ERICA: ingestão de macro e micronutrientes em adolescentes brasileiros

Amanda de Moura Souza Laura Augusta Barufaldi Gabriela de Azevedo Abreu Denise Tavares Giannini Cecília Lacroix de Oliveira Marize Melo dos Santos Vanessa Sá Leal Francisco de Assis Guedes Vasconcelos Sobre os autores

RESUMO

OBJETIVO

Descrever o perfil de consumo alimentar e de macronutrientes, e estimar a prevalência de inadequação da ingestão de micronutrientes em adolescentes brasileiros.

MÉTODOS

Foram avaliados dados de 71.791 adolescentes de 12 a 17 anos que participaram do Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (ERICA), realizado em 2013-2014. O consumo alimentar foi estimado por meio de recordatório alimentar de 24h; em uma subamostra dos adolescentes foi coletado um segundo R24h para a estimativa da variância intrapessoal e o cálculo de ingestão alimentar usual. Estimou-se prevalência de consumo de alimentos ou grupos de alimentos referidos pelos adolescentes. Para ingestão inadequada de sódio considerou-se valores acima do nível de ingestão máxima tolerável. Prevalências de inadequação foram calculadas pelo método da Necessidade Média Estimada (Estimated Average RequirementEAR) como ponto de corte. Todas as análises foram estratificadas segundo sexo, faixa etária e macrorregiões do País, e levaram em consideração o peso amostral e a complexidade do desenho do estudo.

RESULTADOS

Os alimentos mais consumidos pelos adolescentes foram arroz, feijão e outras leguminosas, sucos e refrescos, pães, e carne bovina. A ingestão média de energia dos adolescentes variou de 2.036 kcal (meninas de 12 a 13 anos) a 2.582 kcal (meninos de 14 a 17 anos). O consumo de ácidos graxos saturados e de açúcar livre ultrapassaram limites máximos recomendados da ingestão energética total (< 10,0%). Maiores prevalências de inadequação (> 50,0%) foram para cálcio e vitaminas A e E. O consumo de sódio foi acima dos limites máximos recomendados em mais de 80,0% dos adolescentes.

CONCLUSÕES

A dieta dos adolescentes brasileiros é caracterizada pelo consumo de alimentos tradicionais, como arroz e feijão, e ingestão elevada de bebidas açucaradas e alimentos ultraprocessados. Esse padrão associa-se à elevada inadequação da ingestão de cálcio, vitaminas A e E e ao consumo excessivo de ácidos graxos saturados, sódio e açúcar livre.

Adolescente; Consumo de Alimentos; Micronutrientes; Macronutrientes; Inquéritos sobre Dietas; Estudos Transversais; Inquéritos Nutricionais

INTRODUÇÃO

As doenças crônicas não-transmissíveis (DCNT) são a principal causa de morte em todas as regiões do Brasil1919. Schmidt MI, Duncan BB, Azevedo e Silva G, Menezes AM, Monteiro CA, Barreto SM et al. Chronic non-communicable diseases in Brazil: burden and current challenges. Lancet. 2011;377(9781):1949-61. DOI:10.1016/S0140-6736(11)60135-9. O sobrepeso e a obesidade, fatores de risco importantes para a ocorrência dessas doenças, apresentam níveis de prevalência crescentes em todo o mundo e atinge todas as fases da vida, inclusive crianças e adolescentes99. Institute of Medicine, Food and Nutrition Board, Standing Committee on the Scientific Evaluation of Dietary Reference Intakes. Dietary reference intakes for calcium, phosphorus, magnesium, vitamin D, and fluoride. Washington (DC): National Academy Press; 1997..

O aumento no consumo de alimentos ultraprocessados, ricos em gordura, açúcar e sal, e o baixo consumo de legumes, verduras e frutas2020. Souza AM, Pereira RA, Yokoo EM, Levy RB, Sichieri R. Alimentos mais consumidos no Brasil: Inquérito Nacional de Alimentação 2008-2009. Rev Saude Publica. 2013;47(Suppl. 1):190s-9s. DOI:10.1590/S0034-89102013000700005, associados ao menor gasto energético diário, explicam as tendências crescentes de sobrepeso e obesidade22. Bes-Rastrollo M, Sanchez-Villegas A, Basterra-Gortari FJ, Nunez-Cordoba JM, Toledo E, Serrano-Martinez M. Prospective study of self-reported usual snacking and weight gain in a Mediterranean cohort: the SUN project. Clin Nutr. 2010;29(3):323-30. DOI:10.1016/j.clnu.2009.08.017,aa Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF): antropometria e estado nutricional de crianças, adolescentes e adultos no Brasil, 2008-2009. Rio de Janeiro (RJ): Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2010 [citado 2015 set 10]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/pof/2008_2009_encaa/pof_20082009_encaa.pdf e alterações metabólicas na população infantil e adolescente. Também contribuem para as deficiências nutricionais características nessa fase da vida, como de ferro, zinco, cálcio, fósforo e vitaminas A, C, E2121. Spear BA. Adolescent growth and development. J Am Diet Assoc. 2002;102(3 Suppl):S23-9. DOI:10.1016/S0002-8223(02)90418-9.

A adolescência é uma fase de intensa modificação corporalbb World Health Organization. Maternal, newborn, child and adolescent health: adolescent development. Geneva: World Health Organization; 2014 [citado 2014 out 7]. Disponível em: http://www.who.int/maternal_child_adolescent/topics/adolescence/dev/en/ , e hábitos alimentares inadequados estão associados ao risco elevado de obesidade e outras DNCT88. Gambardella AMD, Frutuoso MFP, Franch C. Prática alimentar de adolescentes. Rev Nutr. 1999;12(1):55-63. DOI:10.1590/S1415-52731999000100005, sendo importante o monitoramento do consumo alimentar dos adolescentes brasileiros para a implementação e avaliação de estratégias de intervenção. Diante disso, o objetivo do presente estudo foi descrever o perfil de consumo alimentar e de macronutrientes e estimar a prevalência de inadequação da ingestão de micronutrientes em adolescentes brasileiros.

MÉTODOS

Foram utilizados os dados do Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (ERICA) realizado no período de 2013 a 2014. O ERICA é um inquérito nacional de base escolar cujo objetivo foi avaliar a prevalência de fatores de risco cardiovasculares e síndrome metabólica em adolescentes de 12 a 17 anos que frequentavam escolas públicas e privadas localizadas em 124 cidades brasileiras. Informações detalhadas quanto ao processo de amostragem e a coleta de dados foram publicadas previamente33. Bloch KV, Szklo M, Kuschnir MC, Abreu GA, Barufaldi LA, Klein CH et al. The Study of Cardiovascular Risk in Adolescents - ERICA: rationale, design and sample characteristics of a national survey examining cardiovascular risk factor profile in Brazilian adolescents. BMC Public Health. 2015;15:94. DOI:10.1186/s12889-015-1442-x,2323. Vasconcellos MTL, Silva PLN, Szklo M, Kuschnir MCC, Klein CH, Abreu GA et al. Desenho da amostra do Estudo do Risco Cardiovascular em Adolescentes (ERICA). Cad Saude Publica. 2015;31(5):921-30. DOI:10.1590/0102-311X00043214. Resumidamente, o ERICA adotou um plano de amostragem por conglomerado em três estágios. No primeiro estágio, foram selecionadas as escolas com probabilidade proporcional ao tamanho, previamente estratificadas em 32 estratos geográficos (27 capitais e cinco conjuntos com os demais municípios de cada macrorregião). No segundo estágio, foram selecionadas três combinações de turno (manhã e tarde) e ano (um dos três últimos anos do ensino fundamental ou de um dos três anos do ensino médio). No terceiro estágio, foi selecionada uma turma para cada uma das combinações descritas anteriormente1515. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Guia alimentar para a população brasileira: promovendo a alimentação saudável. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2008.. Foram excluídos adolescentes fora da faixa etária de 12 a 17 anos que possuíam algum grau de deficiência que impossibilitassem a avaliação antropométrica e o preenchimento do questionário, e também as adolescentes gestantes.

Dos 102.327 adolescentes elegíveis para participarem do estudo, 73.160 responderam o recordatório alimentar de 24 horas (R24h) e 75.589 preencheram, em coletor eletrônico de dados (Personal Digital Assistant – PDA), o questionário do adolescente (com cerca de 100 questões divididas em 11 blocos, abordando aspectos sociodemográficos, de saúde e de estilo de vida). Os participantes do ERICA foram agrupados em subconjuntos de acordo com as partes do estudo para as quais se tinham informação, de forma que os pesos amostrais foram calculados para cada um dos subconjuntos definidos. No presente estudo foram, portanto, avaliados 71.971 adolescentes que tinham dados completos para o subconjunto de PDA e R24h. A taxa de não reposta para este subconjunto foi de 29,7%. Em uma subamostra de dois adolescentes por turma (cerca de 7,0% da amostra), foram coletados um segundo R24h, utilizado para estimativa da variância intrapessoal, o que possibilitou o cálculo ingestão alimentar usual dos adolescentes.

A ingestão alimentar foi estimada pela aplicação de R24h. Os adolescentes foram entrevistados por pesquisadores de campo devidamente treinados, que utilizaram um software específico para a entrada de dados de consumo alimentar, com registro direto das informações em netbooks. A técnica de entrevista utilizada foi o multiple-pass method55. Conway JM, Ingwersen LA, Vinyard BT, Moshfegh AJ. Effectiveness of the US Department of Agriculture 5-step multiple-pass method in assessing food intake in obese and nonobese women. Am J Clin Nutr. 2003;77(5):1171-8., que consiste em uma entrevista orientada em cinco etapas, com o objetivo de reduzir o subrelato do consumo alimentar. O software utilizado continha uma lista de alimentos provenientes da base de dados de aquisição de alimentos e bebidas da Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2002-2003 realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)cc Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF): análise da disponibilidade domiciliar de alimentos e do estado nutricional no Brasil; 2002-2003. Rio de Janeiro (RJ): Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2004 [citado 2015 set 10]. p. 76. Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv4472.pdf . Os alimentos que não constavam na base de dados foram incluídos pelos entrevistadores.

A ingestão de energia e nutrientes foi estimada com base na Tabela de Composição Nutricional dos Alimentos Consumidos no Brasildd Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), 2008-2009: tabela de composição nutricional dos alimentos consumidos no Brasil. Rio de Janeiro (RJ): Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2011 [citado 2015 set 10]. Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv50002.pdf e na Tabela de Medidas Referidas para os Alimentos Consumidos no Brasilee Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), 2008-2009: tabela de medidas referidas para os alimentos consumidos no Brasil. Rio de Janeiro (RJ): Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2011 [citado 2015 set 10]. Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv50000.pdf .

Os dados de ingestão de nutrientes não incluíram o consumo de suplementos ou medicamentos. Para análise da ingestão de energia e nutrientes, considerou-se a adição de óleo de soja em todas as formas de preparação cozidas e refogadas de carnes e vegetais. O consumo usual de açúcar e adoçante foi avaliado a partir da seguinte questão: “utiliza com frequência”; com as seguintes opções de resposta: açúcar, adoçante, açúcar e adoçante, não utiliza. Padronizou-se a adição de 10 g de açúcar para cada 100 ml de suco de fruta, café, café com leite, chá e mate, quando os adolescentes reportaram o consumo usual de açúcar; e adição de 5 g de açúcar para cada 100 ml dessas bebidas, quando foi reportado o consumo usual de açúcar e adoçante. Os 1.626 itens alimentares disponíveis na lista de alimentos utilizada no software específico para coleta de dados do ERICA foram categorizados em 35 grupos com perfis similares de macronutrientes (Tabela 1). Um único dia de consumo fornece boas estimativas da média populacional da ingestão de nutrientes e alimentos2222. Subar AF, Kipnis V, Troiano RP, Midthune D, Schoeller DA, Bingham S et al. Using intake biomarkers to evaluate the extent of dietary misreporting in a large sample of adults: the OPEN study. Am J Epidemiol. 2003;158(1):1-13. DOI: 10.1093/aje/kwg092; portanto, as estimativas de prevalência de consumo dos alimentos e das médias populacionais de ingestão de energia e da contribuição percentual de macronutrientes foram calculadas com base em um R24h. Foram apresentados somente os 20 alimentos mais consumidos.

Tabela 1
Categorização dos alimentos citados pelos participantes do ERICA segundo perfil similar de macronutrientes. ERICA, Brasil, 2013-2014.

Os percentis das distribuições de ingestão e as prevalências de consumo inadequado de micronutrientes (cálcio, fósforo, ferro, sódio, zinco, vitaminas A, C, E e B12) foram estimados com base nos dados de R24h, corrigidos pela variabilidade intraindividual segundo método proposto pelo National Cancer Institute (NCI)77. Freedman LS, Guenther PM, Dodd KW, Krebs-Smith SM, Midthune D. The population distribution of ratios of usual intakes of dietary components that are consumed every day can be estimated from repeated 24-hour recalls. J Nutr. 2010;140(1):111-6. DOI:10.3945/jn.109.110254. Esse método consiste em um modelo misto não linear de duas partes: a primeira é baseada em um modelo de regressão logística com efeitos aleatórios para estimativa da probabilidade de consumo; a segunda estima a quantidade consumida por modelos de regressão linear com efeitos aleatórios aplicados após a transformação dos dados para normalidade. As cincos macrorregiões do País e a situação da escola (urbano ou rural) foram consideradas como covariáveis em todos os modelos utilizados.

As prevalências de inadequação foram estimadas como a proporção de adolescentes com ingestão do micronutriente inferior à necessidade média estimada99. Institute of Medicine, Food and Nutrition Board, Standing Committee on the Scientific Evaluation of Dietary Reference Intakes. Dietary reference intakes for calcium, phosphorus, magnesium, vitamin D, and fluoride. Washington (DC): National Academy Press; 1997.

10. Institute of Medicine, Food and Nutrition Board. Standing Committee on the Scientific Evaluation of Dietary Reference Intakes. Dietary reference intakes for water, potassium, sodium, chloride, and sulfate: panel on dietary reference intakes for electrolytes and water: panel on dietary reference intakes for electrolytes and water. Washington (DC): National Academy Press; 2000.

11. Institute of Medicine, Food and Nutrition Board. DRI dietary reference intakes: applications in dietary assessment: report of the Subcommittee on Interpretation and Uses of Dietary Reference Intakes and the Standing Committee on the Scientific Evaluation of Dietary Reference Intakes. Washington (DC): National Academy Press; 2000.

12. Institute of Medicine, Food and Nutrition Board. Dietary reference intakes for vitamin A, vitamin K, arsenic, boron, chromium, copper, iodine, iron, manganese, molybdenum, nickel, silicon, vanadium, and zinc: a report of the panel on micronutrients, Subcommittees on Upper Reference Levels of Nutrients and of Interpretation and Uses of Dietary Reference Intakes, and the Standing Committee on the Scientific Evaluation of Dietary Reference Intakes. Washington (DC): National Academy Press; 2001.

13. Keast DR, Fulgoni VL, Nicklas TA, O’Neil CE. Food sources of energy and nutrients among children in the United States: National Health and Nutrition Examination Survey 2003-2006. Nutrients. 2013;5(1):283-301. DOI:10.3390/nu5010283

14. Lopes TS, Ferrioli E, Pfrimer K, Hoffman D, Sichieri R, Pereira RA. Validation of energy intake estimated by the food record applied in a Brazilian national individual dietary survey by the double label water method. In: Proceedings of 2nd World Congress of Public Health Nutrition; 1st Latinamerican Congress of Community Nutrition; 2nd World Congress of Public Health Nutrition; 1st Latinamerican Congress of Community Nutrition; 2010; Porto. p. 326.

15. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Guia alimentar para a população brasileira: promovendo a alimentação saudável. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2008.
-1616. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população brasileira. 2a ed. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2014., utilizando o método da Necessidade Média Estimada (Estimated Average Requirement – EAR) como ponto de corte, conforme recomendado pelo Institute of Medicine (IOM)1111. Institute of Medicine, Food and Nutrition Board. DRI dietary reference intakes: applications in dietary assessment: report of the Subcommittee on Interpretation and Uses of Dietary Reference Intakes and the Standing Committee on the Scientific Evaluation of Dietary Reference Intakes. Washington (DC): National Academy Press; 2000.. O cálculo da prevalência de inadequação considerou o peso amostral e a complexidade do desenho da amostra, usando a técnica de replicação Balanced Repeated Replication (BRR) com modificação de Fay11. Barbosa FS, Sichieri R, Junger WL. Assessing usual dietary intake in complex sample design surveys: the Brazilian Dietary Survey. Rev Saude Publica. 2013;47(Suppl 1):176S-88S. DOI:10.1590/S0034-89102013000700003,66. Fay RE. Theory and application of replicate weighting for variance calculations. In: Proceedings of the Survey Research Methods Section of the American Statistical Association; 1989; Alexandria (VA). p. 212-7..

Para a estimativa da inadequação do ferro, foi utilizada a abordagem probabilística manualmente determinada, uma vez que a curva de distribuição da necessidade de ferro é considerada assimétrica entre as mulheres em idade fértil, não atendendo aos pressupostos necessários para que a EAR seja utilizada1212. Institute of Medicine, Food and Nutrition Board. Dietary reference intakes for vitamin A, vitamin K, arsenic, boron, chromium, copper, iodine, iron, manganese, molybdenum, nickel, silicon, vanadium, and zinc: a report of the panel on micronutrients, Subcommittees on Upper Reference Levels of Nutrients and of Interpretation and Uses of Dietary Reference Intakes, and the Standing Committee on the Scientific Evaluation of Dietary Reference Intakes. Washington (DC): National Academy Press; 2001.. Para cada percentil (1, 5, 10, 15, 25, 40, 50, 75, 85, 90, 95, 99) da distribuição da ingestão usual de ferro foram estimadas probabilidade de inadequação de acordo com o sexo e grupo de idade com base nas recomendações do IOM1212. Institute of Medicine, Food and Nutrition Board. Dietary reference intakes for vitamin A, vitamin K, arsenic, boron, chromium, copper, iodine, iron, manganese, molybdenum, nickel, silicon, vanadium, and zinc: a report of the panel on micronutrients, Subcommittees on Upper Reference Levels of Nutrients and of Interpretation and Uses of Dietary Reference Intakes, and the Standing Committee on the Scientific Evaluation of Dietary Reference Intakes. Washington (DC): National Academy Press; 2001.. A prevalência de inadequação consiste na soma do percentual dos adolescentes com inadequação em cada percentil.

Para ingestão de sódio, valores acima do nível de ingestão máximo tolerável (Tolerable Upper Intake Level) foram considerados inadequados, permitindo a estimativa da proporção de adolescentes em risco de efeito adverso à saúde1010. Institute of Medicine, Food and Nutrition Board. Standing Committee on the Scientific Evaluation of Dietary Reference Intakes. Dietary reference intakes for water, potassium, sodium, chloride, and sulfate: panel on dietary reference intakes for electrolytes and water: panel on dietary reference intakes for electrolytes and water. Washington (DC): National Academy Press; 2000..

A idade foi categorizada em duas faixas etárias devido às diferentes recomendações para ingestão de micronutrientes segundo sexo e idade. As análises foram estratificadas segundo sexo, grupo etário (12 a 13 anos e 14 a 17 anos) e macrorregiões. Todas as estimativas foram calculadas utilizando o software SAS (Statistical Analysis System) versão 9.3 e levaram em consideração os fatores de expansão e a complexidade do desenho da amostra.

O ERICA foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro e de cada estado e do Distrito Federal. Todos os participantes assinaram termo de assentimento.

RESULTADOS

Os alimentos com maior prevalência de consumo entre os adolescentes foram arroz (82,0%), feijão (68,0%), sucos e refrescos (56,0%), pães (53,0%) e carne bovina (52,0%) nas duas faixas etárias (Figura 1). Observou-se alta prevalência de consumo de alimentos ultraprocessados, como refrigerantes, salgados fritos e assados, e biscoitos doces e salgados, sendo o refrigerante o sexto alimento mais referido (45,0%). A prevalência do consumo de frutas foi baixa, e esse grupo de alimentos ficou entre os 20 mais consumidos somente entre os meninos de 12 a 13 anos (18,0%).

Figura 1
Prevalência dos 20 alimentos mais consumidos entre os adolescentes brasileiros segundo sexo e faixa etária. ERICA, 2013-2014.

As análises estratificadas segundo macrorregiões apresentaram diferenças importantes quanto à prevalência de consumo de alguns itens alimentares (Figura 2). O café (64,0%) ficou entre os cinco alimentos mais consumidos somente na região Norte. O feijão foi o segundo alimento mais consumido nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste. A região Sul apresentou a maior prevalência de consumo de refrigerantes (51,0%). As hortaliças (54,0%) configuraram entre os cinco alimentos mais consumidos somente na região Centro-Oeste.

Figura 2
Prevalência dos 20 alimentos mais consumidos entre os adolescentes brasileiros segundo macrorregiões. ERICA, 2013-2014.

A ingestão média de energia dos adolescentes variou de 2.036 kcal entre meninas de 12 a 13 anos a 2.582 kcal entre meninos de 14 a 17 anos (Tabela 2). A ingestão energética total de acordo com a idade não diferiu para o sexo feminino. Para o sexo masculino, a ingestão de energia foi maior entre os meninos de 14 a 17 anos quando comparados aos meninos de 12 a 13 anos (2.582 kcal versus 2.281 kcal). As médias de ingestão energética foram similares entre as macrorregiões.

Tabela 2
Média e IC95% do consumo de energia e do percentual do consumo calórico total dos macronutrientes segundo sexo e grupo de idade, para o Brasil e macrorregiões. ERICA, 2013-2014.

A contribuição percentual de carboidratos, proteínas e lipídeos para a ingestão energética total foi semelhante nos diferentes grupos de sexo e idade, bem como entre as macrorregiões. As médias de contribuição calórica de carboidratos, proteínas e lipídios foram de 54,0%, 15,0%, 31,0% entre as meninas e de 53,0%, 16,0% e 30,0% entre os meninos, respectivamente (Tabela 2). Para o açúcar livre (açúcar de adição e o presente nos sucos de frutas naturais), foram observados padrões distintos de consumo, sendo a contribuição energética proveniente do açúcar maior entre adolescentes do sexo feminino, com valores médios de aproximadamente 25,0% entre as meninas e 22,0% entre os meninos, ambos acima do recomendado (< 10,0%) pelo Ministério da Saúde1515. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Guia alimentar para a população brasileira: promovendo a alimentação saudável. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2008.. Independentemente do sexo e da idade, a contribuição calórica dos ácidos graxos saturados ultrapassou o limite máximo recomendado de menos de 10,0% da ingestão energética total1515. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Guia alimentar para a população brasileira: promovendo a alimentação saudável. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2008., com média de aproximadamente 11,0%.

Os micronutrientes que apresentaram as maiores prevalências de inadequação (> 50,0%) foram cálcio, fósforo e vitaminas E e A. A inadequação do consumo de vitamina E e cálcio atingiram 100% dos adolescentes, independentemente de sexo, idade e região (Tabelas 3 e 4). Em relação ao sódio, mais de 80,0% dos adolescentes apresentaram ingestão superior ao valor de ingestão máximo tolerável, sendo que para os meninos esse valor foi de quase 100%. A inadequação do consumo de ferro foi maior entre o sexo feminino, especialmente na faixa etária de 14 a 17 anos (14,0% das meninas com inadequação contra 0,9% dos meninos). A prevalência de inadequação do consumo de fósforo também foi maior nas meninas, atingindo 60,0% das adolescentes de 14 a 17 anos, ao passo que nos meninos da mesma faixa etária a prevalência de inadequação foi de 26,0%. Já para vitamina C, os valores de inadequação foram maiores entre os adolescentes do sexo masculino, sendo de 23,0% para os meninos de 14 a 17 anos e 8,0% para as meninas da mesma faixa etária. A vitamina B12 e o zinco foram os nutrientes com as menores prevalências de inadequação. A ingestão de zinco foi adequada para 99,0% dos adolescentes do sexo masculino de 14 a 17 anos e a de B12 foi adequada para 100% das meninas de 12 a 13 anos. As prevalências de inadequação foram em geral similares entre as macrorregiões.

Tabela 3
Recomendação nutricional (RN)a, percentis 10, 50 e 90 e prevalências (%IN) de inadequação do consumo de micronutrientes para adolescentes do sexo feminino segundo faixa etária, para o Brasil e macrorregiões. ERICA, 2013-2014.
Tabela 4
Recomendação nutricional (RN)a, percentis 10, 50 e 90 e prevalências (%IN) de inadequação do consumo de micronutrientes para adolescentes do sexo masculino segundo faixa etária, para o Brasil e macrorregiões. ERICA, 2013-2014.

DISCUSSÃO

A dieta dos adolescentes brasileiros caracterizou-se pela manutenção do consumo de alimentos tradicionais, como arroz e feijão, e elevada prevalência de consumo de bebidas açucaradas, como sucos e refrigerantes, e de alimentos ultraprocessados. Esse perfil dietético acompanhou o consumo excessivo de ácidos graxos saturados e açúcar livre, bem como a elevada prevalência de inadequação da ingestão de micronutrientes como cálcio, vitaminas A e E. Além disso, mais de 80,0% dos adolescentes apresentaram o consumo de sódio acima dos limites máximos recomendados.

Até o presente momento, somente dois inquéritos nacionais, ambos conduzidos pelo IBGE, avaliaram o consumo alimentar em adolescentes: a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE)ff Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE): 2012 [citado 2015 set 10]. Rio de Janeiro (RJ): Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2013. Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv64436.pdf e o Inquérito Nacional de Alimentação (INA)gg Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), 2008-2009: análise do consumo alimentar pessoal no Brasil. Rio de Janeiro (RJ): Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2010 [citado 2015 set 10]. p. 150. Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv50063.pdf . A PeNSE foi realizada nos anos de 2009 e 2012 em escolares do nono ano do ensino fundamental e avaliou a ingestão alimentar utilizando questões relativas à frequência de consumo de alimentos considerados marcadores de alimentação saudável e não saudável. O INA 2008-2009 foi um inquérito domiciliar que avaliou o consumo alimentar em indivíduos com 10 anos ou mais com base em dois registros alimentares. Contudo, apesar das diferenças metodológicas na avaliação da ingestão dietética, o padrão de consumo alimentar encontrado no ERICA foi similar ao observado entre os adolescentes avaliados no INA 2008-2009 e na última PeNSE de 2012.

No presente estudo, arroz, feijão, pães, sucos e refrescos e carne bovina foram os alimentos mais consumidos pelos adolescentes independentemente do sexo e faixa etária. Esses alimentos, exceto sucos e refrescos, também foram os mais consumidos entre os adolescentes do INA2020. Souza AM, Pereira RA, Yokoo EM, Levy RB, Sichieri R. Alimentos mais consumidos no Brasil: Inquérito Nacional de Alimentação 2008-2009. Rev Saude Publica. 2013;47(Suppl. 1):190s-9s. DOI:10.1590/S0034-89102013000700005. Em relação ao consumo de bebidas açucaradas, a prevalência de ingestão de sucos, refrescos e refrigerantes no ERICA foi maior do que a observada no INA. O consumo de sucos e refrescos foi reportado por mais de 50,0% dos adolescentes participantes do ERICA, ao passo que no INA a prevalência foi de cerca de 44,0%. Em relação à ingestão de refrigerantes, a prevalência de consumo foi quase duas vezes maior no ERICA quando comparado aos resultados do INA (45,0% versus 28,0%, respectivamente). A prevalência de ingestão de refrigerantes nos adolescentes do ERICA também foi superior ao valor observado na PeNSE 2012, onde aproximadamente 33,0% dos adolescentes reportaram a ingestão de refrigerantes em cinco dias ou mais da semana.

No ERICA, padrões alimentares distintos foram observados entre as macrorregiões brasileiras, com destaque para a maior prevalência de ingestão de refrigerantes na região Sul (51,0%). Já o consumo de hortaliças foi maior na região Centro-Oeste (54,0%), resultado similar ao observado na PeNSE 2012 (51,2%).

A ingestão média de energia observada entre os adolescentes do ERICA foi maior quando comparada às médias estimadas para os adolescentes do INA. No ERICA, os valores de energia variaram de 2.036 kcal a 2.124 kcal entre adolescentes do sexo feminino e de 2.281 kcal a 2.582 kcal entre adolescentes do sexo masculino, ao passo que no INA esses valores variaram de 1.869 kcal a 1.912 kcal entre as meninas e de 1.952 kcal a 2.198 kcal entre os meninos2424. Veiga GV, Costa RS, Araújo MC, Souza AM, Bezerra IN, Barbosa FS et al. Inadequação do consumo de nutrientes entre adolescentes brasileiros. Rev Saude Publica. 2013;47 Supl 1:212s-21s. DOI:10.1590/S0034-89102013000700007. Essa diferença pode ser explicada pelo aumento do consumo de alimentos ultraprocessados de alta densidade energética como refrigerantes, sucos, biscoitos e salgados fritos e assados observados entre os inquéritos, bem como pela diferença dos métodos utilizados para a estimativa do consumo alimentar, já que no INA a estimativa de subrelato do consumo energético foi em média de 17,0%1414. Lopes TS, Ferrioli E, Pfrimer K, Hoffman D, Sichieri R, Pereira RA. Validation of energy intake estimated by the food record applied in a Brazilian national individual dietary survey by the double label water method. In: Proceedings of 2nd World Congress of Public Health Nutrition; 1st Latinamerican Congress of Community Nutrition; 2nd World Congress of Public Health Nutrition; 1st Latinamerican Congress of Community Nutrition; 2010; Porto. p. 326..

Quanto à contribuição percentual dos macronutrientes para a ingestão energética total, as médias estimadas no presente estudo para carboidratos, proteínas e lipídios estão dentro dos limites estabelecidos pelo Ministério da Saúde1515. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Guia alimentar para a população brasileira: promovendo a alimentação saudável. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2008.. Não houve variação importante na contribuição calórica de macronutrientes entre as macrorregiões. Quando comparado aos resultados do INA, o consumo de carboidrato foi menor entre os adolescentes do ERICA (57,0% versus 54,0%), ao passo que a contribuição calórica dos lipídeos foi maior do que a observada nos adolescentes do INA (27,0% versus 31,0%).

No presente estudo, a média estimada para a contribuição calórica dos ácidos graxos saturados foi 11,0% e está acima do limite máximo de 10,0% do consumo energético total recomendado pelo Ministério da Saúde1515. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Guia alimentar para a população brasileira: promovendo a alimentação saudável. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2008.. Esse valor foi ligeiramente superior ao encontrado no INA, que foi de aproximadamente de 10,0%. A média de contribuição calórica do açúcar livre entre os adolescentes avaliados no ERICA variou de 25,0% entre as meninas a 22,0% entre os meninos e foi duas vezes maior que o valor recomendado pelo Ministério da Saúde de menos de 10,0% do consumo calórico total. O consumo elevado de açúcar pode ser explicado pela alta prevalência de consumo de doces, sobremesas e bebidas açucaradas, como refrigerantes, sucos e bebidas lácteas. Os valores encontrados no presente estudo são similares aos observados no INA, sendo que a contribuição calórica do açúcar livre foi maior entre as adolescentes do sexo feminino avaliadas no ERICA (22,0% versus 25,0%, respectivamente). A participação calórica do açúcar livre foi maior na região Sul, atingindo a média de 27,0% do consumo calórico total entre as meninas de 12 a 13 anos. De fato, a região Sul apresentou a maior prevalência de consumo de refrigerantes, fonte de açúcar livre. Estudos internacionais de base populacional apresentam resultados semelhantes aos observados no ERICA quanto ao consumo de açúcar livre44. Bristois TD, Marsden SL, Anderson GH, Sievenpiper JL. Estimated intakes and sources of total and added sugars in the Canadian diet. Nutrients. 2014;6(5):1889-912. DOI:10.3390/nu6051899,1313. Keast DR, Fulgoni VL, Nicklas TA, O’Neil CE. Food sources of energy and nutrients among children in the United States: National Health and Nutrition Examination Survey 2003-2006. Nutrients. 2013;5(1):283-301. DOI:10.3390/nu5010283. No Canadá, a contribuição calórica do açúcar de adição entre os adolescentes foi de 25,0%, sendo que o refrigerante foi a principal fonte de açúcar livre da dieta44. Bristois TD, Marsden SL, Anderson GH, Sievenpiper JL. Estimated intakes and sources of total and added sugars in the Canadian diet. Nutrients. 2014;6(5):1889-912. DOI:10.3390/nu6051899.

Em relação aos micronutrientes, cálcio e sódio foram os minerais que apresentaram as maiores prevalências de inadequação: 99,0% das meninas com inadequação de cálcio, valor superior ao encontrado no INA (cerca de 97,0%). A inadequação do consumo de cálcio observada no presente estudo pode ser explicada, em parte, pela persistência da baixa prevalência de ingestão de leite e derivados entre os adolescentes. Quanto ao consumo de sódio, a prevalência de adolescentes com o consumo acima do nível máximo recomendado variou de 84,0% entre as meninas de 12 a 13 anos a 99,0% entre os meninos de 14 a 17 anos, refletindo a elevada ingestão de alimentos com alto teor de sódio pelos adolescentes, como biscoitos salgados e carnes processadas. Os valores de prevalência de inadequação de sódio foram maiores no ERICA quando comparados aos valores de inadequação obtidos no INA, cujo valor máximo observado foi de 89,0% entre os meninos de 14 a 18 anos.

Para o ferro, a prevalência de inadequação foi cerca de seis vezes maior nas adolescentes de 14 a 17 anos quando comparadas às adolescentes de 12 a 13 anos. Maior prevalência de inadequação do consumo de ferro entre meninas mais velhas também foi observada entre as adolescentes do INA; porém, a prevalência de inadequação foi maior que a observada no presente estudo (24,0% versus 14,0%, respectivamente)44. Bristois TD, Marsden SL, Anderson GH, Sievenpiper JL. Estimated intakes and sources of total and added sugars in the Canadian diet. Nutrients. 2014;6(5):1889-912. DOI:10.3390/nu6051899.

As vitaminas A e E foram as que apresentaram maior prevalência de inadequação, com destaque para a vitamina E, cujo consumo inadequado atingiu 100% dos adolescentes. Os valores encontrados no presente estudo para esses micronutrientes são similares aos encontrados entre os adolescentes do INA. No entanto, as prevalências de inadequação de vitamina C entre os adolescentes do ERICA foram menores do que as obtidas no INA. Por exemplo, entre as meninas de 12 a 13 anos a prevalência de inadequação foi de 2,0% no ERICA, ao passo que no INA esta prevalência foi de 33,0% entre as meninas de 10 a 13 anos. Esses valores podem ser explicados em parte pelas diferenças na faixa etária e pela maior prevalência de consumo de sucos e refrescos entre os adolescentes do ERICA, apesar da manutenção do baixo consumo de frutas.

A Organização Mundial da Saúde (OMS)hh World Health Organization. Vitamin and mineral requirements in human nutrition. 2nd ed. Geneva: World Health Organization; 2004. também estabelece EAR para ferro e vitaminas A e B12. Entretanto, quando comparados aos pontos de corte estabelecidos pelo IOM, as diferenças mais relevantes são para a vitamina A e o ferro. Os pontos de cortes propostos pela OMS para vitamina A (330-400 mg) são menores do que os estabelecidos pelo IOM; consequentemente, seriam encontrados valores de prevalência de inadequação mais baixos caso fosse utilizada a recomendação da OMS. A prevalência de inadequação de vitamina A seria de cerca de 40,0% e 30,0% para meninas e meninos, respectivamente, se considerado como ponto de corte o limite inferior da recomendação de vitamina A de 330 mg. Para o ferro, os valores de EAR para as faixas etárias mais velhas (15 a 17 anos) são superiores aos estabelecidos pelo IOM (9,0 versus 7,9 para meninas e 9,6 versus 7,7 para meninos), como consequência, maiores valores de prevalência de inadequação são esperados. No entanto, o método da EAR como ponto de corte não pode ser utilizado para avaliação da inadequação de ferro em mulheres em idade fértil, visto que as necessidades apresentam distribuição assimétrica. Nesse caso, deve-se optar pelo método da abordagem probabilística, o qual foi utilizado no presente estudo1212. Institute of Medicine, Food and Nutrition Board. Dietary reference intakes for vitamin A, vitamin K, arsenic, boron, chromium, copper, iodine, iron, manganese, molybdenum, nickel, silicon, vanadium, and zinc: a report of the panel on micronutrients, Subcommittees on Upper Reference Levels of Nutrients and of Interpretation and Uses of Dietary Reference Intakes, and the Standing Committee on the Scientific Evaluation of Dietary Reference Intakes. Washington (DC): National Academy Press; 2001.. Contudo, ao compararmos os valores de EAR para o ferro propostos pela OMS com os percentis de consumo usual estimados para os adolescentes de faixa etária mais velha, conclui-se que provavelmente os valores de prevalência de inadequação estimados no presente estudo seriam semelhantes caso fossem utilizados os pontos de corte estabelecidos pela OMS. A prevalência de inadequação de ferro seria de aproximadamente 10,0% entre as meninas e cerca de 5,0% entre os meninos (dados não apresentados).

O ERICA é o primeiro inquérito nacional de base escolar que utilizou como método de avaliação do consumo alimentar o R24h, possibilitando a obtenção de estimativas da ingestão energética e de nutrientes, além de melhor caracterização da qualidade da dieta dos adolescentes. Esse método tem como vantagens o seu baixo custo, a aplicação rápida, e a não alteração do hábito alimentar do indivíduo avaliado2525. Willet W. Nutritional epidemiology. 3rd ed. Oxford: Oxford University Press; 2013.. Os erros do R24h estão relacionados principalmente à memória do entrevistado, por isso a aplicação de técnicas de entrevistas padronizadas como o Multiple-Pass Method são importantes para a redução do sub-relato do consumo alimentar55. Conway JM, Ingwersen LA, Vinyard BT, Moshfegh AJ. Effectiveness of the US Department of Agriculture 5-step multiple-pass method in assessing food intake in obese and nonobese women. Am J Clin Nutr. 2003;77(5):1171-8.. No ERICA, um segundo R24h foi realizado em uma subamostra dos adolescentes, o que permitiu a aplicação de métodos estatísticos para a estimativa da variabilidade intraindividual utilizada para a correção da distribuição dos nutrientes e para o cálculo do consumo usual e das prevalências de inadequação de nutrientes77. Freedman LS, Guenther PM, Dodd KW, Krebs-Smith SM, Midthune D. The population distribution of ratios of usual intakes of dietary components that are consumed every day can be estimated from repeated 24-hour recalls. J Nutr. 2010;140(1):111-6. DOI:10.3945/jn.109.110254.

Nos cinco anos decorridos de 2008-2009 (INA) a 2013-2014 (ERICA) foi observado agravamento da inadequação de nutrientes como cálcio e vitaminas A e E, que desempenham papel importante para o crescimento e desenvolvimento adequado do adolescente. Essas inadequações coexistem com a elevada ingestão de nutrientes relacionados ao desenvolvimento de DCNT2020. Souza AM, Pereira RA, Yokoo EM, Levy RB, Sichieri R. Alimentos mais consumidos no Brasil: Inquérito Nacional de Alimentação 2008-2009. Rev Saude Publica. 2013;47(Suppl. 1):190s-9s. DOI:10.1590/S0034-89102013000700005,2424. Veiga GV, Costa RS, Araújo MC, Souza AM, Bezerra IN, Barbosa FS et al. Inadequação do consumo de nutrientes entre adolescentes brasileiros. Rev Saude Publica. 2013;47 Supl 1:212s-21s. DOI:10.1590/S0034-89102013000700007, em especial o alto consumo de sódio, gordura saturada e açúcar livre, que refletem o aumento da prevalência de ingestão de alimentos ultraprocessados como refrigerantes, sucos, refrescos e biscoitos e a baixa participação de alimentos marcadores de alimentação saudável como leite e frutas na dieta deste grupo etário.

A redução do consumo de alimentos ultraprocessados é uma das recomendações do novo Guia Alimentar para População Brasileira1616. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população brasileira. 2a ed. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2014.. Esses alimentos estão associados ao consumo excessivo de calorias e maior de risco de obesidade1717. Monteiro CA, Levy RB, Claro RM, Castro IRR, Cannon G. Increasing consumption of ultra-processed foods and likely impact on human health: evidence from Brazil. Public Health Nutr. 2011;14(1):5-13. DOI:10.1017/S1368980010003241,1818. Moubarac JC, Martins AP, Claro RM, Levy RB, Cannon G, Monteiro CA. Consumption of ultra-processed foods and likely impact on human health. Evidence from Canada. Public Health Nutr. 2013;16(12):2240-8. DOI:10.1017/S1368980012005009. De fato, entre os anos 2008-2009 (INA) e 2013-2014 (ERICA), foram observados o aumento do consumo energético total e da prevalência de obesidade, quase duas vezes, entre os adolescentes (4,9% versus 9,0%, respectivamente). Portanto, os resultados do presente estudo reafirmam a importância de recomendações direcionadas para redução do consumo de alimentos ultraprocessados e de intervenções para promoção de hábitos alimentares saudáveis em adolescentes.

Agradecimentos

Ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, pela cessão dos coletores eletrônicos de dados, o PDA (personal digital assistant), e à Fundação Universitária José Bonifácio (FUJB), pelo gerenciamento dos recursos do estudo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Fev 2016

Histórico

  • Recebido
    18 Set 2015
  • Aceito
    16 Nov 2015
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
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