Gestão da assistência farmacêutica na atenção primária no Brasil

Letícia Farias Gerlack Margô Gomes de Oliveira Karnikowski Camila Alves Areda Dayani Galato Aline Gomes de Oliveira Juliana Álvares Silvana Nair Leite Ediná Alves Costa Ione Aquemi Guibu Orlando Mario Soeiro Karen Sarmento Costa Augusto Afonso Guerra Junior Francisco de Assis Acurcio Sobre os autores

RESUMO

OBJETIVO

Identificar fatores condicionantes da gestão da assistência farmacêutica na atenção primária no âmbito do Sistema Único de Saúde.

MÉTODOS

Estudo com dados obtidos da Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos no Brasil (PNAUM) – Serviços, realizada por meio de entrevistas com responsáveis pela assistência farmacêutica em municípios, em 2015. Para identificar os fatores condicionantes da gestão foram considerados indicadores organizacionais, operacionais e de sustentabilidade da gestão. Para as análises consideraram-se os pesos amostrais e a estrutura do plano de análise para amostras complexas. Os resultados foram expressos por meio de frequências e medidas de tendência central com intervalo de confiança de 95%, por regiões geográficas do Brasil.

RESULTADOS

Foram identificados os fatores condicionantes: a ausência da assistência farmacêutica no organograma da secretaria (24%) e no plano de saúde (18%), a não participação dos gestores no conselho de saúde e a não referência desse tema na pauta das reuniões (58,4%), falta de autonomia financeira (61,5%) e conhecimento dos valores disponíveis (81,7%), falta de adoção de procedimentos operacionais em cerca de 50% para seleção, programação e aquisição e o fato da maioria avaliar a organização da assistência farmacêutica como boa e ótima (58,8%), apesar dos indicadores preocupantes apontados.

CONCLUSÕES

A gestão da assistência farmacêutica encontra-se respaldada em um arcabouço legal e político, que deveria nortear e contribuir para melhoria da assistência farmacêutica na atenção primária no Sistema Único de Saúde. No entanto, há um descompasso entre os objetivos fixados por essas normativas e o que se observa na realidade.

Assistência Farmacêutica, organização & administração; Atenção Primária à Saúde; Gestão em Saúde; Pesquisa sobre Serviços de Saúde; Política Nacional de Medicamentos; Sistema Único de Saúde

INTRODUÇÃO

A efetivação da assistência farmacêutica (AF) é apontada como um dos desafios para a consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS)88. Bruns SF, Luiza VL, Oliveira EA. Gestão da assistência farmacêutica em municípios do estado da Paraíba (PB): olhando a aplicação de recursos públicos. Rev Adm Publica. 2014;48(3):745-65. https://doi.org/10.1590/0034-76121502
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. Um dos aspectos que contribui para o enfrentamento dessa questão está relacionado diretamente ao desenvolvimento da sua gestão no SUS, pressuposto para garantir o acesso aos medicamentos e à integralidade da assistência terapêutica2121. Vieira FS, Zucchi P. Gestão da assistência farmacêutica: análise da situação de alguns municípios. Tempus Actas Saude Coletiva. 2014;8(4):11-29. https://doi.org/10.18569/tempus.v8i4.1581
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. No entanto, os municípios brasileiros apresentam uma série de fragilidades no tocante à descentralização das ações e à capacidade de gestão da AF, sobretudo no campo da atenção primária à saúde88. Bruns SF, Luiza VL, Oliveira EA. Gestão da assistência farmacêutica em municípios do estado da Paraíba (PB): olhando a aplicação de recursos públicos. Rev Adm Publica. 2014;48(3):745-65. https://doi.org/10.1590/0034-76121502
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,1212. Mendes SJ, Manzini F, Farias MR, Leite SN. Gestão da Assistência Farmacêutica: avaliação de um município catarinense. Rev Eletron Gestão Saude. 2015 [cited 2017 Jan 23];6(1):4-29. Available from: http://gestaoesaude.unb.br/index.php/gestaoesaude/article/view/966
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.

No Brasil, a preocupação com a promoção do acesso aos medicamentos e a descentralização das ações de AF foram alavancadas somente dez anos após a criação do SUS, a partir da Política Nacional de Medicamentos (PNM) e da Política Nacional de Assistência Farmacêutica (PNAF)1919. Vieira FS. Assistência farmacêutica no sitema público de saúde do Brasil. Rev Panam Salud Publica. 2010;27(2):149-56. https://doi.org/10.1590/S1020-49892010000200010
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. Desde então, o Ministério da Saúde empenha esforços para a reorientação da AF, buscando não restringir as ações para o componente logístico, de modo a ampliar o olhar para a melhoria da gestão e a qualidade dos serviços2121. Vieira FS, Zucchi P. Gestão da assistência farmacêutica: análise da situação de alguns municípios. Tempus Actas Saude Coletiva. 2014;8(4):11-29. https://doi.org/10.18569/tempus.v8i4.1581
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. Apesar dos avanços, a elevada frequência de problemas na gestão da AF, vivenciados por municípios, revela as dificuldades ainda existentes no SUS, para ofertar serviços farmacêuticos com qualidade, no sentido de garantir o acesso e a efetividade das ações em saúde1818. Vieira FS. Qualificação dos serviços farmacêuticos no Brasil: aspectos inconclusos da agenda do Sistema Único de Saúde. Rev Panam Salud Publica. 2008;24(2):91-100. https://doi.org/10.1590/S1020-49892008000800003
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.

Alguns autores referem um distanciamento entre a legislação e as práticas gerenciais na organização dos serviços da AF na atenção primária e a realidade enfrentada pelos municípios brasileiros22. Araújo ALA, Ueta JM, Freitas O. Assistência farmacêutica como um modelo tecnológico em atenção primária à saúde. Rev Cienc Farm. Basica Apl. 2005 [cited 2017 Jan 31];26(2):87-92. Available from: http://serv-bib.fcfar.unesp.br/seer/index.php/Cien_Farm/article/view/404/388
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,1212. Mendes SJ, Manzini F, Farias MR, Leite SN. Gestão da Assistência Farmacêutica: avaliação de um município catarinense. Rev Eletron Gestão Saude. 2015 [cited 2017 Jan 23];6(1):4-29. Available from: http://gestaoesaude.unb.br/index.php/gestaoesaude/article/view/966
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. Observa-se que ainda há um percurso longo a seguir para ampliar a capacidade operativa dos municípios no processo de descentralização da gestão da AF33. Barreto JL, Guimarães MCL. Avaliação da gestão descentralizada da assistênica farmacêutica básica em municípios baianos, Brasil. Cad Saude Publica. 2010;26(6):1207-20. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2010000600014
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, evidenciando a necessidade de fortalecê-la para que os propósitos da PNM sejam efetivados2121. Vieira FS, Zucchi P. Gestão da assistência farmacêutica: análise da situação de alguns municípios. Tempus Actas Saude Coletiva. 2014;8(4):11-29. https://doi.org/10.18569/tempus.v8i4.1581
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.

Nesse sentido é importante que sejam desenvolvidas ações com vistas a avaliar a gestão da AF no SUS, trazendo subsídios para tomada de decisões com vistas a sua qualificação. Estudo recente33. Barreto JL, Guimarães MCL. Avaliação da gestão descentralizada da assistênica farmacêutica básica em municípios baianos, Brasil. Cad Saude Publica. 2010;26(6):1207-20. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2010000600014
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em municípios baianos utilizou indicadores de dimensões organizacional, operacional e sustentabilidade. Esses indicadores foram considerados adequados para avaliar a gestão da AF uma vez que contemplam ações do ciclo logístico, bem como são capazes de representar ações estratégicas e de sustentabilidade dos resultados da gestão33. Barreto JL, Guimarães MCL. Avaliação da gestão descentralizada da assistênica farmacêutica básica em municípios baianos, Brasil. Cad Saude Publica. 2010;26(6):1207-20. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2010000600014
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.

A Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos (PNAUM) – Serviços teve como objetivo caracterizar a organização dos serviços de AF na atenção primária do SUS, com vistas ao acesso e a promoção do uso racional de medicamentos, bem como identificar e discutir os fatores que interferem na consolidação da AF no âmbito municipal.

O presente artigo integra a PNAUM Serviços e teve por objetivo identificar fatores condicionantes da gestão da AF na atenção primária no âmbito do SUS, sob a perspectiva dos seus responsáveis nas cinco regiões brasileiras.

MÉTODOS

A PNAUM é um estudo transversal, exploratório, de natureza avaliativa, composto por um levantamento de informações em amostra representativa de serviços de atenção primária, em municípios das regiões do Brasil. Várias populações de estudo foram consideradas no plano de amostragem, com amostras estratificadas pelas regiões, que constituem domínios do estudo11. Álvares J, Alves MCGP, Escuder MML, Almeida AM, Izidoro JB, Guerra Júnior AA, et al. Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos: métodos. Rev Saude Publica. 2017;51 Supl 2:4s. https://doi.org/10.11606/S1518-8787.2017051007027
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. Foram realizadas entrevistas presenciais com usuários, médicos e responsáveis pela entrega dos medicamentos nos serviços de atenção primária do SUS, além de observação das instalações dos serviços farmacêuticos e entrevistas telefônicas com os responsáveis municipais pela AF. Os dados foram coletados de julho a dezembro de 2014.

No presente artigo, foram utilizados dados coletados a partir das entrevistas com os responsáveis pela AF nos 600 municípios da amostra da PNAUM. As entrevistas foram conduzidas com o auxílio de um questionário estruturado contendo blocos de perguntas relacionadas ao perfil do entrevistado; estrutura e organização da AF; atividades do ciclo da AF; controle social; informação e monitoramento do uso de medicamentos. A metodologia da PNAUM Serviços, bem como o processo amostral estão descritos detalhadamente em Alvares et al.11. Álvares J, Alves MCGP, Escuder MML, Almeida AM, Izidoro JB, Guerra Júnior AA, et al. Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos: métodos. Rev Saude Publica. 2017;51 Supl 2:4s. https://doi.org/10.11606/S1518-8787.2017051007027
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(2016).

A identificação dos fatores condicionantes da gestão da AF ocorreu em três etapas. Na etapa 1 foi realizada a seleção dos indicadores contidos nos questionários dos responsáveis pela AF, tomando como base os blocos de indicadores organizacional, operacional e de sustentabilidade da gestão da AF, descritos por Barreto e Guimarães33. Barreto JL, Guimarães MCL. Avaliação da gestão descentralizada da assistênica farmacêutica básica em municípios baianos, Brasil. Cad Saude Publica. 2010;26(6):1207-20. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2010000600014
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(2010). Na etapa 2 procedeu-se a análise crítica dos resultados dos indicadores. Por fim, na etapa 3, os indicadores foram categorizados em blocos de acordo com os tipos de condicionantes observados pelos autores.

A gestão é um processo técnico, político e social capaz de produzir resultados33. Barreto JL, Guimarães MCL. Avaliação da gestão descentralizada da assistênica farmacêutica básica em municípios baianos, Brasil. Cad Saude Publica. 2010;26(6):1207-20. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2010000600014
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. Ela é institucionalizada por meio da formalização de estruturas, processos, rotinas, fluxos e procedimentos, em um ambiente complexo caracterizado por uma série de condicionantes relacionados ao problema em questão1717. Tanaka OY, Tamaki EM. O papel da avaliação para a tomada de decisão na gestão de serviços de saúde. Cienc Saude Coletiva. 2012;17(4):821-8. https://doi.org/10.1590/S1413-81232012000400002
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.

Os dados foram analisados a partir do software SPSS® versão 21. Para as análises consideraram-se os pesos amostrais e a estrutura do plano de análise para amostras complexas. Os resultados foram expressos por meio de frequências para variáveis categóricas e medidas de tendência central para variáveis numéricas, por regiões geográficas do Brasil, ambas com intervalo de 95% de confiança (IC95%).

Para avaliar a diferença entre as proporções foi adotado o teste do qui-quadrado. A avaliação das diferenças entre as médias foi realizada por meio da utilização de modelos lineares generalizados, sendo adotado o teste do Bonferroni para comparações múltiplas. Foram significativas as análises com valores de p ≤ 0,05.

Os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. A PNAUM foi aprovada pelo Comitê Nacional de Ética em Pesquisa do Conselho Nacional de Saúde, mediante Parecer nº 398.131/2013.

RESULTADOS

Da amostra 600 municípios da PNAUM – Serviços, foram utilizados dados de entrevistas com 506 responsáveis pela AF nos municípios. A maioria dos entrevistados era mulheres (62%), com idade média de 34,8 anos, 53,7% concursados e média de tempo no cargo de 40 meses.

Dentre os indicadores investigados, foram identificados os seguintes fatores condicionantes da gestão da AF na atenção primária de saúde do SUS no Brasil: a AF como elemento organizativo (fator 1); a gestão participativa (fator 2); a capacidade técnica-gerencial (fator 3); a tecnologia de monitoramento e avaliação (fator 4) e produto da gestão (fator 5).

Na Tabela 1 são apresentados os indicadores do fator condicionante 1. Observa-se em cerca de 20% dos municípios estudados nas diferentes regiões, a AF não estava incluída no organograma da Secretaria Municipal de Saúde.

Tabela 1
Indicadores do fator condicionante assistência farmacêutica como elemento organizativo, na Atenção Primária do Sistema Único de Saúde, por região no Brasil. Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos – Serviços, 2015.

Uma diferença significativa foi encontrada entre as regiões em relação ao indicador AF como parte do plano municipal/distrital de saúde, no qual 18% dos municípios a AF não constava no plano de saúde. A maioria (85,3%) dos entrevistados respondeu haver no respectivo município uma lista padronizada de medicamentos. Entretanto, apenas 12,5% declararam a existência de comissão de farmácia e terapêutica (CFT) reconhecida por portaria, dos quais metade se reunia com uma periodicidade maior que uma vez por semestre. Outro aspecto relevante foi que menos da metade (34,8%) dos municípios brasileiros contavam com comissões de licitação específicas para aquisição de medicamentos.

No fator condicionante 2, os indicadores mostraram que menos da metade dos municípios brasileiros (cerca de 30%) possuía mecanismos para receber críticas e sugestões dos usuários e dos trabalhadores sobre a AF. Quase 60% dos entrevistados responderam que os gestores participavam dos Conselhos Municipais de Saúde (CMS), no entanto 39,1% referiram que a AF não fazia parte da temática discutida nas reuniões (Tabela 2).

Tabela 2
Indicadores do fator condicionante gestão participativa da assistência farmacêutica, na Atenção Primária do Sistema Único de Saúde, por região no Brasil. Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos – Serviços, 2015.

Indicadores descritos na Tabela 3 caracterizam o fator condicionante 3. Entre eles, percebe-se que o percentual de municípios que investiu na estruturação da AF foi inferior a 50%. Dos 499 respondentes, 220 (44,3%) afirmaram que os municípios ou Distrito Federal (DF) realizaram gastos com estruturação dos serviços (reformas, construção, entre outros) e, entre eles, 66,5% não receberam repasse dos estados e União para este fim. Grande parte dos gestores (81,7%) não soube informar qual foi o gasto com AF no município ou DF. Mais da metade (61,5%) dos responsáveis responderam não ter autonomia de gestão dos recursos financeiros definidos para a AF.

Tabela 3
Indicadores do fator condicionante Capacidade Técnica-Gerencial da gestão da assistência farmacêutica, na Atenção Primária do Sistema Único de Saúde, por região no Brasil. Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos – Serviços, 2015.

Não havia procedimentos operacionais padrão (POP) para seleção de medicamentos em aproximadamente 50% dos municípios, bem como em 13,4% dos municípios ou DF não era o farmacêutico quem fazia as especificações técnicas para a compra de medicamentos, mesmo que mais de 90% dos responsáveis da AF fossem farmacêuticos. Constatou-se que cerca de 80% da amostra de municípios possuía relação de medicamentos vencidos maior a 5% em relação ao total das aquisições realizadas.

Foi observado elevado percentual de municípios (82,1%) onde a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) contava com assessoria jurídica para responder as demandas judiciais. Embora a maioria dos responsáveis (80,4%) referiu que a lista de medicamentos adotada pelo município era atualizada pelo menos anualmente, 70,1% avaliou que a SMS atendia parcialmente as demandas da população. A maioria (58,8%) avaliou a organização da AF como boa e ótima.

Em relação ao fator 4, quase 30% dos entrevistados relataram que o município não contava com sistema informatizado para a gestão da AF; menos da metade estava ligado em rede com outras unidades de saúde e apenas 34,2% não o utilizam para controle e execução financeira.

Cerca de 80% dos gestores relataram não haver mecanismo para o registro de queixa técnica e notificação de eventos adversos. Em se tratando das condições do local de armazenamento dos medicamentos, os itens umidade e temperatura destacam-se com menores percentuais de monitoramento (Tabela 4).

Tabela 4
Indicadores do fator condicionante tecnologias de monitoramento e avaliação da gestão da assistência farmacêutica, na Atenção Primária do Sistema Único de Saúde, por região no Brasil. Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos – Serviços, 2015.

Por fim, o fator 5 é produto da gestão, cujo indicador de disponibilidade de medicamentos revelou que em 21,3% (IC95% 17,5–25,9) dos municípios brasileiros houve período de desabastecimento no último ano, com diferença estatisticamente significativa (p=0,003) entre as regiões: Norte (34,6%; IC95% 25,0–45,5), Nordeste (13,8%; IC95% 7,6–23,8), Centro-Oeste (29,8%; IC95% 21,4–39,8), Sudeste (29,8%; IC95% 21,4–39,8), Sul (24,7%; IC95% 17,2–34,1).

DISCUSSÃO

Os indicadores utilizados neste estudo foram capazes de revelar fatores condicionantes ainda existentes na gestão da AF em nível nacional, inclusive a importância da gestão da AF inter-relacionada com o sistema de saúde, suas facetas e diversos atores envolvidos no processo.

A AF não aparecer na estrutura organizacional da SMS foi uma situação observada em um quarto dos municípios investigados. Isso pode comprometer sua inclusão no processo de planejamento em saúde e repercutir negativamente na execução de suas atividades. A estrutura organizacional compreende a identificação, análise, ordenação e agrupamento das atividades e recursos visando ao alcance dos resultados anteriormente estabelecidos pelo planejamento1616. Oliveira DPR. Estrutura organizacional: uma abordagem para resultados e competitividade. São Paulo: Atlas; 2006..

Autores apontam que a maneira como a AF é organizada no âmbito do SUS limita seu campo de atuação e a fragmentação das suas atividades pode contribuir para a desarticulação com as demais ações em saúde33. Barreto JL, Guimarães MCL. Avaliação da gestão descentralizada da assistênica farmacêutica básica em municípios baianos, Brasil. Cad Saude Publica. 2010;26(6):1207-20. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2010000600014
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. Não constar nos planos de saúde dos municípios constitui-se em entrave de gestão da AF, uma vez que suas ações devem ser planejadas no contexto das demais ações de saúde e declaradas como compromisso nos planos de saúde1414. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos. Planejar é preciso: uma proposta de método para aplicação à assistência farmacêutica. Brasília (DF); 2006. (Série B. Textos Básicos de Saúde).. Os planos de saúde são instrumentos centrais do planejamento e devem ser elaborados a partir de uma análise situacional, refletindo necessidades de saúde da população, servindo de base para a execução, monitoramento, avaliação e exercício da gestão do sistema de saúde dos municípios1515. Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 2.135, de 25 de setembro de 2013. Estabelece diretrizes para o processo de planejamento no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília (DF); 2013 [cited 2017 Jan 26]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt2135_25_09_2013.html
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Embora 85,3% dos municípios entrevistados nas diferentes regiões tenham respondido que adotam uma lista de medicamentos, a grande maioria (87,5%) não possuía CFT formalizada e quando havia não se reunia com periodicidade. No processo de gestão, a CFT desempenha papel relevante relacionado à seleção de medicamentos, especialmente os essenciais, que são aqueles que tratam a maioria das doenças ou aqueles problemas de saúde considerados prioritários que acometem uma população1111. Marin N, Luzia VL, Osório de Castro CGE, Machado dos Santos S, organizadores. Assistência farmacêutica para gerentes municipais. Rio de Janeiro: OPAS; 2003.. Cabe ressaltar que apenas 34,8% dos municípios pesquisados possuíam comissão de licitação específica para AF, podendo complicar ainda mais o cenário de gestão e comprometer a disponibilidade de medicamentos seguros, eficazes e custo-efetivos à população.

Em relação ao fator condicionante 2, a baixa participação do gestor da AF nos CMS também deve ser alvo de preocupação, já que isso dificulta a contribuição deste ator com as discussões sobre o tema, bem como impede que as demandas dos usuários sejam observadas. Em adição, os gestores relatam que em alguns municípios não há mecanismos para ouvidoria de usuários e trabalhadores, evidenciando fragilidades no processo de escuta na gestão. A gestão participativa deve ser institucionalizada e entendida como parte da garantia do direito à saúde. A participação em saúde ficou estabelecida no art. 198 da Constituição, regulamentada pela lei 8.080/9044. Brasil. Lei nº 8.080 de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diario Oficial Uniao. 20 set 1990; Seção 1:18055. e complementada pela lei 8.142/9055. Brasil. Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências. Diario Oficial Uniao. 31 dez 1990; Seção 1:25694. e pelo decreto 7.508/201166. Brasil. Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011. Regulamenta a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde - SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, e dá outras providências. Diario Oficial Uniao. 29 jun 2011; Seção 1:1. que fixou a prática do controle social mediante um movimento que passa por conferências e conselhos de saúde, configurando um padrão de representatividade na construção, operação e gestão das políticas sociais, especialmente as de saúde. Apesar disso, 39,1% dos gestores dizem que a AF não faz parte da temática discutida no âmbito dos CMS, demonstrando um descompasso entre a Política Nacional de AF e as normativas empregadas na construção da gestão do SUS.

Autores referem ser possível distinguir uma área específica da AF relacionada à tecnologia de gestão do medicamento, de forma a garantir o abastecimento e o acesso e, portanto, demanda de um perfil específico para a execução das atividades22. Araújo ALA, Ueta JM, Freitas O. Assistência farmacêutica como um modelo tecnológico em atenção primária à saúde. Rev Cienc Farm. Basica Apl. 2005 [cited 2017 Jan 31];26(2):87-92. Available from: http://serv-bib.fcfar.unesp.br/seer/index.php/Cien_Farm/article/view/404/388
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. Apesar do elevado grau de escolaridade dos responsáveis da AF no Brasil – maioria com formação superior, sendo 90,7% graduados em Farmácia e cerca de 20% pós-graduados, verificou-se que apenas 11,7% dos municípios oferecem qualificação ou capacitação para profissionais da AF. Os resultados indicam um grau de deficiência de incentivo para a formação de profissionais com habilidades específicas para gestão, considerando a complexidade do tema e as características do setor público e da atenção primária a saúde. Este é um desafio a ser superado para qualificação da gestão, uma vez que a legislação da áreaaaConselho Federal de Farmácia (CFF). Resolução nº 578, de 26 de julho de 2013. Ementa: Regulamenta as atribuições técnico-gerenciais do farmacêutico na gestão da assistência farmacêutica no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília (DF); 2013 [citado 26 jan 2017]. Disponível em: http://www.cff.org.br/userfiles/file/resolucoes/578.pdf orienta uma série de responsabilidades do farmacêutico na área da gestão.

A tecnologia de gestão também se caracteriza por procedimentos pré-estabelecidos e um conjunto de atividades necessárias ao cumprimento dos aspectos legais das políticas de saúde22. Araújo ALA, Ueta JM, Freitas O. Assistência farmacêutica como um modelo tecnológico em atenção primária à saúde. Rev Cienc Farm. Basica Apl. 2005 [cited 2017 Jan 31];26(2):87-92. Available from: http://serv-bib.fcfar.unesp.br/seer/index.php/Cien_Farm/article/view/404/388
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. Sob essa ótica, diversos indicadores que corresponderam à capacidade técnico-gerencial da AF também foram avaliados em estudos prévios88. Bruns SF, Luiza VL, Oliveira EA. Gestão da assistência farmacêutica em municípios do estado da Paraíba (PB): olhando a aplicação de recursos públicos. Rev Adm Publica. 2014;48(3):745-65. https://doi.org/10.1590/0034-76121502
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,1818. Vieira FS. Qualificação dos serviços farmacêuticos no Brasil: aspectos inconclusos da agenda do Sistema Único de Saúde. Rev Panam Salud Publica. 2008;24(2):91-100. https://doi.org/10.1590/S1020-49892008000800003
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. Embora partindo de abordagens metodológicas diversas, muitos dos resultados descritos pelos autores são condizentes com os observados pela presente pesquisa, como inobservância de normas para aquisição de medicamentos, ausência de contrapartida, medicamentos com validade expirada.

O percentual de municípios com inobservância de normas para aquisição de medicamentos descrita em pesquisa realizada em munícipios do estado da Paraíba88. Bruns SF, Luiza VL, Oliveira EA. Gestão da assistência farmacêutica em municípios do estado da Paraíba (PB): olhando a aplicação de recursos públicos. Rev Adm Publica. 2014;48(3):745-65. https://doi.org/10.1590/0034-76121502
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foi de 52,7%, semelhante aos achados do presente trabalho. No entanto, estudo realizado a partir de relatórios de auditorias da Controladoria Geral da União em municípios brasileiros1818. Vieira FS. Qualificação dos serviços farmacêuticos no Brasil: aspectos inconclusos da agenda do Sistema Único de Saúde. Rev Panam Salud Publica. 2008;24(2):91-100. https://doi.org/10.1590/S1020-49892008000800003
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, apresentou resultados inferiores (19,4%). A frequência de municípios com falta de contrapartida encontrada nesses estudos foi 20%1818. Vieira FS. Qualificação dos serviços farmacêuticos no Brasil: aspectos inconclusos da agenda do Sistema Único de Saúde. Rev Panam Salud Publica. 2008;24(2):91-100. https://doi.org/10.1590/S1020-49892008000800003
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e 13,6%88. Bruns SF, Luiza VL, Oliveira EA. Gestão da assistência farmacêutica em municípios do estado da Paraíba (PB): olhando a aplicação de recursos públicos. Rev Adm Publica. 2014;48(3):745-65. https://doi.org/10.1590/0034-76121502
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e a existência de medicamentos vencidos foi 13,2%1818. Vieira FS. Qualificação dos serviços farmacêuticos no Brasil: aspectos inconclusos da agenda do Sistema Único de Saúde. Rev Panam Salud Publica. 2008;24(2):91-100. https://doi.org/10.1590/S1020-49892008000800003
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e 10,9%88. Bruns SF, Luiza VL, Oliveira EA. Gestão da assistência farmacêutica em municípios do estado da Paraíba (PB): olhando a aplicação de recursos públicos. Rev Adm Publica. 2014;48(3):745-65. https://doi.org/10.1590/0034-76121502
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. Nos achados desta pesquisa, as frequências foram um pouco maiores para ambos indicadores, 21,3% e 33,5%, respectivamente.

Foi relatada ausência de POP para seleção, programação e aquisição de medicamentos em cerca de 50% da amostra. A ausência, ou deficiência nesses processos pode desencadear erros sucessivos que irão refletir em perdas e desperdícios de recursos públicos, impactando no acesso da população aos medicamentos e dificultando à garantia de integralidade da assistência à saúde, um dos princípios do SUS1818. Vieira FS. Qualificação dos serviços farmacêuticos no Brasil: aspectos inconclusos da agenda do Sistema Único de Saúde. Rev Panam Salud Publica. 2008;24(2):91-100. https://doi.org/10.1590/S1020-49892008000800003
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. Há uma parcela (13,4%) dos municípios onde não é o farmacêutico quem faz as especificações técnicas para a compra do medicamento e em quase 30% dos municípios observa-se a compra de medicamentos em farmácias locais. Isso pode revelar a dimensão do problema da gestão nesses processos, uma vez que o processo licitatório tem como um dos princípios selecionar a proposta mais vantajosa para a administração pública.77. Brasil. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diario Oficial Uniao. 22 jun 1993; Seção 1:1. Auditorias públicas apontaram que a aquisição ocorreu sem o processo licitatório88. Bruns SF, Luiza VL, Oliveira EA. Gestão da assistência farmacêutica em municípios do estado da Paraíba (PB): olhando a aplicação de recursos públicos. Rev Adm Publica. 2014;48(3):745-65. https://doi.org/10.1590/0034-76121502
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em 14,5% dos municípios no Nordeste do país.

A autonomia do gestor sobre os recursos financeiros é fundamental para a tomada de decisões33. Barreto JL, Guimarães MCL. Avaliação da gestão descentralizada da assistênica farmacêutica básica em municípios baianos, Brasil. Cad Saude Publica. 2010;26(6):1207-20. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2010000600014
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. Nesse sentido a falta de autonomia financeira declarada por 61,5% dos responsáveis da AF, associada ao fato de 81,7% não saberem informar qual foi o gasto do município com AF, pode determinar expressivas limitações em executar a gestão de forma efetiva. Em se tratando do repasse de recursos de outras esferas, menos de 50% dos municípios investiram recursos próprios na estruturação da AF, suscitando as seguintes hipóteses: a AF já está estruturada, a estruturação ainda não é uma preocupação da gestão, ou não há recursos. E um pequeno percentual dos municípios recebeu apoio estadual e federal. O financiamento da AF deve ser pactuado entre União, estados, Distrito Federal e municípios, no entanto, uma vez que se admite um subfinanciamento do SUS, também se espera que haja problemas na gestão da AF2020. Vieira FS, Zucchi P. Financiamento da assistência farmacêutica no Sistema Único de Saúde. Saude Soc. 2013;22(1):73-84. https://doi.org/10.1590/S0104-12902013000100008
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. Apesar de uma série de dificuldades ainda existentes na realidade da AF descentralizada, a maioria (58,8%) dos seus responsáveis avaliou a organização como boa e ótima.

O uso de um sistema informatizado para apoiar as atividades de gestão da AF tem sido incentivado pelo Ministério da Saúde1010. Costa KS, Nascimento Jr JM. HÓRUS: inovação tecnológica na assistência farmacêutica no Sistema Único de Saúde. Rev Saude Publica. 2012;46 Supl 1:91-9. https://doi.org/10.1590/S0034-89102012005000063
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, no entanto os indicadores do fator condicionante 4 apontaram para algumas limitações. Quase 30% dos municípios relataram não ter um sistema informatizado para a gestão da AF. Além disso, apesar do sistema disponibilizado ao SUS ser gratuito e contar com possibilidades para gerenciamento de uma série de informações e compartilhamento com a rede de saúde, 34,2% da amostra dos municípios não utilizavam para controle e execução financeira e menos da metade estava ligado em rede.

A utilização de mecanismo para o registro de queixa técnica e notificação de eventos adversos, bem como a realização de registros de medicamentos vencidos e de controles de condições de armazenamento, foram considerados para retratar as formas de monitoramento e avaliação da gestão. Esses dois itens devem ser sistemáticos, contínuos e fornecer informações que permitam uma rápida avaliação situacional. A ausência de mecanismos que forneçam subsídios para a identificação de problemas e tomada de decisão vai impactar na gestão99. Carvalho ALB, Souza MF, Shimizu HE, Senra IMVB, Oliveira KC. A gestão do SUS e as práticas de monitoramento e avaliação: possibilidades e desafios para a construção de uma agenda estratégica. Cienc Saude Coletiva. 2012;17(4):901-11. https://doi.org/10.1590/S1413-81232012000400012
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. Tendo em vista o elevado percentual da inexistência de mecanismos para o registro de queixa técnica e notificação de eventos adversos nos municípios (79,9%), está evidente a necessidade de se investir na sua criação, uma vez que são instrumentos fundamentais para atividades de farmacovigilância, fazendo-se cumprir um dos preceitos da PNM.

Embora a PNAF oriente o deslocamento do foco das ações da AF do medicamento para o usuário, é imprescindível que o medicamento esteja disponível para que ocorra o preconizado acesso com uso racional. E como a gestão busca atingir objetivos em consonância com o contexto na qual se encontra1717. Tanaka OY, Tamaki EM. O papel da avaliação para a tomada de decisão na gestão de serviços de saúde. Cienc Saude Coletiva. 2012;17(4):821-8. https://doi.org/10.1590/S1413-81232012000400002
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, certamente uma das finalidades da gestão da AF é atender aos preceitos da legislação vigente1313. Ministério da Saúde (BR), Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 338, de 06 de maio de 2004. Aprova a Política Nacional de Assistência Farmacêutica. Diario Oficial Uniao. 6 mai 2004; Seção 1:52. e garantir o acesso da população aos medicamentos. Sob esse prisma, o desabastecimento foi percebido como indicador para o fator condicionante 5, no qual, cerca de 20% dos municípios no Brasil alegaram ter havido algum período de desabastecimento no último ano. Foi observada diferença significativa (p= 0,003) entre as regiões, com destaque para o Nordeste (13,8%), com menor desabastecimento e Norte com maior percentual de municípios enfrentando desabastecimento de medicamentos no último ano (34,6%). Estudo prévio1818. Vieira FS. Qualificação dos serviços farmacêuticos no Brasil: aspectos inconclusos da agenda do Sistema Único de Saúde. Rev Panam Salud Publica. 2008;24(2):91-100. https://doi.org/10.1590/S1020-49892008000800003
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descreveu frequência de desabastecimento semelhante para o contexto nacional (24,1%), entretanto, municípios da região Nordeste apresentavam maior prevalência de desabastecimento (30,3%)88. Bruns SF, Luiza VL, Oliveira EA. Gestão da assistência farmacêutica em municípios do estado da Paraíba (PB): olhando a aplicação de recursos públicos. Rev Adm Publica. 2014;48(3):745-65. https://doi.org/10.1590/0034-76121502
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. As diferenças podem ser decorrentes de melhorias na gestão da AF no Nordeste, ou se justificariam por diferentes abordagens metodológicas das pesquisas.

A análise crítica e integrada dos resultados da presente pesquisa, por parte dos gestores da saúde e demais atores partícipes do processo de gestão da AF, pode contribuir para o enfrentamento dos desafios prevalentes na atenção primária à saúde, nas cinco regiões brasileiras. A gestão da AF está respaldada em um arcabouço legal e político, o que deveria nortear e contribuir para melhorias no seu processo efetividade das ações. No entanto, há um descompasso entre o que é posto por essas normativas e o que se observa na realidade, revelada pelos indicadores e fatores condicionantes analisados.

É necessária a apropriação dos fatores condicionantes da gestão da AF, especialmente os críticos para qualidade das ações e que dificultam o alcance dos objetivos das políticas AF no SUS. Esses fatores são passíveis de mudança, de acordo com a situação e necessidades, influenciando a tomada de decisão, a implementação de novas ações e os planejamentos futuros para a área. São indiscutíveis os avanços na estruturação dos processos de gestão movidos especialmente pelas contribuições da legislação e das normatizações do Ministério da Saúde, por intermédio de incentivos na organização dos serviços de AF, na atenção primária, e o estabelecimento de financiamento para a AF no SUS. No entanto, os resultados encontrados mostram que as lacunas existentes entre a AF legalmente estabelecida e a AF vivenciada na atenção primária do SUS, nas regiões brasileiras, envolvem amplamente os fatores condicionantes da sua gestão.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Nov 2017

Histórico

  • Recebido
    31 Mar 2016
  • Aceito
    30 Nov 2016
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revsp@org.usp.br