi trocada por “comidas engordativas” (do original eating fattening foods), a fim de adequá-la a cultura da população do idioma-alvo (adolescentes brasileiras). Para o item 8, julgou-se pelos experts adequar o tempo verbal da frase “estou engordando” por “eu engordei”. Para o item 10, visando garantir a equivalência semântica adequada e a compreensão do conteúdo expresso na escala original, a expressão “comer tanto” mudou para “comer muito”. Na questão 11, a alteração sugerida e acatada foi alterar a expressão “e comparo com o corpo de outras amigas” por “comparado ao corpo das minhas amigas”. Em relação ao enunciado, além da exclusão da palavra “próximas”, optou-se por trocar “que possuem o peso parecido com o seu” por “que tem” (Material Suplementar 1).

A versão retrotraduzida após as alteraçães descritas foi enviada às autoras e teve aprovação, com poucas observações, como a concordância com a alteração feita com relação ao item 3: “O Item 3 refere-se a mulheres ‘da mídia', quando o original se refere a modelos magras em revistas em particular. Indiscutivelmente, usar ‘mulheres da mídia' é mais inclusivo e uma escolha melhor de qualquer maneira”. Para o item 5, a back-translation foi com o termo “comment’’, sugerindo-se o uso de “complain", mas já estávamos adotando na versão em português o termo “reclamo”.

Para a etapa de equivalência operacional, as 32 adolescentes tinham idade média de 16,48 (DP = 0,89) anos, com índice de massa corporal médio de 21,6 kg/m22. Royal S, MacDonald DE, Dionne MM. Development and validation of the Fat Talk Questionnaire. Body Image 2013; 10(1): 62-9. http://dx.doi.org/10.1016/j.bodyim.2012.10.003
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(DP = 3,02) e renda familiar superior a R$ 10.450,00 (dez salários-mínimos) para 42% delas; e 50% tinham escolaridade paterna com ensino superior completo. Por meio de formulário on-line, além dos dados sociodemográficos, as adolescentes responderam à versão final do questionário adaptado e traduzido.

Utilizou-se o próprio recurso do forms para controle do tempo de preenchimento de cada participante, cuja duração média de resposta ao questionário foi de 3,5 minutos. Não foi apontada nenhuma dúvida e sugestão quanto ao conteúdo pelas participantes, as quais usaram a versão final nessa avaliação (Material Suplementar 1).

DISCUSSÃO

Para realizar a tradução e a adaptação cultural, são necessários rigor e seguir protocolos que garantam a coerência com o instrumento original22. Royal S, MacDonald DE, Dionne MM. Development and validation of the Fat Talk Questionnaire. Body Image 2013; 10(1): 62-9. http://dx.doi.org/10.1016/j.bodyim.2012.10.003
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.101...
,55. Clarke PM, Murnen SK, Smolak L. Development and psychometric evaluation of a quantitative measure of “fat talk”. Body Image 2010; 1(7): 1-7. http://dx.doi.org/10.1016/j.bodyim.2009.09.006
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.101...
,3232. Herdman M, Fox-Rushby J, Badia X. A Model of Equivalence in the Cultural Adaptation of HRQoL Instruments: The Universalist Approach.Qual Life Res 1998; 7(4): 323-35. https://doi.org/10.1023/A:1024985930536
https://doi.org/https://doi.org/10.1023/...
. Este estudo seguiu os processos preconizados por Reichenheim e Moraes3030. Reichenheim ME, Moraes CL. Operacionalização de adaptação transcultural de instrumentos de aferição usados em epidemiologia. Rev Saúde Pública 2007; 41(4): 665-73. https://doi.org/10.1590/S0034-89102006005000035
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
e Beaton et al.3333. Beaton DE, Bombardier CG, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine 2000; 25(24): 3186-91. https://doi.org/10.1097/00007632-200012150-00014
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para adaptação transcultural e apresenta como resultado um instrumento com equivalências conceitual, semântica e operacional adaptado para uso com população adolescente do sexo feminino no português do Brasil.

O FTQ é simples, direto e descomplicado para administrar e responder. Estudo prévio apontou que ele é confiável e válido22. Royal S, MacDonald DE, Dionne MM. Development and validation of the Fat Talk Questionnaire. Body Image 2013; 10(1): 62-9. http://dx.doi.org/10.1016/j.bodyim.2012.10.003
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.101...
; até o presente momento, foi utilizado apenas na língua inglesa1616. Sutin AR, Terracciano A. Personality and the social experience of body weight. Pers Individ Dif 2019; 137: 76-9. https://doi.org/10.1016/j.paid.2018.08.007
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
,3434. Rogers CB, Taylor JJ, Jafari N, Webb JB. “No seconds for you!”: exploring a sociocultural model of fat-talking in the presenceof family involving restrictive/critical caregiver eating messages, relational body image, and anti-fat attitudes in college women. Body Image 2019; 30: 56-63. http://dx.doi.org/10.1016/j.bodyim.2019.05.004
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.101...
. De qualquer forma, mesmo com conteúdo dos itens relativamente amplo, ou seja, os comportamentos podem ocorrer em diferentes situações e/ou contextos, salienta-seque o fenômeno fat talk pode ser específico da cultura e se manifestar de forma diferente, ou não, em outros grupos culturais/étnicos. Sendo assim, ressalta-se a necessidade de adaptação e a validação de conteúdo em grupos adicionais que são diferentes em termos de cultura, etnia e idade do original do desenvolvimento3131.Peters M, Passchier J. Translating Instruments for Cross-Cultural Studies in Headache Research. Headache 2006; 46(1): 82-91. https://doi.org/10.1111/j.1526-4610.2006.00298.x
https://doi.org/https://doi.org/10.1111/...
.

O presente trabalho cumpre em parte essa necessidade, tornando o FTQ disponível para aplicação com adolescentes do sexo feminino no Brasil. Destaca-se que o público que participou da etapa de equivalência de operação não relatou nenhuma dúvida ou dificuldade e que, além da ausência de dúvidas, o tempo médio de preenchimento pelas adolescentes demonstra a facilidade e a praticidade do questionário. O mesmo instrumento em inglês, em sua versão original, foi utilizado com adolescentes e jovens adultas. De qualquer forma, como recomendado na validação de instrumentos psicométricos, toda utilização por outro público deve compreender índices de validade e confiabilidade, o que se indica em uso eventual em adultos.

A versão final tem itens com linguagem adequada para a realidade de adolescentes brasileiras, uma vez que a adaptação seguiu as recomendações de Beaton et al.3333. Beaton DE, Bombardier CG, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine 2000; 25(24): 3186-91. https://doi.org/10.1097/00007632-200012150-00014
https://doi.org/https://doi.org/10.1097/...
, que preconizam que os itens devem não apenas ser traduzidos bem linguisticamente, mas também ser adaptados culturalmente para manter a validade do conteúdo do instrumento em um nível conceitual em diferentes culturas. Acreditamos que esse seja o caso especialmente da troca de “amigas próximas”, deixando somente “amigas”, adequando aos padrões de comunicação do público-alvo, e do uso de “mulheres magras da mídia” para efeito de comparação, e não apenas “modelos”, o que é mais adequado à realidade atual de uso de mídias sociais (muito mais do que revistas e TV com suas modelos), uma vez que se sabe o impacto das imagens nessas mídias para a imagem corporal3737. van Widenfelt BM, Treffers PD, Beurs E, Siebelink BM, Koudijs E. Translation and cross-cultural adaptation of assessment instruments used in psychological research with children and families. Clin Child Fam Psychol Rev 2005; 8(2): 135-47. http://dx.doi.org/10.1007/s10567-005-4752-1
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.100...
. Assim, utilizaram-se expressões com a finalidade de adequá-las à cultura da população do idioma-alvo conforme se orienta3333. Beaton DE, Bombardier CG, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine 2000; 25(24): 3186-91. https://doi.org/10.1097/00007632-200012150-00014
https://doi.org/https://doi.org/10.1097/...
.

Ressalta-se que o público-alvo de adolescentes se encontra em fase de transição, momento em que ocorrem mudanças sociais, culturais, fisiológicas e psicológicas, bem como na aparência física. Há nesse período mais pressão e internalização dos “ideais” corporais e do corpo magro pelas meninas — influenciados pela mídia, redes sociais, amigos e pais —, o que as torna suscetíveis à comparação social, ao fat talk, às provocações relacionadas ao peso e ao bullying, à insatisfação corporal e aos comportamentos não saudáveis para controle e perda de peso2222. Voelker D, Reel J, Greenleaf C. Weight status and body image perceptions in adolescents: current perspectives. Adolesc Health Med Ther 2015; 2015(6): 149-58. https://doi.org/10.2147/AHMT.S68344
https://doi.org/https://doi.org/10.2147/...
,3838. Lira AG, Ganen AP, Lodi AS, Alvarenga MS. Uso de redes sociais, influência da mídia e insatisfação com a imagem corporal de adolescentes brasileiras. Rev Bras Psiquiatr 2017; 66(3): 134-71. https://doi.org/10.1590/0047-2085000000166
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
,3939. Morgan CM, Vecchiatti IR, Negrao AB. Etiología dos transtornos alimentares: aspectos biológicos, psicológicos e socioculturais. Rev Bras Psiquiatr 2002; 24(Supl. 3): 18-23. https://doi.org/10.1590/S1516-44462002000700005
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
,4040. Corseuil MW, Pelegrini A, Beck C, Petroski EL. Prevalência de insatisfação com a imagem corporal e sua associação com a inadequação nutricional em adolescentes. Rev Educ Física 2009; 20(1): 25-31. https://doi.org/10.4025/reveducfis.v20i1.3496
https://doi.org/https://doi.org/10.4025/...
,4141. Thompson JK, Coovert MD, Stormier SM. Body image, social comparison, and eating disturbance: A covariance structure modeling investigation. Int J Eat Disord 1999; 26(1): 43-51. https://doi.org/10.1002/(sici)1098108x(199907)26:1%3C43::aid-eat6%3E3.0.co;2-r
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. Dessa forma, avaliar o comportamento de fat talk pode ajudar a identificar e talvez prevenir esses e outros problemas relacionados à imagem corporal, com prevalência em adolescentes e que têm consequências físicas e psicossociais preocupantes4040. Corseuil MW, Pelegrini A, Beck C, Petroski EL. Prevalência de insatisfação com a imagem corporal e sua associação com a inadequação nutricional em adolescentes. Rev Educ Física 2009; 20(1): 25-31. https://doi.org/10.4025/reveducfis.v20i1.3496
https://doi.org/https://doi.org/10.4025/...
,4141. Thompson JK, Coovert MD, Stormier SM. Body image, social comparison, and eating disturbance: A covariance structure modeling investigation. Int J Eat Disord 1999; 26(1): 43-51. https://doi.org/10.1002/(sici)1098108x(199907)26:1%3C43::aid-eat6%3E3.0.co;2-r
https://doi.org/https://doi.org/10.1002/...
.

Como possível limitação do presente estudo, cita-se a amostra por conveniência, que foi utilizada pela fácil acessibilidade ao formato on-line, em virtude da pandemia do covid-19. Todavia, para a etapa de equivalência operacional, não há exigência de público tão amplo e heterogêneo, como se pretende na amostra para avaliação das propriedades psicométricas4242. Conti MA Scagliusi F, Queiroz GKO, Hearst N, Cordás TA. Adaptação transcultural: tradução e validação de conteúdo para o idioma português do modelo da Tripar tite Influence Scale de insatisfação corporal. Cad Saúde Pública 2010; 26(3): 503-13. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2010000300008
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. O uso de questionário pode estar sujeito a vieses de preenchimento no formato on-line ou presencial, em virtude do desejo de aceitação social — a propensão do voluntário para responder o que considera mais aceito pelos pesquisadores —, os quais são minimizados pelo uso de instrumentos psicométricos. O recurso utilizado via forms, com instruções detalhadas sobre o preenchimento do instrumento e disponibilidade da pesquisadora por contato telefônico, minimizou possíveis dúvidas.

Em face de possíveis impactos deletérios à saúde mental e física do engajamento em fat talk, aliado à lacuna existente no contexto nacional sobre essa temática, o presente trabalho tem o mérito de realizar a adaptação transcultural do FTQ para o português do Brasil, permitindo futuras pesquisas sobre as condições psicométricas. Destaca-se a necessidade das análises de validade externa, equivalência de mensuração e reprodutibilidade posteriormente.

Conclui-se que FTQ para o português do Brasil teve sua adaptação transcultural — tradução e validação de conteúdo — realizada de maneira adequada e com resultados satisfatórios, possibilitando futura avaliação das propriedades psicométricas, que incluem uma possível análise fatorial confirmatória/exploratória e consistência interna —, além de validades convergentes com outros instrumentos que avaliam construtos interligados, como insatisfação com a imagem corporal e autoestima.

A validade externa se refere à capacidade de generalização dos resultados de uma amostra em particular, assim, a aplicação do instrumento em uma grande amostra permitirá a análise das propriedades psicométricas e compreensão mais ampla da escala por ser adequada ao público de meninas adolescentes.

  • Fonte de financiamento: nenhuma.

REFERÊNCIAS

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    17 Fev 2021
  • Revisado
    13 Maio 2021
  • Aceito
    19 Maio 2021
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