Fatores associados à realização de testagem prévia para HIV, sífilis e hepatites B e C entre mulheres trans e travestis no Brasil

Beo Oliveira Leite Inês Dourado Laio Magno Sandro Sperandei Carla Gianna Luppi Maria Amelia de Sousa Mascena Veras Sobre os autores

RESUMO

Objetivo:

Investigar a realização de testagem prévia de HIV, sífilis, hepatites B (HBV) e C (HCV) entre mulheres trans e travestis (MTT) em cinco cidades brasileiras e identificar fatores associados à testagem.

Métodos:

Trata-se de um estudo de corte transversal, com recrutamento de MTT através do respondent-driven sampling (Projeto TransOdara). A variável de desfecho investigada foi realização de testagem prévia HIV, Sífilis, HBV e HCV nos últimos 12 meses. A associação entre fatores sociodemográficos e comportamentais com o desfecho foi analisada usando modelo de regressão logística binomial com efeitos mistos. Estimou-se odds ratio ajustada (aOR) e intervalos de confiança a 95% (IC95%).

Resultados:

As proporções de pessoas com realização prévia de testagem foram: 56,3% para HIV, 58,0% para sífilis, 42,1% para HBV e 44,7% para HCV. Observaram-se associação negativa da testagem prévia com idade de 35 anos ou mais e associação positiva com ter ensino médio, ter sofrido violência verbal ou psicológica nos últimos 12 meses e ter tido parceiro comercial ou casual nos últimos seis meses.

Conclusão:

Verificou-se baixa frequência de testagem nos últimos 12 meses anteriores ao estudo para HIV, Sífilis, HBV e HCV em comparação às orientações estipuladas pelo Ministério da Saúde. A ampliação do acesso e vinculação aos serviços de atenção e prevenção para as MTT é uma estratégia essencial para a redução da cadeia de transmissão do HIV e outras infecções sexualmente transmissíveis.

Palavras-chave:
Pessoas transgênero; Testes sorológicos; HIV; Sífilis; Hepatite B; Hepatite C.

INTRODUÇÃO

Estima-se que em todo o mundo cerca de um milhão de novas infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) ocorrem diariamente na população em geral. A grande maioria costuma se desenvolver de forma assintomática e, quando não diagnosticada e tratada em tempo hábil, pode impactar negativamente a saúde individual, bem como o aumento de gastos diretos em saúde11. World Health Organization. Global health sector strategies on, respectively, HIV, viral hepatitis and sexually transmitted infections for the period 2022-2030 [Internet]. Geneva: WHO; 2022 [accessed on Dec. 22, 2022]. Available at: https://www.who.int/publications/i/item/9789240053779
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. Portanto, a testagem oportuna é essencial para ações de vigilância epidemiológica, ou seja, identificação e tratamento de novos casos e, consequentemente, interrupção da cadeia de transmissão.

Entre as diversas estratégias propostas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para conter o avanço da ocorrência das ISTs, a testagem múltipla integrada consiste na investigação de infecções através da oferta conjunta de diversos testes rápidos em uma mesma visita (e.g., HIV, sífilis, hepatites virais etc.) para diagnóstico em tempo hábil, vinculação dos indivíduos com o serviço, tratamento imediato e promoção de ações de prevenção. Para que tais ações ocorram, a expansão de acesso a testagens para diferentes ISTs deve ser uma prioridade alinhada com ações de prevenção e promoção da saúde11. World Health Organization. Global health sector strategies on, respectively, HIV, viral hepatitis and sexually transmitted infections for the period 2022-2030 [Internet]. Geneva: WHO; 2022 [accessed on Dec. 22, 2022]. Available at: https://www.who.int/publications/i/item/9789240053779
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. Entretanto se observam falhas no acesso e perda de oportunidades para testagem, que é desproporcionalmente maior entre os grupos mais vulneráveis a essas infecções22. World Health Organization. HIV prevention, diagnosis, treatment, and care for key populations [Internet]. Geneva: WHO; 2022 [accessed on Dec. 22, 2022]. Available at: https://www.afro.who.int/sites/default/files/2017-06/9789241511124-eng.pdf
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,33. UNAIDS. Joint United Nations. Programme on HIV/AIDS. UNAIDS data 2020 [Internet]. Geneva: UNAIDS; 2020 [accessed on Dec. 22, 2022]. Available at: https://www.unaids.org/sites/default/files/media_asset/2020_aids-data-book_en.pdf
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.

Para esses grupos populacionais, também conhecidos como populações-chave (i.e., usuários de drogas injetáveis, prisioneiros e outras pessoas encarceradas, trabalhadores do sexo, homens que fazem sexo com outros homens e pessoas trans), é observado maior risco e vulnerabilidade de infeção por ISTs, especialmente quando se verificam maiores prevalências dessas infecções quando comparado com a população em geral33. UNAIDS. Joint United Nations. Programme on HIV/AIDS. UNAIDS data 2020 [Internet]. Geneva: UNAIDS; 2020 [accessed on Dec. 22, 2022]. Available at: https://www.unaids.org/sites/default/files/media_asset/2020_aids-data-book_en.pdf
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4. Bastos FI, Bastos LS, Coutinho C, Toledo L, Mota JC, Velasco-de-Castro CA, et al. HIV, HCV, HBV, and syphilis among transgender women from Brazil: Assessing different methods to adjust infection rates of a hard-to-reach, sparse population. Medicine (United States) 2018; 97(1S Suppl 1): S16-S24. https://doi.org/10.1097/MD.0000000000009447
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-55. UNAIDS. The Gap Report 2014 [Internet]. Geneva: UNAIDS; 2014 [accessed on Dec. 22, 2022]. Available at: https://unaids-test.unaids.org/sites/default/files/unaids/contentassets/documents/unaidspublication/2014/UNAIDS_Gap_report_en.pdf
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. Além disso, observa-se menor acesso aos serviços de saúde voltados a prevenção, testagem e tratamento33. UNAIDS. Joint United Nations. Programme on HIV/AIDS. UNAIDS data 2020 [Internet]. Geneva: UNAIDS; 2020 [accessed on Dec. 22, 2022]. Available at: https://www.unaids.org/sites/default/files/media_asset/2020_aids-data-book_en.pdf
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4. Bastos FI, Bastos LS, Coutinho C, Toledo L, Mota JC, Velasco-de-Castro CA, et al. HIV, HCV, HBV, and syphilis among transgender women from Brazil: Assessing different methods to adjust infection rates of a hard-to-reach, sparse population. Medicine (United States) 2018; 97(1S Suppl 1): S16-S24. https://doi.org/10.1097/MD.0000000000009447
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5. UNAIDS. The Gap Report 2014 [Internet]. Geneva: UNAIDS; 2014 [accessed on Dec. 22, 2022]. Available at: https://unaids-test.unaids.org/sites/default/files/unaids/contentassets/documents/unaidspublication/2014/UNAIDS_Gap_report_en.pdf
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6. UNAIDS. Joint United Nations. Programme on HIV/AIDS. UNAIDS data 2021 [Internet]. Geneva: UNAIDS; 2021 [accessed on Dec. 12, 2022]. Available at: https://www.unaids.org/sites/default/files/media_asset/JC3032_AIDS_Data_book_2021_En.pdf.
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7. Rowe D, Ng YC, O’Keefe LC. Addressing transgender patients’ barriers to access care. Nurse Pract 2019; 44(6): 30-8. https://doi.org/10.1097/01.NPR.0000558155.38478.8f
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8. Reisner SL, Poteat T, Keatley JA, Cabral M, Mothopeng T, Dunham E, et al. Global health burden and needs of transgender populations: a review. Lancet 2016; 388(10042): 412-36. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(16)00684-X
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9. Poteat T, German D, Kerrigan D. Managing uncertainty: A grounded theory of stigma in transgender health care encounters. Soc Sci Med 2013 ;84: 22-9. https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2013.02.019
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-1010. UNAIDS. Joint United Nations. Programme on HIV/AIDS. Understanding fast-track: accelerating action to end the aids epidemic by 2030 [Internet]. Geneva: UNAIDS; 2020. [accessed on Dec. 12, 2022]. Available at: https://www.unaids.org/sites/default/files/media_asset/201506_JC2743_Understanding_FastTrack_en.pdf
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.

Entre as pessoas trans, as mulheres trans e travestis (MTT) em todo mundo são desproporcionalmente mais afetadas por ISTs. A prevalência global de HIV estimada para mulheres trans é de 19,9%1111. Stutterheim SE, van Dijk M, Wang H, Jonas KJ. The worldwide burden of HIV in transgender individuals: an updated systematic review and meta-analysis. PLoS One 2021; 16(12): e0260063. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0260063
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; para sífilis, entre 1,4 e 50,4%1212. Van Gerwen OT, Jani A, Long DM, Austin EL, Musgrove K, Muzny CA. Prevalence of sexually transmitted infections and human immunodeficiency virus in transgender persons: a systematic review. Transgend Health 2020; 5(2): 90-103. https://doi.org/10.1089/trgh.2019.0053
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; e as prevalências estimadas de hepatites B (HBV) e C (HCV) são de 5,0 e 6,0% respectivamente1313. Leite BO, Magno L, Soares F, MacCarthy S, Brignol S, Bastos FI, et al. HIV prevalence among transgender women in Northeast Brazil – findings from two Respondent Driven Sampling studies. BMC Public Health 2022; 22(1): 2120. https://doi.org/10.1186/s12889-022-14589-5
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. No Brasil, as prevalências são desproporcionalmente maiores em comparação com a população em geral44. Bastos FI, Bastos LS, Coutinho C, Toledo L, Mota JC, Velasco-de-Castro CA, et al. HIV, HCV, HBV, and syphilis among transgender women from Brazil: Assessing different methods to adjust infection rates of a hard-to-reach, sparse population. Medicine (United States) 2018; 97(1S Suppl 1): S16-S24. https://doi.org/10.1097/MD.0000000000009447
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,1414. Carneiro MA, Carvalho PMS, Caetano K, Oliveira B, Cunha L, Oliveira M, et al. P783 Factors associated with syphilis testing in transgender women in central-west Brazil. Sex Transm Infect 2019; 95(Suppl 1): A335. https://doi.org/10.1136/SEXTRANS-2019-STI.839
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: HIV variando de 14,3 a 40,9%1111. Stutterheim SE, van Dijk M, Wang H, Jonas KJ. The worldwide burden of HIV in transgender individuals: an updated systematic review and meta-analysis. PLoS One 2021; 16(12): e0260063. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0260063
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,1313. Leite BO, Magno L, Soares F, MacCarthy S, Brignol S, Bastos FI, et al. HIV prevalence among transgender women in Northeast Brazil – findings from two Respondent Driven Sampling studies. BMC Public Health 2022; 22(1): 2120. https://doi.org/10.1186/s12889-022-14589-5
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; sífilis, de 28,9 a 61,7%1212. Van Gerwen OT, Jani A, Long DM, Austin EL, Musgrove K, Muzny CA. Prevalence of sexually transmitted infections and human immunodeficiency virus in transgender persons: a systematic review. Transgend Health 2020; 5(2): 90-103. https://doi.org/10.1089/trgh.2019.0053
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13. Leite BO, Magno L, Soares F, MacCarthy S, Brignol S, Bastos FI, et al. HIV prevalence among transgender women in Northeast Brazil – findings from two Respondent Driven Sampling studies. BMC Public Health 2022; 22(1): 2120. https://doi.org/10.1186/s12889-022-14589-5
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14. Carneiro MA, Carvalho PMS, Caetano K, Oliveira B, Cunha L, Oliveira M, et al. P783 Factors associated with syphilis testing in transgender women in central-west Brazil. Sex Transm Infect 2019; 95(Suppl 1): A335. https://doi.org/10.1136/SEXTRANS-2019-STI.839
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15. Bassichetto K, Dourado I, Magno L, Moraes CA, Rocha F, Gomez J, et al. P409 Testing and treating syphilis in transgender women – a point-of-care approach in Brazil. Sex Transm Infect 2021; 97(Suppl 1): A167. https://doi.org/10.1136/SEXTRANS-2021-STI.437.
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16. Grinsztejn B, Jalil EM, Monteiro L, Velasque L, Moreira RI, Garcia ACF, et al. Unveiling of HIV dynamics among transgender women: a respondent-driven sampling study in Rio de Janeiro, Brazil. Lancet HIV 2017; 4(4): e169-e176. https://doi.org/10.1016/S2352-3018(17)30015-2
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-1717. Silva RA, Silva LAV, Soares F, Dourado I. Factors associated with the use of industrial liquid silicone among travesti and transgender women in Salvador, Northeast Brazil. Venereology 2022; 1(3): 223-34. https://doi.org/10.3390/venereology1030016
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; HBV, de 0,7 a 12,3%1616. Grinsztejn B, Jalil EM, Monteiro L, Velasque L, Moreira RI, Garcia ACF, et al. Unveiling of HIV dynamics among transgender women: a respondent-driven sampling study in Rio de Janeiro, Brazil. Lancet HIV 2017; 4(4): e169-e176. https://doi.org/10.1016/S2352-3018(17)30015-2
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,1818. Ferreira ACG, Coelho LE, Jalil EM, Luz PM, Friedman RK, Guimarães MRC, et al. Transcendendo: a cohort study of HIV-infected and uninfected transgender women in Rio de Janeiro, Brazil. Transgend Health 2019; 4(1): 107-17. https://doi.org/10.1089/trgh.2018.0063
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,1919. Ferri LP, Junqueira PS, Almeida MMS, Oliveira MG, Oliveira BR, Silva BVD, et al. Viral hepatitis A, B and C in a group of transgender women in Central Brazil. Trop Med Infect Dis 2022; 7(10): 269. https://doi.org/10.3390/tropicalmed7100269.
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; e HCV, de 0,8 a 1,4%1313. Leite BO, Magno L, Soares F, MacCarthy S, Brignol S, Bastos FI, et al. HIV prevalence among transgender women in Northeast Brazil – findings from two Respondent Driven Sampling studies. BMC Public Health 2022; 22(1): 2120. https://doi.org/10.1186/s12889-022-14589-5
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,1818. Ferreira ACG, Coelho LE, Jalil EM, Luz PM, Friedman RK, Guimarães MRC, et al. Transcendendo: a cohort study of HIV-infected and uninfected transgender women in Rio de Janeiro, Brazil. Transgend Health 2019; 4(1): 107-17. https://doi.org/10.1089/trgh.2018.0063
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,1919. Ferri LP, Junqueira PS, Almeida MMS, Oliveira MG, Oliveira BR, Silva BVD, et al. Viral hepatitis A, B and C in a group of transgender women in Central Brazil. Trop Med Infect Dis 2022; 7(10): 269. https://doi.org/10.3390/tropicalmed7100269.
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.

O risco e a vulnerabilidade acrescidos para ISTs entre as MTT podem ser explicados por múltiplos fatores: comportamentais, como sexo sem uso de preservativo; programáticos, como o menor acesso aos serviços de saúde; e sociais, como estigma e a discriminação de gênero aos quais essa população é frequentemente submetida2020. Poteat T, Reisner SL, Radix A. HIV epidemics among transgender women. Curr Opin HIV AIDS 2014; 9(2): 168-73. https://doi.org/10.1097/COH.0000000000000030
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,2121. Poteat T, Scheim A, Xavier J, Reisner S, Baral S. Global epidemiology of HIV infection and related syndemics affecting transgender people. J Acquir Immune Defic Syndr 2016; 72 Suppl 3(Suppl 3): S210-9. https://doi.org/10.1097/QAI.0000000000001087
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. Além do mais, a compreensão da interseção entre estes múltiplos fatores é essencial para avaliar diferentes graus de risco para o HIV como um fenômeno complexo. A investigação de tais fatores é fundamental para ampliar o conhecimento sobre o conjunto de aspectos que caracterizam a vulnerabilidade dessas populações e promover a melhoria do acesso à testagem para ISTs. O objetivo deste estudo foi investigar a realização de testagem prévia de HIV, sífilis, hepatites B (HBV) e C (HCV) entre MTT em cinco cidades brasileiras e identificar fatores associados à testagem.

MÉTODOS

Desenho, local e população do estudo

Esta análise integra o estudo TransOdara, intitulado “Estudo de prevalência da sífilis e outras infecções sexualmente transmissíveis entre travestis e mulheres transexuais no Brasil: cuidado e prevenção”, desenvolvido entre dezembro 2019 e julho 2021 em cinco capitais (Campo Grande, Manaus, Porto Alegre, Salvador e São Paulo). O estudo foi coordenado pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, em colaboração com o Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids (CRT DST/Aids), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), Fundação Leônidas e Maria Deane (Fiocruz – Manaus), Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre (SMS-POA), Instituto Adolfo Lutz (IAL) e Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA).

A população de estudo foi composta por pessoas que se auto identificaram como mulheres trans e travestis (MTT). Travesti é um termo etnocultural latino-americano utilizado por algumas pessoas trans como uma identidade feminina.

As MTT elegíveis foram aquelas que apresentaram os seguintes critérios:

  1. Ter com idade ≥18 anos;

  2. Ter sido atribuída atribuído o sexo masculino ao nascer e a autoidentificação atual com uma identidade de gênero feminina;

  3. Ser residentes na área metropolitana de uma das cidades do estudo; e

  4. Ter um cupom válido para ingresso na pesquisa.

Coleta de dados e amostragem

A técnica amostral utilizada foi respondent driven sampling (RDS), indicada para populações consideradas de difícil acesso, nas quais o recrutamento tem maior alcance quando feito por meio dos próprios participantes, e que utiliza de métodos estatísticos para ajustar o recrutamento realizado por pares em uma rede de contato2222. Heckathorn DD. Respondent-driven sampling: a new approach to the study of hidden populations. Social Problems 1997; 44(2): 174-99. https://doi.org/10.2307/3096941
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23. Volz E, Heckathorn DD. Probability based estimation theory for respondent driven sampling. J Off Stat 2008; 24(1): 79-97.
-2424. Gile KJ, Handcock MS. Respondent-driven sampling: an assessment of current methodology. Sociol Methodol 2010; 40(1): 285-327. https://doi.org/10.1111/j.1467-9531.2010.01223.x
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.

As primeiras participantes, denominados “sementes”, foram selecionadas de forma não aleatória pelos pesquisadores após pesquisa qualitativa formativa, de modo a representar a heterogeneidade da população de MTT, segundo condições demográficas e socioeconômicas. Cada uma das sementes recebia até seis cupons para recrutar outras mulheres trans e travestis de sua rede de contatos, e assim sucessivamente. Cada participante recebia dois tipos de ressarcimento financeiro: o primário pela participação no estudo e o secundário por cada MTT que recrutasse.

O estudo ocorreu nos centros de pesquisa de cada uma das instituições colaboradoras dos cinco sítios. As participantes eram informadas sobre todos os procedimentos realizados na pesquisa, recebiam materiais educativos, preservativos e gel lubrificante, confirmavam a elegibilidade para o estudo e assinavam o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). Após a assinatura do TCLE, as participantes eram encaminhadas para responder um questionário sociocomportamental com um(a) entrevistador(a) previamente treinado. O questionário foi dividido em questões com os seguintes temas: variáveis socioeconômicas e demográficas; acesso e uso de serviços de saúde; utilização de hormônios e modificações corporais; conhecimento sobre ISTs, testagem e comportamento sexual; estigma, discriminação e violência; uso de álcool e outras drogas. Para mais informações, ver Veras et al.2525.Veras MASM, Pinheiro TF, Galan L, et al. TransOdara study: The challenge of integrating methods, settings and procedures during the COVID-19 pandemic in Brazil. Rev Bras Epidemiol. 2024; 27(Suppl 1): e240002.supl.1. https://doi.org/10.1590/1980-549720240002.supl.1
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.

Variáveis do estudo

Desfechos: realização de quaisquer tipos de testagem para IST nos últimos 12 meses:

  1. Testagem de HIV nos últimos 12 meses (não vs. sim);

  2. Testagem de Sífilis nos últimos 12 meses (não vs. sim);

  3. Testagem de HBV nos últimos 12 meses (não vs. sim);

  4. Testagem de HCV nos últimos 12 meses (não vs. sim).

Variáveis preditoras: mudou o nome de registro (não vs. sim); idade (até 35 anos vs. mais de 35 anos); raça/cor de pele (branco, preto/pardo e outro); escolaridade (ensino fundamental, ensino médio e ensino superior/maior); tipo de moradia (própria, aluguel e instável [ex.: temporária ou provisória que não se caracterizam como aluguel]); renda (menor que um salário mínimo, um a dois salários mínimos, dois a três salários mínimos e três ou mais salários mínimos); sofreu discriminação de gênero (não vs. sim); histórico de violência verbal ou psicológica nos últimos 12 meses (não vs. sim); histórico de violência física nos últimos 12 meses (não vs. sim); histórico de abuso sexual nos últimos 12 meses (não vs. sim); trabalho sexual na vida (não vs. sim); parceiro fixo nos últimos seis meses (não vs. sim); parceiro casual nos últimos seis meses (não vs. sim); parceiro comercial nos últimos seis meses (não vs. sim).

Análise dos dados

As variáveis foram descritas através das frequências absolutas e relativas. A associação das variáveis independentes e cada desfecho foi avaliada utilizando modelos de regressão logísticos mistos com interceptos aleatórios para as cidades de coleta dos dados (Campo Grande, Manaus, Porto Alegre, Salvador e São Paulo, representado as cinco macrorregiões brasileiras). Os pesos provenientes da amostragem RDS não foram utilizados, seguindo a recomendação de Sperandei et al.2626. Sperandei S, Bastos LS, Ribeiro-Alves M, Reis A, Bastos FA. Assessing logistic regression applied to respondent-driven sampling studies: a simulation study with an application to empirical data. Int J Soc Res Methodol 2022; 26(3): 319-33. https://doi.org/10.1080/13645579.2022.2031153
https://doi.org/10.1080/13645579.2022.20...
. O modelo múltiplo final foi selecionado utilizando o pacote StatisticalModels para linguagem R, através de um backward stepwise, iniciando com o modelo completo com todas as variáveis e retirando variáveis uma a uma, até que o menor modelo significativo seja alcançado. A máxima verossimilhança (ML) foi utilizada na seleção dos modelos, e a máxima verossimilhança restrita (REML) foi utilizada no ajuste do modelo final. Os resultados dos modelos logísticos foram apresentados em razão de chances (odds ratio – OR) e seus respectivos intervalos de confiança para 95%. As variabilidades de cada um dos desfechos foram estimadas através do coeficiente de correlação intraclasse (ICC). Todas as análises foram realizadas em R versão 4.2.32727. R Core Team. R: A Language and Environment for Statistical Computing. Vienna: R Foundation for Statistical Computing; 2022..

Aspectos éticos

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (CAAE 05585518.7.0000.5479 - Nº parecer: 3.126.815 - 30/01/2019), assim como pelas demais instituições participantes.

RESULTADOS

Das 1.317 MTT recrutadas, 1.277 responderam às perguntas sobre testagem prévia para ISTs, classificadas como desfecho e foram incluídas nesta análise. Dessas, 55,3% (n=706; IC95% 52,5–58,4) realizaram testagem para HIV nos últimos 12 meses; 56,1% (n=716; IC95% 53,3–58,8), para sífilis; 40,0% (n=511; IC95% 37,3–42,8), para HBV; e 42,6% (n=544; IC95% 39,9–45,4), para HCV (Tabela 1). Do total, 30,6% (n=391) residiam ou trabalhavam em São Paulo; 25,3% (n=323), em Manaus; 15,5% (n=198), em Salvador; 14,8% (n=189), em Porto Alegre; e 13,8% (n=176), em Campo Grande. A maioria delas ainda não havia mudado o nome de registro (70,6%), possuíam até 34 anos de idade (63,0%), eram pretas ou pardas (70,1%), possuíam nível de escolaridade até o ensino médio (69,9%), moravam de aluguel (36,7%) ou moradia instável (36,9%) e possuíam renda menor que um salário mínimo (43,3%) (Tabela 2).

Tabela 1
Descrição sociodemográfica e comportamental das MTT do Projeto TransOdara, 2020–2021.
Tabela 2
Descrição sociodemográfica e comportamental das MTT do Projeto TransOdara, 2020–2021.

Maior parte delas relatou já ter sofrido discriminação alguma vez na vida (85,4%), quase metade (47,8%) relatou histórico de violência verbal ou psicológica nos últimos 12 meses e 15,7% (201) e 51,2% (654), de violência física e sexual respectivamente nos últimos 12 meses da realização da pesquisa. Além disso, 73,8% (943) já havia feito trabalho sexual alguma vez na vida, quase metade (48,6%) relatou ter tido parceiro fixo nos últimos seis meses e 44,5% (568) e 40,0% (511), relataram ter tido parceiros casuais e comerciais respectivamente, também nos últimos seis meses (Tabela 2).

Os fatores que se associaram significativamente a uma maior chance de realização de testagem para HIV nos últimos 12 meses foram: ter sofrido violência verbal ou psicológica nos últimos 12 meses (aOR 1,39; IC95% 1,08–1,79) e ter tido parceiro casual nos últimos seis meses (aOR 1,35; IC95% 1,04–1,74). A idade de 35 anos ou mais reduziu significativamente a chance de realização de testagem para HIV nos últimos 12 meses (aOR 0,73; IC95% 0,56–0,95) (Tabela 2).

Para a realização de testagem de sífilis nos últimos 12 meses, os fatores que aumentaram significativamente a chance foram: violência verbal ou psicológica nos últimos 12 meses (aOR 1,53; IC95% 1,19–1,98) e ter tido parceiro comercial nos últimos 12 meses (aOR 1,60; IC95% 1,24–2,07) (Tabela 3).

Tabela 3
Estimativa da aOR para os fatores associados para testagem de HIV e sífilis nos últimos 12 meses entre as MTT do Projeto TransOdara, 2020-2021.

Para as estimativas de associação para realização de testagem HBV e HCV nos últimos 12 meses, ter ensino médio (aOR 1,50; IC95% 1,09–2,06), ter ensino superior ou maior (aOR 2,21; IC95% 1,12–4,34), ter sofrido violência verbal ou psicológica nos últimos 12 meses (aOR 1,39; IC95% 1,06–1,83) e ter tido parceiro comercial nos últimos 12 meses (aOR 1,39; IC95% 1,04–1,85) aumentaram significativamente a chance de ter realizado teste para HBV nos últimos 12 meses; enquanto ter ensino médio (aOR 1,55; IC95% 1,14–2,15) e ter tido parceiro comercial nos últimos seis meses (aOR 1,71; IC95% 1,29–2,27) estiveram associados significativamente a uma maior chance de realização de testagem para HCV nos últimos seis meses (Tabela 4).

Tabela 4
Estimativa da aOR para os fatores associados para testagem para testagem de HBV e HCV nos últimos 12 meses entre as MTT do estudo TransOdara, 2020–2021.

DISCUSSÃO

Este estudo revelou que mais da metade das MTT realizou algum teste para HIV ou sífilis nos últimos 12 meses, entretanto menos da metade chegou a realizar testes para HBV ou HCV nesse mesmo período. Além do mais, observou-se que fatores como escolaridade, renda, parcerias sexuais, trabalho sexual e violência foram associados com a realização das testagens, assim como já mostrado na literatura2020. Poteat T, Reisner SL, Radix A. HIV epidemics among transgender women. Curr Opin HIV AIDS 2014; 9(2): 168-73. https://doi.org/10.1097/COH.0000000000000030
https://doi.org/10.1097/COH.000000000000...
,2828. Calin R, Massari V, Pialoux G, Reydellet N, Plenel E, Chauvin C, et al. Acceptability of on-site rapid HIV/HBV/HCV testing and HBV vaccination among three at-risk populations in distinct community-healthcare outreach centres: the ANRS-SHS 154 CUBE study. BMC Infect Dis 2020; 20(1): 851. https://doi.org/10.1186/s12879-020-05601-7
https://doi.org/10.1186/s12879-020-05601...

29. Rael CT, Giguere R, Lopez-Rios J, Lentz C, Balán IC, Sheinfil A, et al. Transgender women’s experiences using a home HIV-testing kit for partner-testing. AIDS Behav 2020; 24(9): 2732-41. https://doi.org/10.1007/s10461-020-02829-x
https://doi.org/10.1007/s10461-020-02829...

30. Beattie TSH, Bhattacharjee P, Suresh M, Isac S, Ramesh BM, Moses S. Personal, interpersonal and structural challenges to accessing HIV testing, treatment and care services among female sex workers, men who have sex with men and transgenders in Karnataka state, South India. J Epidemiol Community Health 2012; 66 Suppl 2: ii42-8. https://doi.org/10.1136/jech-2011-200475
https://doi.org/10.1136/jech-2011-200475...

31. Pinheiro Júnior FML, Kendall C, Martins TA, Mota RMS, Macena RHM, Glick J, et al. Risk factors associated with resistance to HIV testing among transwomen in Brazil. AIDS Care 2016; 28(1): 92-7. https://doi.org/10.1080/09540121.2015.1066751
https://doi.org/10.1080/09540121.2015.10...

32. Bao A, Colby DJ, Trang T, Le BQ, Dinh TD, Nguyen QH, et al. Correlates of HIV testing among transgender women in Ho Chi Minh, Vietnam. AIDS Behav 2016; 20(Suppl 3): 371-8. https://doi.org/10.1007/s10461-016-1574-8
https://doi.org/10.1007/s10461-016-1574-...

33. Rutledge R, Morozova O, Gibson BA, Altice FL, Kamarulzaman A, Wickersham JA. Correlates of recent HIV testing among transgender women in Greater Kuala Lumpur, Malaysia. LGBT Health 2018; 5(8): 484-93. https://doi.org/10.1089/lgbt.2018.0021
https://doi.org/10.1089/lgbt.2018.0021...
-3434. Fredriksen-Goldsen KI, Cook-Daniels L, Kim HJ, Erosheva EA, Emlet CA, Hoy-Ellis CP, et al. Physical and mental health of transgender older adults: an at-risk and underserved population. Gerontologist 2014; 54(3): 488-500. https://doi.org/10.1093/geront/gnt021
https://doi.org/10.1093/geront/gnt021...
.

A frequência de realização da testagem para HIV nos últimos 12 meses para MTT encontrada neste estudo foi similar à observada em outros estudos. Um estudo realizado com MTT em Ho Chi Minh, Vietnã, revelou uma frequência de 59,3% no último ano3232. Bao A, Colby DJ, Trang T, Le BQ, Dinh TD, Nguyen QH, et al. Correlates of HIV testing among transgender women in Ho Chi Minh, Vietnam. AIDS Behav 2016; 20(Suppl 3): 371-8. https://doi.org/10.1007/s10461-016-1574-8
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. Já outro estudo realizado em Pattaya, Tailândia, encontrou 54,7% de testagem no último ano entre MTT3535. Pawa D, Firestone R, Ratchasi S, Dowling O, Jittakoat Y, Duke A, et al. Reducing HIV risk among transgender women in Thailand: a quasi-experimental evaluation of the sisters program. PLoS One 2013; 8(10): e77113. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0077113
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. Já no Brasil, um estudo de RDS com MTT realizado em três cidades encontrou uma frequência ainda menor (45,8%)3636. Leite BO, Medeiros DS, Magno L, Bastos FI, Coutinho C, Brito AM, et al. Association between gender-based discrimination and medical visits and HIV testing in a large sample of transgender women in northeast Brazil. Int J Equity Health 2021; 20(1): 199. https://doi.org/10.1186/s12939-021-01541-z
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.

Até o momento da realização deste estudo, não se tem conhecimento de outros estudos que estimassem a frequência de realização prévia de testagem de sífilis entre MTT no Brasil. Visto que se observaram frequências semelhantes de realização para testagem de HIV e sífilis no último ano anterior à realização da pesquisa, é possível que ambos os testes tenham sido realizados concomitantemente, dada a recomendação estabelecida pelo Ministério da Saúde para realização de testagem para ISTs no Brasil3737. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de DST, Aids e hepatites virais. Brasília: Ministério da Saúde; 2022..

Ainda que mais da metade das participantes tenham realizado a testagem para HIV ou sífilis no ano anterior à realização desta pesquisa, essa frequência ainda é baixa quando comparada com a recomendação de testagem prevista para essa população. O protocolo de diretrizes clínicas e terapêuticas (PCDT) para atenção integral às pessoas com ISTs recomenda que, para mulheres trans e travestis, o rastreio de HIV e sífilis seja realizado ao menos duas vezes ao ano3737. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de DST, Aids e hepatites virais. Brasília: Ministério da Saúde; 2022.. Adicionalmente, a atualização da estratégia de enfrentamento da epidemia do HIV definida pelo Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids) em 2021 propõe que 95% das pessoas conheçam seu diagnóstico, 95% tenham acesso ao tratamento e 95% tenham carga viral suprimida1010. UNAIDS. Joint United Nations. Programme on HIV/AIDS. Understanding fast-track: accelerating action to end the aids epidemic by 2030 [Internet]. Geneva: UNAIDS; 2020. [accessed on Dec. 12, 2022]. Available at: https://www.unaids.org/sites/default/files/media_asset/201506_JC2743_Understanding_FastTrack_en.pdf
https://www.unaids.org/sites/default/fil...
,3838. Unaids. Joint United Nations. Programme on HIV/AIDS. 90-90-90: an ambitious treatment target to help end the AIDS epidemic [Internet]. Geneva: UNAIDS; 2014. [accessed on Jan. 05, 2023]. Available at: https://www.unaids.org/sites/default/files/media_asset/90-90-90_en.pdf
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.

Para a testagem prévia para HBV e HCV, um estudo realizado em Paris sobre acesso aos testes rápidos para HIV, HBC e HCV entre homens que faziam sexo com outros homens (HSH), usuários de drogas injetáveis e mulheres trans e travestis revelou também uma baixa frequência de testagem na vida e nos últimos 12 meses: para HBV, 49,3% fizeram testagem na vida e, destas, 49,3% fizeram nos últimos 12 meses; já para HCV, 38,3% já fizeram testagem na vida e, destas, 53,3% fizeram nos últimos 12 meses. Essa baixa frequência pode ser explicada pela falta de acesso das populações-chave para os serviços de atenção e prevenção às IST2828. Calin R, Massari V, Pialoux G, Reydellet N, Plenel E, Chauvin C, et al. Acceptability of on-site rapid HIV/HBV/HCV testing and HBV vaccination among three at-risk populations in distinct community-healthcare outreach centres: the ANRS-SHS 154 CUBE study. BMC Infect Dis 2020; 20(1): 851. https://doi.org/10.1186/s12879-020-05601-7
https://doi.org/10.1186/s12879-020-05601...
. Especialmente no contexto brasileiro, pode-se levar em conta a baixa prevalência de HBV e HCV entre as MTT, o que explica uma orientação menos ativa para rastreio dessas ISTs nessa população3737. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de DST, Aids e hepatites virais. Brasília: Ministério da Saúde; 2022..

Este estudo revelou que as MTT mais velhas tiveram menor chance de realização de testagem para HIV no último ano. Talvez por terem experenciado, durante anos, a falta de cuidado pelos serviços de saúde no Brasil, a falta de políticas públicas de saúde específicas voltadas à população trans, além das frequentes ocasiões de discriminação nos serviços por parte dos profissionais e usuários3939. Rocon PC, Rodrigues A, Zamboni J, Pedrini MD. Dificuldades vividas por pessoas trans no acesso ao Sistema Único de Saúde. Ciên Saúde Colet 2016; 21(8): 2517-26. https://doi.org/10.1590/1413-81232015218.14362015
https://doi.org/10.1590/1413-81232015218...
,4040. Monteiro S, Brigeiro M. Experiências de acesso de mulheres trans/travestis aos serviços de saúde: avanços, limites e tensões. Cad Saúde Pública 2019; 35(4): e00111318. https://doi.org/10.1590/0102-311X00111318
https://doi.org/10.1590/0102-311X0011131...
, podem ter internalizado negativamente tais experiências, desenvolvendo um medo pela procura de assistência, assim como um certo grau de falta de credibilidade dos serviços3434. Fredriksen-Goldsen KI, Cook-Daniels L, Kim HJ, Erosheva EA, Emlet CA, Hoy-Ellis CP, et al. Physical and mental health of transgender older adults: an at-risk and underserved population. Gerontologist 2014; 54(3): 488-500. https://doi.org/10.1093/geront/gnt021
https://doi.org/10.1093/geront/gnt021...
,4141. Socías ME, Marshall BDL, Arístegui I, Romero M, Cahn P, Kerr T, et al. Factors associated with healthcare avoidance among transgender women in Argentina. Int J Equity Health 2014; 13(1): 81. https://doi.org/10.1186/s12939-014-0081-7
https://doi.org/10.1186/s12939-014-0081-...

42. Fauk NK, Merry MS, Putra S, Sigilipoe MA, Crutzen R, Mwanri L. Perceptions among transgender women of factors associated with the access to HIV/AIDS-related health services in Yogyakarta, Indonesia. PLoS One 2019; 14(8): e0221013. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0221013
https://doi.org/10.1371/journal.pone.022...
-4343. Hughto JMW, Reisner SL, Pachankis JE. Transgender stigma and health: a critical review of stigma determinants, mechanisms, and interventions. Soc Sci Med 2015; 147: 222. https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2015.11.010
https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2015...
. Faz-se necessário salientar que, apesar da criação de estratégias e políticas de atenção trans centradas ao longo dos últimos anos no Brasil, a realidade prática de muitas MTT ainda é a falta de acesso e assistência tanto para estratégias de prevenção e controle das ISTs como para a saúde de uma forma ampliada3636. Leite BO, Medeiros DS, Magno L, Bastos FI, Coutinho C, Brito AM, et al. Association between gender-based discrimination and medical visits and HIV testing in a large sample of transgender women in northeast Brazil. Int J Equity Health 2021; 20(1): 199. https://doi.org/10.1186/s12939-021-01541-z
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,3939. Rocon PC, Rodrigues A, Zamboni J, Pedrini MD. Dificuldades vividas por pessoas trans no acesso ao Sistema Único de Saúde. Ciên Saúde Colet 2016; 21(8): 2517-26. https://doi.org/10.1590/1413-81232015218.14362015
https://doi.org/10.1590/1413-81232015218...
,4040. Monteiro S, Brigeiro M. Experiências de acesso de mulheres trans/travestis aos serviços de saúde: avanços, limites e tensões. Cad Saúde Pública 2019; 35(4): e00111318. https://doi.org/10.1590/0102-311X00111318
https://doi.org/10.1590/0102-311X0011131...
,4444. Costa AB, Fontanari AMV, Catelan RF, Schwarz K, Stucky JL, Rosa Filho HT, et al. HIV-related healthcare needs and access barriers for brazilian transgender and gender diverse people. AIDS Behav 2018; 22(8): 2534-42. https://doi.org/10.1007/s10461-017-2021-1
https://doi.org/10.1007/s10461-017-2021-...
,4545. Sousa LMS. Estigma e vulnerabilidade ao HIV/Aids entre travestis e mulheres transexuais [Tese]. Salvador: Universidade Federal da Bahia; 2017.. Além da falta de acesso, a realização do teste rápido também pode ser afetada pela aceitabilidade, o que inclui baixo custo, disponibilidade e tempo para o resultado ou o acolhimento pelo profissional4646. World Health Organization. Rapid HIV tests: guidelines for use in HIV testing and counselling services in resource-constrained settings. Geneva: WHO; 2004.. Entretanto a aceitabilidade à testagem rápida não foi aferida neste estudo.

O relato de sofrimento de violência verbal ou psicológica no último ano também esteve associado com a maior chance de testagem. Esse achado está em consonância com outros estudos, que também reportaram a relação entre violência e infecção pelo HIV. A exposição à violência poderia motivar a realização de testagem entre mulheres trans e travestis, dado o conhecimento sobre o risco e exposição aumentados para a transmissão desse vírus2020. Poteat T, Reisner SL, Radix A. HIV epidemics among transgender women. Curr Opin HIV AIDS 2014; 9(2): 168-73. https://doi.org/10.1097/COH.0000000000000030
https://doi.org/10.1097/COH.000000000000...
,3333. Rutledge R, Morozova O, Gibson BA, Altice FL, Kamarulzaman A, Wickersham JA. Correlates of recent HIV testing among transgender women in Greater Kuala Lumpur, Malaysia. LGBT Health 2018; 5(8): 484-93. https://doi.org/10.1089/lgbt.2018.0021
https://doi.org/10.1089/lgbt.2018.0021...
,4747. Logie CH, Lacombe-Duncan A, Wang Y, Jones N, Levermore K, Neil A, et al. Prevalence and correlates of HIV infection and HIV testing among transgender women in Jamaica. AIDS Patient Care STDS 2016; 30(9): 416-24. https://doi.org/10.1089/apc.2016.0145
https://doi.org/10.1089/apc.2016.0145...
,4848. Operario D, Nemoto T. HIV in transgender communities: syndemic dynamics and a need for multicomponent interventions. J Acquir Immune Defic Syndr 2010; 55(Suppl 2): S91-3. https://doi.org/10.1097/QAI.0b013E3181fbc9ec
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. Além do mais, a violência sofrida pelas MTT também pode estar presente no contexto das parcerias sexuais, especialmente quando o resultado do teste é positivo2929. Rael CT, Giguere R, Lopez-Rios J, Lentz C, Balán IC, Sheinfil A, et al. Transgender women’s experiences using a home HIV-testing kit for partner-testing. AIDS Behav 2020; 24(9): 2732-41. https://doi.org/10.1007/s10461-020-02829-x
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.

Outro fator significante na realização de testagens foi a indicação de parceria sexual casual ou comercial nos últimos seis meses, as quais também estiveram relacionadas com o aumento da chance de frequência das testagens nos últimos 12 meses. Tal efeito pode indicar conhecimento e percepção de risco das participantes, resultando na adoção de estratégias preventivas entre as MTT com vida sexualmente ativa e parcerias casuais ou comerciais. Tal prática possibilita o conhecimento do diagnóstico com brevidade e a adoção de práticas seguras entre seus parceiros3232. Bao A, Colby DJ, Trang T, Le BQ, Dinh TD, Nguyen QH, et al. Correlates of HIV testing among transgender women in Ho Chi Minh, Vietnam. AIDS Behav 2016; 20(Suppl 3): 371-8. https://doi.org/10.1007/s10461-016-1574-8
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,4949. Lippman SA, Moran L, Sevelius J, Castillo LS, Ventura A, Treves-Kagan S, et al. Acceptability and feasibility of HIV self-testing among transgender women in San Francisco: a mixed methods pilot study. AIDS Behav 2016; 20(4): 928-38. https://doi.org/10.1007/s10461-015-1236-2
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. É também importante ressaltar que a adoção dessa prática pode representar tanto o aumento do conhecimento como o aumento da procura pelo cuidado e pela prevenção entre as MTT.

Este estudo possuiu algumas limitações. O desenho transversal dificulta a possibilidade de estabelecimentos de uma relação temporal entre as variáveis e, assim como em outros estudos que utilizam RDS, a existência de viés seleção, dada a estratégia de recrutamento não probabilística e efeito de homofilia na construção da rede2222. Heckathorn DD. Respondent-driven sampling: a new approach to the study of hidden populations. Social Problems 1997; 44(2): 174-99. https://doi.org/10.2307/3096941
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. De uma forma geral, tais estudos não impedem a investigação de importantes informações em populações de difícil acesso para as metodologias de recrutamento convencionais, assim como estratégias como a seleção de características aleatórias das sementes e ajuste estocástico da rede tendem a reduzir o viés de seleção. A ocorrência da pandemia do COVID-19 pode ter adicionado limitações, visto que impactou a realização dos campos nos diferentes sítios, incluindo recrutamento, o que foi posteriormente ajustado. Dessa forma, considerou-se o uso de uma metodologia de modelagem dos dados que examinasse tais efeitos em nível de cada sítio, levando em conta a possibilidade de existência destas diferenças.

É evidente que o estigma presente na sociedade e as dificuldades de acesso aos serviços e cuidados de saúde, bem como a discriminação de gênero, são barreiras para o acesso aos cuidados em saúde em geral e às IST em particular3636. Leite BO, Medeiros DS, Magno L, Bastos FI, Coutinho C, Brito AM, et al. Association between gender-based discrimination and medical visits and HIV testing in a large sample of transgender women in northeast Brazil. Int J Equity Health 2021; 20(1): 199. https://doi.org/10.1186/s12939-021-01541-z
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,3939. Rocon PC, Rodrigues A, Zamboni J, Pedrini MD. Dificuldades vividas por pessoas trans no acesso ao Sistema Único de Saúde. Ciên Saúde Colet 2016; 21(8): 2517-26. https://doi.org/10.1590/1413-81232015218.14362015
https://doi.org/10.1590/1413-81232015218...
,4040. Monteiro S, Brigeiro M. Experiências de acesso de mulheres trans/travestis aos serviços de saúde: avanços, limites e tensões. Cad Saúde Pública 2019; 35(4): e00111318. https://doi.org/10.1590/0102-311X00111318
https://doi.org/10.1590/0102-311X0011131...
,4545. Sousa LMS. Estigma e vulnerabilidade ao HIV/Aids entre travestis e mulheres transexuais [Tese]. Salvador: Universidade Federal da Bahia; 2017.. Ao longo dos anos, esforços têm sido realizados pela sociedade civil organizada na garantia de direitos para população trans, assim como na criação da política nacional de saúde integral para lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (PNSILGBT)5050. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Apoio à Gestão Participativa. Política nacional de saúde integral de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transsexuais. Brasília: Ministério da Saúde; 2013.. Ainda assim, faz-se necessário pôr em prática estratégias que sejam, de fato, acessíveis, integrais e longitudinais e atendam às especificidades das MTT brasileiras, especialmente no que se diz respeito à testagem rápida para as ISTs. A efetiva descentralização da política de prevenção às ISTs e o combate ao estigma e à discriminação são pontos-chave para essa ampliação.

AGRADECIMENTOS:

Agradecemos a todas as mulheres trans e travestis que participaram do estudo TransOdara em cinco capitais do Brasil. Também agradecemos à equipe do Ministério da Saúde do Brasil/Deparatamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis (DCCI), especialmente Cristina Pimenta e Silvana Giozza, e à Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), em especial Grasiela Araújo.

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  • Financiamento: Este estudo foi financiado pela Organização Pan-Americana da Saúde / Ministério da Saúde do Brasil – Departamento de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis (DCCI). Carta Acordo n° SCON2019-00162.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    04 Out 2023
  • Revisado
    18 Dez 2023
  • Aceito
    03 Jan 2024
Associação Brasileira de Pós -Graduação em Saúde Coletiva São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revbrepi@usp.br