Análise espacial do fluxo origem-destino das internações por síndrome respiratória aguda grave por COVID-19 na região metropolitana do Rio de Janeiro

João Roberto Cavalcante Diego Ricardo Xavier Cleber Vinicius Brito dos Santos Paula Cristina Pungartnik Raphael Mendonça Guimarães Sobre os autores

RESUMO:

Este estudo analisou o fluxo intermunicipal das internações por síndrome respiratória aguda grave por COVID-19 na região metropolitana do Rio de Janeiro. Foram identificadas 12.676 internações intermunicipais por COVID-19 envolvendo o município do Rio de Janeiro. Dessas, 11.288 (89,0%) eram de residentes na região metropolitana, 87% de residentes em outros municípios da mesma região e internados na capital do estado, e 13% eram residentes da capital internados em outros municípios da região. Há correlação negativa entre a distância dos municípios e o fluxo origem-destino (r=0,62, p<0,001). O município do Rio de Janeiro importa mais internações por síndrome respiratória aguda grave por COVID-19 do que exporta. Este estudo evidenciou a importância das redes de atendimento para casos mais graves, os quais necessitem, principalmente, de atenção especializada.

Palavras-chave:
COVID-19; Análise espacial; Gestão em saúde; Infecções por coronavírus

INTRODUÇÃO

A COVID-19 foi declarada emergência em saúde pública de importância internacional (ESPII) em 30 de janeiro e pandemia em 11 de março de 2020. Até 10 de julho de 2021, foram 19 milhões de casos e 530 mil óbitos no Brasil. O município do Rio de Janeiro (MRJ) confirmou mais de 390 mil casos e 29 mil óbitos nesse período11. Fundação Oswaldo Cruz. Nota técnica do Observatório Covid-19 - Indicadores de Covid-19 e distanciamento social na cidade do Rio de Janeiro [Internet]. 2021 [acessado em 01 ago. 2021]. Disponível em: Disponível em: https://portal.fiocruz.br/documento/nota-tecnica-do-observatorio-covid-19-indicadores-de-covid-19-e-distanciamento-social-na
https://portal.fiocruz.br/documento/nota...
.

A COVID-19 causou um colapso no sistema de saúde brasileiro de março a maio de 2021 em decorrência da ocupação de leitos nos centros de terapia intensiva (CTI) e unidade de terapia intensiva (UTI). No município do Rio de Janeiro, além do colapso por falta de leitos, foi registrado falta de insumos como kits de intubação22. Alves A. Rio tem 100% dos leitos de UTI para Covid-19 ocupados na rede municipal [Internet]. 2021 [acessado em 01 ago. 2021]. Disponível em: Disponível em: https://diariodorio.com/rio-tem-100-dos-leitos-de-uti-para-covid-19-ocupados-na-rede-municipal/
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,33. Resende L. Documento da Saúde do RJ alerta para ‘colapso’ por falta do kit intubação [Internet]. 2021 [acessado em 01 ago. 2021]. Disponível em: Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/2021/04/09/documento-da-saude-do-rj-alerta-para-colapso-por-falta-do-kit-intubacao
https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/20...
. A rede hospitalar brasileira é geograficamente mal distribuída. Algumas estratégias, como a regulação de leitos, procuram solucionar parcialmente essa questão. Contudo, parte desse fluxo é espontânea, especialmente no serviço privado. A COVID-19 provocou a retração da oferta de leitos graças à explosão da demanda por eles, principalmente leitos de terapia intensiva, tornando essa discussão urgente para a rede de serviços de saúde pública e privada44. Campos FCC, Canabrava CM. O Brasil na UTI: atenção hospitalar em tempos de pandemia. Saúde Debate 2020; 144(spe4): 146-60..

Como é comum em regiões de saúde, a região metropolitana (RM) do município do Rio de Janeiro comporta grande parte desses leitos de média e alta complexidades. Nesse sentido, o objetivo deste estudo foi analisar o fluxo intermunicipal das internações por SRAG por COVID-19 na RM do Rio de Janeiro.

MÉTODOS

Realizamos um estudo ecológico de dados secundários, cujas unidades de análises foram os municípios da região metropolitana e o do Rio de Janeiro. A RM agrega 22 dos 92 municípios do estado fluminense: Belford Roxo, Cachoeiras de Macacu, Duque de Caxias, Guapimirim, Itaboraí, Itaguaí, Japeri, Magé, Maricá, Mesquita, Nilópolis, Niterói, Nova Iguaçu, Paracambi, Petrópolis, Queimados, Rio Bonito, São Gonçalo, São João de Meriti, Seropédica, Tanguá e o município do Rio de Janeiro.

Os dados utilizados para as análises foram as internações de pacientes com síndrome respiratória aguda grave por COVID-19 do Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (Sivep-Gripe). Os critérios de inclusão foram internações de SRAG, cuja notificação date de 23 de março de 2020 (data do centésimo caso registrado no ERJ) a 10 de julho de 2021 (fim da semana epidemiológica 27), com classificação final de COVID-19, cujo fluxo de origem-destino da internação tenha sido do estado do Rio de Janeiro e região metropolitana para o município do Rio de Janeiro, ou vice-versa. Utilizamos as variáveis município de residência como origem e município de notificação como destino. Com isso, elaboramos mapas de fluxo e criamos uma matriz de origem-destino, que representa a diferença entre a “importação” e a “exportação” de casos do MRJ.

As análises foram realizadas no software R 3.6.1 e os mapas temáticos, no software QGIS 3.14. Para elaboração dos mapas de fluxo, utilizamos os pacotes Oursins e AequilibraE do QGIS. Utilizamos o plugin Openroute Service para capturar as distâncias e o tempo de deslocamento dos municípios de origem até o do Rio de Janeiro. Por se tratar de análise de dados secundários e sem identificação individual, este estudo fica isento de apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa.

RESULTADOS

No total, 14,7% das internações na capital do estado são de casos de fora do município do Rio de Janeiro. Foram identificadas 12.676 internações intermunicipais por COVID-19 envolvendo o município do Rio de Janeiro, sendo 11.017 (86,9%) de residentes de outras localidades do estado e internados no MRJ (Figura 1A) e 1.659 (13,1%) residentes na cidade do Rio de Janeiro e internados em outros municípios da região metropolitana (Figura 1B). Dentre essas internações, 11.288 (89,0%) eram de pacientes residentes na região metropolitana, sendo 9.825 (87%) de municípios da RM e internados no MRJ (Figura 1C) e 1.463 (13%) residentes no MRJ e internados em outras cidades da RM (Figura 1D).

Figura 1.
Fluxo de internações de SRAG por COVID-19, segundo origem-destino para o estado do Rio de Janeiro, considerando “importação” de casos (A) e exportação de casos (B); e para a região metropolitana, considerando “importação” de casos (C) e “exportação” de casos (D) - 2020 e 2021.

Há correlação negativa entre a distância dos municípios e o fluxo origem-destino (r=0,62, p<0,001). Municípios com distâncias inferiores a 40 quilômetros e menos de uma hora de deslocamento foram responsáveis pelo maior volume do saldo migratório, exceto o de Niterói. Ao final, o saldo entre origem e destino é positivo. Isto significa que a capital “importa” muito mais casos de internação do que “exporta”. Niterói foi o único município da região metropolitana que apresentou saldo negativo, ou seja, recebeu mais munícipes da capital do estado do que lhe encaminhou niteroienses (Tabela 1).

Tabela 1.
Matriz de origem-destino de internação de casos de síndrome respiratória aguda grave por COVID-19 entre o município do Rio de Janeiro e municípios da região metropolitana - 2020 e 2021 (n = 11.288).

DISCUSSÃO

O enfrentamento da pandemia de COVID-19 no estado tem sido desafiador graças ao perfil heterogêneo da população, dividida em municípios com dimensões demográficas, econômicas e sociais igualmente distintas55. Cavalcante JR, Abreu AJL. COVID-19 no município do Rio de Janeiro: análise espacial da ocorrência dos primeiros casos e óbitos confirmados. Epidemiol Serv Saúde 2020; 29(3): e2020204. https://doi.org/10.5123/S1679-49742020000300007
https://doi.org/https://doi.org/10.5123/...
. Para a gestão da saúde pública do estado, o desafio tem sido ainda maior pelo subfinanciamento do Sistema Único de Saúde (SUS) ao longo dos últimos anos66. Casal M. Cortes no SUS e teto de gastos são desafios no combate ao coronavírus [Internet]. 2020 [acessado em 01 ago. 2021]. Disponível em: Disponível em: https://economia.ig.com.br/2020-03-21/cortes-no-sus-e-teto-de-gastos-sao-desafios-no-combate-ao-coronavirus.html
https://economia.ig.com.br/2020-03-21/co...
. Nesse sentido, compreender o fluxo origem-destino de internações por SRAG por COVID-19 auxilia na elaboração de políticas públicas que atendam às reais necessidades da população.

Os resultados mostram padrões importantes de importação e exportação de casos graves de COVID-19. É importante mencionar que esse fluxo apresentou variação no período estudado. O colapso vivido pelo Brasil entre o fim de 2020 e abril de 2021, com taxas de ocupação próximas de 100% em todos os estados77. Observatório Fiocruz Covid-19. Boletim Extraordinário, 16 de março de 2021 [internet]. 2021 [acessado em 17 ago. de 2021]. Disponível em: Disponível em: https://portal.fiocruz.br/sites/portal.fiocruz.br/files/documentos/boletim_extraordinario_2021-marco-16-red-red-red.pdf
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, alterou a dinâmica dos fluxos assistenciais. Para a região metropolitana objeto deste estudo, o município do Rio de Janeiro, nesse período, não foi o único polo de atração em função do aumento da demanda por leitos, mas manteve, mesmo com elevada saturação da rede, papel central no atendimento extramunicipal88. Santos CVB, Cavalcante JR, Pungartkin PC, Guimarães RM. Space-time analysis of the first year of COVID-19 pandemic in Rio de Janeiro municipality. SciELO Preprint 2021. https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.2212
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. Em eventual novo agravamento da crise hospitalar, essa situação poderá voltar a ocorrer.

CONCLUSÕES

As medidas precisam ser adotadas não apenas pela cidade do Rio de Janeiro, mas por toda a região metropolitana, para onde convergem muitas atividades econômicas, incluindo-se rotas comerciais, criando um intenso movimento pendular da população dessa região. Dessa forma, podemos dizer que o esforço isolado do município do Rio de Janeiro pode não resultar nos efeitos esperados para redução das taxas de ocupação de leitos, bem como para reduzir a circulação do vírus.

A uniformidade das medidas não farmacológicas (especialmente aquelas relativas à restrição de circulação) e dos calendários de vacinação deve ser pensada nas lógicas das redes de atenção em saúde, ao invés de limites políticos e administrativos, sobretudo os municipais. Portanto, a gestão da pandemia deve ser realizada de forma regionalizada e pactuada.

REFERÊNCIAS

  • Fonte de financiamento: Fundação Oswaldo Cruz, Programa INOVA - Edital Geração do Conhecimento para COVID-19. #VPPCB-005-FIO-20-2-83

  • https://preprints.scielo.org/index.php/scielo/preprint/view/2891

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    12 Ago 2021
  • Revisado
    17 Ago 2021
  • Aceito
    26 Ago 2021
  • Preprint
    02 Set 2021
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