Prevalência de cárie e CPO-D médio em escolares de doze a treze anos de idade nos anos de 1971 e 1997, região Sul, Brasil
Dental caries prevalence and mean dmf-t among schoolchildren between 1971 to 1997, Brazil
Glória R Freyslebena, Marco Aurélio A Peresb e Wagner Marcenesc
aSecretaria Estadual de Saúde de Santa Catarina. Florianópolis, SC, Brasil. bDepartamento de Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, SC, Brasil. cDepartment of Epidemiology and Public Health, Royal Free and University College Medical School, London, UK
DESCRITORES Cárie dentária, epidemiologia#. Índice CPO#. Estudos transversais. Levantamentos de saúde bucal.
| RESUMO INTRODUÇÃO MÉTODOS RESULTADOS CONCLUSÕES |
KEYWORDS Dental caries, epidemiology#. DMF index#. Cross-sectional studies. Dental health surveys. | ABSTRACT INTRODUCTION METHODS RESULTS CONCLUSIONS
|
INTRODUÇÃO
Estudos internacionais têm demonstrado uma consistente e expressiva redução da prevalência e da severidade da cárie dentária nos países desenvolvidos, nas últimas décadas.8
Barmes1 (1982), analisando os dados do Global Oral Data Bank da Organização Mundial da Saúde (OMS), afirmou que a prevalência de cárie estaria aumentando nos países em desenvolvimento.1 Fejerskov et al2 (1994) criticou esse estudo e atribuiu a variação dos valores médios de CPO-D às diferenças metodológicas nos estudos que compõem o Global Oral Data Bank da OMS.
No Brasil, levantamentos epidemiológicos de abrangência nacional, realizados pelo Ministério da Saúde, em 1986 e 1996, sugerem a redução de 53,2% no índice CPO-D ao longo desses 10 anos.6,11
Não existe no Brasil, porém, nenhuma avaliação da tendência de cárie comparando dados atuais com os do início da década de 1970, utilizando-se a mesma metodologia. Além do mais, existem dúvidas sobre a validade e a comparabilidade dos estudos nacionais mencionados.
O presente estudo teve como objetivo comparar a prevalência e a severidade da cárie dentária entre os anos de 1971 e 1997, em escolares de 12 e 13 anos de uma escola de Florianópolis, SC.
MÉTODOS
O estudo avaliou a prevalência e a severidade de cárie dentária, nos anos de 1971 e de 1997, em duas populações de escolares matriculados em uma escola de Florianópolis, Estado de Santa Catarina. Foram realizados dois estudos transversais de prevalência, nos quais os alunos de 12 e 13 anos de idade, de uma mesma escola, foram examinados, utilizando-se os mesmos critérios de diagnóstico de cárie dentária: o CPO-D originalmente proposto por Klein e Palmer4 (1937). Todos os exames foram conduzidos pela mesma examinadora, em 1971 e 1997, que foi submetida a treinamento e à calibração para a utilização do critério de diagnóstico de cárie adotado.
Foram obtidos consentimentos para realização do estudo por meio de prévio contato com a direção do colégio estudado e com os pais dos escolares examinados.
Em 1971 todos os escolares de 6 a 14 anos de idade, matriculados na referida escola, foram examinados para avaliação do índice de cárie dentária. Desses, 127 e 75 alunos apresentavam a idade de 12 e 13 anos, respectivamente. Em 1997 todos os escolares de 12 e 13 anos de idade, matriculados na mesma escola, foram examinados, totalizando 175 alunos, sendo 101 de 12 anos e 74 de 13 anos.
A pesquisa ficou restrita às idades de 12 e 13 anos. A idade de 12 anos foi escolhida por se tratar da idade-padrão para comparações internacionais e para controle das tendências da cárie ao longo do tempo. As crianças de 13 anos de idade foram incorporadas ao estudo para aumentar o tamanho da amostra.
Os exames foram realizados na mesma escola, utilizando-se o mesmo protocolo. A equipe foi formada por examinadora, anotador e monitor. Durante os exames, a examinadora ficou sentada (posição 12 horas), o anotador na posição de 9 horas e o examinado deitado sobre três carteiras justapostas, sendo os dentes examinados sob luz natural, usando-se espelho bucal plano e sonda exploradora.
Durante os levantamentos, realizaram-se exames em duplicata em 10% dos examinados, objetivando a detecção de possíveis mudanças de diagnóstico ao longo dos exames. O anotador providenciou os reexames para que o examinador não fosse capaz de identificar os indivíduos que seriam reexaminados.
RESULTADOS
Não ocorreu nenhuma recusa em participar do estudo. A concordância de diagnóstico intra-examinadora foi muito alta. O teste Kappa foi calculado para cada um dos dentes em 1997, atingindo um valor mínimo de 0,86, sendo a maioria dos valores igual a 1,00.
A distribuição por idade variou entre 1971 e 1997 (Tabela 1). Com a finalidade de avaliar se a tendência da cárie dentária da população estudada foi influenciada pela diferente distribuição por idade nos anos de 1971 e 1997 (Tabela 1), atribuiu-se peso às idades. Pode-se observar que se obteve um CPO-D médio de 6,15, que foi praticamente o mesmo (6,25) quando não houve ponderação das idades (Tabela 2).
A distribuição por sexo em 1997 foi de 50 meninos (49,5%) e 51 meninas (50,5%) com 12 anos e 40 meninos (54,1%) e 34 (45,9%) meninas com 13 anos. Informações quanto ao sexo, em 1971, não estavam disponíveis (Tabela 1). A distribuição por sexo não pode ser comparada devido à falta de informação em 1971. Diante da ausência dessa informação, decidiu-se estudar o comportamento da doença segundo o sexo em 1997. A diferença encontrada entre as médias do CPO-D para os sexos masculino (6,09) e feminino (6,41) foi testada utilizando-se o Mann-Whiney U test e o resultado mostrou que a diferença não foi estatisticamente significante (p = 0,815) (Tabela 3).
Pode-se comparar as prevalências de cárie em 1971 e 1997, que foram de 98% e 93,7%, respectivamente. Em relação à severidade de cárie, a comparação dos valores do índice CPO-D entre 1971 e 1997 mostrou uma redução de 31,2% (Tabela 4).
A redução absoluta observada deveu-se quase totalmente ao componente cariado do índice CPO-D. Os outros componentes tiveram uma contribuição mínima para a redução absoluta da cárie dentária observada entre 1971 e 1997 (Tabela 4).
DISCUSSÃO
Os resultados do presente estudo confirmam que existe uma tendência de redução da prevalência e da severidade da cárie dentária previamente observada nacionalmente.6,11
O estudo avaliou a prevalência e a severidade da cárie nos anos de 1971 e de 1997 em duas populações de escolares matriculados em uma mesma escola de Florianópolis, Santa Catarina, utilizando-se a mesma metodologia e o mesmo critério de diagnóstico de cárie dentária, o CPO-D originalmente proposto por Klein e Palmer4 (1937). Todos os exames foram conduzidos pela mesma examinadora (G.R.F.), tanto em 1971 quanto em 1997, sendo que a mesma foi treinada para a utilização do critério de diagnóstico de cárie adotado em um exercício de calibração. A examinadora manteve uma alta concordância nos diagnósticos durante os períodos de exames, (Kappa > 0,86) garantindo, assim, a confiabilidade dos achados.
O pequeno percentual de restaurações observadas na amostra (componente "O" do CPO-D), caracterizando uma baixa cobertura assistencial, aumenta a validade dos achados. Uma alta cobertura assistencial reduz a validade do resultado de levantamentos epidemiológicos, porque o componente obturado do índice CPO-D seria determinado pelo critério de diagnóstico adotado pelo dentista que restaurou o(s) dente(s), fugindo totalmente ao controle do/a examinador/a.
A redução percentual observada deve ser analisada com muito cuidado. Apesar do componente extraído (E) ter apresentado uma redução de 92,3%, a contribuição real do mesmo foi de apenas 0,36 comparada a 2,17 do componente cariado (C).
O resultado encontrado sugere que a distribuição de freqüência por sexo não interferiu na diferença entre o CPO-D médio entre 1971 e 1997.
O desenho do estudo não permite avaliação das causas da redução observada na prevalência de cárie dentária. Entretanto, é de grande importância avaliar a presença e a cronologia de fatores identificados como responsáveis pela grande redução na prevalência de cárie observada a partir da década de 1970, nos países industrializados.8
Pode-se especular que a fluoretação de águas de abastecimento contribuiu para a redução de cárie, observada no presente estudo. Em 1982, a Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (CASAN) implantou o sistema de fluoretação de águas do município, cobrindo atualmente cerca de 80% da população.5 Como os dentifrícios fluoretados foram introduzidos no mercado e consumidos de forma expressiva a partir dos anos 80, pode-se hipoteticamente considerar que esses também contribuíram para a redução de cárie, observada no presente estudo. Não houve nenhum outro programa preventivo à base de fluoretos (bochechos ou flúor gel) no período compreendido entre os dois levantamentos, que fosse dirigido à população de estudo, afastando, nesse caso, a hipotética contribuição desses programas preventivos para a redução observada.
Hipoteticamente poder-se-ia também especular que a melhoria nos indicadores gerais de vida podem ter contribuído para a redução da prevalência e da severidade de cárie dentária observada no presente estudo. Mudanças favoráveis ocorreram na qualidade de vida dos habitantes de Florianópolis, o que está refletido na alteração observada nos indicadores de saúde geral do município, no período entre 1971 e 1997.3,10
Em 1971, a escola estudada situava-se próxima à periferia da cidade, mas atualmente o bairro apresenta-se com um perfil residencial de classe média, próximo ao centro urbano.
A redução do índice CPO-D (32%) encontrada (1971 e 1997) está abaixo da verificada nacionalmente entre 1986 e 1996 (53,2%),6,11 apesar de 15 anos de implantação da fluoretação de águas do município (1982-1997) terem se passado. A redução observada está abaixo do benefício conferido por essa medida, documentado na literatura (50-59%).7 Pode-se argumentar que essa diferença possa ser devida às possíveis interrupções periódicas na fluoretação das águas de abastecimento, como as ocorridas em outros municípios brasileiros.5,9
Os resultados do presente estudo permitem concluir que houve uma efetiva redução na severidade de cárie dentária nas populações estudadas. No entanto, a redução observada encontra-se aquém da registrada entre 1986 e 1996, no Brasil. Pode-se especular que a redução real da cárie dentária no Brasil foi menor que a relatada entre 1986 e 1996. Estudos epidemiológicos de cárie dentária, realizados com diferentes metodologias, devem ser comparados de maneira cautelosa.
REFERÊNCIAS
1. Barmes DE. Indicators for oral health and their implications for developing countries. Int Dent J 1982;33:60-6.
2. Fejerskov O, Luan WM, Manji F. Caries prevalence in Africa and the People's Republic of China. Int Dent J 1994;44 (4 Suppl 1):425-33.
3. [IBGE]. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Anuário estatístico do Brasil - 1974. Rio de Janeiro: IBGE; 1974. p. 102. v. 35.
4. Klein H, Palmer CE. Dental caries in American Indian children. Public Health Bull 1937;239:1-53.
5. Lacerda JT. Programa de Saúde Bucal de Florianópolis. In: II Encontro Catarinense de Odontologia em Saúde Coletiva; Florianópolis; 1996. p. 14-7.
6. Ministério da Saúde. Secretaria Nacional de Programas Especiais de Saúde. Divisão Nacional de Saúde Bucal. Levantamento epidemiológico em saúde bucal: Brasil, zona urbana, 1986. Brasília (DF): Centro de Documentação do Ministério da Saúde; 1988.
7. Murray JJ. Efficacy of preventive agents for dental caries. Systemic fluorides water fluoridation. Caries Res 1993;27Suppl 1:2-8.
8. Petersson HG, Bratthall D. The caries decline: a review of reviews. Eur J Oral Sci 1996;104:436-43.
9. Schneider Filho DA, org. Fluoretação de água: como fazer a vigilância sanitária? Rio de Janeiro: Rede Cedros; 1992. (Cadernos de Saúde Bucal, 2).
10. Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina. Diretoria de Planejamento. Gerência de Estatística e Informática. Sistema de Informação Sobre Mortalidade - SIM, 1997. Florianópolis; 1997.
11. Souza SMD. CPO-D brasileiro aos 12 anos tem redução de 53,22%. Jornal ABO Nacional. São Paulo: dezembro, 1996. p. 8.
Correspondência para/Correspondence to:
Marco Aurélio de Anselmo Peres
Campus Universitário Trindade
88010-970 Florianópolis, SC, Brasil
E-mail: peresp@repensul.ufsc.br
Recebido em 21/6/1999. Reapresentado em 1/11/1999. Aprovado em 5/1/2000.