Estimativas em pequenas áreas geográficas: um passo necessário para a redução das desigualdades em saúde

Deborah Carvalho Malta Márcia Furquim Almeida Antonio Luiz Pinho Ribeiro Sobre os autores

Este suplemento da Revista Brasileira de Epidemiologia (RBE), contendo artigos baseados em resultados inéditos, explora a potencialidade analítica com base nos Sistemas de Informação em Saúde (SIS) e inquéritos nacionais para pequenas áreas geográficas. Esse número temático visa aprimorar o conhecimento da comunidade científica brasileira sobre as estimativas em pequenas áreas e apoiar políticas públicas que promovam a equidade. Para tanto, articula o intercâmbio de colaboradores internacionais e nacionais, com o intuito de avançar em uma proposta inovadora como ferramenta de gestão em saúde e apoio às políticas públicas.

O Brasil é um país com grandes desigualdades sociais, refletidas nas diferenças na distribuição de renda, no acesso desigual a serviços de saúde, moradia, emprego e escolaridade11. Barreto ML. Health inequalities: a global perspective. Ciên Saúde Coletiva 2017; 22(7): 2079-108. https://doi.org/10.1590/1413-81232017227.02742017
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. A privação econômica e social impacta na saúde e provoca situações como o acesso insuficiente a alimentos, a fome, a desnutrição infantil, as doenças infecciosas, a diminuição da expectativa de vida e o aumento da mortalidade por doenças evitáveis e tratáveis como diarreia, infecções respiratórias, HIV/Aids, tuberculose e malária11. Barreto ML. Health inequalities: a global perspective. Ciên Saúde Coletiva 2017; 22(7): 2079-108. https://doi.org/10.1590/1413-81232017227.02742017
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33. World Health Organization. World Health Statistics 2015. Genebra: World Health Organization; 2015..

Evidências atuais revelam que essas desigualdades são substanciais em diferentes grupos populacionais na maioria dos comportamentos e resultados relacionados à saúde44. Mackenbach JP. The persistence of health inequalities in modern welfare states: The explanation of a paradox. Soc Sci Med 2012; 75(4): 761-9. https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2012.02.031
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,55. Pampel FC, Krueger PM, Denney JT. Socioeconomic disparities in health behaviors. Annu Rev Sociol 2010; 36: 349-70. https://doi.org/10.1146/annurev.soc.012809.102529
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. Nesse contexto, monitorar os indicadores de saúde diante das diferentes populações e desigualdades que ampliam as diferenças sociais e iniquidades é o primeiro passo para planejar ações e programas que reduzam a ocorrência e a gravidade das doenças, uma vez que visam à identificação de fatores geográficos que expliquem os resultados de saúde, como o meio ambiente, a urbanização, o mercado de trabalho, o lazer, a educação e as instituições de saúde66. Oliveira DC, Barreira AS, Trunk MT, Guzmán AF. Efecto de las desigualdades socioeconómicas en la mortalidad de la ciudad de fortaleza, ceará. Brasil durante el año 2007. Rev Esp Salud Publica [Internet] 2010 [accessed on Dec. 10, 2020]; 84(4): 441-50. Available from: http://scielo.isciii.es/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1135-57272010000400009
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,77. Diez-Roux AV. Investigating neighborhood and area effects on health. Am J Public Health 2001; 91(11): 1783-9. https://doi.org/10.2105/ajph.91.11.1783
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Os SIS e os inquéritos populacionais constituem importantes ferramentas para avaliar e monitorar a dinâmica das doenças, agravos e seus fatores de risco. Os Sistemas de Informação Geográfica (GIS) têm sido os mais utilizados por analisar os dados de saúde de forma especializada e de acordo com os princípios da epidemiologia (pessoa, lugar, tempo, doença). Assim, a geoepidemiologia ou epidemiologia espacial analisa as variações geográficas de doenças ou outros resultados relacionados à saúde, com relação a fatores de risco demográficos, ambientais, comportamentais, socioeconômicos, genéticos e infecciosos88. Gordis L. Epidemiologia. 5ᵃ ed. Filadélfia: Revinter; 2017..

Examinar os indicadores em saúde a partir de estimativas para pequenas áreas pode conduzir a importantes resultados que, muitas vezes, são mascarados por estatísticas médias nacionais ou estaduais. Os resultados nesse nível de desagregação podem contribuir com os gestores no planejamento e na alocação de recursos, além de facilitar a identificação de possíveis soluções para esses problemas99. Dwyer-Lindgren L, Bertozzi-Villa A, Stubbs RW, Morozoff AH, Shirude S, Unützer J, et al. Trends and Patterns of Geographic Variation in Mortality from Substance Use Disorders and Intentional Injuries Among US Counties, 1980-2014. JAMA 2018; 319(10): 1013-23. https://doi.org/10.1001/jama.2018.0900
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,1010. El Bcheraoui C, Mokdad AH, Dwyer-Lindgren L, Bertozzi-Villa A, Stubbs RW, Morozoff C, et al. Trends and Patterns of Differences in Infectious Disease Mortality Among US Counties, 1980-2014. JAMA 2018; 319(12): 1248-60. https://doi.org/10.1001/jama.2018.2089
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Nesse sentido, a estimação de indicadores de saúde em pequenas áreas representa um avanço para a saúde pública brasileira, tendo em vista que esse método é pouco utilizado no país para fins de orientação da gestão pública, e pode ser implantado utilizando-se dados dos sistemas de vigilância já operantes, como o Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), o Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), o Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA), entre outros. O uso de bases secundárias de sistemas de informação já consolidados oferece as vantagens da ampla cobertura populacional e a possibilidade de incluir diferentes áreas geográficas. Ademais, destaca-se o baixo custo para a coleta das informações, uma vez que os dados são disponibilizados gratuitamente pelos organismos que os coletam e organizam, o que permite viabilizar muitos estudos.

O Brasil produz inúmeros dados de pesquisas na área da saúde com abrangência nacional, grandes regiões, unidades federadas, regiões metropolitanas e capitais. Entretanto, faltam informações em níveis mais desagregados, em razão do alto custo dessas pesquisas.

Este suplemento da RBE apresenta avanços metodológicos que permitem análises em pequenas áreas. Os SIS e suas correções foram amplamente empregados neste suplemento, permitindo apoio para os gestores locais e pesquisadores na compreensão da importância desses ajustes. Na utilização do SIM foram empregadas correções para sub-registro, redistribuição de códigos garbage e causas mal definidas, aplicação de métodos bayseanos, entre outros1111. Teixeira R, Ishitani LH, Marinho F, Pinto Junior EPP, Katikireddi SV, Malta DC. Proposta metodológica para redistribuição de óbitos por causas garbage nas estimativas de mortalidade para Doenças Crônicas Não Transmissíveis. Rev Bras Epidemiol 2020. (no prelo.) https://doi.org/10.1590/1980-549720210004.supl.1
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,1212. Assunção RM, Barreto SM, Guerra HL, Sakurai E. Mapas de taxas epidemiológicas: uma abordagem Bayesiana. Cad Saúde Pública 1998; 14(4): 713-23. https://doi.org/10.1590/S0102-311X1998000400013
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Ademais, o suplemento inova ao utilizar dados de inquéritos epidemiológicos por agregados de setor censitário, abrindo novas perspectivas metodológicas para medir as desigualdades intraurbanas. Métodos de estimação diretos e indiretos para pequenas áreas foram empregados para determinar prevalências de fatores de risco em unidades menores, por exemplo, setor censitário ou conjunto de setores censitários.

Espera-se que este suplemento da RBE produza conhecimentos para o crescimento científico, e que os resultados encontrados contribuam para subsidiar os gestores de saúde e a sociedade em geral na orientação das políticas públicas, bem como inspirar no avanço metodológico nas estimativas para pequenas áreas geográficas.

  • Fonte de financiamento: Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. TED 148-2018, projeto “Desigualdades em pequenas áreas geográficas dos indicadores de doenças crônicas não transmissíveis, violências e seus fatores de risco”; Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) (PPM-00428-17 e RED-00081-16).

Referências bibliográficas

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    Gordis L. Epidemiologia. 5ᵃ ed. Filadélfia: Revinter; 2017.
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    Dwyer-Lindgren L, Bertozzi-Villa A, Stubbs RW, Morozoff AH, Shirude S, Unützer J, et al. Trends and Patterns of Geographic Variation in Mortality from Substance Use Disorders and Intentional Injuries Among US Counties, 1980-2014. JAMA 2018; 319(10): 1013-23. https://doi.org/10.1001/jama.2018.0900
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    El Bcheraoui C, Mokdad AH, Dwyer-Lindgren L, Bertozzi-Villa A, Stubbs RW, Morozoff C, et al. Trends and Patterns of Differences in Infectious Disease Mortality Among US Counties, 1980-2014. JAMA 2018; 319(12): 1248-60. https://doi.org/10.1001/jama.2018.2089
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  • 11
    Teixeira R, Ishitani LH, Marinho F, Pinto Junior EPP, Katikireddi SV, Malta DC. Proposta metodológica para redistribuição de óbitos por causas garbage nas estimativas de mortalidade para Doenças Crônicas Não Transmissíveis. Rev Bras Epidemiol 2020. (no prelo.) https://doi.org/10.1590/1980-549720210004.supl.1
    » https://doi.org/10.1590/1980-549720210004.supl.1
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    2021
Associação Brasileira de Pós -Graduação em Saúde Coletiva São Paulo - SP - Brazil
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