Incidência e fatores de risco para violência por parceiro íntimo no período pós-parto

Elisabete Pereira Silva Sandra Valongueiro Thália Velho Barreto de Araújo Ana Bernarda Ludermir Sobre os autores

Resumo

OBJETIVO

Estimar a incidência e identificar fatores de risco para violência por parceiro íntimo no pós-parto.

MÉTODOS

Realizamos estudo de coorte prospectivo com mulheres de 18 a 49 anos, cadastradas na Estratégia Saúde da Família da cidade de Recife, Nordeste do Brasil, entre 2005 e 2006. Das 1.057 mulheres entrevistadas durante a gestação e no puerpério, foram avaliadas 539 sem relatos de violência antes e durante a gestação. Foi construído um modelo teórico-conceitual com três blocos de fatores, hierarquicamente ordenados: características sociodemográficas, comportamentais da mulher e do parceiro e dinâmica da relação. A incidência e fatores de risco de violência por parceiro íntimo foram estimados pela Regressão de Poisson.

RESULTADOS

A incidência de violência no pós-parto foi 9,3% (IC95% 7,0;12,0). Violência psicológica isolada foi mais frequente (4,3%; IC95% 2,8;6,4). A sobreposição de violência psicológica com a física ocorreu em 3,3% (IC95% 2,0;5,3) e com a física ou sexual ou ambas, em quase 2,0% (IC95% 0,8;3,0) dos casos. O risco de violência por parceiro íntimo no pós-parto foi maior para mulheres: com baixa escolaridade (RR = 2,6; IC95% 1,3;5,4), sem renda própria (RR = 1,7; IC95% 1,0;2,9) e que agrediam fisicamente o parceiro sem estarem sendo agredidas (RR = 2,0; IC95% 1,2;3,4), tinham um parceiro muito controlador (RR = 2,5; IC95% 1,1;5,8) e brigavam frequentemente com seus parceiros (RR = 1,7; IC95% 1,0;2,9).

CONCLUSÕES

A elevada incidência de violência por parceiro íntimo no pós-parto e sua associação com aspectos da qualidade da relação entre o casal, revela a necessidade de políticas públicas que promovam a mediação de conflitos, busquem equidade social e de gênero e possibilitem formas de empoderamento das mulheres para o enfrentamento do ciclo violento.

Violência Contra a Mulher; Maus-Tratos Conjugais; Mulheres Maltratadas; Gestantes; Período Pós-Parto; Estudos de Coortes


INTRODUÇÃO

Muitos estudos sobre violência cometida contra mulheres têm indicado o parceiro íntimo como principal perpetrador,5.DOliveira AFPL, Schraiber LB, França-Júnior I, Ludermir AB, Portella AP, Diniz CS, et al. Fatores associados à violência por parceiro íntimo em mulheres brasileiras. Rev Saude Publica. 2009;43(2):299-310. DOI:10.1590/S0034-89102009005000013,9.Gielen AC, O’Campo PJ, Faden RR, Kass NE, Xue X. Interpersonal conflict and physical violence during the childbearing year. Soc Sci Med. 1994;39(6):781-7. DOI:10.1016/0277-9536(94)90039-6,1919 .Saltzman LE, Christopher HJ, Gilbert BC, Goodwin MM. Physical abuse around the time of pregnancy: an examination of prevalence and risk factors in 16 states. Matern Child Health J. 2003;7(1):31-43. DOI:10.1023/A:1022589501039 estimado sua magnitude7.Garcia-Moreno C, Jansen HAFM, Ellsberg M, Heise L, Watts CH; WHO Multi-country Study on Women’s Health and Domestic Violence against Women Study Team. Prevalence of intimate partner violence: findings from the WHO multi-country study on women’s health and domestic violence. Lancet.2006; 368(9543):1260-69. DOI:10.1016/S0140-6736(06)69523-8 e os fatores associados à violência por parceiro íntimo (VPI) antes e durante a gestação1919 .Saltzman LE, Christopher HJ, Gilbert BC, Goodwin MM. Physical abuse around the time of pregnancy: an examination of prevalence and risk factors in 16 states. Matern Child Health J. 2003;7(1):31-43. DOI:10.1023/A:1022589501039 e avaliado seu impacto sobre a saúde física e mental das mulheres2.Ansara D, Cohen MM, Gallop R, Kung R, Schei B. Predictors of women’s physical health problems after childbirth. J Psychosom Obstet Gynaecol. 2005;26(2):115-25. DOI:10.1080/01443610400023064,1616 .Ludermir AB, Lewis G, Valongueiro SA, Araújo TVB, Araya R. Violence against women by their intimate partner during pregnancy and postnatal depression: a prospective cohort study. Lancet. 2010;376(9744):903-10. DOI:10.1016/S0140-6736(10)60887-2 e dos seus filhos.6.Durand JG, Schraiber LB, França-Júnior I, Barros C. Repercussão da exposição à violência por parceiro íntimo no comportamento dos filhos.Rev Saude Publica. 2011;45(2):355-64. DOI:10.1590/S0034-89102011005000004 No entanto, a violência por parceiro íntimo no pós-parto (VPIPP) tem sido estudada por poucos pesquisadores.4.Charles P, Perreira KM. Intimate partner violence during pregnancy and 1-year postpartum. J Fam Viol. 2007;22(7):609-19. DOI:10.1007/s10896-007-9112-0,8.Gartland D, Hemphill SA, Hegarty K, Brown SJ. Intimate partner violence during pregnancy and the first year postpartum in an Australian pregnancy Cohort study. Matern Child Health J.2011;15(5):570-78. DOI:10.1007/s10995-010-0638-z

.Gielen AC, O’Campo PJ, Faden RR, Kass NE, Xue X. Interpersonal conflict and physical violence during the childbearing year. Soc Sci Med. 1994;39(6):781-7. DOI:10.1016/0277-9536(94)90039-6

10 .Guo SF, Wu JL, Qu CY, Yan RY. Domestic abuse on women in China before, during, and after pregnancy. Chin Med J (Engl). 2004;117(3):331-6.

11 .Hedin LW. Postpartum, also a risk period for domestic violence.Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2000;89(1):41-5. DOI:10.1016/S0301-2115(99)00164-5
-1212 .Hellmuth JC, Gordon KC, Stuart GL, Moore TM. Risk factors for intimate partner violence during pregnancy and postpartum. Arch Womens Ment Health. 2013;16(1):19-27. DOI:10.1007/s00737-012-0309-8,1717 .Macy RJ, Martin SL, Kupper LL, Casanueva C, Guo S. Partner violence among women before, during, and after postpartum: multiple opportunities for intervention. Womens Health Issues. 2007;17(5):290-9. DOI:10.1016/j.whi.2007.03.006,1818 .Martin SL, Mackie L, Kupper LL, Buescher PA, Moracco KE. Physical abuse of women before, during, and after pregnancy. JAMA.2001;285(12):1581-4. DOI:10.1001/jama.285.12.1581,2323 .Stewart DE. Incidence of postpartum abuse in women with a history of abuse during pregnancy. CMAJ. 1994;151(11):1601-4.

A prevalência de VPIPP varia de 8,3% na China1.Abramsky T, Watts CH, Garcia-Moreno C, Devries K, Kiss L, Ellsberg M, et al. What factors are associated with recent intimate partner violence? findings from the WHO multi-country study on women’s health and domestic violence. BMC Public Health. 2011;11:109. DOI:10.1186/1471-2458-11-1090 a 24,2% na Suécia.1111 .Hedin LW. Postpartum, also a risk period for domestic violence.Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2000;89(1):41-5. DOI:10.1016/S0301-2115(99)00164-5 A incidência de algum tipo de VPIPP (psicológica, física e sexual) encontrada no estudo de base populacional de Guo et al1010 .Guo SF, Wu JL, Qu CY, Yan RY. Domestic abuse on women in China before, during, and after pregnancy. Chin Med J (Engl). 2004;117(3):331-6. (2004), na China, foi de cerca de 2,5%. Já Hedin1111 .Hedin LW. Postpartum, also a risk period for domestic violence.Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2000;89(1):41-5. DOI:10.1016/S0301-2115(99)00164-5(2000) observou incidência de 69,0% numa amostra de 132 mulheres, atendidas oito semanas depois do parto, em três clínicas de pré-natal na Suécia. Nos Estados Unidos, a incidência de violência física foi encontrada em menos de 1,0% das mulheres,1818 .Martin SL, Mackie L, Kupper LL, Buescher PA, Moracco KE. Physical abuse of women before, during, and after pregnancy. JAMA.2001;285(12):1581-4. DOI:10.1001/jama.285.12.1581 em estudo de base populacional, e em 11,0%,9.Gielen AC, O’Campo PJ, Faden RR, Kass NE, Xue X. Interpersonal conflict and physical violence during the childbearing year. Soc Sci Med. 1994;39(6):781-7. DOI:10.1016/0277-9536(94)90039-6em amostra de 175 mulheres que recebiam cuidados em uma clínica de pré-natal de um hospital universitário. Essas diferenças podem ser influenciadas pelas diferentes metodologias, instrumentos, composição das amostras e período do pós-parto no qual a entrevista foi realizada, prejudicando a comparabilidade, principalmente com relação aos tipos de violência estudados.

A violência por parceiro íntimo contra as mulheres em idade reprodutiva constitui um problema de saúde pública e têm instigado interesse das áreas científica e política. Apesar disso, até a conclusão deste estudo, não foram encontrados artigos sobre incidência e fatores de risco para VPIPP no Brasil.

Os fatores de risco para VPI durante a gravidez e pós-parto são similares àqueles encontrados durante a vida: mulheres mais jovens,9.Gielen AC, O’Campo PJ, Faden RR, Kass NE, Xue X. Interpersonal conflict and physical violence during the childbearing year. Soc Sci Med. 1994;39(6):781-7. DOI:10.1016/0277-9536(94)90039-6,1818 .Martin SL, Mackie L, Kupper LL, Buescher PA, Moracco KE. Physical abuse of women before, during, and after pregnancy. JAMA.2001;285(12):1581-4. DOI:10.1001/jama.285.12.1581 sem companheiro,4.Charles P, Perreira KM. Intimate partner violence during pregnancy and 1-year postpartum. J Fam Viol. 2007;22(7):609-19. DOI:10.1007/s10896-007-9112-0 com baixa escolaridade8.Gartland D, Hemphill SA, Hegarty K, Brown SJ. Intimate partner violence during pregnancy and the first year postpartum in an Australian pregnancy Cohort study. Matern Child Health J.2011;15(5):570-78. DOI:10.1007/s10995-010-0638-z e precárias condições socioeconômicas,2222 .Sonis J, Langer M. Risk and protective factors for recurrent intimate partner violence in a cohort of low-income inner-city women. J Fam Viol. 2008;23(7):529-38. DOI:10.1007/s10896-008-9158-7 uso de álcool e drogas pela mulher e pelo parceiro,4.Charles P, Perreira KM. Intimate partner violence during pregnancy and 1-year postpartum. J Fam Viol. 2007;22(7):609-19. DOI:10.1007/s10896-007-9112-0comportamento agressivo do parceiro fora de casa,1.Abramsky T, Watts CH, Garcia-Moreno C, Devries K, Kiss L, Ellsberg M, et al. What factors are associated with recent intimate partner violence? findings from the WHO multi-country study on women’s health and domestic violence. BMC Public Health. 2011;11:109. DOI:10.1186/1471-2458-11-109,2222 .Sonis J, Langer M. Risk and protective factors for recurrent intimate partner violence in a cohort of low-income inner-city women. J Fam Viol. 2008;23(7):529-38. DOI:10.1007/s10896-008-9158-7 duração do relacionamento,2222 .Sonis J, Langer M. Risk and protective factors for recurrent intimate partner violence in a cohort of low-income inner-city women. J Fam Viol. 2008;23(7):529-38. DOI:10.1007/s10896-008-9158-7 comunicação obstaculizada com o parceiro,1616 .Ludermir AB, Lewis G, Valongueiro SA, Araújo TVB, Araya R. Violence against women by their intimate partner during pregnancy and postnatal depression: a prospective cohort study. Lancet. 2010;376(9744):903-10. DOI:10.1016/S0140-6736(10)60887-2 brigas do casal,1919 .Saltzman LE, Christopher HJ, Gilbert BC, Goodwin MM. Physical abuse around the time of pregnancy: an examination of prevalence and risk factors in 16 states. Matern Child Health J. 2003;7(1):31-43. DOI:10.1023/A:1022589501039 parceiro suspeita de infidelidade,1212 .Hellmuth JC, Gordon KC, Stuart GL, Moore TM. Risk factors for intimate partner violence during pregnancy and postpartum. Arch Womens Ment Health. 2013;16(1):19-27. DOI:10.1007/s00737-012-0309-8 violência física da mulher contra o parceiro sem ser agredida2424 .Swan SC, Snow DL. The development of a theory of women’s use of violence in intimate relationships. Violence Against Women.2006;12(11):1026-45. DOI:10.1177/1077801206293330 e o comportamento controlador do parceiro.7.Garcia-Moreno C, Jansen HAFM, Ellsberg M, Heise L, Watts CH; WHO Multi-country Study on Women’s Health and Domestic Violence against Women Study Team. Prevalence of intimate partner violence: findings from the WHO multi-country study on women’s health and domestic violence. Lancet.2006; 368(9543):1260-69. DOI:10.1016/S0140-6736(06)69523-8,2222 .Sonis J, Langer M. Risk and protective factors for recurrent intimate partner violence in a cohort of low-income inner-city women. J Fam Viol. 2008;23(7):529-38. DOI:10.1007/s10896-008-9158-7 Outro fator de risco para VPI é a experiência da mulher ou do parceiro, na infância ou adolescência, com VPI contra a mãe ou experiência pessoal (direta) de violência perpetrada por algum familiar, indicando outro sério problema – a transmissão transgeracional da violência.5.DOliveira AFPL, Schraiber LB, França-Júnior I, Ludermir AB, Portella AP, Diniz CS, et al. Fatores associados à violência por parceiro íntimo em mulheres brasileiras. Rev Saude Publica. 2009;43(2):299-310. DOI:10.1590/S0034-89102009005000013,6.Durand JG, Schraiber LB, França-Júnior I, Barros C. Repercussão da exposição à violência por parceiro íntimo no comportamento dos filhos.Rev Saude Publica. 2011;45(2):355-64. DOI:10.1590/S0034-89102011005000004

O objetivo deste estudo foi avaliar a incidência e identificar fatores de risco para violência por parceiro íntimo no pós-parto.

MÉTODOS

Foi realizado estudo de coorte no Distrito Sanitário II (uma das seis áreas de saúde) em região pobre da cidade do Recife, PE, na região Nordeste do Brasil.

Todas as gestantes (n = 1.133) com idade de 18 a 49 anos cadastradas na Estratégia Saúde da Família do referido distrito foram consideradas elegíveis. Dessas, 12 não responderam ao questionário: cinco eram moradoras de rua, três mudaram-se da área do estudo e quatro não foram localizadas pelas entrevistadoras mesmo após a realização de várias visitas. Uma vez contabilizadas as perdas, 1.121 (98,9%) mulheres foram entrevistadas na gravidez. Destas, 1.057 foram novamente entrevistadas no pós-parto. Houve 64 perdas entre gestação e pós-parto, sendo duas mulheres incapacitadas para a segunda entrevista, três óbitos, 37 não localizadas por mudança de endereço, quatro que passaram a viver na rua, 13 que mudaram para áreas sob controle do tráfico de drogas e cinco que se recusaram a participar. Essas 64 mulheres que não foram entrevistadas no pós-parto tinham menor escolaridade (p = 0,001), mas não mostraram diferença estatisticamente significante quanto à frequência de violência na gravidez e às outras variáveis socioeconômicas e demográficas.

O primeiro contato com as gestantes foi feito durante consulta de pré-natal. As gestantes foram identificadas a partir dos registros de cuidados no período pré-natal de 42 equipes da Estratégia Saúde da Família. Para incluir mulheres que não recebiam cuidados pré-natais em unidades da Estratégia Saúde da Família, foram avaliados também os registros de Agentes Comunitários de Saúde. A entrevista do pré-natal ocorreu preferencialmente na unidade de saúde, mas algumas mulheres foram entrevistadas em casa, quando solicitavam.

No período pós-parto, as mulheres foram contatadas nas consultas de puericultura ou no domicílio, seguindo o mesmo padrão estipulado para as entrevistas na gravidez. A maioria das entrevistas foi realizada nas casas das entrevistadas, entre maio e dezembro de 2006.

Para estimar a incidência, foram excluídas 518 mulheres que relataram VPI antes e durante a gravidez, permanecendo 539 mulheres que foram reentrevistadas até 12 meses após o parto.

Foram aplicados dois questionários: o da gestante e o da puérpera. Os dados foram obtidos entre julho de 2005 e dezembro de 2006 por entrevistadores do sexo feminino.

Confidencialidade e privacidade para as entrevistadas foram garantidas. Independentemente das mulheres terem experimentado VPI, todas receberam informações específicas sobre os serviços sociais, de saúde, jurídicos e policiais, disponíveis na área do estudo. Serviços que prestam assistência a mulheres vítimas de violência foram contatados para atender as mulheres entrevistadas que apresentavam situações de violência.

As questões relativas à VPI foram elaboradas tendo como referência o questionário do Estudo Multipaíses sobre a Saúde da Mulher e Violência Doméstica, da Organização Mundial da Saúde, já validado no Brasil.2020 .Schraiber LB, Latorre MRD, França-Junior I, Segri NJ, D’Oliveira AFPL. Validade do instrumento WHO/VAW STUDY para estimar violência de gênero contra a mulher. Rev Saude Publica. 2010;44(4):658-66. DOI:10.1590/S0034-89102010000400009

Parceiro íntimo foi definido como um parceiro ou ex-parceiro com o qual a mulher vivia ou costumava viver, independentemente de uma união formal e com quem a mulher estava tendo ou tinha tido relações sexuais.1616 .Ludermir AB, Lewis G, Valongueiro SA, Araújo TVB, Araya R. Violence against women by their intimate partner during pregnancy and postnatal depression: a prospective cohort study. Lancet. 2010;376(9744):903-10. DOI:10.1016/S0140-6736(10)60887-2

As perguntas para identificar a violência física foram caracterizadas como agressão física ou uso de objetos ou armas para produzir lesões; violência psicológica, como comportamentos ameaçadores, humilhações e insultos; e violência sexual, como relações sexuais impostas por meio de força física ou ameaças e imposição de atos que foram considerados humilhantes. Mulheres que responderam “sim” a pelo menos uma das questões que compõem cada tipo de violência foram consideradas como caso positivo. Cada relato de violência foi explorado com relação à ocorrência antes e durante a gravidez e no pós-parto. Informações adicionais sobre os métodos do estudo estão relatadas em outras publicações.7.Garcia-Moreno C, Jansen HAFM, Ellsberg M, Heise L, Watts CH; WHO Multi-country Study on Women’s Health and Domestic Violence against Women Study Team. Prevalence of intimate partner violence: findings from the WHO multi-country study on women’s health and domestic violence. Lancet.2006; 368(9543):1260-69. DOI:10.1016/S0140-6736(06)69523-8,1616 .Ludermir AB, Lewis G, Valongueiro SA, Araújo TVB, Araya R. Violence against women by their intimate partner during pregnancy and postnatal depression: a prospective cohort study. Lancet. 2010;376(9744):903-10. DOI:10.1016/S0140-6736(10)60887-2

A análise foi guiada por um modelo teórico-conceitual (Figura 1), que descreve as relações hierárquicas entre fatores de risco de VPIPP, dividido em três níveis de determinantes (distal, intermediário e proximal).2525 .Victora CG, Huttly SR, Fuchs SC, Olinto MTA. The role of conceptual frameworks in epidemiological analysis: a hierarchical approach. Int J Epidemiol. 1997;26(1):224-7. DOI:10.1093/ije/26.1.224

Figura 1
Modelo hierárquico teórico-conceitual dos fatores de risco para incidência de violência pelo parceiro íntimo.

O nível 1 (distal) incluiu características sociodemográficas da mulher e do seu parceiro: idade (< de 20 anos; ≥ 20 anos), raça/cor da pele (branca; não-branca), anos de escolaridade (< 9 anos; ≥ 9 anos) e inserção produtiva (inativa; ativa). Para a mulher, foram também consideradas as seguintes variáveis: viver atualmente com parceiro (sim; não), moradia (proprietária; não proprietária) e renda própria (sim; não).

O nível 2 (intermediário) incluiu variáveis de comportamento, respostas (sim; não) da mulher: tabagismo, uso abusivo de álcool e uso de drogas ilícitas; e respostas (sim; não) do parceiro: uso abusivo de álcool, uso de drogas ilícitas e comportamento agressivo fora de casa.

O nível 3 (proximal) incluiu a dinâmica da relação: duração da relação (≤ 1 ano; > 1 ano), brigas entre o casal (≥ 1 vez/mês; < 1 vez/mês), violência física cometida pela mulher contra o parceiro sem estar sendo agredida (sim; não), comunicação com o parceiro (boa; obstaculizada), e comportamento controlador do parceiro (ausente; moderado; muito). Descrição mais detalhada dessas duas últimas variáveis encontra-se publicada.1616 .Ludermir AB, Lewis G, Valongueiro SA, Araújo TVB, Araya R. Violence against women by their intimate partner during pregnancy and postnatal depression: a prospective cohort study. Lancet. 2010;376(9744):903-10. DOI:10.1016/S0140-6736(10)60887-2 A análise foi realizada usando osoftware Stata, versão 10.1. A regressão de Poisson foi usada para estimar risco relativo (RR), bruto e ajustado, e intervalo de confiança de 95% da associação entre VPIPP e as variáveis explanatórias.

A estratégia de análise pelo modelo hierarquizado de determinação, seguindo a direção distal-proximal, permitiu avaliar se o efeito dos fatores de risco sobre a VPIPP foi direto ou mediado por outros fatores.5.DOliveira AFPL, Schraiber LB, França-Júnior I, Ludermir AB, Portella AP, Diniz CS, et al. Fatores associados à violência por parceiro íntimo em mulheres brasileiras. Rev Saude Publica. 2009;43(2):299-310. DOI:10.1590/S0034-89102009005000013,2525 .Victora CG, Huttly SR, Fuchs SC, Olinto MTA. The role of conceptual frameworks in epidemiological analysis: a hierarchical approach. Int J Epidemiol. 1997;26(1):224-7. DOI:10.1093/ije/26.1.224 O modelo 1 incluiu variáveis dos blocos 1, 2 e 3, as quais foram ajustadas pelas variáveis do mesmo nível. No modelo 2, as variáveis do bloco 2 foram ajustadas pelas variáveis do mesmo nível e por aquelas que permaneceram no modelo 1. No modelo 3, as variáveis do bloco 3 foram ajustadas pelas que permaneceram nos modelos 1 e 2.

As variáveis estatisticamente significantes (p ≤ 0,05), no modelo 1, foram mantidas nos modelos subsequentes. As de bloco já testado, que perderam significância ao ser incluído um novo bloco, permaneceram no modelo.

Considerando-se os três níveis hierárquicos, o modelo apresenta: a) estimativas dos efeitos das características sociodemográficas da mulher e do seu parceiro sobre a VPIPP, não mediados por variáveis dos níveis intermediário e proximal (seta tracejada e pontilhada da Figura 1); b) estimativas dos efeitos das características sociodemográficas da mulher e do seu parceiro sobre a dinâmica da relação, não mediados pelo nível intermediário (seta tracejada); c) estimativas dos efeitos do comportamento da mulher e do parceiro sobre a VPIPP, ajustadas por variáveis do nível distal e não mediadas por variáveis do nível proximal (seta pontilhada); e d) estimativas dos efeitos das variáveis da dinâmica da relação sobre a VPIPP, ajustadas por variáveis dos níveis distal e intermediário.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Pernambuco (Protocolo 303/2004). Todas as participantes assinaram termo de consentimento livre e esclarecido.

RESULTADOS

A incidência de algum tipo de VPIPP (Figura 2) foi de 9,3% (IC95% 7,0;12,0), sendo a violência psicológica isolada mais frequente (4,3%; IC95% 2,8;6,4) que a sobreposição de violência psicológica com física (3,3%; IC95% 2,0;5,3) e violência psicológica e/ou física e/ou sexual (1,7%; IC95% 0,8;3,0). A violência sexual foi a de menor frequência e todos os casos ocorreram nos primeiros 40 dias do pós-parto.

Figura 2
Incidência de violência psicológica, física e sexual pelo parceiro íntimo no pós-parto. Recife, PE, 2005-2006.

O risco de VPIPP foi mais comum entre as mulheres sem renda própria, com menos de nove anos de estudo, que não estavam vivendo com parceiro íntimo no momento da entrevista ou cujos parceiros faziam uso abusivo de álcool e uso de drogas ilícitas (Tabela 1). Também, foi mais frequente para as mulheres que tinham menos de um ano de relacionamento, parceiro muito controlador, ou relatos de brigas frequentes com o parceiro ou de agressões físicas contra o parceiro sem ser agredidas (Tabela 1).

Tabela 1
Associação das características sociodemográficas, comportamentais e do perfil do relacionamento com a incidência de violência pelo parceiro íntimo no pós-parto. Recife, PE, 2005-2006.

A Tabela 2 apresenta os resultados da análise hierárquica. O risco de VPIPP foi maior para mulheres com baixa escolaridade (RR = 2,6; IC95% 1,3;5,4), sem renda própria (RR = 1,7; IC95% 1,0;2,9), que agrediam fisicamente o parceiro sem estarem sendo agredidas (RR = 2,0; IC95% 1,2;3,4), tinham um parceiro muito controlador (RR = 2,5; IC95% 1,1;5,8) e tinham brigas frequentes com o seu parceiro (RR = 1,7; IC95% 1,0;2,9).

Tabela 2
Fatores de risco para incidência de violência pelo parceiro íntimo no pós-parto. Recife, PE, 2005-2006.

A associação entre o uso abusivo de álcool pelo parceiro e IPVPP perdeu significância estatística quando ajustado para os fatores relacionados às condições sociodemográficas.

DISCUSSÃO

O presente estudo é a primeira coorte brasileira, conhecida até o momento, que estima incidência e fatores de risco para VPIPP. Os dados mostram incidência elevada de VPIPP associada à desigualdade de gênero na relação.

A incidência de VPIPP foi maior que a encontrada por Guo et al1010 .Guo SF, Wu JL, Qu CY, Yan RY. Domestic abuse on women in China before, during, and after pregnancy. Chin Med J (Engl). 2004;117(3):331-6. (2004) e por Martin et al1818 .Martin SL, Mackie L, Kupper LL, Buescher PA, Moracco KE. Physical abuse of women before, during, and after pregnancy. JAMA.2001;285(12):1581-4. DOI:10.1001/jama.285.12.1581 (2001), avaliando apenas violência física no pós-parto. Contudo, foi menor que a incidência de violência física encontrada por Gielen et al9.Gielen AC, O’Campo PJ, Faden RR, Kass NE, Xue X. Interpersonal conflict and physical violence during the childbearing year. Soc Sci Med. 1994;39(6):781-7. DOI:10.1016/0277-9536(94)90039-6 (1994) e os três tipos de violência citados por Hedin (2000).1111 .Hedin LW. Postpartum, also a risk period for domestic violence.Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2000;89(1):41-5. DOI:10.1016/S0301-2115(99)00164-5

Assim como em outros estudos,1010 .Guo SF, Wu JL, Qu CY, Yan RY. Domestic abuse on women in China before, during, and after pregnancy. Chin Med J (Engl). 2004;117(3):331-6.os tipos de violência ocorrem muito frequentemente com sobreposições. A maior incidência de violência psicológica isolada ou em sobreposição com outros tipos é consistente com alguns estudos,4.Charles P, Perreira KM. Intimate partner violence during pregnancy and 1-year postpartum. J Fam Viol. 2007;22(7):609-19. DOI:10.1007/s10896-007-9112-0,1717 .Macy RJ, Martin SL, Kupper LL, Casanueva C, Guo S. Partner violence among women before, during, and after postpartum: multiple opportunities for intervention. Womens Health Issues. 2007;17(5):290-9. DOI:10.1016/j.whi.2007.03.006 mas discordante com estudo conduzido na China,1010 .Guo SF, Wu JL, Qu CY, Yan RY. Domestic abuse on women in China before, during, and after pregnancy. Chin Med J (Engl). 2004;117(3):331-6. que encontrou violência psicológica menos comum que violência sexual e física. Os baixos percentuais de violência psicológica relatados em alguns estudos podem estar sob influências culturais e relações estruturadas na desigualdade de gênero, que dificultam o reconhecimento, pelas mulheres, de situações que são consideradas agressões psicológicas. Para Charles e Perreira4.Charles P, Perreira KM. Intimate partner violence during pregnancy and 1-year postpartum. J Fam Viol. 2007;22(7):609-19. DOI:10.1007/s10896-007-9112-0 (2007), o alto percentual de violência psicológica no pós-parto pode ser resultado dos elevados níveis de estresse e discórdia, associados às mudanças significativas na vida da mulher e do casal com o nascimento de um filho.

Todos os relatos de violência sexual neste estudo ocorreram nos primeiros 40 dias do puerpério. Macy et al1717 .Macy RJ, Martin SL, Kupper LL, Casanueva C, Guo S. Partner violence among women before, during, and after postpartum: multiple opportunities for intervention. Womens Health Issues. 2007;17(5):290-9. DOI:10.1016/j.whi.2007.03.006(2007) encontraram percentual mais elevado de violência sexual no primeiro mês do pós-parto. Para Jasinski1313 .Jasinski JL. Pregnancy and domestic violence: a review of the literature. Trauma Violence Abuse. 2004;5(1):47-64. DOI:10.1177/1524838003259322(2004), tal fato se deve ao menor interesse da mulher na atividade sexual no pós-parto imediato, possivelmente pelo estado hormonal especial do puerpério. Além disso, Ansara et al2.Ansara D, Cohen MM, Gallop R, Kung R, Schei B. Predictors of women’s physical health problems after childbirth. J Psychosom Obstet Gynaecol. 2005;26(2):115-25. DOI:10.1080/01443610400023064(2005) mostraram que a puérpera pode apresentar problemas físicos, que vão desde fadiga até dores em diversas partes do corpo, principalmente quando é vítima de VPI. As mulheres enfrentam, ainda, problemas de adaptação psicossocial com a maternidade e dificuldades com a falta de apoio e de entendimento da dinâmica do puerpério, sobretudo por parte do parceiro.

Um grupo variado de potenciais fatores de risco para VPIPP surgiram na análise bivariada. Contudo, na análise hierárquica, permaneceram associadas com a incidência de VPIPP mulheres com baixa escolaridade, sem renda própria e que agridem fisicamente o parceiro sem estarem sendo agredidas; brigas frequentes do casal e o comportamento controlador do parceiro.

O risco de VPIPP encontrado neste estudo, maior para mulheres com menos de nove anos de escolaridade, reafirma a importância da educação para o empoderamento, a autoconfiança e uma postura ativa na sociedade. Alguns estudos observaram que maior escolaridade das mulheres também pode ser um dos fatores que as tornam mais vulneráveis à VPI,9.Gielen AC, O’Campo PJ, Faden RR, Kass NE, Xue X. Interpersonal conflict and physical violence during the childbearing year. Soc Sci Med. 1994;39(6):781-7. DOI:10.1016/0277-9536(94)90039-6evidenciando a desigualdade de gênero que perpassa as relações violentas e a importância de promover o acesso igualitário à educação para homens e mulheres.1.Abramsky T, Watts CH, Garcia-Moreno C, Devries K, Kiss L, Ellsberg M, et al. What factors are associated with recent intimate partner violence? findings from the WHO multi-country study on women’s health and domestic violence. BMC Public Health. 2011;11:109. DOI:10.1186/1471-2458-11-109

A falta de autonomia financeira da mulher, evidenciada por não ter renda própria, mostrou-se associada à incidência de VPIPP, provavelmente por tornar a mulher mais dependente do homem, tanto pela sua sobrevivência como pela do filho. Essa vulnerabilidade1414 .Jewkes R. Intimate partner violence: causes and prevention. Lancet. 2002;359(9315):1423-9. DOI:10.1016/S0140-6736(02)08357-5dificulta as possibilidades de negociar mudanças na relação, de separar-se do parceiro agressor ou procurar ajuda quando agredida. Além disso, as mulheres que vivem na pobreza estão expostas à VPI de forma mais severa e frequente. Com independência financeira, as mulheres podem se tornar mais fortalecidas em determinados contextos, mas não naqueles onde a atividade econômica da mulher pode ser entendida como um desafio à identidade masculina de poder e de domínio.1.Abramsky T, Watts CH, Garcia-Moreno C, Devries K, Kiss L, Ellsberg M, et al. What factors are associated with recent intimate partner violence? findings from the WHO multi-country study on women’s health and domestic violence. BMC Public Health. 2011;11:109. DOI:10.1186/1471-2458-11-109,1414 .Jewkes R. Intimate partner violence: causes and prevention. Lancet. 2002;359(9315):1423-9. DOI:10.1016/S0140-6736(02)08357-5

Casais que brigavam frequentemente apresentaram risco maior de VPIPP. Para Jasinski1313 .Jasinski JL. Pregnancy and domestic violence: a review of the literature. Trauma Violence Abuse. 2004;5(1):47-64. DOI:10.1177/1524838003259322 (2004), no pós-parto, com um filho recém-nascido, as noites mal dormidas e as mudanças na dinâmica familiar podem provocar conflitos entre o casal, especialmente discussões sobre a atividade sexual, o que pode levar ao aumento da violência sexual. Outros fatores, sugeridos por Stewart2323 .Stewart DE. Incidence of postpartum abuse in women with a history of abuse during pregnancy. CMAJ. 1994;151(11):1601-4. (1994), são o aumento da responsabilidade financeira, as mudanças físicas da mulher e os ajustes do casal nos novos papéis de pai e mãe e nas outras relações familiares. Esse contexto, que inclui conflito interpessoal, insatisfação com a relação, comunicação precária e dificuldade para resolver problemas, reforça o papel da dinâmica da relação entre o casal na ocorrência de VPI.3.Bell KM, Naugle AE. Intimate partner violence theoretical considerations: moving towards a contextual framework. Clin Psychol Rev. 2008;28(7):1096-107. DOI:10.1016/j.cpr.2008.03.003

A associação do comportamento controlador com a VPIPP, encontrada neste estudo, foi também mostrada em outros estudos sobre VPI ao longo da vida.1.Abramsky T, Watts CH, Garcia-Moreno C, Devries K, Kiss L, Ellsberg M, et al. What factors are associated with recent intimate partner violence? findings from the WHO multi-country study on women’s health and domestic violence. BMC Public Health. 2011;11:109. DOI:10.1186/1471-2458-11-109,7.Garcia-Moreno C, Jansen HAFM, Ellsberg M, Heise L, Watts CH; WHO Multi-country Study on Women’s Health and Domestic Violence against Women Study Team. Prevalence of intimate partner violence: findings from the WHO multi-country study on women’s health and domestic violence. Lancet.2006; 368(9543):1260-69. DOI:10.1016/S0140-6736(06)69523-8,2222 .Sonis J, Langer M. Risk and protective factors for recurrent intimate partner violence in a cohort of low-income inner-city women. J Fam Viol. 2008;23(7):529-38. DOI:10.1007/s10896-008-9158-7 O comportamento controlador pode refletir o aumento da vulnerabilidade para VPI de mulheres que vivem em contextos sociais de desigualdade de gênero.1414 .Jewkes R. Intimate partner violence: causes and prevention. Lancet. 2002;359(9315):1423-9. DOI:10.1016/S0140-6736(02)08357-5

Agressão física perpetrada pela mulher contra seu parceiro foi também relatada por Swan e Snow2424 .Swan SC, Snow DL. The development of a theory of women’s use of violence in intimate relationships. Violence Against Women.2006;12(11):1026-45. DOI:10.1177/1077801206293330 (2006) como um forte fator de risco para violência contra a mulher. Esses autores consideraram fatores contextuais para entender os motivos que levam uma mulher a agredir o seu parceiro e argumentam que esse fato pode expressar o desejo para defender a si própria e a seus filhos de dano físico; mas também pode ir além da legítima defesa e abranger a raiva, a vingança e o desejo de controlar o parceiro.

No estudo de Guo et al1010 .Guo SF, Wu JL, Qu CY, Yan RY. Domestic abuse on women in China before, during, and after pregnancy. Chin Med J (Engl). 2004;117(3):331-6.(2004), 44,6% das mulheres revidaram todas as agressões sofridas, usando estratégias ativas para maximizar sua segurança, enquanto o estudo de Silva et al2.Ansara D, Cohen MM, Gallop R, Kung R, Schei B. Predictors of women’s physical health problems after childbirth. J Psychosom Obstet Gynaecol. 2005;26(2):115-25. DOI:10.1080/014436104000230641.Abramsky T, Watts CH, Garcia-Moreno C, Devries K, Kiss L, Ellsberg M, et al. What factors are associated with recent intimate partner violence? findings from the WHO multi-country study on women’s health and domestic violence. BMC Public Health. 2011;11:109. DOI:10.1186/1471-2458-11-109 (2012) mostra percentual maior, de 85,0%. Alguns estudos que avaliaram a bidirecionalidade da violência entre os parceiros encontraram que a frequência de VPI perpetrada por mulheres foi maior, mas a ocorrência de lesões graves foi mais frequente quando o homem foi o perpetrador.2424 .Swan SC, Snow DL. The development of a theory of women’s use of violence in intimate relationships. Violence Against Women.2006;12(11):1026-45. DOI:10.1177/1077801206293330

O uso abusivo de álcool pelo parceiro foi associado à VPIPP, mas perdeu significância estatística quando ajustado às condições socioeconômicas. A associação entre abuso de álcool pelo parceiro e ocorrência de VPI ainda é controversa. Essa associação depende das diferentes formas de medir o uso do álcool, tipos de amostras e de violência, características individuais dos parceiros, variáveis situacionais e fatores da relação.1.Abramsky T, Watts CH, Garcia-Moreno C, Devries K, Kiss L, Ellsberg M, et al. What factors are associated with recent intimate partner violence? findings from the WHO multi-country study on women’s health and domestic violence. BMC Public Health. 2011;11:109. DOI:10.1186/1471-2458-11-109,1212 .Hellmuth JC, Gordon KC, Stuart GL, Moore TM. Risk factors for intimate partner violence during pregnancy and postpartum. Arch Womens Ment Health. 2013;16(1):19-27. DOI:10.1007/s00737-012-0309-8,1414 .Jewkes R. Intimate partner violence: causes and prevention. Lancet. 2002;359(9315):1423-9. DOI:10.1016/S0140-6736(02)08357-5

Este estudo tem diversas vantagens: é uma coorte de base populacional sobre violência de gênero e complementa os resultados anteriores de estudos prospectivos sobre VPIPP;8.Gartland D, Hemphill SA, Hegarty K, Brown SJ. Intimate partner violence during pregnancy and the first year postpartum in an Australian pregnancy Cohort study. Matern Child Health J.2011;15(5):570-78. DOI:10.1007/s10995-010-0638-z,1010 .Guo SF, Wu JL, Qu CY, Yan RY. Domestic abuse on women in China before, during, and after pregnancy. Chin Med J (Engl). 2004;117(3):331-6.,1212 .Hellmuth JC, Gordon KC, Stuart GL, Moore TM. Risk factors for intimate partner violence during pregnancy and postpartum. Arch Womens Ment Health. 2013;16(1):19-27. DOI:10.1007/s00737-012-0309-8,1717 .Macy RJ, Martin SL, Kupper LL, Casanueva C, Guo S. Partner violence among women before, during, and after postpartum: multiple opportunities for intervention. Womens Health Issues. 2007;17(5):290-9. DOI:10.1016/j.whi.2007.03.006,1.Abramsky T, Watts CH, Garcia-Moreno C, Devries K, Kiss L, Ellsberg M, et al. What factors are associated with recent intimate partner violence? findings from the WHO multi-country study on women’s health and domestic violence. BMC Public Health. 2011;11:109. DOI:10.1186/1471-2458-11-1098.Gartland D, Hemphill SA, Hegarty K, Brown SJ. Intimate partner violence during pregnancy and the first year postpartum in an Australian pregnancy Cohort study. Matern Child Health J.2011;15(5):570-78. DOI:10.1007/s10995-010-0638-z,2323 .Stewart DE. Incidence of postpartum abuse in women with a history of abuse during pregnancy. CMAJ. 1994;151(11):1601-4. avalia os três tipos de violência; o questionário aplicado é reconhecido internacionalmente,7.Garcia-Moreno C, Jansen HAFM, Ellsberg M, Heise L, Watts CH; WHO Multi-country Study on Women’s Health and Domestic Violence against Women Study Team. Prevalence of intimate partner violence: findings from the WHO multi-country study on women’s health and domestic violence. Lancet.2006; 368(9543):1260-69. DOI:10.1016/S0140-6736(06)69523-8 validado no Brasil2020 .Schraiber LB, Latorre MRD, França-Junior I, Segri NJ, D’Oliveira AFPL. Validade do instrumento WHO/VAW STUDY para estimar violência de gênero contra a mulher. Rev Saude Publica. 2010;44(4):658-66. DOI:10.1590/S0034-89102010000400009 e afere a violência a partir de atos concretos, o que aumenta a fidedignidade dos resultados; e apresenta um modelo hierárquico teórico-conceitual que procura integrar dimensões contextuais para entender porque a violência ocorre nas relações íntimas.3.Bell KM, Naugle AE. Intimate partner violence theoretical considerations: moving towards a contextual framework. Clin Psychol Rev. 2008;28(7):1096-107. DOI:10.1016/j.cpr.2008.03.003

Algumas limitações devem ser consideradas. Violência por parceiro íntimo é um tema complexo, delicado e íntimo. Então, os recursos psíquicos da mulher para enfrentar o trauma sofrido e suas dificuldades e bloqueios decorrentes dessa experiência podem interferir na sua disponibilidade para falar sobre esse assunto. Em algumas situações, as mulheres podem não reconhecer a experiência de VPI quando questionadas ou podem minimizar a importância da VPI por considerá-la como natural,1515 .Kiss L, d’Oliveira AF, Zimmerman C, Heise L, Schraiber LB, Watts C. Brazilian policy responses to violence against women: government strategy and the help-seeking behaviors of women who experience violence. Health Hum Rights.2012;14(1):E64-77. o que pode contribuir para a subestimação da sua seriedade. Além desses fatores, que são intrínsecos da mulher, outros podem causar a subestimação da violência, como: a relação não-empática entre entrevistadora-entrevistada, o local da entrevista, a insegurança da mulher sobre a confidencialidade do seu relato, a relação atual com o parceiro agressor, o sentimento de medo em relação ao parceiro-agressor e a proteção que a mulher dá ao parceiro pelo desejo de manter a relação, especialmente se ele é o pai da criança; e entre tantos outros fatores, o estigma e a vergonha de ser agredida.8.Gartland D, Hemphill SA, Hegarty K, Brown SJ. Intimate partner violence during pregnancy and the first year postpartum in an Australian pregnancy Cohort study. Matern Child Health J.2011;15(5):570-78. DOI:10.1007/s10995-010-0638-z Para minimizar essas limitações, as entrevistadoras selecionadas tinham experiência em lidar com o tema “violência contra a mulher” e foram devidamente treinadas e acompanhadas durante o trabalho de campo.

No Brasil, as respostas sociais e institucionais às demandas dos movimentos de mulheres têm propiciado maior visibilidade à VPI. No entanto, a subestimação de casos revelados pelas mulheres e de casos identificados e notificados pelas instituições e pelos profissionais de saúde ainda persiste.1515 .Kiss L, d’Oliveira AF, Zimmerman C, Heise L, Schraiber LB, Watts C. Brazilian policy responses to violence against women: government strategy and the help-seeking behaviors of women who experience violence. Health Hum Rights.2012;14(1):E64-77. A alta incidência de VPI no pós-parto encontrada pode ainda estar subestimada e mostra que o pós-parto não é um período de segurança nem para a mulher nem para a criança. A revelação da violência pelas mulheres depende, além de diversos outros fatores, das condições socioeconômicas das mulheres e de seus parceiros e dos conceitos pessoais e contextos socioculturais, nos quais a hierarquia de gênero é mais ou menos legitimada, o que contribui para o aumento ou diminuição dos relatos de violência.4.Charles P, Perreira KM. Intimate partner violence during pregnancy and 1-year postpartum. J Fam Viol. 2007;22(7):609-19. DOI:10.1007/s10896-007-9112-0,7.Garcia-Moreno C, Jansen HAFM, Ellsberg M, Heise L, Watts CH; WHO Multi-country Study on Women’s Health and Domestic Violence against Women Study Team. Prevalence of intimate partner violence: findings from the WHO multi-country study on women’s health and domestic violence. Lancet.2006; 368(9543):1260-69. DOI:10.1016/S0140-6736(06)69523-8,1515 .Kiss L, d’Oliveira AF, Zimmerman C, Heise L, Schraiber LB, Watts C. Brazilian policy responses to violence against women: government strategy and the help-seeking behaviors of women who experience violence. Health Hum Rights.2012;14(1):E64-77.,1818 .Martin SL, Mackie L, Kupper LL, Buescher PA, Moracco KE. Physical abuse of women before, during, and after pregnancy. JAMA.2001;285(12):1581-4. DOI:10.1001/jama.285.12.1581

O presente estudo mostrou elevada incidência de VPI, envolvida numa complexa rede de fatores de risco, com destaque para a qualidade da relação afetiva-sexual. Nesse sentido, para reduzir a incidência de VPI seriam necessárias, além das políticas públicas de proteção e assistência, medidas de prevenção que promovam a mediação de conflitos e busquem equidade social e de gênero. Outro aspecto importante é que nesse contexto, além das mulheres, as crianças também estão expostas à VPI numa fase precoce e vulnerável do desenvolvimento. Portanto, as visitas para as consultas de puericultura são oportunidades para o profissional de saúde construir com a mulher um vínculo de confiança, que pode facilitar estratégias para revelação da situação de violência e possibilitar a busca de formas de empoderamento das mulheres para enfrentar o ciclo da violência.

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  • Baseado na dissertação de mestrado de Elisabete Pereira Silva, intitulada: “Violência no pós-parto: outra face da violência contra a mulher”, apresentada ao Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal de Pernambuco, em 2009.
  • Pesquisa financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Tecnológico (CNPq – Processo 403060/2004-4) e pelo Departamento de Ciência e Tecnologia da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (Decit – 473545/2004-7).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Ago 2015

Histórico

  • Recebido
    6 Mar 2014
  • Aceito
    5 Dez 2014
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
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