Uso de medicamentos e outros produtos com finalidade terapêutica entre crianças no Brasil

Tatiane da Silva Dal Pizzol Noemia Urruth Leão Tavares Andréa Dâmaso Bertoldi Mareni Rocha Farias Paulo Sergio Dourado Arrais Luiz Roberto Ramos Maria Auxiliadora Oliveira Vera Lucia Luiza Sotero Serrate Mengue Sobre os autores

RESUMO

OBJETIVO

Estimar a prevalência de uso de medicamentos e outros produtos com finalidade terapêutica na população pediátrica brasileira e testar se fatores demográficos, socioeconômicos e médicos estão associados ao uso.

MÉTODOS

Estudo transversal de base populacional (Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos – PNAUM), incluindo 7.528 crianças com 12 anos ou menos de idade, residentes na zona urbana do território brasileiro. O uso de medicamentos para tratar doenças crônicas ou agudas foi referido pelo principal cuidador da criança presente na entrevista domiciliar. Associações entre as variáveis independentes e o uso de medicamentos foram investigadas por meio de regressão de Poisson.

RESULTADOS

A prevalência de uso global de medicamentos foi de 30,7% (IC95% 28,3–33,1). A prevalência de uso de medicamentos para doenças crônicas foi de 5,6% (IC95% 4,7–6,7) e para condições agudas, 27,1% (IC95% 24,8–29,4). Os fatores significativamente associados com o uso global foram ter no máximo cinco anos de idade, residir na região Nordeste, ter plano de saúde e utilizar serviços de saúde nos últimos 12 meses (consultas de emergência e internações). Associaram-se ao uso de medicamentos para doenças crônicas: idade ≥ 2 anos, regiões Sudeste e Sul e utilização de serviços de saúde. Para o uso de medicamentos em condições agudas, foram identificados os seguintes fatores associados: ≤ 5 anos, Norte, Nordeste ou Centro-Oeste, plano de saúde e uma ou mais consultas de emergência. Os medicamentos com maior prevalência de uso pelas crianças menores de dois anos foram paracetamol, ácido ascórbico e dipirona; nas crianças com 2 ou mais anos, foram dipirona, paracetamol e amoxicilina.

CONCLUSÕES

O uso de medicamentos na população infantil é substancial, principalmente no tratamento de condições médicas agudas. As crianças usuárias de medicamentos para doenças crônicas apresentam perfil demográfico diferente das usuárias de medicamentos para condições agudas, em relação ao sexo, à idade e à região geográfica.

Criança; Pré-Escolar; Uso de Medicamentos; Fatores Socioeconômicos; Inquéritos Epidemiológicos

INTRODUÇÃO

O uso de medicamentos em crianças diferencia-se do uso em adultos por vários motivos, entre os quais destacam-se a menor prevalência de doenças crônicas e o maior grau de incerteza presente na prescrição e na utilização. A incerteza em relação à eficácia e segurança dos medicamentos disponíveis para este subgrupo populacional contribui para que as crianças sejam consideradas um grupo de risco. A maioria dos medicamentos usados em crianças foi testada apenas em adultos, existindo uma carência de produtos disponíveis em formulações e formas farmacêuticas apropriados à idade, e poucos estudos de efetividade e segurança de longo prazo66. Costa PQ, Rey LC, Coelho HL. Carência de preparações medicamentosas para uso em crianças no Brasil. J Pediatr (Rio J). 2009;85(2):229-35. DOI:10.1590/S0021-75572009000300008
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.

Em 2007, a Organização Mundial da Saúde lançou a campanha “Make Medicines Child Size” e publicou a Primeira Lista de Medicamentos Essenciais para Crianças, visando a sensibilizar e acelerar ações para melhorar a disponibilidade e o acesso a medicamentos seguros e apropriados para crianças. Medidas regulatórias e de incentivo à pesquisa, desenvolvimento e registro de medicamentos para uso em crianças têm ocorrido nos Estados Unidos (EUA) e na União Europeia. Organizações como a UNITAID, Drugs for Neglected Diseases initiative (DNDi) e Medicines Patent Pool (MPP) vêm promovendo o desenvolvimento e provisão de medicamentos adequados para crianças, como para HIV e doenças negligenciadas1313. Hoppu K, Anabwani G, Garcia-Bournissen F, Gazarian M, Kearns GL, Nakamura H, et al. The status of paediatric medicines initiatives around the world: what has happened and what has not? Eur J Clin Pharmacol. 2012;68(1):1-10. DOI:10.1007/s00228-011-1089-1
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.

Esse movimento destaca a necessidade de desenvolver melhores medicamentos para crianças, sendo uma área considerada negligenciada por diversos organismos internacionais. Nesse sentido, informações sobre a prevalência de uso de medicamentos, características do usuário e dos medicamentos usados pela população infantil são importantes para avaliar a adequação do uso, e estimar necessidades terapêuticas, com vistas a melhorar a terapêutica pediátrica33. Carnovale C, Conti V, Perrone V, Antoniazzi S, Pozzi M, Merlino L, et al. Paediatric drug use with focus on off-label prescriptions in Lombardy and implications for therapeutic approaches. Eur J Pediatr. 2013;172(2):1679-85. DOI:10.1007/s00431-013-2111-7
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,1717. Lasky T. Estimates of pediatric medication use in the United States: current abilities and limitations. Clin Ther. 2009;31(2):436-45. DOI:10.1016/j.clinthera.2009.02.003
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.

Nesse cenário, estudos epidemiológicos de base comunitária oferecem oportunidade singular para traçar o perfil de utilização de medicamentos. Tais estudos fornecem estimativas mais precisas e permitem maior generalização dos achados, em comparação com estudos a partir de amostras de usuários de serviços de saúde, portadores de doenças específicas ou a partir de dados coletados para outros propósitos (prescrições ou dados de dispensação, por exemplo)11. Barros M. Inquéritos domiciliares de saúde: potencialidades e desafios. Rev Bras Epidemiol. 2008;11 Supl 1:6-19. DOI:10.1590/S1415-790X2008000500002
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.

No Brasil, nenhum estudo com amostra representativa do País foi realizado e os estudos de base populacional foram limitados a amostras de crianças residentes em municípios no Sul do Brasil, Sudeste e Nordeste88. Cruz MJB, Dourado LFN, Bodevan EC, Andrade RA, Santos DF. Medication use among children 0-14 years old: population baseline study. J Pediatr (Rio J). 2014;90(6):608-15. DOI:10.1016/j.jped.2014.03.004
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,1919. Moraes CG, Mengue SS, Tavares NUL, Dal Pizzol TS. Utilização de medicamentos entre crianças de zero a seis anos: um estudo de base populacional no sul do Brasil. Cienc Saude Coletiva. 2013;18(12):3585-3593. DOI:10.1590/S1413-81232013001200015
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,2020. Oliveira EA, Bertoldi AD, Domingues MR, Santos IS, Barros AJD. Uso de medicamentos do nascimento aos dois anos: Coorte de Nascimentos de Pelotas. Rev Saude Publica. 2010;44(4):591-600. DOI:10.1590/S0034-89102010000400002
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,2323. Santos DB, Barreto ML, Coelho HLL. Utilização de medicamentos e fatores associados entre crianças residentes em áreas pobres. Rev Saude Publica 2009;43(5):768-78. DOI:10.1590/S0034-89102009000500005
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. Nesses estudos, a prevalência de uso de pelo menos um medicamento oscilou em torno de 50,0%, com variações de acordo com a faixa etária investigada.

O objetivo do presente estudo foi estimar a prevalência de uso de medicamentos e outros produtos com finalidade terapêutica na população pediátrica brasileira e testar se fatores demográficos, socioeconômicos e médicos estão associados ao uso.

MÉTODOS

Os dados da presente análise fazem parte da Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos (PNAUM), estudo transversal de base populacional. A população em estudo foram os indivíduos com 12 anos ou menos de idade residentes em domicílios particulares permanentes na zona urbana das cinco regiões brasileiras. Foram utilizados questionários específicos, respondidos pelo principal cuidador da criança presente na residência no momento da entrevista.

O plano amostral foi complexo e resultou em amostra representativa da população brasileira residente na zona urbana. A composição da amostra, procedimentos de amostragem e outros detalhes metodológicos da PNAUM estão disponíveis em publicação prévia1818. Mengue SS, Bertoldi AD, Boing AC, NUL Tavares, Silva Dal Pizzol T da, Oliveira MA, et al. Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos (PNAUM): métodos do inquérito domiciliar. Rev Saude Publica. 2016;50(supl 2):4s. DOI:10.1590/S1518-8787.2016050006156
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.

O uso de medicamentos para tratamento de doenças crônicas foi investigado para doenças respiratórias, diabetes e outras condições de saúde com seis meses ou mais de duração. Foram realizadas questões específicas para doenças respiratórias crônicas e para diabetes por se tratarem de doenças com prevalência expressiva entre crianças ou que demandam medicamentos de administração complexa. Foi perguntado se a criança tinha diagnóstico médico e indicação médica para usar algum medicamento para a doença crônica em questão e se estava em uso de algum desses medicamentos.

Para condições agudas (problemas de saúde eventuais), foram feitas perguntas específicas (“Nos últimos 15 dias, o/a ‘nome da criança’ usou algum remédio para infecção/ para dormir ou para os nervos/ para problemas no estômago ou intestino/ para febre/para dor/para gripe ou resfriado/ diarreia e vômitos?”). O uso de vitaminas também foi investigado por meio da pergunta “Nos últimos 15 dias, o/a ‘nome da criança’ usou alguma vitamina, suplemento de minerais, estimulantes de apetite ou tônico?”. Ao final desse bloco de questões, o entrevistado foi questionado sobre o uso de medicamentos nos últimos 15 dias por qualquer outro motivo de saúde. Foram solicitados aos entrevistados que apresentassem, sempre que possível, as embalagens ou receitas dos medicamentos utilizados.

Os desfechos para investigação das prevalências na amostra de crianças foram definidos como: 1) prevalência de uso global de medicamentos (uso de pelo menos um medicamento, independentemente do motivo para o qual foi usado); 2) prevalência de uso de medicamentos para doenças crônicas (uso de pelo menos um medicamento para tratar doença crônica); 3) prevalência de uso de medicamentos para doenças ou condições agudas (uso de pelo menos um medicamento para tratar doença ou evento agudo de saúde). As variáveis desfecho foram categorizadas em sim/não. Para o cálculo das prevalências, foram incluídos fitoterápicos e outros produtos com finalidade terapêutica referidos pelos entrevistados (suplementos alimentares, alimentos, plantas e produtos homeopáticos).

As características demográficas e socioeconômicas analisadas foram: sexo (feminino; masculino), idade (< 2 anos; 2-5 anos; 6-12 anos), cor da pele (branca; não branca), classificação econômica segundo o Critério Classificação Econômica Brasil desenvolvido pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (CCEB 2013/ABEP) (A/B; C; D/E)aaAssociação Brasileira de Empresas de Pesquisa. Critério de Classificação Econômica Brasil 2013. São Paulo (SP): ABEP; 2013 [citado 2016 fev 29]. Disponível em: http://www.abep.org/criterio-brasil e região do Brasil (Norte; Nordeste; Sudeste; Sul; Centro-Oeste). As variáveis médicas foram: plano de saúde (sim; não); número de consultas de emergência nos últimos 12 meses (nenhuma; uma; duas ou mais); e número de internações nos últimos 12 meses (nenhuma; uma; duas ou mais).

A faixa etária investigada levou em consideração a classificação adotada pela Food and Drug Administration (FDA) para investigação clínica de medicamentos destinados à pediatriabbFood and Drug Administration. Guidance for industry:E11 clinical investigation of medicinal products in the pediatric population. Rockville (MD); 2000 [citado 2016 fev 29]. Disponível em: http://www.fda.gov/downloads/Drugs/GuidanceComplianceRegulatory Information/Guidances/UCM073143.pdf e contemplada com mais frequência nos estudos prévios, a fim de facilitar a comparação dos resultados. Optamos por analisar os casos com idade igual ou inferior a 12 anos, por constituir uma faixa de idade em que o uso de medicamentos ainda se dá sob a decisão e supervisão direta dos pais ou cuidadores.

A partir do nome do produto ou remédio referido pelo entrevistado, os medicamentos foram identificados em listas de medicamentos da Anvisa e classificados pelo(s) fármaco(s) presente(s) em sua composição. Medicamentos em associação (contendo dois ou mais fármacos em sua composição) foram contabilizados uma única vez.

Para o cálculo das prevalências de uso o total de crianças presentes na amostra ponderada foi usado como denominador, com intervalos de confiança de 95% (IC95%). Da mesma forma, para as estimativas de prevalência de uso dos medicamentos com frequência igual ou superior a 0,5%, foram usados como denominador o total de crianças presentes na amostra ponderada, estratificado por faixa etária (< 2 anos; 2-5 anos; 6-12 anos). Para a descrição dos medicamentos mais frequentes, o denominador das proporções foi o total de medicamentos em cada faixa etária.

O teste Qui-quadrado de Pearson foi usado para comparação bivariada de proporções, considerando significativos valores de p < 0,05.

As associações entre as variáveis independentes e os desfechos foram estimadas por meio da razão de prevalência (RP), com IC95%. Para as estimativas das RP bruta e ajustadas para variáveis independentes, foram desenvolvidos modelos de regressão de Poisson. Na primeira etapa, as variáveis independentes foram analisadas individualmente. As variáveis que apresentaram significância estatística, definida como p < 0,20, nas análises univariadas, foram selecionadas para a segunda etapa, na qual todas as variáveis foram introduzidas no modelo múltiplo. As variáveis que apresentaram p > 0,05, nessa etapa, foram retiradas uma a uma do modelo com seleção “para trás” das variáveis. A significância estatística das razões de prevalências obtidas nos modelos de regressão de Poisson foi avaliada pelo teste de Wald.

Os dados foram armazenados no programa SPSS versão 18.0 para Windows (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). As análises descritivas foram realizadas no SPSS e os modelos de regressão de Poisson no programa Stata versão 12.0 (Stata Corp LP, College Station, TX, EUA), utilizando o conjunto de comandos svy apropriado para a análise de amostras complexas e garantindo a necessária ponderação, considerando-se o desenho amostral.

O projeto foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep – Parecer 398.131, de 16/9/2013). Os participantes foram entrevistados somente após a sua permissão, mediante assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido pelo pesquisador e pelo participante.

RESULTADOS

As características das crianças são apresentadas na Tabela 1. A população em estudo é comparável com a do Censo de 2010 em relação ao sexo (50,9% meninos e 49,1% meninas), idade (< 2 anos: 13,9%; 2-5 anos: 29,0%; 6-12 anos: 57,1%) e região do Brasil (Norte: 10,9%, Nordeste: 30,7%, Sudeste: 37,9%, Sul: 12,9% e Centro-Oeste: 6,7%)ccInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográfico 2010: características da população e dos domicílios: resultado do universo. Rio de Janeiro (RJ): IBGE; 2011 [citado 2016 fev 29]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/caracteristicas_da_populacao/default_caracteristicas_da_populacao.shtm .

Tabela 1
Características da amostra e prevalência de uso global de medicamentos, de acordo com variáveis demográficas, socioeconômicas e médicasa. (N = 7.528)

Os questionários foram respondidos pela mãe da criança em 76,1% dos casos, seguido pelo avô ou avó (9,6%) e pai (8,6%).

A prevalência de doenças crônicas foi de 9,9% (IC95% 8,6–11,3). Diabetes foi referido por 0,4% da amostra (IC95% 0,2–0,8%) e doenças pulmonares crônicas por 5,2% (IC95% 4,3–6,4). A prevalência de condições agudas tratadas nos 15 dias anteriores à entrevista foi de 27,4 % (IC95% 25,2–29,8). As mais frequentes foram febre (8,4%; IC95% 7,4–9,5), gripe ou resfriado (7,3%; IC95% 6,2–8,5), dor (5,8%; IC95% 4,8–7,0) e infecção (4,6%; IC95% 3,8–5,5). O uso de vitaminas ou suplementos minerais foram referidos por 6,1% (IC95% 5,3–7,1).

A Tabela 1 mostra a prevalência de uso global de medicamentos e outros produtos com finalidade terapêutica (30,7%). O uso foi maior entre crianças com cinco anos ou menos, residentes no Nordeste, com plano de saúde e que utilizaram serviços de saúde nos últimos 12 meses (uma ou mais consultas de emergência e uma ou mais internações). No modelo final, esses fatores mantiveram-se positivamente associados ao desfecho, com significância estatística.

Na Tabela 2 são apresentadas as prevalências de uso de medicamentos para tratar doenças crônicas (5,6%) e agudas (27,1%). Idade igual ou superior a dois anos, residir no Sudeste ou Sul, ter uma ou mais consultas de emergência e uma ou mais internações mantiveram-se positivamente associadas ao uso de medicamentos para doenças crônicas. A associação positiva entre plano de saúde e o desfecho deixou de apresentar significância estatística quando ajustado para outras variáveis.

Tabela 2
Prevalência de uso de medicamentos para doenças crônicas e condições agudas, de acordo com variáveis demográficas, socioeconômicas e médicasa. (N = 7.528)

Os seguintes fatores mostraram-se associados ao uso de medicamentos para tratar condições agudas na análise bruta: idade igual ou inferior a cinco anos, residir no Norte, Nordeste e Centro-Oeste, ter plano de saúde, e ter utilizado serviços de saúde. Na análise multivariável, esses fatores permaneceram positivamente associados ao desfecho e estatisticamente significativos, com exceção do número de internações. Pertencer às classes econômicas A/B apresentou associação negativa com o desfecho, mas que não se manteve após ajustamento para covariáveis.

Do total de produtos ou remédios citados (5.185), 91,4% (IC95% 89,9–92,6) correspondiam a medicamentos, 1,7% (IC95% 1,3–2,4) a suplementos alimentares (associações de vitaminas em baixas doses), 1,2% (IC95% 0,9–1,7) a fitoterápicos, 1,1% (IC95% 0,7–1,9) a plantas ou chás, 0,5% (IC95% 0,3–0,8) a alimentos (compostos com mel) e 0,1% (IC95% 0,0–0,7) a homeopáticos. Não foi possível identificar o nome de 3,9% (IC95% 3,0–5,1) dos produtos.

A Tabela 3 mostra a prevalência de uso dos medicamentos mais utilizados pelas crianças brasileiras (igual ou maior que 0,5%). Considerando a amostra total, as maiores prevalências de uso foram observadas para dipirona (5,1%; IC95% 4,3–6,1), paracetamol (4,3%; IC95% 3,6–5,1) e amoxicilina (2,7; IC95% 2,2–3,4).

Tabela 3
Prevalência de uso dos medicamentos mais usados (prevalência de uso ≥ 0,5%) pelas crianças, de acordo com faixa etáriaa. (N = 7.528)

As Tabelas 4 e 5 apresentam para cada faixa etária os medicamentos referidos no tratamento de doenças crônicas e agudas, respectivamente. Do total de medicamentos para tratar doenças crônicas, destacaram-se aqueles com ação no sistema respiratório (salbutamol, dexclorfeniramina, fluticasona e fenoterol), em todas as faixas etárias (Tabela 4). Os analgésicos foram os medicamentos mais citados para tratar condições agudas (Tabela 5).

Tabela 4
Medicamentos mais utilizados (frequência > 1,0%) em doenças crônicas, por faixa etáriaa.
Tabela 5
Medicamentos mais utilizados (frequência > 1,0%) em condições agudas, por faixa etáriaa.

DISCUSSÃO

Este é o primeiro estudo de utilização de medicamentos em crianças com amostra representativa da população urbana do Brasil, fornecendo estimativas da prevalência de uso de medicamentos sob a perspectiva da natureza crônica ou aguda do problema de saúde tratado. O perfil do usuário de medicamentos e os fármacos mais utilizados em cada fase da infância também são descritos neste estudo.

A prevalência de uso global de medicamento foi inferior à observada em estudos que incluíram o uso de medicamentos nos últimos sete dias por menores de 12 anos residentes nos EUA (56,0%)2525. Vernacchio L, Kelly JP, Kaufman DW, Mitchell AA. Medication use among children <12 years of age in the United States: results from the Slone Survey. Pediatrics. 2009;124(2):446-54. DOI:10.1542/peds.2008-2869
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e indivíduos de zero a 17 anos na Alemanha (50,8%)1515. Knopf H. [Medicine use in children and adolescents. Data collection and first results of the German Health Interview and Examination Survey for Children and Adolescents (KiGGS)]. Bundesgesundheitsblatt Gesundheitsforschung Gesundheitsschutz. 2007;50(5-6):863-70. DOI:10.1007/s00103-007-0249-z
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. No entanto, foi similar à observada nos inquéritos que usaram período recordatório de duas semanas na Espanha44. Carrasco-Garrido P, Jiménez-García R, Barrera VH, Andrés AL, Miguel AG. Medication consumption in the Spanish paediatric population: related factors and time trend, 1993-2003. Br J Clin Pharmacol. 2009;68(3):455-61. DOI:10.1111/j.1365-2125.2009.03449.x
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e na Noruega1010. Eggen AE. Patterns of medicine use in a general population (0-80 years). The Influence of age, gender, diseases and place of residence on drug use in Norway. Pharmacoepidemiol Drug Saf. 1997;6(3):179-87. DOI:10.1002/(SICI)1099-1557(199705)6:3<179:AID-PDS258>3.0CO;2-P
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. Na Espanha, os inquéritos com crianças de zero a 15 anos realizados em 1993 e 2003 mostraram prevalências de 36,8% e 34,0%, respectivamente44. Carrasco-Garrido P, Jiménez-García R, Barrera VH, Andrés AL, Miguel AG. Medication consumption in the Spanish paediatric population: related factors and time trend, 1993-2003. Br J Clin Pharmacol. 2009;68(3):455-61. DOI:10.1111/j.1365-2125.2009.03449.x
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. Na Noruega, cerca de 25,0% das crianças de zero a quatro anos usaram medicamentos, prevalência que diminuiu para aproximadamente 20,0% nas crianças maiores1010. Eggen AE. Patterns of medicine use in a general population (0-80 years). The Influence of age, gender, diseases and place of residence on drug use in Norway. Pharmacoepidemiol Drug Saf. 1997;6(3):179-87. DOI:10.1002/(SICI)1099-1557(199705)6:3<179:AID-PDS258>3.0CO;2-P
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. Em relação aos estudos realizados no Brasil, a prevalência foi menor do que a observada em Salvador, BA2323. Santos DB, Barreto ML, Coelho HLL. Utilização de medicamentos e fatores associados entre crianças residentes em áreas pobres. Rev Saude Publica 2009;43(5):768-78. DOI:10.1590/S0034-89102009000500005
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, Bagé, RS1919. Moraes CG, Mengue SS, Tavares NUL, Dal Pizzol TS. Utilização de medicamentos entre crianças de zero a seis anos: um estudo de base populacional no sul do Brasil. Cienc Saude Coletiva. 2013;18(12):3585-3593. DOI:10.1590/S1413-81232013001200015
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e Vale do Jequitinhonha, MG88. Cruz MJB, Dourado LFN, Bodevan EC, Andrade RA, Santos DF. Medication use among children 0-14 years old: population baseline study. J Pediatr (Rio J). 2014;90(6):608-15. DOI:10.1016/j.jped.2014.03.004
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.

A expressiva diferença entre as prevalências de uso de medicamentos para tratar doenças crônicas e condições agudas era esperada, considerando que esse grupo populacional caracteriza-se por indivíduos predominantemente saudáveis. Embora Cox et al.77. Cox ER, Halloran DR, Homan SM, Welliver S, Mager DE. Trends in the prevalence of chronic medication use in children: 2002-2005. Pediatrics. 2008;122(5):e1053-61. DOI:10.1542/peds.2008-0214
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(2008) tenham observado aumento na prevalência de determinadas doenças crônicas entre norte-americanos com cinco a 19 anos de idade, as condições médicas que mais acometem as crianças são de caráter agudo, afetando diretamente no tipo de uso de medicamentos (contínuo versus eventual).

A ausência de diferença na prevalência de uso global de medicamentos ou para eventos agudos entre meninos e meninas está de acordo com estudos recentes44. Carrasco-Garrido P, Jiménez-García R, Barrera VH, Andrés AL, Miguel AG. Medication consumption in the Spanish paediatric population: related factors and time trend, 1993-2003. Br J Clin Pharmacol. 2009;68(3):455-61. DOI:10.1111/j.1365-2125.2009.03449.x
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,88. Cruz MJB, Dourado LFN, Bodevan EC, Andrade RA, Santos DF. Medication use among children 0-14 years old: population baseline study. J Pediatr (Rio J). 2014;90(6):608-15. DOI:10.1016/j.jped.2014.03.004
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,1919. Moraes CG, Mengue SS, Tavares NUL, Dal Pizzol TS. Utilização de medicamentos entre crianças de zero a seis anos: um estudo de base populacional no sul do Brasil. Cienc Saude Coletiva. 2013;18(12):3585-3593. DOI:10.1590/S1413-81232013001200015
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201300...
. A diminuição da prevalência de uso global de medicamentos ou para tratar condições agudas com o aumento da idade corrobora achados de estudos que mostraram maior uso entre menores de dois anos, em relação aos mais velhos44. Carrasco-Garrido P, Jiménez-García R, Barrera VH, Andrés AL, Miguel AG. Medication consumption in the Spanish paediatric population: related factors and time trend, 1993-2003. Br J Clin Pharmacol. 2009;68(3):455-61. DOI:10.1111/j.1365-2125.2009.03449.x
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,1212. Hämeen-Anttila K, Lindell-Osuagwu L, Sepponen K, Vainio K, Halonen P, Ahonen R. Factors associated with medicine use among children aged under 12 years: a population survey in Finland. Pharmacoepidemiol Drug Saf. 2010;19(4):400-407. DOI:10.1002/pds.1887
https://doi.org/10.1002/pds.1887...
,1515. Knopf H. [Medicine use in children and adolescents. Data collection and first results of the German Health Interview and Examination Survey for Children and Adolescents (KiGGS)]. Bundesgesundheitsblatt Gesundheitsforschung Gesundheitsschutz. 2007;50(5-6):863-70. DOI:10.1007/s00103-007-0249-z
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,1616. Knopf H, Wolf IK, Sarganas G, Zhuang W, Rascher W, Neubert A. Off-label medicine use in children and adolescents: results of a population-based study in Germany. BMC Public Health. 2013;13:631. DOI:10.1186/1471-2458-13-631
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. Esses achados indicam que, transcorrido os primeiros 24 meses de vida, quando as crianças estão mais suscetíveis a doenças e recebem mais cuidados médicos, eletivos ou de urgência, sobrevém um período de baixa incidência de condições agudas, que dura até aproximadamente o início da adolescência. Eventos relacionados à menarca acarretam no uso de analgésicos e contraceptivos pelas adolescentes, contribuindo para o aumento da prevalência nessa faixa etária22. Bertoldi AD, Silveira MP, Menezes AM, Assunção MC, Gonçalves H, Hallal PC. Tracking of medicine use and self-medication from infancy to adolescence: 1993 Pelotas (Brazil) birth cohort study. J Adolesc Health. 2012;51(6 Suppl):S11-5. DOI:10.1016/j.jadohealth.2012.06.027
https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.201...
.

Os dados do presente estudo revelam que o perfil de uso de medicamentos para tratar condições de saúde agudas ou crônicas difere segundo a região do País. As maiores prevalências de uso para condições crônicas foram observadas no Sul e Sudeste, associadas à maior prevalência de doenças respiratórias crônicas nessas regiões (dados não apresentados). O uso de medicamentos para condições agudas, maior no Nordeste e Norte, pode ser explicado pela maior frequência no uso de medicamentos para diarreia e outros distúrbios gastrintestinais e pelo maior percentual de automedicação nessas regiões, de acordo com dados da PNAUM não apresentados.

Verificamos em geral uma associação positiva entre uso de serviços de saúde e uso de medicamentos, em consonância com dados do inquérito espanhol de 200344. Carrasco-Garrido P, Jiménez-García R, Barrera VH, Andrés AL, Miguel AG. Medication consumption in the Spanish paediatric population: related factors and time trend, 1993-2003. Br J Clin Pharmacol. 2009;68(3):455-61. DOI:10.1111/j.1365-2125.2009.03449.x
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. O contato com serviços de atenção à saúde propicia maior chance da criança receber prescrição médica, que pode levar ao uso rotineiro dos medicamentos prescritos ou novo uso posterior.

Os medicamentos para manejo da dor e febre figuram entre os mais utilizados, de acordo com estudos prévios44. Carrasco-Garrido P, Jiménez-García R, Barrera VH, Andrés AL, Miguel AG. Medication consumption in the Spanish paediatric population: related factors and time trend, 1993-2003. Br J Clin Pharmacol. 2009;68(3):455-61. DOI:10.1111/j.1365-2125.2009.03449.x
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,88. Cruz MJB, Dourado LFN, Bodevan EC, Andrade RA, Santos DF. Medication use among children 0-14 years old: population baseline study. J Pediatr (Rio J). 2014;90(6):608-15. DOI:10.1016/j.jped.2014.03.004
https://doi.org/10.1016/j.jped.2014.03.0...
,1919. Moraes CG, Mengue SS, Tavares NUL, Dal Pizzol TS. Utilização de medicamentos entre crianças de zero a seis anos: um estudo de base populacional no sul do Brasil. Cienc Saude Coletiva. 2013;18(12):3585-3593. DOI:10.1590/S1413-81232013001200015
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201300...
,2525. Vernacchio L, Kelly JP, Kaufman DW, Mitchell AA. Medication use among children <12 years of age in the United States: results from the Slone Survey. Pediatrics. 2009;124(2):446-54. DOI:10.1542/peds.2008-2869
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. A dipirona é o analgésico e antipirético mais utilizado, seguido pelo paracetamol e pelo ibuprofeno. Esse padrão difere do observado em estudos realizados em países onde a dipirona foi banida ou sujeita a uso restrito, como nos EUA, onde o ibuprofeno destaca-se como o segundo analgésico mais utilizado2525. Vernacchio L, Kelly JP, Kaufman DW, Mitchell AA. Medication use among children <12 years of age in the United States: results from the Slone Survey. Pediatrics. 2009;124(2):446-54. DOI:10.1542/peds.2008-2869
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. A amoxicilina foi o antimicrobiano mais utilizado em todas as faixas etárias, com prevalência maior na faixa de dois a cinco anos (4,0%) e menor entre as crianças de seis a 12 anos (2,0%). Nos EUA, a amoxicilina também figurou como o antimicrobiano mais utilizado, com maior prevalência nas crianças com menos de dois anos (5,1%) e menor na faixa de seis a 11 anos (1,5%)2525. Vernacchio L, Kelly JP, Kaufman DW, Mitchell AA. Medication use among children <12 years of age in the United States: results from the Slone Survey. Pediatrics. 2009;124(2):446-54. DOI:10.1542/peds.2008-2869
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. Com exceção da dipirona, cujas controvérsias a respeito da sua segurança perduram há anos, os demais medicamentos citados são considerados eficazes e seguros, com boas evidências para o uso pediátrico2121. Perrott DA, Piira T, Goodenough B, Champion GD. Efficacy and safety of acetaminophen vs ibuprofen for treating children’s pain or fever: a meta-analysis. Arch Pediatr Adolesc Med. 2004;158(6):521-6. DOI:10.1001/archpedi.158.6.521
https://doi.org/10.1001/archpedi.158.6.5...
.

Outro dado que chama a atenção diz respeito ao uso de vitaminas isoladas ou em associação. O uso de ácido ascórbico isolado foi superior ao uso de polivitaminas em todas as faixas etárias investigadas, em contraste com os achados de estudo norte-americano, no qual as polivitaminas foram mais citadas2525. Vernacchio L, Kelly JP, Kaufman DW, Mitchell AA. Medication use among children <12 years of age in the United States: results from the Slone Survey. Pediatrics. 2009;124(2):446-54. DOI:10.1542/peds.2008-2869
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(2009). Em Salvador, BA, a vitamina C foi mais utilizada que as polivitaminas, embora a diferença observada nas prevalências de uso tenham sido menores2424. Santos DB, Barreto ML, Coelho HLL. Use of prescribed and non-prescribed medications among children living in poor areas in the city of Salvador, Bahia State, Brazil. Cad Saude Publica. 2011;27(10):2032-40. DOI:10.1590/S0102-311X2011001000016
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.

Dos 10 medicamentos mais citados para uso em doenças crônicas, destacam-se os fármacos com indicação para doenças respiratórias como asma e rinite, seguido por aqueles com emprego terapêutico em epilepsia. Entre as crianças com menos de dois anos, observa-se uso de vários medicamentos sem indicação aprovada pelo FDA para essa faixa etária e sem indicação presente nas bulas-padrão aprovadas pela AnvisaddMinistério da Saúde, Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Bulário eletrônico. Brasília (DF); s.d [citado 2016 fev 20]. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/datavisa/fila_bula/index.asp . Entre os medicamentos mais citados que possuem restrição de uso nessa faixa etária, estão salbutamol, dexclorfeniramina (isolada ou associada à betametasona), loratadina e bronfeniramina+fenilefrina. Cabe salientar que, em alguns casos, medicamentos não aprovados pelo FDA tem indicação nas bulas-padrão brasileiras, como é o caso da betametasona e ambroxolddMinistério da Saúde, Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Bulário eletrônico. Brasília (DF); s.d [citado 2016 fev 20]. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/datavisa/fila_bula/index.asp ,eeKlasco RK, editor. DRUGDEX® System. Greenwood Village (CO): Thomson MICROMEDEX; 2016.. Se, por um lado, o uso de medicamentos não aprovados pode representar a utilização potencialmente inadequada de medicamentos para os quais a eficácia e segurança não estão estabelecidas, por outro lado, pode refletir a escassez de alternativas terapêuticas para tratar condições de saúde prevalentes em crianças, como asma, rinite, tosse aguda ou crônica, entre outras55. Coelho HL, Rey LC, Medeiros MS, Barbosa RA, Cruz Fonseca SG, Costa PQ. Uma comparação crítica entre a Lista de Medicamentos Essenciais para Crianças da Organização Mundial de Saúde e a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename). J Pediatr (Rio J). 2013;89(2):171-8. DOI:10.1016/j.jped.2013.03.004
https://doi.org/10.1016/j.jped.2013.03.0...
.

Entre as crianças com menos de dois anos, um dos medicamentos mais utilizados para tratar doenças crônicas foi a amoxicilina. Isso pode ser explicado pelas infecções respiratórias de repetição nessa faixa etária, que viriam a ser nomeadas crônicas pelos pais ou cuidadores das crianças, por ocorrerem com elevada frequência em curtos períodos de tempo. Esse achado deve ser considerado no contexto do aumento das taxas de resistência microbiana relatadas mundial e nacionalmente1111. Goossens H, Ferech M, Stichele RV, Elseviers M; ESAC Project Group. Outpatient antibiotic use in Europe and association with resistance: a cross-national database study. Lancet. 2005;365(9459):579-87. DOI:10.1016/S0140-6736(05)17907-0
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,2222. Rossi F. The challenges of antimicrobial resistance in Brazil. Clin Infect Dis 2011;52(9):1138-43. DOI:10.1093/cid/cir120
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.

Em relação aos medicamentos mais utilizados em condições agudas, observa-se diferenças importantes nas características dos medicamentos mais usados nos primeiros dois anos de vida em relação às crianças maiores. A presença de ácido ascórbico, colecalciferol+retinol, sulfato ferroso e polivitaminas entre os 10 medicamentos mais usados pelos menores de 12 anos atestam que a suplementação com vitaminas isoladas ou em associação nos primeiros anos de vida é prática corrente em pediatria, embora nem sempre respaldada por evidências99. De-Regil LM, Jefferds ME, Sylvetsky AC, Dowswell T. Intermittent iron supplementation for improving nutrition and development in children under 12 years of age. Cochrane Database Syst Rev. 2011;(12):CD009085. DOI:10.1002/14651858.CD009085.pub2
https://doi.org/10.1002/14651858.CD00908...
,1414. Imdad A, Herzer K, Mayo-Wilson E, Yakoob MY, Bhutta ZA. Vitamin A supplementation for preventing morbidity and mortality in children from 6 months to 5 years of age. Cochrane Database Syst Rev. 2010;(12):CD008524. DOI:10.1002/14651858.CD008524.pub2
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,2626. Winzenberg T, Powell S, Shaw KA, Jones G. Effects of vitamin D supplementation on bone density in healthy children: systematic review and meta-analysis. BMJ. 2011;342:c7254. DOI:10.1136/bmj.c7254
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. Já entre os pré-escolares, chama a atenção a maior frequência de antimicrobianos, incluindo amoxicilina, sulfametoxazol+trimetropima e amoxicilina+clavulanato entre os 10 mais citados. Esses resultados sugerem que, com o aumento da idade, a maior ocorrência de doenças infecciosas, sobretudo as respiratórias, provocam maior uso de antimicrobianos. Nas faixas de dois a cinco anos e de seis a 12 anos, atenta-se à presença da nimesulida, medicamento que apresenta risco de toxicidade hepática e síndrome de Reye em crianças com sintomas de infecção viral, sendo contraindicado em crianças menores de 12 anos, de acordo com bula-padrão aprovada pela Anvisa.

Este estudo apresenta limitações. Utilizamos informações referidas pelos entrevistados sobre a presença de doença crônica, o que pode levar a superestimação das prevalências de uso. Por outro lado, aspectos socioculturais que envolvem o consumo de medicamentos, em particular quando dizem respeito a grupos de risco, podem contribuir para que os pais (os principais respondentes nesta pesquisa) tendam a dar respostas socialmente desejáveis44. Carrasco-Garrido P, Jiménez-García R, Barrera VH, Andrés AL, Miguel AG. Medication consumption in the Spanish paediatric population: related factors and time trend, 1993-2003. Br J Clin Pharmacol. 2009;68(3):455-61. DOI:10.1111/j.1365-2125.2009.03449.x
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,2525. Vernacchio L, Kelly JP, Kaufman DW, Mitchell AA. Medication use among children <12 years of age in the United States: results from the Slone Survey. Pediatrics. 2009;124(2):446-54. DOI:10.1542/peds.2008-2869
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. Com isso, a omissão no relato de uso de determinados medicamentos não pode ser descartada. Por fim, o uso de medicamentos para doenças típicas dos meses mais frios, especialmente no Sul e Sudeste, pode estar sub-representado, tendo em vista que a coleta dos dados ocorreu durante primavera e verão.

Os resultados deste estudo indicam que uma proporção considerável de crianças brasileiras usa medicamentos, principalmente no tratamento de condições agudas. As crianças usuárias de medicamentos para doenças crônicas apresentam perfil demográfico diferente das usuárias de medicamentos para condições agudas, em relação ao sexo, idade e região geográfica. Entre os medicamentos mais usados, estão medicamentos reconhecidamente efetivos para uso pediátrico, e outros para os quais há incerteza quanto a sua eficácia e segurança quando empregados em crianças, particularmente naquelas com idade inferior a dois anos.

Agradecimentos

Aos Departamentos de Ciência e Tecnologia (Decit) e de Assistência Farmacêutica (DAF) da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE) do Ministério da Saúde (MS), pelo financiamento e apoio técnico para a realização da Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos e, em especial, à equipe que trabalhou na coleta de dados, aqui representada pela Profa. Dra. Alexandra Crispim Boing, e à equipe de suporte estatístico do projeto nos nomes de Amanda Ramalho Silva, Andréia Fontanella e Luciano Santos Pinto Guimarães.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Dez 2016

Histórico

  • Recebido
    13 Jan 2015
  • Aceito
    25 Fev 2016
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
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