Prevalência e factores associados à brucelose humana em profissionais da pecuária

Franco Cazembe Mufinda Fernando Boinas Carla Nunes Sobre os autores

RESUMO

OBJECTIVO

Estimar a seroprevalência da brucelose humana em profissionais da pecuária e analisar os factores associados à brucelose com foco em variáveis sociodemográficas, de conhecimento e práticas relativas às características das actividades desenvolvidas na pecuária.

MÉTODOS

Estudo transversal seroepidemiológico em população de 131 trabalhadores de talhos, salas de abate e matadouro e 192 criadores amostrados aleatoriamente na província do Namibe, Angola. Os dados foram obtidos por meio de colheita de sangue e aplicação de questionário. Os testes laboratoriais utilizados foram o Rosa de Bengala e a aglutinação lenta em tubos. O questionário permitiu recolher informação sociodemográfica e, especificamente sobre a brucelose, incorporou questões sobre conhecimento, atitudes e comportamentos dos profissionais da pecuária. Além da abordagem estatística descritiva, foram utilizados os testes de Independência do Qui-quadrado, Fisher e modelos de regressão logística, utilizando um nível de significância de 10%.

RESULTADOS

A prevalência geral ponderada da brucelose foi de 15.6% (IC95% 13.61–17.50), sendo 5.3% em trabalhadores e 16.7% (IC95% 11.39–21.93) em criadores. A significância estatística foi observada entre a seroprevalência humana e a categoria (trabalhador e criador) (p < 0.001) e o nível de instrução (p = 0.032), início de actividade (p = 0.079) e local de serviço (p = 0.055). Em um contexto multivariado, o factor positivamente associado à brucelose em profissionais foi a categoria profissional (OR = 3.54; IC95% 1.57–8.30, relativo aos criadores em relação a trabalhadores).

CONCLUSÕES

A brucelose humana em profissionais da pecuária é prevalente na província do Namibe (15.6%), onde a categoria profissional foi o factor mais relevante. Os níveis de seroprevalência detectados são elevados se comparados com outros encontrados em estudos semelhantes.

Brucelose, epidemiologia; Criação de Animais; Riscos Ocupacionais; Fatores Socioeconômicos; Estudos Soroepidemiológicos

INTRODUÇÃO

A brucelose é uma zoonose que resulta de contacto directo ou indirecto com a infecção animal. É uma doença infecciosa causada por bactérias do gênero Brucella. Nos bovinos, ela é normalmente provocada por Brucella abortus99. Earhart K, Vafakolov S, Yarmohamedova N, Michael A, Tjaden J, Soliman A. Risk factors for brucellosis in Samarqand Oblast, Uzbekistan. Int J Infect Dis. 2009;13(6):749-53. https://doi.org/10.1016/j.ijid.2009.02.014.
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,2020. Mukhtar F, Kokab F. Brucella serology in abattoir workers. J Ayub Med Coll Abbottabad. 2008;20(3):57-61.,3030. Young EJ. An overview of human brucellosis. Clin Infect Dis. 1995;21(2):283-90. https://doi.org/10.1093/clinids/21.2.283.
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.

A brucelose ainda é um problema mundial de saúde pública, com cerca de 500.000 novos casos humanos de infecção por ano, considerando todas as espécies de Brucella, apesar de a maioria dos países desenvolvidos já terem conseguido o seu controlo2121. Nielsen K, Yu WL. Serological diagnosis of brucellosis. Contributions, Sec Biol Med Sci. 2010;31(1):65-89.,aaAl-Nassir W, Lisgaris MV, Salata AR, Benett J. Brucellosis. In: Medscape from WebMD: Drugs & Diseases [website]. New York; 2009. Disponível em: http://tinyurl.com/lcl5wfw ,bbMufinda FC. Conhecimento de factores de risco e de profilaxia na transmissão da brucelose humana nos profissionais da pecuária na província do Namibe, Angola, 2009 [dissertação]. Rio de Janeiro (RJ): Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz; 2010.. No ser humano, ela manifesta-se por um quadro febril, dores musculares e ósseas e é sub-diagnosticada em nível mundial88. Corbel MJ. Brucellosis: an overview. Emerg Infect Dis. 1997;3(2):213-21. https://doi.org/10.3201/eid0302.970219.
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. Em países de clima tropical como Angola, onde as doenças infecciosas transmissíveis são prevalentes, ela é confundida sintomatologicamente com várias doenças, como a malária, a leptospirose e a febre tifóidebbMufinda FC. Conhecimento de factores de risco e de profilaxia na transmissão da brucelose humana nos profissionais da pecuária na província do Namibe, Angola, 2009 [dissertação]. Rio de Janeiro (RJ): Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz; 2010.,ccWorld Health Organization. The control of neglected zoonotic diseases: a route to poverty alleviation. Geneva: WHO; 2006 [citado 2016 dez 4]. Disponível em: http://www.who.int/zoonoses/Report_Sept06.pdf ,ddAubry P. Brucellose: actualités 2012. In: Medicine Tropicale [website]. Saint Denis (FR): Cours de Diplôme en Médicine Tropicale; 2012. Disponível em: http://tinyurl.com/oxroluc . A literatura relata que as causas mais comuns de infecção têm sido as circunstâncias laborais ligadas aos profissionais da pecuária expostos (veterinários, trabalhadores de matadouros e criadores de animais) e ao consumo de produtos infectados (carne e leite e seus derivados)11. Ariza CJ. Brucelosis: algunos aspectos de su epidemiologia. Enf Infecc Microbiol Clin. 1989;7:517-8.,1010. Guerrier G, Daronat JM, Morisse L, Yvon JF, Pappas G. Epidemiological and clinical aspects of human Brucella suis infection in Polynesia. Epidemiol Infect. 2011;139(10):1621-5. https://doi.org/10.1017/S0950268811001075.
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. A incidência da infecção humana varia consoante o grau de prevalência da infecção animal, o nível socioeconómico e os hábitos alimentares2222. Pappas G, Papadimitriou P, Akritidis N, Christou L, Tsianos EV. The new global map of human brucellosis. Lancet Infect Dis. 2006;6(2):91-9. https://doi.org/10.1016/S1473-3099(06)70382-6.
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A ingestão, o contacto directo e a inalação são apontadas como as principais formas de transmissão da infecção, mas a importância relativa do modo de transmissão e das portas de entrada do agente etiológico variam em função da área epidemiológica, dos reservatórios animais, dos grupos ocupacionais e dos consumidores expostos ao risco88. Corbel MJ. Brucellosis: an overview. Emerg Infect Dis. 1997;3(2):213-21. https://doi.org/10.3201/eid0302.970219.
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,1010. Guerrier G, Daronat JM, Morisse L, Yvon JF, Pappas G. Epidemiological and clinical aspects of human Brucella suis infection in Polynesia. Epidemiol Infect. 2011;139(10):1621-5. https://doi.org/10.1017/S0950268811001075.
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,1313. Kunda J, Fitzpatrick J, Kazwala R, French NP, Shirima G, MacMillan A, et al. Health-seeking behaviour of human brucellosis cases in rural Tanzania. BMC Public Health. 2007;7:315. https://doi.org/10.1186/1471-2458-7-315.
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,ccWorld Health Organization. The control of neglected zoonotic diseases: a route to poverty alleviation. Geneva: WHO; 2006 [citado 2016 dez 4]. Disponível em: http://www.who.int/zoonoses/Report_Sept06.pdf ,ddAubry P. Brucellose: actualités 2012. In: Medicine Tropicale [website]. Saint Denis (FR): Cours de Diplôme en Médicine Tropicale; 2012. Disponível em: http://tinyurl.com/oxroluc ,eeElberg SS, editor. A guide to the diagnosis, treatment and prevention of human brucellosis. Geneva: Word Health Organization; 1981. Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/66406/1/VPH_81.31_Rev.1.pdf .

O controlo da brucelose passa por erradicação da doença animal, controlo de circulação de leite e seus derivados não pasteurizados, observação das medidas de biossegurança no local de trabalho em profissionais expostos ao risco de infecção (uso de equipamentos de protecção individual e colectiva) e implementação da vigilância epidemiológica para detecção precoce dos casos. Essas medidas visam a estabelecer barreiras contra os modos de contaminação55. Chomel BB, DeBess EE, Mangiamele DM, Reilly KF, Farver TB, Sun RK, et al. Changing trends in the epidemiology of human brucellosis in California from 1973 to 1992: a shift toward foodborne transmission. J Infect Dis. 1994;170(5):1216-23. https://doi.org/10.1093/infdis/170.5.1216.
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,1010. Guerrier G, Daronat JM, Morisse L, Yvon JF, Pappas G. Epidemiological and clinical aspects of human Brucella suis infection in Polynesia. Epidemiol Infect. 2011;139(10):1621-5. https://doi.org/10.1017/S0950268811001075.
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,eeElberg SS, editor. A guide to the diagnosis, treatment and prevention of human brucellosis. Geneva: Word Health Organization; 1981. Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/66406/1/VPH_81.31_Rev.1.pdf ,ffRepublic of South Africa, Department of Agriculture. Brucellosis. Pretoria: Department of Agriculture; 2003 [citado 2016 dez 4]. Disponível em: http://www.daff.gov.za/docs/Infopaks/Brucellosis_E-book.pdf .

O objectivo deste estudo foi estimar a seroprevalência da brucelose humana em profissionais da pecuária na província do Namibe, Angola, e analisar os factores associados à brucelose com foco em variáveis sociodemográficas, de conhecimento e práticas relativas às características das actividades desenvolvidas na pecuária.

MÉTODOS

Este estudo epidemiológico transversal, realizado em 2012, efectuou-se no Namibe, uma das 18 províncias da República de Angola (no Sudoeste). Namibe tem uma superfície de 57.097 km2 e uma linha de fronteira marítima atlântica de cerca de 480 km. Administrativamente, é composta por cinco municípios: Namibe, Tômbwa, Virei, Kamucuio e Bibala. A população é estimada em 1.195.779 habitantes com uma densidade de 21 hab/km2 e dedica-se principalmente à pesca, pastorícia e agriculturaggAngola. Governo da Província do Namibe. Plano de Desenvolvimento Económico e Social da Província do Namibe para o Período 2013-2017. Namibe; 2013. Disponível em: http://tinyurl.com/ptqtf86 .

Na parte noroeste e sudeste desta província pratica-se a criação de todo o tipo de gado, com base em técnicas tradicionais e rudimentares de cuidados veterinários. A região conta com um efectivo de 500.500 bovinosggAngola. Governo da Província do Namibe. Plano de Desenvolvimento Económico e Social da Província do Namibe para o Período 2013-2017. Namibe; 2013. Disponível em: http://tinyurl.com/ptqtf86 .

Este estudo focalizou os profissionais da pecuária, especificamente os criadores de gado e os trabalhadores de matadouro, talhos e salas municipais de abate. Ambos trabalham diariamente com animais e apresentam risco de infecção potenciado pelo não uso de medidas de biossegurança e pelo consumo de leite e derivados não pasteurizados. Adicionalmente, os criadores têm riscos acrescidos de contacto com restos infectados de abortos ou pós-parto88. Corbel MJ. Brucellosis: an overview. Emerg Infect Dis. 1997;3(2):213-21. https://doi.org/10.3201/eid0302.970219.
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,1414. Lopes LB, Nicolino RR, Haddad JPA. Brucellosis: risk factors and prevalence: a review. Open Vet Sci J. 2010;4(1):72-84. https://doi.org/10.2174/1874318801004010072.
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,hhMinistério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (BR), Departamento de Defesa Animal. Programa Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose e Tuberculose: manual técnico. Brasília (DF): Departamento de Defesa Animal; 2006. Disponível em: http://www.agricultura.gov.br/arq_editor/file/Aniamal/programa%20nacional%20sanidade%20brucelose/Manual%20do%20PNCEBT%20-%20Original.pdf .

Em Dezembro de 2011, os trabalhadores oficialmente registados no Departamento Provincial da Pecuária do Namibe eram 131. O número de criadores era de 1.204, distribuídos da seguinte forma pelos cinco municípios que compõem o Namibe: 748 (Bibala), 276 (Kamucuio), 118 (Virei), 51 (Namibe) e 11 (Tômbwa). Todos os trabalhadores (131) fizeram parte do estudo. Em relação aos criadores foi utilizada uma amostragem aleatória estratificada, na qual os estratos representam proporcionalmente os diferentes municípios66. Cochran WG. Sampling techniques. 3.ed. New York: John Wiley & Sons; 1977..

Para uma prevalência da brucelose humana esperada de 5%, uma margem de erro de 3%, e um reforço de 10% para atenuar a não resposta ou a resposta incompleta, o tamanho da amostra foi definido em 192iiMédicos Sem Fronteiras. Relatório de estudo de brucelose humana e animal nos municipios de Bibala e Kamucuio, provincia do Namibe. Namibe: Médicos sem Fronteiras – Suiça; 2001.. Assim, as respectivas dimensões amostrais por estratos (municípios) foram: Bibala (ηB = 113), Kamucuio (ηK = 44), Virei (ηV = 19), Namibe (ηN = 9) e Tômbwa (ηT = 7). A selecção dos criadores foi feita utilizando uma tabela de números aleatórios gerada pelo programa OpenEpi®, versão 2.3.1jjDean AG, Sullivan KM, Dean AG, Soe MM. OpenEpi: open source epidemiologic statistics for public health; version 2.3.1. Atlanta: Emory University, Rollins School of Public Health; 2012..

Para o estudo serológico, foram recolhidos 5 ml de sangue venoso em cada profissional, com uma agulha G21 e seringa em plástico de 5 ml. O sangue foi centrifugado para posterior subtracção do soro. As amostras de soro foram conservadas em microtubos de plástico e congeladas a -20ºC até à realização dos testes serológicos.

As referidas recolhas foram realizadas in situ, nos centros de saúde ou em hospitais municipais. Os testes serológicos foram realizados no Instituto de Investigação Veterinária da Huila e Laboratório do Hospital Provincial Ngola Kimbanda do Namibe.

A realização dos testes foi feita mediante um protocolo de testagem em série iniciando com a triagem através do teste de aglutinação rápida Rosa de Bengala (RBT), e em seguida, os resultados positivos foram confirmados pelo teste de aglutinação lenta em tubos (SAT)44. Buchanan TM, Faber LC. 2-mercaptoethanol Brucella agglutination test: usefulness for predicting recovery from brucellosis. J Clin Microbiol. 1980;11(6):691-3.,eeElberg SS, editor. A guide to the diagnosis, treatment and prevention of human brucellosis. Geneva: Word Health Organization; 1981. Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/66406/1/VPH_81.31_Rev.1.pdf , prática comum no diagnóstico serológico da brucelose humana11. Ariza CJ. Brucelosis: algunos aspectos de su epidemiologia. Enf Infecc Microbiol Clin. 1989;7:517-8.,22. Ariza J, Corredoira J, Pallares R, Viladrich PF, Ruffi G, Pujol M, et al. Characteristics of and risk factors for relapse of brucellosis in humans. Clin Infect Dis. 1995;20(5):1241-49.,eeElberg SS, editor. A guide to the diagnosis, treatment and prevention of human brucellosis. Geneva: Word Health Organization; 1981. Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/66406/1/VPH_81.31_Rev.1.pdf ,kkOIE -World Organization for Animal Health. Terrestrial manual 2009. Paris; 2009. Bovine brucellosis: version adopted by the World Assembly of Delegates of the OIE. Chapter 2.4.3. Disponível em: http://web.oie.int/eng/normes/MMANUAL/2008/pdf/2.04.03_BOVINE_BRUCELL.pdf . O resultado de seroprevalência por teste de reacção de Rosa de Bengala pode ser classificada de positivo quando a prova de aglutinação está positiva. O resultado de seroprevalência por teste de SAT deve ser considerado de positivo quando apresentar aglutinação parcial ou completa. Para identificação dos casos positivos no presente estudo, foi fixado o ponto de corte da serologia SAT para 1:16022. Ariza J, Corredoira J, Pallares R, Viladrich PF, Ruffi G, Pujol M, et al. Characteristics of and risk factors for relapse of brucellosis in humans. Clin Infect Dis. 1995;20(5):1241-49.,99. Earhart K, Vafakolov S, Yarmohamedova N, Michael A, Tjaden J, Soliman A. Risk factors for brucellosis in Samarqand Oblast, Uzbekistan. Int J Infect Dis. 2009;13(6):749-53. https://doi.org/10.1016/j.ijid.2009.02.014.
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com a testagem prévia à RBTkkOIE -World Organization for Animal Health. Terrestrial manual 2009. Paris; 2009. Bovine brucellosis: version adopted by the World Assembly of Delegates of the OIE. Chapter 2.4.3. Disponível em: http://web.oie.int/eng/normes/MMANUAL/2008/pdf/2.04.03_BOVINE_BRUCELL.pdf .

Em 2009, baseado em uma revisão de literatura, foi desenvolvido um questionário sobre o conhecimento, atitudes e comportamentos dos profissionais da pecuária, posteriormente traduzido por um líder tradicional com formação em saúde, para o dialeto local (Nhaneca-Umbi)bbMufinda FC. Conhecimento de factores de risco e de profilaxia na transmissão da brucelose humana nos profissionais da pecuária na província do Namibe, Angola, 2009 [dissertação]. Rio de Janeiro (RJ): Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz; 2010.,ccWorld Health Organization. The control of neglected zoonotic diseases: a route to poverty alleviation. Geneva: WHO; 2006 [citado 2016 dez 4]. Disponível em: http://www.who.int/zoonoses/Report_Sept06.pdf . Este mesmo questionário foi aqui utilizado, aplicado por agentes locais de saúde, com domínio do dialeto local e previamente treinados. Essa formação consistiu em informação base sobre a doença e aplicação e preenchimento do questionário, tendo sido claramente referido que a sua intervenção apenas poderia clarificar alguma dúvida de conteúdo e interpretação sobre o questionário, não podendo influenciar a resposta.

Quanto à caracterização sociodemográfica dos profissionais em análise, foram consideradas as seguintes variáveis: grupo etário, sexo, naturalidade (Província do Namibe e outras), nível de instrução (sem instrução e instrução base), local de serviço (Matadouro SOFRIO e talhos do Namibe, salas municipais do abate e explorações dos diferentes Municipais), início das actividades (menor: < 18 anos e adulto: ≥ 18 anos) e entrada formal na actividade (legado [herdeiro], empreendedor e contratado).

Os factores de risco em análise foram o conhecimento dos profissionais e as suas práticas: 1) já ouviu falar da brucelose; 2) o leite in natura transmite a brucelose; 3) os materiais fetais animais transmitem a brucelose; 4) o pasto é feito junto às fontes de água; 5) existem áreas alagadiças junto ao pasto; 6) existe reposição de rebanho com gado de outros currais; 7) vende leite in natura e seus derivados não pasteurizados; e 8) os restos de aborto são abandonados no pasto. As perguntas 1, 2 e 3, que abordam o conhecimento, foram efetuadas a todos os profissionais (criadores e trabalhadores) e as restantes (sobre as características da exploração e as práticas), apenas aos criadores. Excetuando a primeira pergunta, “já ouviu falar da brucelose”, que apenas permitia responder sim ou não, as demais perguntas tinham três opções de resposta (sim; não; não sabe ou não responde).

Para análise estatística, recorreu-se ao pacote PASW Statistics 18.0®llSPSS Inc. SPSS version 18.0. Chicago: IBM; 2010.. Os níveis de significância considerados foram de 10%.

Após abordagem descritiva, usou-se o teste de Independência do Qui-quadrado para analisar as relações da prevalência com as variáveis sociodemográficas, de conhecimento e características das explorações. Quando as condições de aplicabilidade deste teste não se encontravam satisfeitas, recorreu-se ao teste de Independência do Qui-quadrado com Simulação de Monte Carlo ou ao teste exacto de Fisher. Para identificar os factores associados da seroprevalência (ter a brucelose, como variável dependente) em profissionais foram utilizados modelos de regressão logística pela selecção forward baseado no teste de Wald. Este teste é um método de selecção stepwise, em que a entrada de uma variável independente no modelo é feita em função da significância da estatística score, e a remoção de uma variável do modelo é feita em função da significância do teste a ser definido. Dessa forma, o modelo inicial é saturado com a inclusão de todas as variáveis explicativas (variáveis sociodemográficas); nas diversas etapas do modelo, as variáveis que apresentam menor poder de explicação da variável prevalência são retiradas uma a uma, de acordo com a significância do teste em uso. Os odds ratio brutos foram determinados recorrendo ao método enter com uma variável explicativa de cada vez1414. Lopes LB, Nicolino RR, Haddad JPA. Brucellosis: risk factors and prevalence: a review. Open Vet Sci J. 2010;4(1):72-84. https://doi.org/10.2174/1874318801004010072.
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. Também foram determinados os intervalos de confiança para as relações significativas. Não são apresentados os odds ratio ajustados ao sexo e à idade, pois foram muito semelhantes aos odds ratio brutos, não trazendo informação adicional. Não foi identificado nenhum modelo múltiplo, pois na análise múltipla apenas uma das variáveis foi identificada.

As prevalências aparentes em profissionais foram calculadas de forma clássica dividindo os casos positivos ao teste SAT pelo número total dos profissionais. O mesmo princípio foi aplicado para determinar as prevalências em criadores e trabalhadores.

Para o cálculo das prevalências globais (prevalência ponderada), as prevalências por grupo de profissionais foram ponderadas considerando os pesos respectivos na população em estudo, sendo que dos 1.355 profissionais de pecuária 1.204 (90.2%) são criadores e 131 (9.8%) são trabalhadores. A mesma lógica foi aplicada para determinar as prevalências nos municípios.

As orientações de Helsínquia e da CIOMS-2002 (Council for International Organizations of Medical Sciences) referentes à pesquisa com seres humanos evitando qualquer tipo de dano físico ou moral foram respeitadas2626. Swai ES, Schoonman L. Human brucellosis: seroprevalence and risk factors related to high risk occupational groups in Tanga Municipality, Tanzania. Zoonoses Public Health. 2009;56(4):183-7. https://doi.org/10.1111/j.1863-2378.2008.01175.x.
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,mmWorld Health Organization. Brucellosis (human). Geneva; 2005. Disponível em: http://tinyurl.com/mq2ws6m . Os casos positivos de brucelose identificados foram posteriormente referenciados para as unidades sanitárias estatais do Namibe e seguidos gratuitamente. O estudo foi aprovado pelo Comité de Ética do Instituto Nacional de Saúde Pública do Ministério de Saúde da República de Angola. O consentimento informado foi obtido de todos os participantes. No caso dos menores, foi obtido o consentimento dos seus encarregados de educação.

RESULTADOS

Do total de profissionais avaliados, 12.1% (39) apresentaram resultado positivo para brucelose em ambos os testes RBT e SAT (Tabela 1).

Tabela 1
Resultados de testes de RBT e SAT em seres humanos, aplicados em série. Namibe, Angola, 2012.

A prevalência geral ponderada da brucelose foi de 15.6%, sendo 5.3% em trabalhadores e 16.7% em criadores (p < 0.001). O município do Tombwa teve a maior taxa de prevalência de infecção em criadores (28.6%) e profissionais no total (26.9%). O município do Kamucuio teve maior prevalência de infecção em trabalhadores (20%) (Tabela 2).

Tabela 2
Prevalências da brucelose humana. Namibe, Angola, 2012.

A população analisada foi de 323 profissionais, sendo a maioria do sexo masculino, com uma média de idade de 36.19 anos, a mínima de 16, máxima de 71 e um desvio padrão de 13.23 anos.

Dos 131 trabalhadores de matadouro, salas municipais de abate e talhos, 64.9% eram de sexo masculino e 35.1% feminino. Os mesmos tiveram uma média de idade de 33.27 anos, mínima de 17, máxima de 66 e desvio padrão de 10.75 anos.

Os 192 criadores de gado, 84.9% eram de sexo masculino e 15.1%, feminino, a média de idade foi de 38.18 anos, mínima de 16, máxima de 71 anos e o desvio padrão de 14.38 anos (Tabela 3).

Tabela 3
Relação da seroprevalência da brucelose humana com as variáveis sociodemográficas dos profissionais.

As relações entre a seroprevalência da brucelose e as variáveis sociodemográficas dos profissionais encontram-se identificadas na Tabela 3 e as suas caracterizações, para o sexo, a idade e para as variáveis categoria e nível de instrução (ambas identificadas como significativas), encontram-se na Tabela 4.

Tabela 4
Fatores de risco para brucelose humana em profissionais da pecuária. Namibe, Angola, 2012.

Do total dos profissionais infectados (39), 82.1% eram criadores e 17.9% trabalhadores de matadouro, talhos e salas municipais de abate. A diferença entre os dois grupos foi significativa (p < 0.001). O percentual de trabalhadores e de criadores seropositivos foi 5.3% e 16.7%, respectivamente (OR = 3.71).

O grupo etário 20-29 anos teve 35.9% (14/39) dos profissionais infectados. No grupo etário 10-19 anos, os infectados representaram 20% (5/25) e no de 30-39 anos eram 6.3% (5/79), sendo esta última a mais baixa observada. Do total dos infectados (39), 76.9% (30/39) eram casados e 23.1% (9/39) solteiros.

Dos infectados, 66.7% foram naturais do Namibe. No grupo dos naturais do Namibe, 12.4% foram positivos. Nos naturais de outras províncias, 11.4% foram positivos.

Dos infectados, 74.4% eram profissionais sem instrução. No grupo dos não alfabetizados, 15.3% foram positivos, e o dos que possuíam o ensino base, 7.5% foram positivos, com um OR de 2.25. Dos profissionais infectados, 82% iniciaram a sua actividade na menoridade. Dos profissionais que se encontram neste grupo, 14.2% foram positivos e no grupo dos que iniciaram a actividade na idade adulta, 7.2%.

Entraram na actividade pela herança de animais, 51.3% dos infectados, 25.6% pelo empreendedorismo e 23.1% pelo contrato. No grupo dos que herdaram a actividade, 17.2% foram positivos; os que empreenderam, 9.2% e os contratados, 9.2% (p = 0.103).

Dos infectados, 48.7% dos criadores das explorações eram do município da Bibala, e um décimo (10.2%) dos profissionais eram trabalhadores de matadouro. Nas explorações do município do Tombwa, a infecção representou 28.6% (2/7); enquanto no matadouro SOFRIO e talhos do Namibe teve-se 3.9% (4/103) (p = 0.055).

A relação entre a seroprevalência da brucelose humana e o conhecimento de factores de risco, características e práticas das explorações está descrita na Tabela 5. Dos profissionais infectados, 15.4% afirmaram ter ouvido falar da brucelose, não havendo relação entre o estar infectado e o ter ouvido falar da doença (p = 0.411), 33.3% consideraram que o leite in natura transmite a brucelose e 66.7% não sabiam ou não responderam (p = 0.704). Adicionalmente, 83.3% afirmaram que os materiais fetais animais não transmitem brucelose (p = 0.633). Em relação a ambos os factores referidos, o desconhecimento, considerando o não sabe ou não responde e o não transmite é mais prevalente nos não infectados.

Tabela 5
Relação da seroprevalência da brucelose humana com o conhecimento e profilaxia em profissionais.

Em relação às características das explorações dos criadores infectados, 78.1% afirmaram que o pasto não é feito junto às fontes de água (p = 0.029), percentagem idêntica à não existência de áreas alagadiças junto ao pasto (p = 0.073). A totalidade (100%) dos criadores infectados afirmou que trabalha em explorações que procedem à reposição de gado bovino proveniente de outros rebanhos (p = 0.096). A maioria (71.9%) dos criadores infectados vendia o leite azedo e seus derivados não pasteurizados a outros populares (p = 0.032). Em relação aos criadores, 78.1% dos criadores infectados afirmaram ter deixado os restos de aborto no pasto e servir, eventualmente, de alimentação a cães e porcos (p < 0.001) (Tabela 5).

Na análise múltipla, a regressão logística com recurso ao método Forward:LR mostrou que apenas a variável categoria (bcategori (1) = 1.265; c2Wald (1) = 8.492; p = 0.004; OR = 3.54; IC95% 1.57–8.30) apresentou efeito estatisticamente significativo sobre o Logit da probabilidade de os profissionais terem brucelose humana. Nenhuma outra variável foi estatisticamente significativa após a presença desta variável no modelo.

DISCUSSÃO

Encontrou-se prevalência ponderada de brucelose de 15.6% nos profissionais em estudo – 5.3% em trabalhadores e 16.7% em criadores de gado bovino. Comparando-se com estudos realizados em 2001 nos municípios de Bibala e Kamucuio pelos Médicos Sem Fronteiras, que mostraram prevalência em humanos de 4.7%, observa-se que as prevalências encontradas são altasiiMédicos Sem Fronteiras. Relatório de estudo de brucelose humana e animal nos municipios de Bibala e Kamucuio, provincia do Namibe. Namibe: Médicos sem Fronteiras – Suiça; 2001.. Os estudos dizem que, de uma forma geral, a prevalência da brucelose é desconhecida na África Subsaariana em razão da baixa informação reportada pelos serviços de vigilância epidemiológica. No entanto, em alguns países, considera-se a possível existência de hiperendemia, sendo notificados, por exemplo, em países como a África do Sul, anualmente cerca de 5 mil casos humanos1616. McDermott JJ, Arimi SM. Brucellosis in sub-Saharan Africa: epidemiology, control and impact. Vet Microbiol. 2002;90(1-4):111-34. https://doi.org/10.1016/S0378-1135(02)00249-3.
https://doi.org/10.1016/S0378-1135(02)00...
,1717. Meky FA, Hassan EA, Elhafez ABD, Aboul Fetouhl AM, El-Ghazali SM. Epidemiology and risk factors of brucellosis in Alexandria governorate. East Mediterr Health J. 2007;13(3):677-85.,2828. Wojno JM, Moodley C, Pienaar J, Beylis N, Jacobsz L, Nicol MP, et al. Human brucellosis in South Africa: Public health and diagnostic pitfalls. S Afr Med J. 2016;106(9):883-5. https://doi.org/10.7196/SAMJ.2016.v106i9.11020.
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.

A prevalência da brucelose humana em regiões africanas com características semelhantes1313. Kunda J, Fitzpatrick J, Kazwala R, French NP, Shirima G, MacMillan A, et al. Health-seeking behaviour of human brucellosis cases in rural Tanzania. BMC Public Health. 2007;7:315. https://doi.org/10.1186/1471-2458-7-315.
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,2525. Smits HL, Cutler SJ. Contributions of biotechnology to the control and prevention of brucellosis in Africa. Afr J Biotechnol. 2004;3(12):631-6. às do Namibe, Angola, apresenta grande dispersão (entre 1% e 13.3%), com valores inferiores aos observados neste estudo. Embora seja outra medida de frequência, destacamos que as taxas de incidência possuem uma variabilidade ainda maior (entre 0.9% e 84.3%)1212. Kumar P, Singh DK, Barbuddhe SB. Sero-prevalence of brucellosis among abattoir personnel of Delhi. J Commun Dis. 1997;29(2):131-7.,2121. Nielsen K, Yu WL. Serological diagnosis of brucellosis. Contributions, Sec Biol Med Sci. 2010;31(1):65-89.,2424. Sahilu MD, Junaidu AV, Oboegbulen SI. Serological survey of Brucella antibodies in breeding herds. J Microbiol Biotech Res. 2011;1(1):60-5.,2727. Swai ES, Schoonman L, Daborn CJ. Knowledge and attitude towards zoonoses among animal health workers and livestock keepers in Arusha and Tanga, Tanzania. Tanzan J Health Res. 2010;12(4):282-8. https://doi.org/10.4314/thrb.v12i4.54709.
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. As comparações desses valores exigem prudência, dado que os métodos utilizados pelos estudos citados diferiram, principalmente quanto aos testes serológicos utilizados e às populações avaliadas.

No presente estudo, observou-se que a brucelose no seio dos profissionais da província do Namibe afecta predominantemente os criadores de gado, não instruídos, casados e que iniciaram a actividade laboral na menoridade, independentemente da forma de entrar na actividade. Os mesmos criadores se dedicavam à venda de leite e seus derivados não pasteurizados, ao abandono de restos abortivos no pasto e emprestavam animais (fêmeas e machos reprodutores) a outros rebanhos. As prevalências mais elevadas nos profissionais (global) e especificamente nos criadores foram encontradas nas regiões Sul e Leste da Província do Namibe, enquanto nos trabalhadores, destacou-se a parte Norte. O não uso de equipamentos de protecção individual, o início na menoridade da profissão pecuária, o contacto com restos abortados de animais, a não fervura de leite in natura e a ausência de vigilância do circuíto de produção e a venda de leite e seus derivados não pasteurizados são citados por vários autores como factores de risco de contrair a brucelose77. Corbel MJ. Brucellosis: epidemiology and prevalence worldwide. In: Young EJ, Corbel MJ, editors. Brucellosis: clinical and laboratory aspects. Boca Raton: CRC Press; 1989. Chapter 3; p.25-40.,99. Earhart K, Vafakolov S, Yarmohamedova N, Michael A, Tjaden J, Soliman A. Risk factors for brucellosis in Samarqand Oblast, Uzbekistan. Int J Infect Dis. 2009;13(6):749-53. https://doi.org/10.1016/j.ijid.2009.02.014.
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,1717. Meky FA, Hassan EA, Elhafez ABD, Aboul Fetouhl AM, El-Ghazali SM. Epidemiology and risk factors of brucellosis in Alexandria governorate. East Mediterr Health J. 2007;13(3):677-85..

Os profissionais infectados expressaram o desconhecimento da brucelose. Há necessidade de elevar o nível de alfabetização desses profissionais, sobretudo dos criadoresmmWorld Health Organization. Brucellosis (human). Geneva; 2005. Disponível em: http://tinyurl.com/mq2ws6m ,nnPutt SNH, Shaw APM, Woods AJ, Tyler L, James AD. Veterinary epidemiology and economics in Africa: a manual for use in the design and appraisal of livestock health policy. Reading (UK): University of Reading, Veterinary Epidemiology and Economics Research Unit; 1987. (ILCA Manual, 3). Disponível em: http://pdf.usaid.gov/pdf_docs/PNAAW757.pdf ,ooUSA. Office of Public Health. Infectious Disease Epidemiology Section. Brucellosis, 2008. New Orleans, LA: Infectious Disease Epidemiology Section; 2008. Disponível em: http://tinyurl.com/orzmh9l . É fundamental, tanto em termos de Saúde Pública como em termos individuais, que os profissionais tenham conhecimento sobre as formas de brucelose humana e animal e as respectivas medidas de prevenção, dado que o baixo conhecimento dessa doença predispõe ao maior risco de contraí-la1313. Kunda J, Fitzpatrick J, Kazwala R, French NP, Shirima G, MacMillan A, et al. Health-seeking behaviour of human brucellosis cases in rural Tanzania. BMC Public Health. 2007;7:315. https://doi.org/10.1186/1471-2458-7-315.
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,2323. Pessegueiro P, Barata C, Correia J. Brucelose: uma revisão sistematizada. Med Inter. 2003;10(2):91-100.,2727. Swai ES, Schoonman L, Daborn CJ. Knowledge and attitude towards zoonoses among animal health workers and livestock keepers in Arusha and Tanga, Tanzania. Tanzan J Health Res. 2010;12(4):282-8. https://doi.org/10.4314/thrb.v12i4.54709.
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,2929. World Health Organization; Council for International Organizations of Medical Sciences. International ethical guidelines for biomedical research involving human subjects. Geneva: CIOMS; 2002 [cited 2016 Dec 4]. Available from: http://www.cioms.ch/publications/layout_guide2002.pdf
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.

A razão de chance de um criador contrair a doença, quando comparado ao trabalhador de matadouro, talhos e sala de abate foi de 3.54 vezes, e dos não alfabetizados (sem instrução), quando comparados aos que tinham o ensino de base, foi de 2.25 vezes. Na análise multivariada, apenas a categoria profissional foi significante. Os resultados obtidos permitem aferir que o factor mais associado à seroprevalência da brucelose humana em profissionais de pecuária da província do Namibe, considerando as características sociodemográficas, foi a categoria profissional. Beheshti et al.33. Beheshti S, Rezaian GR, Azad F, Faghiri Z, Taheri F. Seroprevalence of brucellosis and risk factors related to high risk occupational groups in Kazeroon, South of Iran. Int J Occup Environ Med. 2010;1(2):62-8., Mukhtar e Kokab1919. Mufinda FC, Klein CH. Conhecimento de factores de risco e de profilaxia na transmissão da brucelose humana nos profissionais da pecuária na província do Namibe - Angola - 2009. Rev Port Saude Publica. 2011;29(1):88-95. https://doi.org/10.1016/S0870-9025(11)70011-6.
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e Meky et al.1515. Marôco J. Análise estatística com utilização do SPSS. 3.ed. Lisboa: Sílabo; 2010. encontraram associação entre a seroprevalência da brucelose e a profissão (criadores e trabalhadores de matadouro e talhos). A prevalência em trabalhadores neste estudo (5.3%) foi inferior à encontrada no trabalho de Kumar et al.1111. Karadzinska-Bislimovska J, Minov J, Mijakoski D, Stoleski S, Todorov S. Brucellosis as an occupational disease in the Republic of Macedonia. Maced J Med Sci. 2010;3(3):251-6. https://doi.org/10.3889/MJMS.1857-5773.2010.0129.
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, realizado em Delhi, Índia (12.7%). O risco de infecção nos profissionais da pecuária é permanente, promovendo a planificação constante de acções preventivas1313. Kunda J, Fitzpatrick J, Kazwala R, French NP, Shirima G, MacMillan A, et al. Health-seeking behaviour of human brucellosis cases in rural Tanzania. BMC Public Health. 2007;7:315. https://doi.org/10.1186/1471-2458-7-315.
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.

As infraestruturas pecuárias de Namibe são bastante precárias, com equipamentos absoletos e estruturas físicas desadequadas1818. Memish AZ, Balkhy HH. Brucellosis and international travel. J Travel Med. 2004;11(1):49-55. https://doi.org/10.2310/7060.2004.13551.
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. Na ausência da vacina humana contra a brucelose como medida preventiva eficaz, o uso de equipamentos de protecção individual e colectiva para os profissionais pode ser uma chave fundamental para o sucesso na prevenção1010. Guerrier G, Daronat JM, Morisse L, Yvon JF, Pappas G. Epidemiological and clinical aspects of human Brucella suis infection in Polynesia. Epidemiol Infect. 2011;139(10):1621-5. https://doi.org/10.1017/S0950268811001075.
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,1313. Kunda J, Fitzpatrick J, Kazwala R, French NP, Shirima G, MacMillan A, et al. Health-seeking behaviour of human brucellosis cases in rural Tanzania. BMC Public Health. 2007;7:315. https://doi.org/10.1186/1471-2458-7-315.
https://doi.org/10.1186/1471-2458-7-315...
,2323. Pessegueiro P, Barata C, Correia J. Brucelose: uma revisão sistematizada. Med Inter. 2003;10(2):91-100.,2525. Smits HL, Cutler SJ. Contributions of biotechnology to the control and prevention of brucellosis in Africa. Afr J Biotechnol. 2004;3(12):631-6.,ccWorld Health Organization. The control of neglected zoonotic diseases: a route to poverty alleviation. Geneva: WHO; 2006 [citado 2016 dez 4]. Disponível em: http://www.who.int/zoonoses/Report_Sept06.pdf ,ddAubry P. Brucellose: actualités 2012. In: Medicine Tropicale [website]. Saint Denis (FR): Cours de Diplôme en Médicine Tropicale; 2012. Disponível em: http://tinyurl.com/oxroluc .

Este estudo teve as limitações inerentes a um estudo de observação transversal, por mostrar uma fotografia do momento, dificultando o estabelecimento de relações causa-efeito, pela falta do conhecimento temporal. O outro elemento limitante foi a existência de criadores e salas de abate informais, que não são acompanhados pelo sistema de vigilância sanitária, e que, portanto, limita a inferência destes resultados para os profissionais do sistema formal (aqueles registados pelo Departamento Provincial da Pecuária do Namibe). Nos ambientes informais, é expectável que os cenários sejam diferentes, e até piores em diversos aspectos: abate de animais, isolamento dos animais nas explorações, observância das medidas práticas e de biossegurança e o conhecimento da brucelose por parte dos profissionais.

A brucelose é um problema de saúde pública no Namibe. Este estudo mostrou que existem as condições propícias para a infecção humana. Há uma elevada prevalência, com variabilidade em nível das classes profissionais (mais grave nos criadores do que nos trabalhadores) e em nível de municípios (mais prevalente em Tombwa e Virei). Identificou-se pouco conhecimento e poucas práticas no seio dos profissionais. Para sua prevenção, preconiza-se a formação e a sensibilização quanto às práticas de risco (cultural e uso de equipamentos de protecção individual). Urge a necessidade de estudos futuros (longitudinais) na comunidade, promoção de hábitos e comportamentos para redução do risco de infecção e medidas adequadas de intervenção. Propõe-se um esforço concertado, no âmbito do conceito “uma só saúde”, para prevenir, controlar e erradicar a brucelose, considerando as perspectivas individual, organizacional e governamental.

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  • Financiamento: Governo da Província do Namibe, República de Angola (Projecto 7/DPSN-GPN/2011).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    7 Dez 2014
  • Aceito
    13 Mar 2016
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
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