Inadequação do uso de medicamentos entre idosos em Pelotas, RS

Bárbara Heather Lutz Vanessa Irribarem Avena Miranda Andréa Dâmaso Bertoldi Sobre os autores

RESUMO

OBJETIVO

Avaliar o uso de medicamentos potencialmente inadequados entre idosos.

MÉTODOS

Estudo transversal de base populacional com 1.451 idosos com 60 anos ou mais em Pelotas, RS, em 2014. Investigou-se o uso de medicamentos nos últimos 15 dias. Utilizando os critérios de Beers (2012), verificou-se a potencial inadequação dos medicamentos e sua relação com variáveis socioeconômicas e demográficas, polifarmácia, automedicação e carga de doença.

RESULTADOS

Dentre os 5.700 medicamentos utilizados, 5.651 puderam ser avaliados quanto à inadequação. Destes, 937 eram potencialmente inadequados para idosos segundo os critérios de Beers de 2012 (16,6%). Cerca de 42,4% dos idosos usaram no mínimo um medicamento considerado potencialmente inapropriado. O grupo de medicamentos para o sistema nervoso correspondeu a 48,9% do total de medicamentos potencialmente inadequados. Na análise ajustada, as variáveis sexo feminino, idade avançada, cor da pele branca, baixa escolaridade, polifarmácia, automedicação e carga de doença mostraram-se associadas ao uso de medicamentos potencialmente inadequados.

CONCLUSÕES

É importante que sejam bem conhecidas as possíveis consequências do uso de medicamentos entre idosos. Atenção especial deve ser dada aos idosos que fazem uso de polifarmácia. É necessário existir listas específicas com medicamentos mais adequados para uso em idosos na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais.

Idoso; Automedicação; Uso de Medicamentos; Fatores Socioeconômicos; Farmacoepidemiologia

INTRODUÇÃO

Os idosos representam um contingente populacional expressivo e de crescente importância na sociedade brasileira devido à transição demográfica. Disso decorrem novas demandas em termos de políticas públicas de saúde88. Closs VE, Schwanke CHA. A evolução do índice de envelhecimento no Brasil, nas suas regiões e unidades federativas no período de 1970 a 2010. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2012;15(3):443-58. https://doi.org/10.1590/S1809-98232012000300006
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. Com o envelhecimento da população, as condições crônicas ganham maior visibilidade nos cuidados à saúde1515. Loyola Filho AI, Firmo JOA, Uchôa E, Lima-Costa MF. Birth cohort differences in the use of medications in a Brazilian population of older elderly: the Bambuí Cohort Study of Aging (1997 and 2008). Cad Saude Publica. 2011;27 Supl 3:S435-43. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2011001500014
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. O aumento da carga de doenças e do uso de medicamentos são desafios para o sistema1818. Olsson IN, Runnamo R, Engfeldt P. Medication quality and quality of life in the elderly, a cohort study. Health Qual Life Outcomes. 2011;9:95. https://doi.org/10.1186/1477-7525-9-95
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O envelhecimento é uma fase complexa e abrange muitas perspectivas, como perda de funções, diminuição da autonomia e maior morbidade1818. Olsson IN, Runnamo R, Engfeldt P. Medication quality and quality of life in the elderly, a cohort study. Health Qual Life Outcomes. 2011;9:95. https://doi.org/10.1186/1477-7525-9-95
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. O medicamento é um importante instrumento da manutenção e recuperação da saúde dos idosos. A avaliação da farmacoterapia torna-se indispensável neste contexto. O aprimoramento da prescrição, dispensação e utilização de fármacos deve constituir prioridade nos programas de atenção ao idoso2121. Ribeiro AQ, Araújo CMC, Acurcio FA, Magalhães SMS, Chaimowicz F. Qualidade do uso de medicamentos por idosos: uma revisão dos métodos de avaliação disponíveis. Cienc Saude Coletiva. 2005;10(4):1037-45. https://doi.org/10.1590/S1413-81232005000400026
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Os idosos são passíveis de disfunções em diferentes órgãos e, portanto, candidatos à polifarmácia (uso simultâneo de quatro medicamentos ou mais)2020. Patterson SM, Hughes C, Kerse N, Cardwell CR, Bradley MC. Interventions to improve the appropriate use of polypharmacy for older people. Cochrane Database Syst Rev. 2012;(5):CD008165. https://doi.org/10.1002/14651858.CD008165.pub2
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. Estudo realizado na Espanha apontou que a média diária de uso de medicamentos nessa faixa etária é de quatro a oito por pessoa1313. Garcia-Ramos SE, Garcia-Poza P, Ramos-Diaz F. Evaluación de las prescripciones inapropiadas según los criterios de Beers en los servicios de cardiología y neumología hospitalarios. Rev Calid Asist. 2012;27(3):169-74. https://doi.org/10.1016/j.cali.2011.09.012
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A farmacologia nos idosos apresenta peculiaridades, devido à diminuição da massa muscular e da água corporal. O metabolismo hepático, os mecanismos homeostáticos e a função renal podem ficar comprometidos. Disso decorre a dificuldade de eliminação de metabólitos, o acúmulo de substâncias tóxicas e as possíveis reações adversas2222. Rozenfeld S. Prevalência, fatores associados e mau uso de medicamentos entre os idosos: uma revisão. Cad Saude Publica. 2003;19(3):717-24. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2003000300004
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A inadequação das prescrições para pacientes idosos é um problema de saúde pública, dada sua associação com morbidade e mortalidade, além dos custos aos serviços de saúde decorrentes das reações adversas1414. Guaraldo L, Cano FG, Damasceno GS, Rozenfeld S. Inappropriate medication use among the elderly: a systematic review of administrative databases. BMC Geriatr. 2011;11:79. https://doi.org/10.1186/1471-2318-11-79
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Os medicamentos potencialmente inapropriados (MPI) são definidos como fármacos com risco de provocar efeitos colaterais superiores aos seus benefícios em idosos, além de possuírem alternativas disponíveis para substituí-los11. American Geriatrics Society updated Beers Criteria for potentially inappropriate medication use in older adults. J Am Geriatr Soc. 2012;60(4):616-31. https://doi.org/10.1111/j.1532-5415.2012.03923.x
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. Os MPI continuam sendo prescritos como tratamento de primeira linha para muitos pacientes, apesar das evidências de maus resultados neste grupo11. American Geriatrics Society updated Beers Criteria for potentially inappropriate medication use in older adults. J Am Geriatr Soc. 2012;60(4):616-31. https://doi.org/10.1111/j.1532-5415.2012.03923.x
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Os MPI obtiveram considerável reconhecimento após um estudo realizado nos Estados Unidos em 1991 por Beers et al. O estudo relatou que 40,0% de residentes em casas de repouso recebiam ao menos um MPI44. Beers MH, Ouslander JG, Rollingher I, Reuben DB, Brooks J, Beck JC. Explicit criteria for determining inappropriate medication use in nursing home residents. Arch Intern Med. 1991;151(9):1825-32. https://doi.org/10.1001/archinte.1991.00400090107019
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. Esses achados levaram ao desenvolvimento dos critérios de Beers para MPI para Idosos, uma lista de critérios para guiar as prescrições. Esses critérios foram revisados e expandidos para incluir todos os setores de atendimento geriátrico em 199755. Beers MH. Explicit criteria for determining potentially inappropriate medication use by the elderly: an update. Arch Intern Med. 1997;157(14):1531-6. https://doi.org/10.1001/archinte.1997.00440350031003
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, 20031212. Fick DM, Cooper JW, Wade WE, Waller JL, Maclean JR, Beers MH. Updating the Beers criteria for potentially inappropriate medication use in older adults: results of a US consensus panel of experts. Arch Intern Med. 2003;163(22):2716-24. https://doi.org/10.1001/archinte.163.22.2716
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e 201211. American Geriatrics Society updated Beers Criteria for potentially inappropriate medication use in older adults. J Am Geriatr Soc. 2012;60(4):616-31. https://doi.org/10.1111/j.1532-5415.2012.03923.x
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e são um dos métodos mais utilizados2121. Ribeiro AQ, Araújo CMC, Acurcio FA, Magalhães SMS, Chaimowicz F. Qualidade do uso de medicamentos por idosos: uma revisão dos métodos de avaliação disponíveis. Cienc Saude Coletiva. 2005;10(4):1037-45. https://doi.org/10.1590/S1413-81232005000400026
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. Há poucos estudos brasileiros de base populacional investigando a prevalência de uso de MPI77. Cassoni TCJ, Corona LP, Romano-Lieber NS, Secoli SR, Duarte YAO, Lebrão ML. Uso de medicamentos potencialmente inapropriados por idosos do Município de São Paulo, Brasil: Estudo SABE. Cad Saude Publica. 2014;30(8):1708-20. https://doi.org/10.1590/0102-311X000556130
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,99. Coelho Filho JM, Marcopito LF, Castelo A. Perfil de utilização de medicamentos por idosos em área urbana do Nordeste do Brasil. Rev Saude Publica. 2004;38(4):557-64. https://doi.org/10.1590/S0034-89102004000400012
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,2323. Santos TRA, Lima DM, Nakatani AYK, Pereira LV, Leal GS, Amaral RG. Consumo de medicamentos por idosos, Goiânia, Brasil. Rev Saude Publica. 2013;47(1):94-103. https://doi.org/10.1590/S0034-89102013000100013
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O presente trabalho teve como objetivo avaliar o uso de MPI entre idosos.

MÉTODOS

Estudo transversal de base populacional com idosos (60 anos ou mais) na zona urbana da cidade de Pelotas, RS. Esse município contava com 305.696 habitantes em 2010, dos quais 46.099 eram idosos (IBGE)aaInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo populacional 2010. Rio de Janeiro; IBGE; 2010 [citado 2015 jan 28]. Disponível em: http://censo2010.ibge.gov.br/pt/ . O inquérito integra um consórcio de pesquisa de 18 mestrandos do Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia (PPGE) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), intitulado “Avaliação da saúde de idosos da cidade de Pelotas”, realizado em 2014.

Para avaliar a prevalência de uso de MPI com margem de erro de quatro pontos percentuais, estimou-se tamanho de amostra de 623 idosos. Para examinar a associação entre variáveis demográficas e socioeconômicas e o uso de medicamentos potencialmente inadequados, os parâmetros utilizados no cálculo de tamanho de amostra foram: nível de 95%, de confiança, poder estatístico de 80,0%, prevalência do desfecho de 22,5%2323. Santos TRA, Lima DM, Nakatani AYK, Pereira LV, Leal GS, Amaral RG. Consumo de medicamentos por idosos, Goiânia, Brasil. Rev Saude Publica. 2013;47(1):94-103. https://doi.org/10.1590/S0034-89102013000100013
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, proporções de expostos e não expostos às exposições em estudo conforme revisão de literatura e estimativas do último consórcio de pesquisa do PPGE/UFPel, prevalência de desfecho entre os não expostos conforme revisão de literatura e razões de prevalências. Além disso, adicionou-se 10,0% para perdas e recusas, 15,0% para controle de fatores de confusão e 1,5 de efeito de delineamento. O maior tamanho de amostra estimado foi de 1.646 sujeitos para avaliar a associação entre analfabetismo e uso de MPI.

O processo de amostragem foi realizado em dois estágios. Foram selecionados os conglomerados por meio dos dados do Censo de 2010aaInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo populacional 2010. Rio de Janeiro; IBGE; 2010 [citado 2015 jan 28]. Disponível em: http://censo2010.ibge.gov.br/pt/ . Havia 488 setores no total. Por haver setores com número pequeno de indivíduos com 60 anos ou mais, alguns foram agrupados, resultando em 469 setores ordenados de acordo com a renda média para a realização do sorteio. Isso permitiu a inclusão de diversos bairros da cidade com situações econômicas distintas. Cada setor continha a informação do número total de domicílios, totalizando 107.152 domicílios do município. Com base no Censo de 2010aaInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo populacional 2010. Rio de Janeiro; IBGE; 2010 [citado 2015 jan 28]. Disponível em: http://censo2010.ibge.gov.br/pt/ , foi necessário incluir 3.745 domicílios para encontrar os 1.646 indivíduos. Foram selecionados sistematicamente 31 domicílios por setor para possibilitar a identificação de, no mínimo, 12 idosos nos mesmos, o que implicou a inclusão de 133 setores censitários, que foram sorteados. Os domicílios dos setores selecionados foram sorteados sistematicamente. As pessoas na faixa etária estudada foram convidadas a participar do estudo. Foram excluídos os idosos institucionalizados e impossibilitados de responder ao questionário, que não possuíssem cuidador.

O controle de qualidade foi feito pelos supervisores a 10,0% dos indivíduos da amostra, selecionados aleatoriamente por meio de um questionário reduzido.

Investigou-se a utilização de medicamentos nos 15 dias anteriores à entrevista. Solicitou-se aos entrevistados que mostrassem a embalagem ou a receita dos medicamentos utilizados. Para cada medicamento, foi realizada a seguinte pergunta: “Quem indicou este remédio para o(a) sr.(a)?”. As opções de resposta eram: “médico ou dentista do Sistema Único de Saúde (SUS)”, “médico ou dentista particular/convênio” ou “outra pessoa”. Os medicamentos foram posteriormente classificados em grupos farmacológicos através da classificação Anatomical Therapeutic Chemical classification system (ATC)b, nos níveis 1 (grupo anatômico) e 2 (grupo terapêutico).

As variáveis demográficas e socioeconômicas utilizadas foram: sexo (masculino; feminino), idade em três categorias (60-69, 70-79 e 80 anos ou mais), cor da pele autorreferida (branca; não branca), nível econômico, classificado de acordo com a Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP) (classes A/B, C e D/E)c, escolaridade (zero a três anos, quatro a sete anos, oito a 10 anos, 11 ou mais anos de estudo). Além disso, foram utilizadas as variáveis polifarmácia (uso simultâneo de quatro medicamentos ou mais, segundo definição de recente revisão sistemática20), carga de doença e automedicação.

Na construção da variável “carga de doença”, consideramos as patologias: hipertensão, diabetes, doença cardíaca, doença respiratória, acidente vascular cerebral, artrite/artrose, dislipidemia, osteoporose, depressão e câncer. Considerou-se o uso de medicamentos por “automedicação” quando os idosos referiram ter consumido no mínimo um medicamento indicado por outra pessoa que não o médico ou dentista.

Considerou-se o efeito do desenho amostral para todas as análises, utilizando-se o conjunto de comandos svy, específico para a análise de inquéritos baseados em amostras complexas do programa estatístico Stata 12.1. Realizou-se a descrição da amostra em relação às variáveis independentes e calculou-se a prevalência do desfecho de potencial inadequação do uso de medicamentos com os respectivos intervalos de confiança. Foram calculadas as razões de prevalência, intervalos de 95% de confiança e teste de Wald para heterogeneidade e tendência linear (no caso das variáveis ordinais) na análise bruta e ajustada.

A atualização dos critérios de Beers publicada em 201211. American Geriatrics Society updated Beers Criteria for potentially inappropriate medication use in older adults. J Am Geriatr Soc. 2012;60(4):616-31. https://doi.org/10.1111/j.1532-5415.2012.03923.x
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foi utilizada para analisar a potencial inadequação dos medicamentos. Foram questionados diagnósticos que podem levar os medicamentos a serem classificados como inadequados, segundo estes critérios: insuficiência cardíaca, síncope, epilepsia, demência ou perda cognitiva, quedas ou fraturas, insônia, doença de Parkinson, constipação crônica, úlcera gástrica ou duodenal, doença renal crônica, incontinência urinária e hiperplasia prostática. Optou-se por não questionar a ocorrência de delirium, devido à complexidade do diagnóstico. Em alguns casos, também foi necessário saber a dose, posologia ou via de administração do medicamento utilizado.

As análises ajustadas foram conduzidas por meio de regressão de Poisson em dois níveis hierárquicos, mantendo-se no primeiro nível as variáveis demográficas – cor da pele, idade e sexo e as socioeconômicas – escolaridade e nível socioeconômico. No segundo nível, foram incluídas as variáveis polifarmácia, automedicação e carga de doença.

Utilizou-se o número total de idosos como denominador para a análise das prevalências de potencial inadequação de uso de medicamentos e fatores associados. O número total de medicamentos utilizados foi utilizado como denominador para caracterizar os medicamentos por grupos farmacológicos.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas (Parecer 472.357/2013). As entrevistas foram realizadas após assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, com garantia de confidencialidade.

RESULTADOS

O número de idosos encontrados foi de 1.844, totalizando 21,3% (n = 393) de perdas e recusas, contabilizando 1.451 entrevistas com idosos. As mulheres representaram 63,0% da amostra. A maioria dos participantes tinha idade entre 60 e 69 anos, referiu ter cor da pele branca e até três anos completos de estudo. Mais da metade da amostra pertencia ao nível socioeconômico C. Cerca de 60,0% dos idosos referiu até três morbidades.

Dentre os idosos entrevistados, 1.305 relataram uso de medicamentos nos 15 dias anteriores à entrevista. Foi relatado o uso de 5.700 medicamentos. O grupo farmacológico mais utilizado de acordo com a classificação ATC foi o dos medicamentos para o sistema cardiovascular (43,9%), seguido dos medicamentos para o trato alimentar e metabolismo (18,9%), sistema nervoso (15,8%), sangue e órgãos hematopoiéticos (6,3%) e sistema musculoesquelético (5,6%). Outros grupos farmacológicos tiveram frequência de uso inferior a 5,0%.

Dentre os 5.700 medicamentos, 5.651 foram avaliados quanto à inadequação. Destes, 937 foram considerados potencialmente inadequados segundo os critérios de Beers de 2012 (16,6%). Entre os idosos, 42,4% (IC95% 39,8–44,9) utilizaram no mínimo um MPI.

Foram avaliados quanto à origem da prescrição 5.661 medicamentos: 60,3% foram prescritos por médico ou dentista particular ou convênios e 37,6% foram prescritos por médico ou dentista do SUS. Apenas 2,1% dos medicamentos foram consumidos por automedicação. A prevalência de potencial inadequação nas prescrições de serviços de saúde particulares ou convênios foi de 15,9% (IC95% 14,7–17,1), e nas prescrições do SUS foi de 17,1% (IC95% 15,5–18,7).

Dentre os 898 medicamentos utilizados para o sistema nervoso, 458 foram considerados inadequados. Esse grupo correspondeu a 48,9% do total de MPI. O segundo grupo com maior número de MPI foi o do sistema musculoesquelético. Desse grupo, foram utilizados 316 medicamentos, 169 foram considerados inadequados (18,0%). Os medicamentos para o sistema cardiovascular corresponderam a 15,4% dos classificados como potencialmente inadequados, e os medicamentos para o trato alimentar e metabolismo corresponderam a 12,5% (Tabela 1).

Tabela 1
Medicamentos potencialmente inadequados para uso em idosos, segundo critérios de Beers (2012), de acordo com a classificação ATCa níveis 1 e 2. Pelotas, RS, 2014.

Os psicolépticos foram os MPI mais utilizados, independentemente da dose utilizada ou de patologias apresentadas pelo idoso, conforme níveis 2 e 5 da ATC, correspondendo a 28,6% dos 730 medicamentos nesta categoria, seguidos pelos anti-inflamatórios e antirreumáticos (14,7%), antiepiléticos (12,3%), medicamentos utilizados no diabetes (12,2%), relaxantes musculares (8,5%), anti-hipertensivos (6,4%), psicoanalépticos (5,2%) e terapia cardíaca (3,6%), respectivamente. Outros grupos de ATC 2 somaram 8,5% (Tabela 2).

Tabela 2
Medicamentos potencialmente inadequados para uso em idosos, independente de dose ou diagnóstico, segundo critérios de Beers (2012), de acordo com a classificação ATCa nível 2 e 5. Pelotas, RS, 2014.

Dentre os MPI para uso em idosos dependendo da dose, posologia ou via de administração utilizada, segundo os critérios de Beers (2012), o que apresentou maior proporção de inadequação devido à dosagem foi a digoxina (55,3% das pessoas que utilizaram o medicamento estavam com dose potencialmente inadequada). Dentre as mulheres que utilizavam estrógenos (n = 7), cinco não faziam uso de preparações vaginais, consideradas mais seguras. A inadequação no uso de ácido acetilsalicílico e suas associações foi de 3,1% (doses acima de 300 mg/dia são consideradas potencialmente inadequadas). A proporção de inadequação foi de 39,4% (dosagem acima de 25 mg/dia) no uso de espironolactona e suas associações. Quanto ao uso da escala de insulina, 21,9% dos idosos faziam uso de uma dose variável deste medicamento, o que pode aumentar o risco de hipoglicemias (Tabela 3).

Tabela 3
Medicamentos potencialmente inadequados para uso em idosos, dependendo de dose, posologia ou via de administração, segundo critérios de Beers (2012). Pelotas, RS, 2014.

A Tabela 4 mostra MPI conforme diagnósticos apresentados pelos idosos. Dentre estes medicamentos, o mais utilizado foi a fluoxetina, com porcentagem de uso potencialmente inadequado de 34,7%, devido a história de quedas ou fraturas. Outros medicamentos considerados potencialmente inadequados na dependência de um diagnóstico foram: diltiazem, com uma porcentagem de inadequação de 61,0% devido à constipação crônica ou insuficiência cardíaca (recomendado evitar na insuficiência cardíaca sistólica), citalopram (35,0% de inadequação devido a quedas ou fraturas), cilostazol (20,5% de inadequação devido à insuficiência cardíaca) e sertralina (41,0% de inadequação devido a quedas ou fraturas). Outros diagnósticos comumente envolvidos na inadequação desses medicamentos foram perda cognitiva, sintomas do trato urinário e hiperplasia prostática.

Tabela 4
Medicamentos potencialmente inadequados para uso em idosos conforme diagnósticos, segundo critérios de Beers (2012). Pelotas, RS, 2014.

A Tabela 5 mostra as prevalências do uso de MPI e análises brutas e ajustadas deste desfecho segundo variáveis demográficas, socioeconômicas, automedicação, carga de doença e polifarmácia. No primeiro nível hierárquico, todas as variáveis do modelo, exceto nível socioeconômico, mantiveram-se associadas ao desfecho após análise ajustada: sexo feminino (RP = 1,26; IC95% 1,11–1,44), aumento da idade (RP = 1,25 para 80 anos ou mais; IC95% 1,07–1,45), proteção para cor da pele não-branca (RP = 0,79; IC95% 0,68–0,93), baixa escolaridade (RP = 1,34 para até três anos de estudo; IC95% 1,12–1,60). No segundo nível hierárquico, foram incluídas três variáveis, todas mantendo associações estatisticamente significativas com o desfecho: polifarmácia (RP = 2,29; IC95% 1,93–2,70), automedicação (RP = 1,41; IC95% 1,19–1,67) e carga de doença (RP = 1,64 para quatro comorbidades ou mais; IC95% 1,09–2,45).

Tabela 5
Prevalência de medicamentos potencialmente inadequados segundo critérios de Beers (2012), segundo variáveis demográficas, socioeconômicas, polifarmácia, automedicação e carga de doença. Pelotas, RS, 2014. (n = 1.451 idosos)

Os critérios de Beers incluem uma categoria de medicamentos que devem ser utilizados com cautela pelos idosos. Entre estes medicamentos estão os inibidores seletivos da recaptação da serotonina (N utilizado = 168), os inibidores da recaptação da serotonina e norepinefrina (N utilizado = 22), os antipsicóticos (N utilizado = 39), os antidepressivos tricíclicos (N utilizado = 37) e a carbamazepina (N utilizado = 6), que podem causar síndrome de secreção inapropriada do hormônio antidiurético. Os vasodilatadores (N utilizado = 31) encontram-se nesta categoria, pois podem exacerbar episódios de síncope em indivíduos com história prévia. Encontrou-se 40 idosos acima de 80 anos utilizando ácido acetilsalicílico, mesmo inexistindo evidências para uso na prevenção de eventos cardíacos nessa faixa etária.

DISCUSSÃO

Adotando os critérios de Beers de 2012, 42,4% da amostra utilizava no mínimo um MPI. Esta prevalência foi superior à de estudos realizados na Índia (16,0%)2525. Undela K, Bansal D, D’Cruz S, Sachdev A, Tiwari P. Prevalence and determinants of use of potentially inappropriate medications in elderly inpatients: a prospective study in a tertiary healthcare setting. Geriatr Gerontol Int. 2014:14(2):251-8. https://doi.org/10.1111/ggi.12081
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, Nigéria (25,5%)1010. Fadare JO, Agboola SM, Opeke OA, Alabi RA. Prescription pattern and prevalence of potentially inappropriate medications among elderly patients in a Nigerian rural tertiary hospital. Ther Clin Risk Manag. 2013;9:115-20. https://doi.org/10.2147/TCRM.S40120
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e Irlanda (28,0%)66. Cahir C, Moriarty F, Teljeur C, Fahey T, Bennett K. Potentially inappropriate prescribing and vulnerability and hospitalization in older community-dwelling patients. Ann Pharmacother. 2014;48(12):1546-54. https://doi.org/10.1177/1060028014552821
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e bastante semelhante à de um estudo realizado na Nova Zelândia (42,7%)1616. Nishtala PS, Bagge ML, Campbell AJ, Tordoff JM. Potentially inappropriate medicines in a cohort of community-dwelling older people in New Zealand. Geriatr Gerontol Int. 2014;14(1):89-93. https://doi.org/10.1111/ggi.12059
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, utilizando os mesmos critérios. Essa prevalência também é superior à encontrada em estudos brasileiros utilizando os critérios de Beers de 2003. Um deles, realizado em Goiânia, GO, encontrou prevalência de 24,6%2323. Santos TRA, Lima DM, Nakatani AYK, Pereira LV, Leal GS, Amaral RG. Consumo de medicamentos por idosos, Goiânia, Brasil. Rev Saude Publica. 2013;47(1):94-103. https://doi.org/10.1590/S0034-89102013000100013
https://doi.org/10.1590/S0034-8910201300...
. Em São Paulo, SP, foi encontrada prevalência de 28,0%77. Cassoni TCJ, Corona LP, Romano-Lieber NS, Secoli SR, Duarte YAO, Lebrão ML. Uso de medicamentos potencialmente inapropriados por idosos do Município de São Paulo, Brasil: Estudo SABE. Cad Saude Publica. 2014;30(8):1708-20. https://doi.org/10.1590/0102-311X000556130
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. Estudo realizado em Ribeirão Preto, SP, utilizando a atualização de 2012, mostrou prevalência de 59,2%33. Baldoni AO, Ayres LR, Martinez EZ, Dewulf NLS, Santos V, Pereira LRL. Factors associated with potentially inappropriate medications use by the elderly according to Beers criteria 2003 and 2012. Int J Clin Pharm. 2014;36(2):316-24. https://doi.org/10.1007/s11096-013-9880-y
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. A prevalência maior nos estudos que utilizaram os critérios de 2012 pode ser justificada pela adição de medicamentos à lista. Além disso, muitos estudos realizados com os critérios de 2003 não avaliam os medicamentos que são inadequados devido à dose utilizada ou na presença de certas patologias. A diferença nas prevalências também pode ser explicada devido à escolha das amostras, pois alguns estudos utilizaram pacientes de hospitais ou ambulatórios, além de diferenças na idade dos participantes.

Outros estudos encontraram maior prevalência de mulheres utilizando MPI77. Cassoni TCJ, Corona LP, Romano-Lieber NS, Secoli SR, Duarte YAO, Lebrão ML. Uso de medicamentos potencialmente inapropriados por idosos do Município de São Paulo, Brasil: Estudo SABE. Cad Saude Publica. 2014;30(8):1708-20. https://doi.org/10.1590/0102-311X000556130
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,1111. Faustino CG, Passarelli MC, Jacob-Filho W. Potentially inappropriate medications among elderly Brazilian outpatients. Sao Paulo Med J. 2013;131(1):19-26. https://doi.org/10.1590/S1516-31802013000100004
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,1414. Guaraldo L, Cano FG, Damasceno GS, Rozenfeld S. Inappropriate medication use among the elderly: a systematic review of administrative databases. BMC Geriatr. 2011;11:79. https://doi.org/10.1186/1471-2318-11-79
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. Isso pode ser explicado pelo fato das mulheres serem mais propensas a procurar auxílio médico e falar sobre problemas de saúde. Além disso, tendem a viver mais tempo do que os homens, convivendo por maior tempo com doenças crônicas33. Baldoni AO, Ayres LR, Martinez EZ, Dewulf NLS, Santos V, Pereira LRL. Factors associated with potentially inappropriate medications use by the elderly according to Beers criteria 2003 and 2012. Int J Clin Pharm. 2014;36(2):316-24. https://doi.org/10.1007/s11096-013-9880-y
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,2323. Santos TRA, Lima DM, Nakatani AYK, Pereira LV, Leal GS, Amaral RG. Consumo de medicamentos por idosos, Goiânia, Brasil. Rev Saude Publica. 2013;47(1):94-103. https://doi.org/10.1590/S0034-89102013000100013
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.

Estudos mostram a relação entre baixa escolaridade e o uso de MPI22. Araújo CMC, Margalhães SMS, Chaimowicz F. Uso de medicamentos inadequados e polifarmácia entre idosos do Programa Saúde da Família. Latin Am J Pharm. 2010;29(2):178-84.,2424. Skaar DD, O’Connor HL. Use of the Beers criteria to identify potentially inappropriate drug use by community-dwelling older dental patients. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol. 2012;113(6):714-21. https://doi.org/10.1016/j.oooo.2011.12.009
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. A escolaridade encontra-se diretamente associada com o nível socioeconômico. O SUS carece de um esquema de medicamentos mais adequado para idosos2323. Santos TRA, Lima DM, Nakatani AYK, Pereira LV, Leal GS, Amaral RG. Consumo de medicamentos por idosos, Goiânia, Brasil. Rev Saude Publica. 2013;47(1):94-103. https://doi.org/10.1590/S0034-89102013000100013
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. Os hábitos de prescrição para os usuários do SUS costumam ser influenciados pela relação de medicamentos disponíveis gratuitamente1717. Oliveira MG, Amorim WW, Rodrigues VA, Passos LC. Acesso a medicamentos potencialmente inapropriados em idosos no Brasil. Rev APS. 2011;14(3):258-65.. Porém, em nosso estudo, os índices de prescrição potencialmente inadequada foram semelhantes entre usuários do SUS e de serviços particulares ou convênios.

O uso de medicamentos potencialmente inadequados pode ser mais frequente entre os idosos de menor idade33. Baldoni AO, Ayres LR, Martinez EZ, Dewulf NLS, Santos V, Pereira LRL. Factors associated with potentially inappropriate medications use by the elderly according to Beers criteria 2003 and 2012. Int J Clin Pharm. 2014;36(2):316-24. https://doi.org/10.1007/s11096-013-9880-y
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,1111. Faustino CG, Passarelli MC, Jacob-Filho W. Potentially inappropriate medications among elderly Brazilian outpatients. Sao Paulo Med J. 2013;131(1):19-26. https://doi.org/10.1590/S1516-31802013000100004
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. Isso pode ser explicado devido à maior cautela dos médicos ao prescrever medicamentos para pessoas de idade mais avançada. Porém, outros inquéritos encontraram associação com o aumento da idade1414. Guaraldo L, Cano FG, Damasceno GS, Rozenfeld S. Inappropriate medication use among the elderly: a systematic review of administrative databases. BMC Geriatr. 2011;11:79. https://doi.org/10.1186/1471-2318-11-79
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,2424. Skaar DD, O’Connor HL. Use of the Beers criteria to identify potentially inappropriate drug use by community-dwelling older dental patients. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol. 2012;113(6):714-21. https://doi.org/10.1016/j.oooo.2011.12.009
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. É comum o aumento do número de complicações decorrentes da idade, o aumento de visitas a um ou mais médicos e a necessidade de utilizar combinações medicamentosas em pacientes mais idosos1919. Paniz VMV, Fassa AG, Facchini LA, Bertoldi AD, Piccini RX, Tomasi E, et al. Acesso a medicamentos de uso contínuo em adultos e idosos nas regiões Sul e Nordeste do Brasil. Cad Saude Publica. 2008;24(2):267-80. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2008000200005
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.

Nossos achados divergem da maioria dos estudos em relação à cor da pele, mostrando discreta proteção para as pessoas de pele não-branca. Em nossa amostra, 84,0% dos idosos referiram cor da pele branca.

Nosso estudo mostrou baixa prevalência de automedicação, porém a associação desta variável com o uso de MPI permaneceu mesmo após ajuste para as demais variáveis. Isso indica a necessidade de conscientização dos idosos para que evitem consumo de medicamentos sem prescrição.

A relação entre uso de medicamentos potencialmente inadequados e polifarmácia está bem estabelecida e foi apresentada em outros estudos77. Cassoni TCJ, Corona LP, Romano-Lieber NS, Secoli SR, Duarte YAO, Lebrão ML. Uso de medicamentos potencialmente inapropriados por idosos do Município de São Paulo, Brasil: Estudo SABE. Cad Saude Publica. 2014;30(8):1708-20. https://doi.org/10.1590/0102-311X000556130
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,1414. Guaraldo L, Cano FG, Damasceno GS, Rozenfeld S. Inappropriate medication use among the elderly: a systematic review of administrative databases. BMC Geriatr. 2011;11:79. https://doi.org/10.1186/1471-2318-11-79
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. O número de comorbidades (carga de doença), que se encontra associado com o uso de múltiplos medicamentos, aparece como forte preditor de uso de MPI em nosso trabalho. Sabendo que existem outras definições de polifarmácia (uso simultâneo de cinco medicamentos ou mais, por exemplo), também analisamos a polifarmácia desta forma. Entretanto, encontramos resultados semelhantes nas análises bruta e ajustada considerando quatro medicamentos ou mais ou cinco medicamentos ou mais.

Ao utilizar um modelo hierárquico de análise, as variáveis socioeconômicas e demográficas (sexo, cor da pele, idade e escolaridade) perdem a significância estatística com a entrada das variáveis do segundo nível. A explicação para a associação entre estas variáveis e o desfecho passa por características como polifarmácia, automedicação e polimorbidade, que mais proximamente influenciam o desfecho.

Os MPI mais consumidos foram os medicamentos para o sistema nervoso central, sobretudo os benzodiazepínicos, em concordância com a literatura99. Coelho Filho JM, Marcopito LF, Castelo A. Perfil de utilização de medicamentos por idosos em área urbana do Nordeste do Brasil. Rev Saude Publica. 2004;38(4):557-64. https://doi.org/10.1590/S0034-89102004000400012
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,2323. Santos TRA, Lima DM, Nakatani AYK, Pereira LV, Leal GS, Amaral RG. Consumo de medicamentos por idosos, Goiânia, Brasil. Rev Saude Publica. 2013;47(1):94-103. https://doi.org/10.1590/S0034-89102013000100013
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. Idosos têm sensibilidade aumentada aos benzodiazepínicos e metabolismo diminuído para agentes de longa ação. Em geral, os benzodiazepínicos aumentam o risco de perda cognitiva, delirium, quedas, fraturas e acidentes com veículos em idosos11. American Geriatrics Society updated Beers Criteria for potentially inappropriate medication use in older adults. J Am Geriatr Soc. 2012;60(4):616-31. https://doi.org/10.1111/j.1532-5415.2012.03923.x
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.

Outro grupo que merece destaque são os fármacos para o sistema musculoesquelético, especialmente os anti-inflamatórios e relaxantes musculares. Com o aumento de dores crônicas nessa faixa etária, esses medicamentos são bastante consumidos, muitos podendo ser adquiridos sem receita médica33. Baldoni AO, Ayres LR, Martinez EZ, Dewulf NLS, Santos V, Pereira LRL. Factors associated with potentially inappropriate medications use by the elderly according to Beers criteria 2003 and 2012. Int J Clin Pharm. 2014;36(2):316-24. https://doi.org/10.1007/s11096-013-9880-y
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.

Dentre os medicamentos utilizados no diabetes, houve alto consumo de glibenclamida. Essa droga aumenta o risco de hipoglicemia em idosos, assim como o uso da escala de insulina11. American Geriatrics Society updated Beers Criteria for potentially inappropriate medication use in older adults. J Am Geriatr Soc. 2012;60(4):616-31. https://doi.org/10.1111/j.1532-5415.2012.03923.x
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. No grupo dos medicamentos com ação no sistema cardiovascular, encontramos alto uso de amiodarona e doxazosina. Esta última, utilizada principalmente na hiperplasia prostática benigna, apresenta alto risco de hipotensão ortostática11. American Geriatrics Society updated Beers Criteria for potentially inappropriate medication use in older adults. J Am Geriatr Soc. 2012;60(4):616-31. https://doi.org/10.1111/j.1532-5415.2012.03923.x
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. A amiodarona encontra-se associada a múltiplas toxicidades, incluindo doença da tireoide, prolongamento do intervalo Q-T do eletrocardiograma e doença pulmonar11. American Geriatrics Society updated Beers Criteria for potentially inappropriate medication use in older adults. J Am Geriatr Soc. 2012;60(4):616-31. https://doi.org/10.1111/j.1532-5415.2012.03923.x
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.

Observamos alto percentual de idosos com história de quedas ou fraturas (28,0%), situação bastante associada ao envelhecimento. Foi alto o uso de inibidores seletivos da recaptação da serotonina nesse grupo. Outros medicamentos considerados potencialmente inadequados especialmente neste grupo de idosos são os anticonvulsivantes, antipsicóticos, benzodiazepínicos, hipnóticos não-benzodiazepínicos e antidepressivos tricíclicos. Tais medicamentos podem prejudicar a função motora, produzindo ataxia, síncopes e quedas adicionais11. American Geriatrics Society updated Beers Criteria for potentially inappropriate medication use in older adults. J Am Geriatr Soc. 2012;60(4):616-31. https://doi.org/10.1111/j.1532-5415.2012.03923.x
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.

Entre os pontos fortes do nosso estudo, conseguirmos avaliar diversas patologias envolvidas na prescrição potencialmente inadequada. Além disso, é um estudo de base populacional, abrangendo idosos dos mais diversos cenários, porém não incluindo idosos hospitalizados ou institucionalizados.

Nosso estudo apresenta limitações devido ao fato de os critérios de Beers terem sido desenvolvidos apenas com medicamentos comercializados nos Estados Unidos. Além disso, não incluem outros tipos de inadequações não exclusivas ao envelhecimento (por exemplo, interações entre drogas e duplicações terapêuticas)11. American Geriatrics Society updated Beers Criteria for potentially inappropriate medication use in older adults. J Am Geriatr Soc. 2012;60(4):616-31. https://doi.org/10.1111/j.1532-5415.2012.03923.x
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Profissionais devem conhecer as possíveis consequências do uso desses medicamentos nessa faixa etária. Uma explicação possível para a alta prevalência destas prescrições encontra-se no fato de as doenças crônicas mais prevalentes iniciarem entre a quarta e a quinta década de vida. São manejadas com medicamentos considerados apropriados para adultos, os quais não são modificados quando o indivíduo atinge os 60 anos. Atenção especial deve ser dada aos idosos usuários de polifarmácia.

É importante a elaboração de critérios de prescrição nacionais, que contemplem medicamentos disponíveis no Brasil. Além disso, é necessário que a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME) contemple medicamentos adequados para uso em idosos, bem como a ampliar sua disponibilidade para os usuários do SUS. Outra recomendação é a maior ênfase nos currículos das faculdades sobre as especificidades do uso de medicamentos entre idosos, informando os futuros profissionais sobre prescrições potencialmente inadequadas para essa faixa etária.

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  • Financiamento: Programa de Excelência Acadêmica da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (PROEX/CAPES – Ministério da Educação, Processo 23038.003968/2013-99).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    16 Jul 2015
  • Aceito
    21 Fev 2016
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
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