Desigualdades em saúde: condições de vida e mortalidade infantil em região do nordeste do Brasil

Renata Alves da Silva Carvalho Victor Santana Santos Cláudia Moura de Melo Ricardo Queiroz Gurgel Cristiane Costa da Cunha Oliveira Sobre os autores

Resumo

OBJETIVO

Analisar a variação da mortalidade infantil por condição de vida no meio urbano.

MÉTODOS

Estudo ecológico realizado com dados de óbitos registrados de menores de um ano, residentes em Aracaju, SE, Nordeste do Brasil, de 2001 a 2010. As desigualdades na mortalidade infantil foram avaliadas pela distribuição espacial do Índice de Condições de Vida estabelecido para os bairros, classificados em quatro estratos. Foram comparadas as taxas de mortalidade infantil médias de 2001 a 2005 e 2006 a 2010 pelo teste tStudent.

RESULTADOS

A taxa de mortalidade infantil média declinou de 25,3 de 2001 a 2005 para 17,7 óbitos/1.000 nascidos vivos, de 2006 a 2010. Apesar da queda nas taxas em todos os estratos na década, a desigualdade no risco de morte infantil aumentou nos bairros com piores condições de vida em relação àqueles de melhores condições.

CONCLUSÕES

A mortalidade infantil em Aracaju apresentou declínio, mas com importante assimetria entre os bairros. A averiguação sob a ótica das condições de vida pode justificar as diferenças no risco de óbito infantil no espaço urbano, destacando as desigualdades em saúde na mortalidade infantil como fenômeno multidimensional.

Mortalidade Infantil, tendências; Condições Sociais; Disparidades nos Níveis de Saúde; Desigualdades em Saúde; Iniquidade Social; Saúde da Criança; Estudos Ecológicos


INTRODUÇÃO

Os coeficientes de mortalidade infantil subsidiam a avaliação das condições de vida de uma população. A mortalidade infantil é comumente usada para averiguar o nível de vida e saúde de uma localidade por ser sensível às melhorias no acesso à saúde e qualidade de vida.2222 Volpe FM, Abrantes MM, Capanema FD, Chaves JG. The impact of changing health indicators on infant mortality rates in Brazil, 2000 and 2005.Rev Panam Salud Publica. 2009;26(6):478-84. DOI:10.1590/S1020-49892009001200002A condição da saúde infantil, considerada um indicador clássico da saúde pública,2020 Ventura RN, Oliveira EM, Silva EMK, Silva NN, Puccini RF. Condições de vida e mortalidade infantil no município do Embu, São Paulo. Rev Paul Pediatr. 2008;26(3):251-7. DOI:10.1590/S0103-05822008000300009 está associada, entre outros, ao acesso aos serviços de saúde, situação sanitária, nível de escolaridade da mãe, condição de habitação e alimentação. A redução da taxa de mortalidade em menores de cinco anos é o quarto objetivo do milênio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. O Brasil reduziu essa taxa em 5,2% de 1990 a 2008,2121 Victora CG, Aquino EML, Leal MC, Monteiro CA, Barros FC, Szwarcwald CL. Maternal and child health in Brazil: progress and challenges.Lancet. 2011;377(9780):1863-76. DOI:10.1016/S0140-6736(11)60138-4 sendo um dos países que atingiram a meta. As estimativas da taxa de mortalidade infantil (TMI) em menores de um ano, para o México, Brasil e Chile, em 2011, foram, respectivamente, 14,1; 16,2 e 7,4 óbitos por mil nascidos vivos (NV), de acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde.aa Organização Pan-Americana da Saúde. Saúde nas Américas: edição de 2012. Panorama regional e perfis de países. Washington (DC); 2012. Em 2010, as TMI para os Estados Unidos, Espanha e Suécia foram de 6,1; 3,2 e 2,5 óbitos por mil NV, respectivamente.bb Organization for Economic Cooperation and Development. Infant Mortality. Health. Paris; 2012. (Key Tables from OECD, 9).

A mortalidade infantil apresenta-se de modo desigual entre as regiões brasileiras.2121 Victora CG, Aquino EML, Leal MC, Monteiro CA, Barros FC, Szwarcwald CL. Maternal and child health in Brazil: progress and challenges.Lancet. 2011;377(9780):1863-76. DOI:10.1016/S0140-6736(11)60138-4 A média da TMI para o Brasil em 2010 foi de 16,0 por mil NV e as maiores taxas foram encontradas nas regiões Norte (21,0 por mil NV), Nordeste (19,1 por mil NV) e Centro-Oeste (15,9 por mil NV). Sergipe apresentou TMI de 18,2 óbitos por mil NV.cc Ministério da Saúde. DATASUS. Informações de Saúde: Tabnet. Brasília (DF); 2013 [citado 2013 jun 27]. Disponível em: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=02 O ambiente urbano em que a criança vive é considerado determinante social de sua saúde. O risco de óbito a que estará submetida no primeiro ano de vida associa-se aos indicadores demográficos e socioeconômicos de seu local de moradia, como urbanização, acesso ao saneamento e habitação, nível de renda e escolaridade materna.2020 Ventura RN, Oliveira EM, Silva EMK, Silva NN, Puccini RF. Condições de vida e mortalidade infantil no município do Embu, São Paulo. Rev Paul Pediatr. 2008;26(3):251-7. DOI:10.1590/S0103-05822008000300009 Assim, indicadores compostos de variáveis sociais são criados para estimar as condições de vida da população5Costa MC, Azi PA, Paim JS, Silva LM. Infant mortality and living conditions: the reproduction of social inequalities in health during the 1990s.Cad Saude Publica. 2001;17(3):555-67. DOI:10.1590/S0102-311X2001000300011,2020 Ventura RN, Oliveira EM, Silva EMK, Silva NN, Puccini RF. Condições de vida e mortalidade infantil no município do Embu, São Paulo. Rev Paul Pediatr. 2008;26(3):251-7. DOI:10.1590/S0103-05822008000300009 e contribuir para a construção de um espaço de monitoramento de injustiças sociais.1717 Silva JB, Barros MBA. Epidemiology and inequality: notes on theory and history. Rev Panam Salud Publica. 2002;12(6):375-83. DOI:10.1590/S1020-49892002001200003

O objetivo deste estudo foi analisar a variação da mortalidade infantil por condição de vida.

MÉTODOS

Estudo ecológico de base populacional fundamentado na análise de dados secundários, referentes aos óbitos em menores de um ano (não fazendo diferenciação entre os componentes neonatal e pós-neonatal) residentes em Aracaju, SE, de 2001 a 2010. O período foi dividido em dois quinquênios (2001 a 2005 e 2006 a 2010) para analisar a variação dos óbitos infantis por indicadores de condição de vida.

Aracaju, capital de Sergipe, possui 39 bairros e área de 181,8 km2. O município apresentou em 2010 Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,770, taxa de urbanização de 100%, população de 571.149 habitantesdd MInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística. SIDRA Sistema IBGE de Recuperação Automática. Censo Demográfico e Contagem da População. Brasília (DF); 2010. Disponível em: http://www.sidra.ibge.gov.br/cd/cd2010RgaAdAgsn.asp e 9.311 NV.cc Ministério da Saúde. DATASUS. Informações de Saúde: Tabnet. Brasília (DF); 2013 [citado 2013 jun 27]. Disponível em: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=02

Os dados do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação de Nascidos Vivos (SINASC) de Aracaju foram utilizados para o cálculo da TMI. As TMI foram calculadas de maneira direta, uma vez que Aracaju apresentou coeficiente de mortalidade geral superior a 5,3 e percentual de causas mal definidas abaixo de 2,0% no período (97,5% para 2001 a 2005 e 97,8% para 2006 a 2010).6Frias PG, Szwarcwald CL, Lira PIC. Estimação da mortalidade infantil no contexto de descentralização do sistema único de saúde (SUS). Rev Bras Saude Matern Infant. 2011;11(4):463-70. DOI:10.1590/S1519-38292011000400013,1919 Szwarcwald CL, Leal MC, Andrade CLT, Souza PRB. Infant mortality estimation in Brazil: what do Ministry of Health data on deaths and live births say? Cad Saude Publica. 2002;18(6):1725-36. DOI:10.1590/S0102-311X2002000600027

A TMI geral foi calculada dividindo o número de óbitos de crianças menores de um ano pelo número total de NV para cada mil NV.1919 Szwarcwald CL, Leal MC, Andrade CLT, Souza PRB. Infant mortality estimation in Brazil: what do Ministry of Health data on deaths and live births say? Cad Saude Publica. 2002;18(6):1725-36. DOI:10.1590/S0102-311X2002000600027 A TMI específica foi calculada para cada causa básica de óbito. A determinação da causa básica de óbito seguiu as recomendações da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10). As causas foram agrupadas segundo uma lista reduzida de tabulação de causas de óbitos infantis: afecções perinatais (CID-10: P00-P96), infecções respiratórias agudas (CID-10: J00-J39), doenças diarreicas (CID-10: A00- A09), demais doenças infecciosas e parasitárias (CID-10: A15-B99), malformações congênitas (CID-10: Q00-Q99), neoplasias (CID-10: C00-C97), causas externas (CID-10: V01-Y98) e outras causas (demais códigos CID-10).

A elaboração do Índice de Condição de Vida (ICV) para cada bairro foi realizada a partir dos dados demográficos do censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),dd MInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística. SIDRA Sistema IBGE de Recuperação Automática. Censo Demográfico e Contagem da População. Brasília (DF); 2010. Disponível em: http://www.sidra.ibge.gov.br/cd/cd2010RgaAdAgsn.asp mediante adaptação da metodologia descrita por Costa et al5Costa MC, Azi PA, Paim JS, Silva LM. Infant mortality and living conditions: the reproduction of social inequalities in health during the 1990s.Cad Saude Publica. 2001;17(3):555-67. DOI:10.1590/S0102-311X2001000300011 (2001), que utilizou cinco indicadores relativos às variáveis proxy de condições de vida. Dois indicadores foram excluídos por não apresentarem diferença estatística significativa entre os bairros: média de moradores por domicílio e porcentagem de domicílios ligados à rede de abastecimento de água. Três indicadores foram utilizados representando educação, renda e moradia: proporção de pessoas não alfabetizadas responsáveis pelo domicílio; proporção de domicílios com menos de 1/4 salário mínimo per capita; e proporção de domicílios em aglomerado subnormal.

O ICV foi estabelecido para cada bairro, a partir dos citados indicadores. A ordenação dos escores permitiu que cada bairro fosse agrupado em quatro estratos (quartis), constituídos por áreas relativamente homogêneas de condições de vida segundo escore final: ‘elevado’ (3-24), ‘intermediário’ (25-44), ‘baixo’ (45-60) e ‘muito baixo’ (62-90). Essa estratificação foi escolhida para manter o equilíbrio da divisão, pois cada estrato foi composto por 25,0% das observações. Os três primeiros estratos foram compostos por dez bairros e o último por nove. O ICV foi distribuído espacialmente no mapa temático por meio do software ArcGIS (Figura 1), que permite a criação e modelagem de mapas.

Figura 1
Distribuição espacial do Índice de Condição de Vida de acordo com os estratos nos bairros. Aracaju, SE, 2001 a 2010.

Foi utilizado o teste de t de Student, com nível de significância p < 0,05 para comparar as taxas médias de mortalidade infantil e de mortalidade específica nos dois períodos.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Tiradentes (Protocolo 060711) e obedeceu a todas as recomendações da resolução 466/2012 da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa.

RESULTADOS

A TMI diminuiu de 29,5 em 2001 para 17,7 óbitos por mil NV em 2010 (Figura 2). A TMI média decresceu em todos os estratos de condição de vida entre os dois quinquênios. Os estratos ‘muito baixo’ e ‘elevado’ foram os que apresentaram as maiores porcentagens de redução (34,7% e 33,8%, respectivamente). As taxas de mortalidade infantil média diferiram entre os dois períodos em todos os estratos de condição de vida, exceto no ‘intermediário’ (Tabela 1).

Figura 2
Mortalidade infantil por mil nascidos vivos. Aracaju, SE, 2001 a 2010.

Tabela 1
Taxa de mortalidade infantil média por mil nascidos vivos. Aracaju, SE, 2001 a 2005 e 2006 a 2010.

As principais causas de óbito de 2001 a 2005 foram afecções perinatais, com TMI média de 18,1 óbitos por mil NV havendo redução significativa de 2006 a 2010 para 12,3. Óbitos por causas diarreicas e pelas demais doenças infecciosas e parasitárias deixaram de existir no estrato ‘elevado’. Isso não ocorreu nos demais estratos, apesar da significativa redução (Tabela 3).

Tabela 3
Taxa de mortalidade infantil média específica por 1.000 nascidos vivos para grupos de causas segundo estratos de condição de vida. Aracaju, SE, 2001 a 2005 e 2006 a 2010.

Os óbitos por doenças diarreicas apresentaram maior redução (-84,8%). As causas de mortalidade infantil por malformações congênitas e causas externas apresentaram aumento nos períodos (Tabela 2).

Tabela 2
Taxa de mortalidade média específica por 1.000 nascidos vivos. Aracaju, SE, 2001 a 2005 e 2006 a 2010.

DISCUSSÃO

A TMI reduziu significativamente entre os dois quinquênios em Aracaju. Essa diminuição tem sido associada a melhorias no acesso ao pré-natal,2121 Victora CG, Aquino EML, Leal MC, Monteiro CA, Barros FC, Szwarcwald CL. Maternal and child health in Brazil: progress and challenges.Lancet. 2011;377(9780):1863-76. DOI:10.1016/S0140-6736(11)60138-4 abastecimento de água,1818 Sousa TRV, Leite Filho PAM. Panel data analysis of health status in Northeast Brazil. Rev Saude Publica. 2008;42(5):796-804. DOI:/10.1590/S0034-89102008005000047 saneamento e aumento das despesas públicas em saúde no Brasil.2222 Volpe FM, Abrantes MM, Capanema FD, Chaves JG. The impact of changing health indicators on infant mortality rates in Brazil, 2000 and 2005.Rev Panam Salud Publica. 2009;26(6):478-84. DOI:10.1590/S1020-49892009001200002

A ampliação da Atenção Primária de Saúde (APS) no Brasil1010 Lourenço EDC, Guerra LM, Tuon RA, Vidal e Silva SMC, Ambrosano GMB, Corrente JE, et al. Variáveis de impacto na queda da mortalidade infantil no Estado de São Paulo, Brasil, no período de 1998 a 2008. Cienc Saude Coletiva. 2014;19(7):2055-62. DOI:10.1590/1413-81232014197.18822013,2121 Victora CG, Aquino EML, Leal MC, Monteiro CA, Barros FC, Szwarcwald CL. Maternal and child health in Brazil: progress and challenges.Lancet. 2011;377(9780):1863-76. DOI:10.1016/S0140-6736(11)60138-4 possibilita maior acesso da população aos serviços básicos de saúde, importantes para o acompanhamento pré-natal, parto e puerpério, e da criança após a alta hospitalar. A Estratégia de Saúde da Família teve efeito importante na redução da mortalidade infantil em municípios brasileiros, de 1996 a 2004.4Aquino R, Oliveira NF, Barreto ML. Impact of the Family Health Program on Infant Mortality in Brazilian Municipalities. Am J Public Health. 2009;99(1):87-93. DOI:10.2105/AJPH.2007.127480 A cobertura do Programa em Aracaju passou de 61,8% em 2002 para 84,8% em 2010.ee Ministério da Saúde. Departamento de Atenção Básica. Brasília (DF); 2013 [citado 2013 jun 27]. Disponível em: http://dab.saude.gov.br/portaldab/historico_cobertura_sf.php O mesmo ocorreu em São Paulo em que a queda da mortalidade infantil foi influenciada pelos crescimentos do PIB per capita e da cobertura pelas Equipes de Saúde da Família entre 1998 e 2008.1010 Lourenço EDC, Guerra LM, Tuon RA, Vidal e Silva SMC, Ambrosano GMB, Corrente JE, et al. Variáveis de impacto na queda da mortalidade infantil no Estado de São Paulo, Brasil, no período de 1998 a 2008. Cienc Saude Coletiva. 2014;19(7):2055-62. DOI:10.1590/1413-81232014197.18822013 A reorganização da APS na Colômbia foi relacionada à redução de 19,0% da TMI entre 2003 e 2007, principalmente das causas de óbito associadas às desigualdades socioeconômicas e de moradia.1313 Mosquera PA, Hernández J, Vega R, Martínez J, Labonte R, Sanders D, et al. The impact of primary healthcare in reducing inequalities in child health outcomes, Bogotá-Colombia: an ecological analysis. Int J Equity Health. 2012;11:66. DOI:10.1186/1475-9276-11-66

O estrato ‘elevado’ apareceu com taxas médias mais baixas em relação aos demais estratos nos dois períodos nas comparações das TMI média e específicas. Isso indica desigualdades na ocorrência do óbito infantil entre os estratos, acentuada de 2006 a 2010, quando aumentou o risco nos estratos ‘intermediário’, ‘baixo’ e ‘muito baixo’ em relação ao período anterior. Apesar do arrefecimento da TMI em todos os estratos, na década, a desigualdade quanto ao óbito infantil aumentou nas áreas com piores condições de vida em relação àquelas com melhores condições. Maia et al1111 Maia LTS, Souza WV, Mendes ACG. Differences in risk factors for infant mortality in five Brazilian cities: a case-control study based on the Mortality Information System and Information System on Live Births. Cad Saude Publica. 2012;28(11):2163-76. DOI:10.1590/S0102-311X2012001100016 (2012) apontaram desigualdades marcantes no perfil da mortalidade infantil entre cinco municípios brasileiros de diferentes regiões. As desigualdades foram fortemente associadas às condições socioeconômicas e de acesso aos serviços de saúde, constituindo-se indicador de iniquidade. As chances de morte em menores de um ano também foram maiores entre as crianças de classe social menos favorecidas no Reino Unido, de 1994 a 2011.2323 Weightman AL, Morgan HE, Shepherd MA, Kitcher H, Roberts C, Dunstan FD. Social inequality and infant health in the UK: systematic review and meta-analyses. BMJ Open. 2012;2(3):e000964. DOI:10.1136/bmjopen-2012-000964

Na Bélgica, de 1999 a 2008, 85,0% dos óbitos em menores de um ano aconteceram no primeiro mês de vida (óbitos neonatais), principalmente durante a primeira semana, devido sobretudo a afecções perinatais relacionadas à prematuridade.1515 Pelfrene E, Cloots H, Hendrickx E. Infant mortality in the Flemish Region of Belgium 1999-2008: a time-to-event analysis. Arch Public Health. 2012;70(1):6. DOI:10.1186/0778-7367-70-6 Em Aracaju, de 2001 a 2010, cerca de 77,0% dos óbitos aconteceram no primeiro mês de vida e as afecções perinatais responderam por 70,0% de todos os óbitos infantis, sendo a primeira causa de morte. A redução em 32,0% de óbitos por causas perinatais, de 2006 a 2010, sugere melhorias de acesso pré-natal e assistência hospitalar, especialmente nas unidades de tratamento intensivo neonatal.3Amorim MMR, Vilela PC, Santos ARVD, Lima ALM V, Melo EFP, Bernardes HF, et al. Impacto das malformações congênitas na mortalidade perinatal e neonatal em uma maternidade-escola do Recife. Rev Bras Saude Matern Infant. 2006;6(Suppl 1):19-25. DOI:10.1590/S1519-38292006000500003,1111 Maia LTS, Souza WV, Mendes ACG. Differences in risk factors for infant mortality in five Brazilian cities: a case-control study based on the Mortality Information System and Information System on Live Births. Cad Saude Publica. 2012;28(11):2163-76. DOI:10.1590/S0102-311X2012001100016,2222 Volpe FM, Abrantes MM, Capanema FD, Chaves JG. The impact of changing health indicators on infant mortality rates in Brazil, 2000 and 2005.Rev Panam Salud Publica. 2009;26(6):478-84. DOI:10.1590/S1020-49892009001200002

Malformações congênitas constituíram a segunda causa do óbito correspondendo a cerca de 13,0% do total de óbitos e a taxa específica manteve-se estável, com variação entre os estratos. A TMI média por essa causa no estrato ‘intermediário’ passou de 3,3 óbitos por mil NV de 2001 a 2005 para 4,3 de 2006 a 2010. Outros estudos latino-americanos apresentaram variação percentual da ocorrência de malformações congênitas entre 2,0% e 5,0%.1Aguila A, Nazer J, Cifuentes L, Mella P, de la Barra P, Gutiérrez D. Prevalencia de malformaciones congénitas al nacer y factores asociados en Isla de Pascua, Chile (1988-1998). Rev Med Chile. 2000;128(2):162-6. DOI:10.4067/S0034-98872000000200005,3Amorim MMR, Vilela PC, Santos ARVD, Lima ALM V, Melo EFP, Bernardes HF, et al. Impacto das malformações congênitas na mortalidade perinatal e neonatal em uma maternidade-escola do Recife. Rev Bras Saude Matern Infant. 2006;6(Suppl 1):19-25. DOI:10.1590/S1519-38292006000500003,7García H, Salguero GA, Moreno J, Arteaga C, Giraldo A. Frecuencia de anomalías congénitas en el Instituto Materno Infantil de Bogotá.Biomedica. 2003;23(2):161-72. DOI:10.7705/biomedica.v23i2.1208 Apesar dessas mortes serem de difícil prevenção, melhorias no planejamento familiar e na assistência pré-natal podem contribuir para sua redução, uma vez que muitas anomalias estão ligadas a fatores ambientais e nutricionais da mãe, tais como as do sistema nervoso central.3Amorim MMR, Vilela PC, Santos ARVD, Lima ALM V, Melo EFP, Bernardes HF, et al. Impacto das malformações congênitas na mortalidade perinatal e neonatal em uma maternidade-escola do Recife. Rev Bras Saude Matern Infant. 2006;6(Suppl 1):19-25. DOI:10.1590/S1519-38292006000500003 Outros estudos para determinação das causas serão necessários.

A TMI média por doenças diarreicas de 2001 a 2005 configura-se como forte indicador de desigualdade em saúde, maior nos estratos ‘baixo’ e ‘muito baixo’. Entretanto a ocorrência dessa causa de óbito foi esporádica de 2006 a 2010. A redução na taxa por causas diarreicas foi a maior entre todas as causas e pode estar associada a melhorias das condições sanitárias e maior acesso aos serviços de saúde.1414 Oliveira TCR, Latorre MRDO. Tendências da internação e da mortalidade infantil por diarréia: Brasil, 1995 a 2005. Rev Saude Publica. 2010;44(1):102-11. DOI:10.1590/S0034-89102010000100011 Além disso, a disponibilização da vacina contra Rotavírus a partir de 2006 mostra-se eficiente na diminuição da mortalidade infantil por diarreia aguda.8Gurgel RG, Bohland AK, Vieira SCF, Oliveira DMP, Fontes PB, Barros VF, et al. Incidence of rotavirus and all-cause diarrhea in northeast Brazil following the introduction of a national vaccination program.Gastroenterology. 2009;137(6):1970-5. DOI:10.1053/j.gastro.2009.07.046,9Gurgel RQ, Ilozue C, Correia JB, Centenari C, Oliveira SMT, Cuevas LE. Impact of rotavirus vaccination on diarrhoea mortality and hospital admissions in Brazil. Trop Med Int Health. 2011;16(9):1180-4. DOI:10.1111/j.1365-3156.2011.02844.x

A redução sugere que a maior parte dos bairros passou por melhorias sanitárias e de acesso à saúde de 2006 a 2010, sobretudo naqueles classificados com ICV ‘baixo’ e ‘muito baixo’. No entanto, apesar da redução ampla, principalmente no estrato ‘elevado’, os demais estratos apresentaram óbitos por diarreia, mostrando que estes apresentam diferenças de condições de saúde importantes em relação ao estrato de melhor condição de vida.

Houve redução nas causas respiratórias, representadas principalmente por pneumonias, tratáveis na atenção primária tal como as diarreias.1616 Santos HG, Andrade SM, Birolim MM, Carvalho WO, Silva AMR. Mortalidade infantil no Brasil: uma revisão de literatura antes e após a implantação do Sistema Único de Saúde. Pediatr (São Paulo).2010;32(2):131-43. A queda na TMI por causas respiratórias provavelmente ocorreu devido à melhoria do acesso aos serviços de saúde, manejo adequado dos casos e implantação, na rede pública de saúde, da vacina contra Haemophilus influenzae, importante agente causador de pneumonias nessa faixa etária.2Alves AC, França E, Mendonça ML, Rezende EM, Ishitani LH, Côrtes MCJW. Principais causas de óbitos infantis pós-neonatais em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 1996 a 2004. Rev Bras Saude Matern Infant. 2008;8(1):27-33. DOI:10.1590/S1519-38292008000100004

A elevação de óbitos em menores de um ano por causas externas,2Alves AC, França E, Mendonça ML, Rezende EM, Ishitani LH, Côrtes MCJW. Principais causas de óbitos infantis pós-neonatais em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 1996 a 2004. Rev Bras Saude Matern Infant. 2008;8(1):27-33. DOI:10.1590/S1519-38292008000100004 sobretudo nos bairros de ICV baixo e muito baixo, indica a problemática dos acidentes e violências nesse estrato de condições de vida, refletindo as desigualdades sociais e de saúde a que está submetida a população.1717 Silva JB, Barros MBA. Epidemiology and inequality: notes on theory and history. Rev Panam Salud Publica. 2002;12(6):375-83. DOI:10.1590/S1020-49892002001200003 No município de Cuiabá, quando estudados óbitos infantis por causas externas, verificou-se que, quanto maior o número de filhos, menor a escolaridade, e quanto menor a idade materna, maiores as dificuldades de prevenção de acidentes nessa faixa etária.1212 Matos KF, Martins CBDG. Perfil epidemiológico da mortalidade por causas externas em crianças, adolescentes e jovens na capital do Estado de Mato Grosso, Brasil, 2009. Epidemiol Serv Saude. 2012;21(1):43-53. DOI:10.5123/S1679-49742012000100005

Como esse estudo foi baseado em médias de variáveis sociais e demográficas e da própria TMI, existem limitações que são próprias deste tipo de pesquisa. Diferenciais locais dentro do mesmo bairro podem estar diluídos nas médias. Não se podendo, portanto, evidenciá-los. Entretanto, por tratar-se de estudo de dados agregados, mostra-se de extrema importância para avaliação e planejamento de saúde. Os estratos ‘baixo’ e ‘muito baixo’ obtiveram as piores taxas médias, excetuando-se a análise por malformação congênita, confirmando que, apesar dos avanços, persistem as desigualdades de saúde nos bairros com piores condições de vida.

A mortalidade infantil em Aracaju está em declínio, mas apresenta importantes diferenciais entre bairros. A averiguação sob a ótica das condições de vida mostra as diferenças no óbito infantil no espaço urbano. Não se pretende relacionar associações definitivas, mas ratificar as desigualdades em saúde na mortalidade infantil como fenômeno multidimensional, que não pode ser analisado por um único ângulo.

Apesar da redução significativa, a mortalidade infantil em Aracaju ainda configura problema grave em determinados bairros da cidade. As ações de políticas de saúde infantil devem considerar o espaço urbano, as características dos locais e indicadores sociais para uma aproximação mais correta possível da aplicabilidade dos recursos disponíveis.

AGRADECIMENTOS

À Secretaria de Planejamento do município de Aracaju através do setor de Geoprocessamento, pela disponibilização do mapa temático da cidade, pelo qual foi possível distribuir espacialmente o Índice de Condição de Vida.

À Secretaria Municipal da Saúde de Aracaju pela disponibilização dos bancos de dados municipais de estatísticas vitais (SIM e SINASC).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Fev 2015

Histórico

  • Recebido
    23 Fev 2013
  • Aceito
    2 Ago 2014
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
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