Boletim e Arquivos: a comunicação científica até a criação da Revista de Saúde Pública

Maria Cristina da Costa Marques Mariana de Carvalho Dolci Sobre os autores

RESUMO

Com base em referenciais históricos da comunicação científica, foram analisadas as edições do Boletim do Instituto de Higiene de São Paulo e dos Arquivos da Faculdade de Higiene e Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Publicadas respectivamente de 1919 a 1946 e de 1947 a 1966, totalizam 120 edições. Em seus 48 anos de publicação, o objetivo era disseminar a produção científica da instituição e legitimar o debate teórico do campo, além de apoiar os modelos de intervenção de saúde pública, escrita por importantes pesquisadores da instituição e colaboradores e gestores do campo da saúde pública. Tanto o Boletim como os Arquivos foram reconhecidos como comunicação científica de referência nacional e lançaram as bases para a criação da Revista de Saúde Pública, em 1967.

Saúde Pública; Publicações Periódicas como Assunto, história; Comunicação e Divulgação Científica; Revisão; Artigo Histórico

INTRODUÇÃO

Com base em referenciais históricos da comunicação científica, foram analisadas as duas publicações periódicas que antecederam a Revista de Saúde Pública: o Boletim do Instituto de Higiene de São Paulo e os Arquivos da Faculdade de Higiene e Saúde Pública da Universidade de São Paulo, aqui designados Boletim e Arquivos, editados respectivamente de 1919 a 1946 e de 1947 a 1966. Consultou-se o acervo digitalizado disponível no Portal de Revista da USP (http://www.revistas.usp.br/bihsp). As 120 edições foram organizadas em banco de dados segundo tema, autoria, resumo, tipo do texto, editores e outros indicadores, o que permitiu caracterizar relevantes contextos reflexivos dos periódicos na época.

Este artigo apresenta a perspectiva histórica da comunicação científica e suas principais questões para apoiar o argumento central: o de que o Boletim e os Arquivos atenderam aos preceitos da comunicação científica e foram estratégia relevante para legitimar a instituição a que se vinculavam e construir um campo teórico e de prática – a saúde pública e suas áreas afetas.

Comunicação Científica

Ao longo dos séculos, a divulgação científica atendeu a diferentes interesses e motivações. Estudos sobre o tema podem elucidar como suas variações responderam a pressupostos da filosofia da ciência, dos conteúdos científicos envolvidos, dos códigos culturais, dos interesses políticos e econômicos e dos meios disponíveis de circulação de ideias em diversos lugares e épocas1515. Massarani L, Moreira IC, Prado G. Aspectos históricos da divulgação científica no Brasil: a década de 20. In: V Congresso Latino-Americano de História da Ciência e da Tecnologia. Rio de Janeiro, 1998..

A historiografia da comunicação científica sugere que o surgimento dos periódicos científicos decorre das revoluções científicas ocorridas no século XVII e que se constituíram, ao longo do tempo, em funções primordiais de preservar a memória da ciência e divulgar o conhecimento científico entre pares e para a sociedade1313. Martinelli MHF, Teixeira CF. Comunicação científica em saúde no Brasil: revisão de literatura. Cad Pesq Interdisc Ci-s. Hum-s. 2014;15(106):91-116. DOI:10.5007/1984-8951.2014v15n106p91
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No Brasil, a comunicação científica em saúde por meio de periódicos surge no século XIX, com enfoques diversos e classificáveis em três categorias:

  1. publicados até 1830, como jornais de ciência, artes técnicas e literatura, variedades, trabalhos técnicos e traduções de artigos estrangeiros e sem conteúdo especializado;

  2. jornais e revistas médicas, que publicavam artigos científicos e relatos de pesquisa ou de experiências, além de traduções de trabalhos científicos estrangeiros, sobretudo franceses, prática que permaneceu até o fim do século XIX;

  3. jornais que publicavam notícias da área médica e divulgavam epidemias e alertas de medidas de saúde pública1313. Martinelli MHF, Teixeira CF. Comunicação científica em saúde no Brasil: revisão de literatura. Cad Pesq Interdisc Ci-s. Hum-s. 2014;15(106):91-116. DOI:10.5007/1984-8951.2014v15n106p91
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No Brasil, a comunicação sistematizada da ciência foi regular e estável somente quando esteve ligada a instituições e não se limitava a atividades isoladas de divulgação da ciência. Isso é perceptível quando surgem os primeiros periódicos de sociedades científicas fundadas no País, a partir de 1830, característica que se manteve ao longo do século XX, mesmo considerando as novas formas de circulação de ideias científicas do século XXI1010. Freitas MH. Considerações acerca dos primeiros periódicos científicos brasileiros. Ci Inf. 2006;35(3):54-66. DOI:10.1590/S0100-19652006000300006
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Este artigo apoia-se nas premissas supracitadas, e pressupõe que tanto a criação do Boletim, em 1919, quanto sua substituição pelos Arquivos, em 1947, observaram as características da comunicação científica de alinhamento aos preceitos da ciência e também aos interesses políticos e acadêmicos vigentes. Ao longo dos 48 anos das publicações e considerando seus diferentes contextos, percebe-se o projeto de disseminar a produção científica da instituição, bem como a de pesquisadores da área, com o fito de legitimar o debate teórico do campo e apoiar os modelos de intervenção de saúde pública, sobretudo no estado de São Paulo. Outro fato importante, referendado pela historiografia do tema, foi terem estado sempre vinculados a uma instituição científica: o Instituto de Higiene e a Faculdade de Higiene e Saúde Pública da Universidade de São Paulo.

Instituto de Higiene

Por meio de convênio assinado entre o governo paulista e o International Health Board, da Rockefeller Foundation, o Instituto de Higiene sucedeu o Laboratório de Higiene, criado em 1918 como cátedra da Faculdade de Medicina de São Paulo. Tornou-se instituição autônoma, fundamental, sobretudo no estado de São Paulo, na formulação de políticas de saúde, como a adotada a partir de 1925, cujos eixos centrais foram a educação sanitária e os centros de saúde99. Faria L. A casa de Geraldo de Paula Souza: texto e imagem sobre um sanitarista paulista. Hist Cienc Saude-Manguinhos. 2005;12(3):1011-24. DOI:10.1590/S0104-5970200500030001
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Geraldo Horácio de Paula Souza e Francisco Borges Vieira foram os primeiros bolsistas indicados da Fundação Rockefeller para o primeiro curso de Higiene e Saúde Pública, ministrado pela recém-inaugurada School of Hygiene and Public Health, da Universidade Johns Hopkins. Voltando ao Brasil, Paula Souza assumiu a direção do Instituto de Higiene, em 1922, e implantou novas metodologias na higiene e na saúde pública. Em 1925, não mais associado à Faculdade de Medicina, o Instituto de Higiene de São Paulo iniciou um programa acadêmico independente e garantiu espaço nas pesquisas sanitárias e na formação de pessoal em saúde pública, com apoio contínuo da Fundação Rockefeller99. Faria L. A casa de Geraldo de Paula Souza: texto e imagem sobre um sanitarista paulista. Hist Cienc Saude-Manguinhos. 2005;12(3):1011-24. DOI:10.1590/S0104-5970200500030001
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Com o auxílio financeiro da Fundação Rockefeller e a cessão pelo governo do estado de São Paulo de um extenso terreno, assinou-se o contrato para a construção do novo prédio, à avenida Dr. Arnaldo, concluído em 1932. A edificação atendeu às finalidades do projeto acadêmico do Instituto de Higiene: tinha laboratórios de pesquisa, seções de fisiologia, química sanitária, higiene do trabalho, nutrição e dietética, microbiologia e imunologia aplicadas à higiene, leprologia e micologia, técnica sanitária, higiene rural e parasitologia e uma pequena unidade hospitalar. Os outros recintos do prédio destinavam-se a atividades pedagógicas, além das seções de estatística, epidemiologia e inquéritos e investigações sociais, assim como ao Centro de Saúde Modelo99. Faria L. A casa de Geraldo de Paula Souza: texto e imagem sobre um sanitarista paulista. Hist Cienc Saude-Manguinhos. 2005;12(3):1011-24. DOI:10.1590/S0104-5970200500030001
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No início dos anos 1940, o Instituto de Higiene havia diplomado 49 sanitaristas, 466 educadoras sanitárias e 45 nutricionistas e certificado 49 outros médicos que seguiram seus cursos de emergência ou intensivos. Em 29 de novembro de 1945, em sessão magna da congregação, instalou-se a Faculdade de Higiene e Saúde Pública da Universidade de São Paulo.

Boletim do Instituto de Higiene de São Paulo – 1919-1946

O fato de ter surgido no ano seguinte à criação do Laboratório de Hygiene da Faculdade de Medicina indica a importância do Boletim como veículo de comunicação científica, legitimador e divulgador dos ideais do higienismo como matriz fundante da saúde pública no período.

Nos 28 anos em que foi editado, o Boletim apresentou características editoriais que ajudam a elucidar seu papel na legitimação da instituição à qual se vinculava e também na consolidação de uma matriz de entendimento e intervenção sobre e na saúde pública vigente.

Cada um dos 88 números editados publicou um artigo, uma separata ou um comentário, e é notável sua regularidade – interrompida apenas nos anos de 1925 e 1926 –, considerando-se as potenciais dificuldades dos processos de criação, estrutura e formação institucional. A criação do Laboratório de Hygiene em 1918, a mudança da direção do Instituto de Higiene em 1922 para Geraldo de Paula Souza, a formalização da autonomia do Instituto em relação à Faculdade de Medicina, a mudança para a sede em 1931 e a instalação da Faculdade de Saúde Pública em novembro de 1945, entre outros fatos, mostram o dinamismo da institucionalização do campo da saúde pública em São Paulo e a importância que os sujeitos históricos da época davam à comunicação científica, instrumento legitimador da identidade intelectual pretendida.

Com pequenos intervalos entre os números, o Boletim foi considerado, já nos primeiros anos, publicação sob os auspícios do governo do estado de São Paulo e da Fundação Rockfeller, o que o indica como parte do plano institucional firmado entre a fundação estadunidense, o governo estadual e o Instituto de Higiene. Entre 1927 e 1935, quando a Imprensa Oficial de Estado assume a editoração e publicação do periódico, aparecem diferentes responsáveis, com destaque para as Escolas Profissionaes do Lyceu Coração de Jesus de São Paulo.

A maior parte dos trabalhos publicados são produções acadêmicas de diretores, pesquisadores, instrutores, professores e assistentes ligados ao Instituto de Higiene e também – prática comum na época2626. Stumpf IRC. Passado e futuro das revistas científicas. Ci Inf. 1996;25(3):1-6. DOI:10.18225/ci.inf..v25i3.637.g641
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– separatas publicadas em outros periódicos, trabalhos apresentados em congressos e conferências proferidas em ocasiões diversas.

Os primeiros números do Boletim publicaram trabalhos, separatas e conferências de Samuel T. Darling, Wilson G. Smillie, G. H. de Paula Souza e F. Borges Vieira, grupo dirigente da instituição em diferentes períodos. Os temas se referiam ao higienismo e seus preceitos, à profilaxia de doenças, a estudos epidemiológicos e sobre algumas doenças, à alimentação e a doenças presentes em São Paulo. Exceção são os textos dos números 8 e 9, de 1922, respectivamente com uma conferência de Emílio Ribas2323. Ribas E. Questões de hygiene: a febre typhoide em São Paulo e o seu histórico. Bol Inst Hig S Paulo. 1922[citado 8 mar 2016];(8):3-33. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/bihsp/issue/view/6887
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, ex-diretor do Serviço Sanitário do estado de São Paulo, e uma de Belizário Penna2222. Penna B. Prophylaxia do impaludismo no Brasil. Bol Inst Hig S Paulo. 1922[citado 8 mar 2016];(9):2-23. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/bihsp/issue/view/6888
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, do Departamento Nacional de Saúde Pública, Diretor do Serviço de Profilaxia, proferida em 22 de novembro de 1921, como parte do curso intensivo de Higiene Rural. O destaque desses dois números apresenta os renomados sanitaristas na revista, o que certamente a legitimava científica e politicamente.

Temas relativos a problemas de saúde em São Paulo e a modelos de intervenção baseados nos preceitos científicos da Higiene são notórios em diversas edições. Em 1924, o número 20 do Boletim traz um interessante trabalho de Geraldo de Paula Souza e Nicolino Morena intitulado “Sugestões para a melhoria da Legislação Sanitária Estadual, sobre gêneros alimentícios”1919. Paula Souza GH, Morena N. Sugestões para a melhoria da Legislação Sanitária Estadual, sobre gêneros alimentícios. Bol Inst Hig S Paulo. 1924[citado 9 mar 2016];(20):3-42. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/bihsp/issue/view/6903
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e, em 1928, o número 29 apresenta um estudo de Borges Vieira, “Considerações sobre a epidemiologia de algumas doenças transmissíveis na cidade do São Paulo – Brasil”66. Borges Vieira F. Considerações sobre a epidemiologia de algumas doenças transmissíveis em S. Paulo, Brasil. Bol Inst Hig S Paulo. 1928[citado 15 mar 2016];(29):3-46. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/bihsp/article/view/89401
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, que conta que o Instituto recebia do Serviço Sanitário do estado dados epidemiológicos das doenças transmissíveis, o que ensejava estudos sobre a incidência e a situação da saúde na capital e no interior.

No número 47 do Boletim, de 1931, com o estudo de Borges Vieira e Fleury Silveira88. Borges Vieira F, Silveira GF. Protozoarios intestinaes no homem na cidade de São Paulo. Bol Inst Hig S Paulo. 1931[citado 16 mar 2016];(47):3-11. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/bihsp/issue/view/6945
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“Protozoarios intestinaes no homem na cidade de São Paulo”, compreende-se a estrutura do Instituto de Higiene para desenvolver ações de assistência e pesquisa. O trabalho resulta da observação de 373 pessoas atendidas sobretudo no Centro de Saúde Modelo, realizando-se os exames nos laboratórios do Instituto. Nessa linha, os modelos de organização de serviços sanitários e seus preceitos científicos também foram temas publicados no Boletim, destacando-se o número 59, de 1936, com o texto “Centro de Saúde ‘eixo’ da organização sanitária”, de Geraldo Horácio de Paula Souza e Francisco Borges Vieira1818. Paula Souza GH, Borges Vieira F. Centro de Saúde “eixo” da organização sanitária. Bol Inst Hig S Paulo. 1936[citado 22 mar 2016];(59):3-60. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/bihsp/issue/view/6948
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As parcerias institucionais entre órgãos estaduais também aparecem em vários trabalhos, a exemplo do número 80, de 1943, com o artigo de Benjamin Alves Ribeiro2424. Ribeiro BA. Organização e funcionamento de um serviço médico industrial. Bol Inst Hig S Paulo. 1943[citado 22 mar 2016];(80):3-22. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/bihsp/issue/view/6975
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, assistente no Instituto de Higiene de São Paulo, que menciona uma cooperação entre este, por meio de sua Seção de Higiene do Trabalho, e o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), para um projeto de organização do serviço médico no IPT.

No penúltimo número do Boletim, de 1945, o relatório de Borges Vieira discute tema de destaque no período: “Questões de saúde e assistência na cidade e no campo”77. Borges Vieira F. Questões de saúde e assistência na cidade e no campo. Bol Inst Hig S Paulo. 1945[citado 25 mar 2016];(87):3-36. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/bihsp/issue/view/6979
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, trabalho apresentado no Congresso Brasileiro dos Problemas Médico-Sociais de Após-Guerra, realizado em Salvador, Bahia, no mesmo ano. O autor indica a necessidade de focalizar os problemas “médico-sociais” agravados pelas condições pós-guerra para a proposição de medidas sanitárias. Como canal de comunicação de trabalhos e posicionamentos científicos e políticos de pesquisadores, dirigentes e assistentes do Instituto, o Boletim se alinhou com as discussões prementes da saúde em importantes ocasiões.

Arquivos da Faculdade de Higiene e Saúde Pública da Universidade de São Paulo (1947-1966)

Os Arquivos foram publicados durante vinte anos (1947-1966) Na apresentação dos Arquivos, Geraldo Horácio de Paula Souza1717. Paula Souza GH. Apresentação. Arq Fac Hig S Pub Univ São Paulo. 1947[citado 28 mar 2016];1(1):3-4. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/afhsp/issue/view/6484
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anunciou os princípios norteadores da publicação nascente:

Os Arquivos da Faculdade de Higiene e Saúde Pública, que ora iniciam sua vida, não perderão de vista as linhas mestras traçadas pelos iniciadores dessa Instituição, promovendo a publicação dos trabalhos originais dos seus pesquisadores e estimulando a colaboração dos melhores elementos da nossa terra (p. 4).

Os Arquivos reúnem 194 trabalhos originais, publicados em 20 volumes completos, distribuídos em 30 fascículos e um suplemento. Embora sem a intenção de destiná-los exclusivamente a trabalhos dos integrantes da Faculdade, sua estrutura fez com que assim acontecesse, e, orientada especialmente para bibliotecas e sociedades científicas, sua distribuição e permuta reduziu sua penetração em outros núcleos interessados em saúde pública1717. Paula Souza GH. Apresentação. Arq Fac Hig S Pub Univ São Paulo. 1947[citado 28 mar 2016];1(1):3-4. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/afhsp/issue/view/6484
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Em 1966, o diretor da Faculdade de Higiene e Saúde Pública, Rodolfo dos Santos Mascarenhas, escreveu uma nota no último número dos Arquivos introduzindo sua substituição pela Revista de Saúde Pública. Informa que os Arquivos começaram em 1947, por iniciativa de Geraldo Horácio de Paula Souza, e que tiveram publicação semestral, sob a orientação da Comissão de Biblioteca da instituição, divulgando exclusivamente trabalhos científicos ou técnicos elaborados na instituição ou com a colaboração de seu corpo docente1414. Mascarenhas RS. Formação de pessoal para-médico. Arq Fac Hig Saude Publica. 1966;20(2):183-97. DOI:10.11606/issn.2358-792X.v20i2p183-197
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No primeiro número, discutiram-se diversos temas, com textos de João Alves Meira1616. Meira JA. Esquistosomíase mansoni: subsídio ao estudo de sua incidência e distribuição geográfica no Brasil. Arq Fac Hig S Pub Univ São Paulo. 1947[citado 28 mar 2016];1(1):147-61. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/afhsp/article/view/85240/88066
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, Hermelino Herbster Gusmão e Casuhê Yassuda1111. Gusmão HH, Yassuda C. Condições econômico-sociais e epidemiológicas de um grupo de 201 famílias de um bairro de São Paulo. Arq Fac Hig S Pub Univ São Paulo. 1947;1(1):147-53. DOI:10.11606/issn.2358-792X.v1i1p147-153
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, Raphael de Paula Souza e Hermelino Herbster Gusmão2121. Paula Souza R, Gusmão HH. Estudo epidemiológico e econômico-social comparativo de famílias de cor e de brancos. Arq Fac Hig S Pub Univ São Paulo. 1947[citado 28 mar 2016];1(1):155-8. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/afhsp/article/view/85242/88068
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, John Lane1212. Lane J. A biologia e taxonomia de algumas espécies dos grupos Forcipomyia e Culicoides. Arq Fac Hig S Pub Univ São Paulo. 1947;1(1):159-70. e Dorival da Fonseca Ribeiro e Francisco A. Cardoso2525. Ribeiro DF, Cardoso FA. Determinação do teor de ácido ascórbico do mamão. Arq Fac Hig S Pub Univ São Paulo. 1947[citado 28 mar 2016];1(1):173-92. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/afhsp/article/view/85242/88068
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Diferentemente do Boletim, os Arquivos creditavam no cabeçalho dos artigos, desde o primeiro número, os departamentos a que pertenciam os autores e o catedrático responsável pela área. A partir de 1953, esses dados são substituídos pela qualificação dos autores em notas de rodapé.

Nas edições digitalizadas que compõem o banco de dados consultado nesta pesquisa, tem-se acesso, entre outras informações, a trabalhos apresentados em congressos nacionais e internacionais, teses e conferências proferidas em ocasiões diversas. Os trabalhos discutem higienismo, tuberculose, entomologia, epidemias, estudos químicos, intoxicações, problemas urbanos, sífilis, nutrição, vigilância sanitária, epidemiologia, mortalidade, entre outros, realizados na Faculdade de Higiene e Saúde Pública e quase todos referentes ao estado de São Paulo.

Destacamos o número 2 do volume 4 (dez. 1950), que traz um artigo de Elza Salvatori Berquó55. Berquó ES. Sobre a determinação de um momento de ordem qualquer de um momento centrado genérico de uma amostra suposta proveniente de uma especificada população normal a k dimensões. Arq Fac Hig S Pub Univ São Paulo. 1950[citado 1 abr 2016];4(2):213-43. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/afhsp/article/view/85321
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, do departamento de Estatística, a primeira mulher a publicar nos Arquivos um texto como autora principal. Com o título “Sobre a determinação de um momento de ordem qualquer de um momento centrado genérico de uma amostra suposta proveniente de uma especificada população normal a k dimensões”, Berquó apresenta sua tese de concurso à livre-docência da cadeira de Bioestatística da Faculdade de Higiene e Saúde Pública da Universidade de São Paulo, aprovada em abril de 1951.

O número 1 do volume 13 (jun. 1959) é uma edição comemorativa do Jubileu de Prata da Universidade de São Paulo (1934-1959), com artigo do professor catedrático de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Jorge Americano11. Americano J. Alguns problemas da Universidade de São Paulo. Arq Fac Hig S Pub Univ São Paulo. 1959[citado 2 abr 2016];13(1):13-6. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/afhsp/issue/view/6563
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. O número 1 do volume 17 homenageia seu fundador, Geraldo de Paula Souza (falecido em 1951), e parte do número 2 foi dedicada à memória do professor John Lane (falecido em 1963) e sua obra científica.

Em 1967, no editorial do primeiro número da Revista de Saúde Pública, o diretor Raphael de Paula Souza escreve que, tal como ocorreu na criação dos Arquivos, o aparecimento da Revista de Saúde Pública não significou quebra de continuidade. Ideais, princípios e finalidades são os mesmos. Com seu crescimento, tanto a Faculdade como a Revista de Saúde Pública sofrem transformações, mantendo-se inelutavelmente ligadas a seu ponto de origem – o Laboratório de Higiene da Faculdade de Medicina. E, por observar a mesma linha de ação e sob nova forma, a Revista de Saúde Pública se propõe a concorrer mais eficientemente para o progresso da saúde pública em seu meio.

Considerações Finais

A comunicação científica levada a cabo nos 48 anos de publicação do Boletim e dos Arquivos foi uma importante estratégia de legitimação do Instituto de Higiene e da Faculdade de Higiene e Saúde Pública de São Paulo como produtoras de conhecimento científico nas diversas áreas da saúde pública. As revistas foram significativo locus de expressão da expansão progressiva de novos temas de pesquisa que se agregaram ao campo e expõem a dimensão complexa que a saúde pública e seu campo de prática ganharam ao longo das décadas.

Nesse sentido, é legítimo afirmar que a criação da Revista de Saúde Pública há 50 anos encontra sólido apoio institucional e científico, que, somado a outros fatores, lhe permitiu alcançar respeito na sociedade científica do campo e também nos espaços de interesse teórico e prático da saúde coletiva.

Referências bibliográficas

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Out 2016

Histórico

  • Recebido
    4 Jul 2016
  • Aceito
    5 Jul 2016
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revsp@org.usp.br