Identificação do vírus causador de encefalomielite eqüina, Paraná, Brasil*
Identification of the encephalitis equine virus, Brazil
Zoraida Fernándeza, Rosária Richartzb, Amélia Travassos Da Rosac e Vanete T Soccold
aInstituto Nacional de Higiene "Rafael Rangel". Caracas, Venezuela. bCentro de Diagnóstico "Marcos Enrietti" da Secretaria de Agricultura do Estado do Paraná. Curitiba, PR, Brasil. cLaboratório de Arbovírus do Instituto Evandro Chagas. Belém, PA, Brasil. dDepartamento de Patologia Básica do Instituto Politécnico da Universidade Federal do Paraná. Curitiba, PR, Brasil
DESCRITORES Encefalomielite eqüina, isolamento e purificação#. Doenças dos cavalos, veterinária. Alphavirus, isolamento e purificação#. Culicidae, virologia#. Insetos vetores#. Arbovírus. Testes sorológicos.
| RESUMO OBJETIVO MÉTODOS RESULTADOS CONCLUSÕES |
KEYWORDS Encephalitis equine, isolation#. Horses diseases, veterinary#. Alphavirus, isolation#. Culicidae, virology#. Insect vectors#. Arbovirus. Serologic tests.
| ABSTRACT INTRODUCTION METHODS RESULTS CONCLUSIONS
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INTRODUÇÃO
No Brasil têm sido isolados ou detectados sorologicamente três Alphavirus que têm grande importância epidemiológica e que estão amplamente distribuídos no continente Americano: o vírus da encefalomielite eqüina do leste (EEE), o da encefalomielite eqüina do oeste (WEE) e o vírus da encefalomielite eqüina venezuelana (VEE) (Fields et al,5 1996). Os vírus WEE e EEE foram os primeiros a se manifestar em humanos, no ano 1918, sem que apresentassem alterações sérias do sistema nervoso (Wigg,13 1977). Posteriormente, foi isolado e identificado o vírus EEE em eqüinos dos Estados de São Paulo, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro (Wigg,13 1977). O vírus WEE foi isolado pela primeira vez em eqüinos, no Estado do Rio de Janeiro, e foi sorologicamente relacionado à espécie SIN do complexo antigênico WEE (Bruno-Lobo et al,1 1961). Em 1963, foram realizados estudos epidemiológicos em aves silvestres, na Amazônia brasileira, tendo sido isolado o vírus EEE e detectados anticorpos para o vírus WEE em 72 espécies de aves (Vasconcelos et al12 1991). Também naquela região foram isolados os subtipos III e IV do vírus VEE, em macaco-sentinela do gênero Cebus e em grupo de mosquitos da espécie Anopheles nimbus, respectivamente (Vasconcelos et al, 12 1991; Travassos Da Rosa et al,11 1996).
Em 1975, foi isolado o subtipo IF do vírus VEE em grupo de mosquitos do gênero Culex (Melanoconion) e em morcego da espécie Carollia perspicilatta, coletados no Vale da Ribeira (São Paulo) (Calisher et al,2 1982). Entre os anos 1993 e 1994, foram efetuados inquéritos sorológicos em eqüinos e aves silvestres do Pantanal brasileiro e da Mata Atlântica (Estado de São Paulo) e, em grande percentagem dos soros testados, foram detectados anticorpos neutralizantes para o vírus EEE (Iversson et al,6 1993; Ferreira et al,4 1994). Ritchartz8 (1994) fez um inquérito sorológico em eqüinos de diferentes regiões do Estado do Paraná e detectou anticorpos inibidores da hemaglutinação para os três citados arbovírus. No entanto, testes mais específicos não foram realizados. Nos anos 1996 e 1997, foram constatados casos de eqüinos com sintomas suspeitos para encefalomielite em quatro municípios do Estado do Paraná.
Considerando a escassa informação epidemiológica existente nas áreas afetadas, foram efetuadas coletas de culicídeos e de soros de eqüinos para realizar isolamento de vírus e detecção de anticorpos na tentativa de identificar o agente causador da doença.
MÉTODOS
O estudo foi efetuado nos meses de verão (janeiro a maio) de 1997, no Estado do Paraná, nas seguintes localidades: sítio Novo Oeste, Município Vera Cruz do Oeste (latitude 25º 30' e longitude 54º 30'); Agropecuária Rio Butu, Município Céu Azul (latitude 25º 30' e longitude 54º 30'); Reserva Florestal Foz de Iguaçu, Município Céu Azul (latitude 25º 30', 26º 30' e longitude 54º 30'); Município Querência do Norte (latitude 23º 30' e longitude 54º 30') e Município Colorado (latitude 23º 30' e longitude 52º 30'). Nessas regiões a temperatura média anual é aproximadamente de 20,7ºC e a precipitação pluvial anual de 1.712 mm. A vegetação é uma mistura de mata pluvial subtropical, áreas de pastoreio e de plantações (Maack,7 1981).
As capturas de culicídeos foram efetuadas nos quatro municípios mencionados, com uma freqüência de duas vezes por mês. As coletas foram feitas com isca humana e armadilha Shannon. Os espécimes colhidos foram transportados ao laboratório em nitrogênio líquido, sobre uma mesa refrigerada (-20ºC) e identificados por espécie. Grupos de cada uma delas foram macerados em PBS (solução de borato-salina, albumina bovina a 0,75%, penicilina 100 m/ml e estreptomicina 100 mg/ml) e centrifugados. As suspensões obtidas foram inoculadas por via intracerebral (0,02 ml) em camundongos brancos "Swiss" de até três dias de idade, que foram observados diariamente por um período de 21 dias. Os animais que apresentaram sinais de doença ou mudanças do comportamento foram sacrificados para fazer novas passagens em camundongos (Travassos Da Rosa et al,10 1992).
As coletas de soros foram realizadas no mês de maio nos Municípios de Querência do Norte e de Colorado. As amostras foram colhidas de eqüinos que não possuíam mais que dois anos de idade, não tinham registro de vacina e que apresentavam sintomas ou tiveram contato com animais que haviam morrido por suspeita de encefalomielite. O sangue colhido foi dividido para isolamento de vírus e detecção de anticorpos.
As amostras colhidas para isolamento de vírus foram diluídas 1:10 em PBS e inoculadas em camundongos, e os animais que apresentaram sinais de doença foram analisados. As amostras colhidas para detecção de anticorpos foram analisadas utilizando o teste de inibição da hemaglutinação. Inicialmente foi feita uma triagem dos soros na diluição 1:20 contra os antígenos EEE, WEE, Mucambo (MUC), Pixuna (PIX), encefalites de St. Luis (SLE), Ilheus (ILH), Maguari (MAG), Tacaiuma (TCM), Catu (Catu) e Caraparu (CAR). Os soros que revelaram presença de anticorpos foram titulados contra os antígenos específicos.
Os soros que revelaram reações cruzadas para os vírus EEE, MUC e PIX, foram processados pelo teste de neutralização (N) segundo a técnica de Shope e Sather9 (1979). Cada soro testado foi avaliado contra mais de duas diluições do vírus EEE. Os resultados foram expressos como o logaritmo do índice de neutralização, que é considerado positivo quando é igual ou maior a 1,8.
RESULTADOS
Um total de 1.883 culicídeos de 25 espécies diferentes foi coletado e processado visando ao isolamento de vírus. Muitas das espécies coletadas são citadas na bibliografia como vetores de vírus causadores de encefalomielites, buniavírus e outros arbovírus de importância médica e veterinária. Entre elas estão: Culex coronator, Culex declarator, Culex (Melanoconion) sp, Aedes aegypti, Aedes serratus, Aedes scapularis, Mansonia titillans, Coquillettidia venezuelensis, Psorophora ferox, Sabethes chloropterus, Wyeomyia sp e Limatus sp (Consoli e De Oliveira,3 1994). No entanto, não houve isolamento de vírus nas amostras inoculadas nos camundongos.
Nas 22 amostras de sangue de eqüinos analisadas não houve isolamento de vírus, mas as provas sorológicas revelaram resultados importantes. No teste de IH, 10 amostras apresentaram anticorpos para o vírus SLE, 11 para o vírus MAG, 12 revelaram resultados positivos para o vírus EEE, quatro para o vírus MUC e três para o vírus PIX.
Os 12 soros que mostraram reações cruzadas para os vírus EEE, MUC e PIX revelaram valores de logaritmo do índice de neutralização maiores a 1,8, portanto, todos tinham anticorpos neutralizantes contra o vírus EEE.
DISCUSSÃO
O fato de não haver isolamento de vírus nas amostras de culicídeos e de sangue coletados, provavelmente decorre da influência de fatores biológicos, ecológicos e físicos. Entre eles podem-se mencionar a quantidade de mosquitos coletada relativamente pequena, diminuindo a probabilidade de isolar o vírus; as condições ambientais que podem ter influenciado nas densidades das populações dos hospedeiros, nas relações vetor-arbovírus, na sobrevivência dos vetores; e o estado imune e nutricional dos hospedeiros que pode ter afetado a interação vírus e célula hospedeira (Travassos Da Rosa et al,11 1996).
Apesar desses resultados, foram detectados anticorpos hemaglutinantes para os vírus SLE e MAG que são arbovírus de importância epidemiológica, embora não produzam sintomas ou conseqüências clínicas conhecidas no homem nem nos eqüinos. O vírus SLE, detectado em 10 amostras, é um Flavivirus transmitido principalmente pelas espécies Culex declarator e Culex coronator. O vírus MAG, detectado em 11 amostras de soro, é um buniavírus, transmitido por mosquitos dos gêneros Aedes, Mansonia e Psorophora. As aves são os principais hospedeiros desses vírus (Fields et al,5 1996).
O teste de neutralização revelou a presença de anticorpos para o vírus EEE nas 12 amostras testadas. Esse vírus atinge o sistema nervoso central dos cavalos produzindo doença caracterizada por febre, depressão e icterícia, falta de coordenação motora, perda de peso e provavelmente da visão (Fields et al,5 1996). Alguns desses sintomas foram observados nos eqüinos testados.
O Estado do Paraná, entre outros Estados do Brasil e países da América do Sul, faz parte do roteiro migratório de aves silvestres, residentes e migratórias, que podem constituir reservatórios naturais de vírus causadores de encefalomielite. Iversson et al6(1993), em pesquisa realizada em aves silvestres e em eqüinos de uma região do Pantanal brasileiro, detectaram a presença de anticorpos para os vírus EEE, WEE, VEE, ILH, vírus Rocio, SLE e TCM, assim como evidências de infecção recente nos eqüinos pelo vírus EEE.
Considerando que os eqüinos dos Municípios Querência do Norte e Colorado apresentaram alguns sintomas compatíveis com aqueles produzidos pelo vírus EEE e que há proximidade do Pantanal brasileiro, importante foco de manutenção e introdução do vírus EEE, com o Estado do Paraná, é possível levantar a hipótese de que o vírus EEE foi provavelmente o agente causador da doença nesses animais. No entanto, é preciso efetuar inquérito sorológico em aves silvestres migratórias, assim como em aves residentes e eqüinos, nas regiões próximas do Pantanal, na tentativa de detectar o vírus e revelar os períodos enzoóticos e epizoóticos de circulação do mesmo.
AGRADECIMENTOS
Ao Laboratório de Arbovírus do Instituto Evandro Chagas (Belém do Pará) e ao Centro de Diagnóstico "Marcos Enrietti" (Curitiba, Paraná).
REFERÊNCIAS
1. Bruno-Lobo G, Bruno-Lobo M, Travassos J, Pinheiro F, Pazin IP. Estudos sobre arbovírus. III. Isolamento de vírus sorologicamente relacionado ao sub-grupo Western - Sindbis de um caso de encefalomielite equina no Rio de Janeiro. An Microbiol 1961;9 Pt A:183-95.
2. Calisher CH, Kinney RM, Souza Lopes O, Trent DW, Monath TP, Francy DB. Identification of a new Venezuelan equine encephalitis virus from Brazil. Am J Trop Med Hyg 1982; 31:1260-72.
3. Consoli RGB, Oliveira RL. Principais mosquitos de importância sanitária no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 1994.
4. Ferreira IB, Pereira LE, Rocco IM, Marti AT, Souza LTM, Iversson LB. Surveillance of arbovirus infections in the Atlantic forest region, state of São Paulo, Brazil. I: Detection of hemaglutination-inhibiting antibodies in wild birds between 1978 and 1990. Rev Inst Med Trop São Paulo 1994;36:265-74.
5. Fields BN, Knipe DM, Howley PM, editors. Fields virology. 3rd ed. Philadelphia: Lippincott-Raven; 1996.
6. Iversson LB, Silva MS, Travassos Da Rosa APA, Barros RSV. Circulation of Eastern equine encephalitis, Western equine encephalitis, Ilhéus, Maguari and Tacaiuma viruses in equines of the Brazilian Pantanal, South America. Rev Inst Med Trop São Paulo 1993;35:355-9.
7. Maack R. Geografia física do Estado do Paraná. 2ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio/ Curitiba: Secretaria da Cultura e do Esporte do Governo do Estado do Paraná; 1981.
8. Richartz RRT. Detecção de anticorpos inibidores de hemaglutinação para Alphavirus em soros de eqüinos do Estado do Paraná [dissertação]. Curitiba (PR): Universidade Federal do Paraná; 1994.
9. Shope RE, Sather GE. Arboviruses. In: Lennette EH, Schmidt NJ, editors. Diagnostic procedures for viral, rickettsial and chlamydial infections. Washington (DC): American Public Health Association; 1979. p. 767-814.
10. Travassos Da Rosa APA, Vasconcelos PFC, Rodrigues SG, Travassos Da Rosa JFS. Manual de procedimentos técnicos para coleta de amostra e diagnóstico laboratorial das encefalomielites eqüinas. Belém: Laboratório de Arbovírus do Instituto Evandro Chagas; 1992.
11. Travassos Da Rosa APA, Travassos Da Rosa JFS, Pinheiro FP, Vasconcelos PFC. Doenças infecciosas e parasitárias: enfoque amazônico. Belém: Editora CEJUP; 1996.
12. Vasconcelos PF, Travassos Da Rosa JFS, Travassos Da Rosa APA, Degallier N, Pinheiro FP, Sá Filho GC. Epidemiologia das encefalites por arbovirus na Amazônia brasileira. Rev Inst Med Trop São Paulo 1991;33:465-76.
13. Wigg MD. Isolamento de uma amostra de vírus WEE em Haemagogous janthinomys [dissertação]. Rio de Janeiro (RJ): Universidade Federal do Rio de Janeiro; 1977.
Correspondência para/ Correspondence to:
Zoraida Fernández
Av. Jabaquara, 1397/71, bl. A2, Bairro Saúde
04045-002 São Paulo, SP, Brasil
E-mail: zofernan@usp.br
*Baseado em dissertação de mestrado apresentada à Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR. Área de concentração em Entomologia, 1998.
Subvencionado pelo "Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Tecnológicas (Conicit), Venezuela".
Recebido em 29/1/1999. Reapresentado em 2/2/2000. Aprovado em 24/2/2000.