Gastos privados com planos exclusivamente odontológicos no Brasil

Andreia Morales Cascaes Maria Beatriz Junqueira de Camargo Eduardo Dickie de Castilhos Alexandre Emídio Ribeiro Silva Aluísio J D Barros Sobre os autores

RESUMO

OBJETIVO

Quantificar as despesas domiciliares per capita e estimar o percentual de domicílios brasileiros que gastaram com planos exclusivamente odontológicos.

MÉTODOS

Foram analisados dados de 55.970 domicílios que participaram da Pesquisa de Orçamentos Familiares em 2008–2009. Os gastos domiciliares anuais per capita com planos exclusivamente odontológicos (empresarial e particular) foram analisados segundo os estados da federação e as características socioeconômicas e demográficas dos domicílios (sexo, idade, cor da pele e escolaridade do chefe do domicílio, renda familiar e presença de idoso no domicílio).

RESULTADOS

Apenas 2,5% dos domicílios brasileiros relataram gastos com planos exclusivamente odontológicos. O valor per capita despendido somou em média R$5,10, sendo a maior parte composta por planos odontológicos particulares (R$4,70). Entre as caraterísticas do domicílio, maior escolaridade e renda estiveram associadas com maior gasto. São Paulo foi o estado com maior gasto domiciliar per capita (R$10,90) e maior prevalência de domicílios com dispêndios (4,6%), enquanto Amazonas e Tocantins apresentaram os menores valores, ambos com gasto inferior a R$1,00 e com menos de 0,1% de domicílios, respectivamente.

CONCLUSÕES

Apenas uma pequena parcela dos domicílios brasileiros desembolsa com planos exclusivamente odontológicos. O mercado de odontologia suplementar na assistência em saúde bucal abrange uma restrita parcela da população brasileira.

Seguro Odontológico, utilização; Seguro Saúde; Planos de Pré-Pagamento em Saúde; Gastos em Saúde; Inquéritos Demográficos

INTRODUÇÃO

A odontologia no Brasil, historicamente, sempre teve sua prática centrada na clínica privada99. Narvai PC. Saúde bucal coletiva: caminhos da odontologia sanitária à bucalidade. Rev Saude Publica. 2006;40 No Espec:141-7. https://doi.org/10.1590/S0034-89102006000400019
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. Entretanto, o crescente aumento do número de profissionais disponíveis no mercado, a diminuição do desembolso direto dos pacientes para custear os tratamentos e a utilização não equitativa dos serviços privados levaram à crise do modelo liberal55. Garbin D, Mattevi GS, Carcereri DL, Caetano JC. Odontologia e Saúde Suplementar: marco regulatório, políticas de promoção da saúde e qualidade da atenção. Cienc Saude Coletiva. 2013;18(2):441-52. https://doi.org/10.1590/S1413-81232013000200015
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,1515. Vieira C, Costa NR. Estratégia profissional e mimetismo empresarial: os planos de saúde odontológicos no Brasil. Cienc Saude Coletiva. 2008;13(5):1579-88. https://doi.org/10.1590/S1413-81232008000500022
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. Frente a essa situação, os planos odontológicos, em suas diversas modalidades, têm se mostrado uma opção no atual mercado de trabalho1515. Vieira C, Costa NR. Estratégia profissional e mimetismo empresarial: os planos de saúde odontológicos no Brasil. Cienc Saude Coletiva. 2008;13(5):1579-88. https://doi.org/10.1590/S1413-81232008000500022
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.

Após a publicação da Lei 9.656, em 1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde e estabelece os principais marcos da regulação da saúde suplementar no BrasilaaBrasil. Lei número 9.656, de 3 de junho de 1998. Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Diario Oficial Uniao. 4 jun 1998. 29 jun 2000. e, da criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), em 2000bb Brasil. Lei número 9.961, de 28 de janeiro de 2000. Cria a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS e dá outras providências. Diario Oficial Uniao. 29 jun 2000., observou-se grande aumento na quantidade de beneficiários por operadoras de serviços exclusivamente odontológicos. Por beneficiários, compreende-se os vínculos a planos de saúde; assim, um indivíduo pode ter mais de um plano e, portanto, mais de um vínculo contratual11. Albuquerque C, Piovesan MF, Santos IS, Martins ACM, Fonseca AL, Sasson D, et al. A situação atual do mercado da saúde suplementar no Brasil e apontamentos para o futuro. Cienc Saude Coletiva. 2008;13(5):1421-30. https://doi.org/10.1590/S1413-81232008000500008
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. O percentual de beneficiários passou de 2,6%, em dezembro de 2000, para 21,7%, em março de 2016ccAgência Nacional de Saúde Suplementar (BR). Beneficiários, operadoras e planos. Cad Inf Saude Supl. 2016 [citado 19 out 2017];10(1):1-65. Disponível em: http://www.ans.gov.br/images/stories/Materiais_para_pesquisa/Perfil_setor/Caderno_informacao_saude_suplementar/caderno_JUNHO_2016_total.pdf . Em março de 2016, as taxas de cobertura de planos exclusivamente odontológicos no Brasil variaram de 1,4% em Roraima até 31% no Distrito FederalccAgência Nacional de Saúde Suplementar (BR). Beneficiários, operadoras e planos. Cad Inf Saude Supl. 2016 [citado 19 out 2017];10(1):1-65. Disponível em: http://www.ans.gov.br/images/stories/Materiais_para_pesquisa/Perfil_setor/Caderno_informacao_saude_suplementar/caderno_JUNHO_2016_total.pdf . Nesse mesmo período, haviam 351 operadoras exclusivamente odontológicas com registro ativo na ANS, sendo 241 de grupo e 110 cooperativas, representando, respectivamente, 18,4% e 8,4% das operadoras ativas no setor de saúde suplementar no BrasilccAgência Nacional de Saúde Suplementar (BR). Beneficiários, operadoras e planos. Cad Inf Saude Supl. 2016 [citado 19 out 2017];10(1):1-65. Disponível em: http://www.ans.gov.br/images/stories/Materiais_para_pesquisa/Perfil_setor/Caderno_informacao_saude_suplementar/caderno_JUNHO_2016_total.pdf .

O aumento observado no número de beneficiários de planos odontológicos pode ser atribuído às mudanças no perfil da odontologia, às estratégias empresariais, às privatizações, às dificuldades de acesso a serviços de saúde bucal resolutivos e aos incentivos fiscais e deduções no imposto de renda por pessoas físicas e jurídicas1111. Pietrobon L, Silva CM, Batista LRV, Caetano JC. Planos de assistência à saúde: interfaces entre o público e o privado no setor odontológico. Cienc Saude Coletiva. 2008;13(5):1589-99. https://doi.org/10.1590/S1413-81232008000500023
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,1515. Vieira C, Costa NR. Estratégia profissional e mimetismo empresarial: os planos de saúde odontológicos no Brasil. Cienc Saude Coletiva. 2008;13(5):1579-88. https://doi.org/10.1590/S1413-81232008000500022
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. Concomitantemente à expansão desse mercado, houve expressivo aumento da oferta de serviços odontológicos e especializados, impulsionado pela promulgação da Política Nacional de Saúde Bucal, em 2004ddMinistério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica, Coordenação Nacional de Saúde Bucal. Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal. Brasília (DF); 2004. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_brasil_sorridente.pdf . O avanço da odontologia no setor público, embora grandioso, ainda não foi suficiente para absorver toda a demanda existente. Apesar do crescimento do mercado de odontologia suplementar no Brasil, o total de beneficiários (21,7 milhões) ainda é distante do total de 48,9 milhões dos detentores de planos de assistência médica com ou sem odontologiaccAgência Nacional de Saúde Suplementar (BR). Beneficiários, operadoras e planos. Cad Inf Saude Supl. 2016 [citado 19 out 2017];10(1):1-65. Disponível em: http://www.ans.gov.br/images/stories/Materiais_para_pesquisa/Perfil_setor/Caderno_informacao_saude_suplementar/caderno_JUNHO_2016_total.pdf .

Dados nacionais sobre o desembolso direto com assistência em saúde e planos de saúde podem ser obtidos nas Pesquisas de Orçamentos Familiares (POF), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), complementando as informações disponibilizadas pela ANS. Reis et al.1313. Reis COO, Silveira FG, de Andreazzi MFS. Avaliação dos gastos das famílias com a assistência médica no Brasil: o caso dos planos de saúde. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 2002. p.34., utilizando dados da POF de 1987 e 1996, mostraram que, entre as famílias com renda média mensal maior que 30 salários mínimos, o percentual proporcional de gasto com planos de saúde passou de 54,3%, em 1987, para 40,4%, em 1996, indicando maior aquisição dos planos pelas famílias de menor renda. Garcia et al.77. Garcia LP, Ocké-Reis CO, Magalhães LCG, Sant’Anna AC, Freitas LRS. Gastos com planos de saúde das famílias brasileiras: estudo descritivo com dados das Pesquisas de Orçamentos Familiares 2002-2003 e 2008-2009. Cienc Saude Coletiva. 2015;20(5):1425-34. https://doi.org/10.1590/1413-81232015205.07092014
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utilizaram dados das POF 2002–2003 e 2008–2009 para investigar a proporção de famílias que gastaram com planos de saúde (incluindo os odontológicos). Os autores identificaram que a proporção se manteve estável, em torno de 24%. Entretanto, o valor médio do gasto entre as famílias passou de R$154,35 para R$183,9777. Garcia LP, Ocké-Reis CO, Magalhães LCG, Sant’Anna AC, Freitas LRS. Gastos com planos de saúde das famílias brasileiras: estudo descritivo com dados das Pesquisas de Orçamentos Familiares 2002-2003 e 2008-2009. Cienc Saude Coletiva. 2015;20(5):1425-34. https://doi.org/10.1590/1413-81232015205.07092014
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Nas últimas três décadas, principalmente após a regulamentação governamental, houve melhoria da disponibilidade de informações básicas sobre operadoras, número e distribuição de beneficiários e planos de saúde11. Albuquerque C, Piovesan MF, Santos IS, Martins ACM, Fonseca AL, Sasson D, et al. A situação atual do mercado da saúde suplementar no Brasil e apontamentos para o futuro. Cienc Saude Coletiva. 2008;13(5):1421-30. https://doi.org/10.1590/S1413-81232008000500008
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. Contudo, o mercado de planos odontológicos ainda é pouco conhecido e raramente considerado no planejamento da oferta de serviços odontológicos no Brasil. A produção científica no campo da epidemiologia e saúde bucal coletiva tem priorizado a avaliação de políticas e serviços de ordem estatal. Torna-se relevante analisar dados disponíveis, contribuindo com a avaliação do mercado de saúde suplementar em odontologia e com a formulação de políticas públicas e o planejamento de serviços de saúde.

Não foram identificados na literatura estudos que investiguem especificamente o montante e o número de domicílios que despendem com planos de saúde exclusivamente odontológicos no Brasil. Para tanto, o presente estudo teve como objetivo quantificar os gastos e o percentual dos domicílios brasileiros que desembolsam com planos exclusivamente odontológicos, utilizando dados da POF 2008–2009 e, descrevê-los conforme características socioeconômicas e demográficas dos domicílios e estados da federação.

MÉTODOS

Dados de 55.970 domicílios que participaram da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) realizada nos anos 2008–2009 foram analisados. A POF é uma pesquisa nacional realizada pelo IBGE com o intuito de caracterizar as despesas e o consumo das famílias brasileiras de acordo com suas classes de rendimento, fornecendo informações detalhadas sobre domicílios, famílias e pessoas, hábitos de consumo, despesas e recebimentos das famíliaseeInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009. Perfil das despesas no Brasil: indicadores selecionados. Rio de Janeiro: IBGE; 2012..

A POF utilizou um plano amostral complexo, em que os setores censitários foram os primeiros selecionados, seguidos dos domicílios. Os domicílios foram distribuídos de maneira equânime nos quatros trimestres de duração da pesquisa, levando em conta as possíveis alterações de despesa ao longo do ano e garantindo a representação dos estratos geográficos e socioeconômicoseeInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009. Perfil das despesas no Brasil: indicadores selecionados. Rio de Janeiro: IBGE; 2012..

A amostra da POF permite se fazer inferência para as cinco regiões (Norte, Nordeste, Sul, Sudeste e Centro-Oeste), as 26 unidades da federação, as nove regiões metropolitanas e as capitais dos estados em relação à zona urbana. Distinção entre zona rural e urbana pode ser feita para as cinco macrorregiões. Dois do total de 4.696 setores apresentavam todas as entrevistas como não realizadas e, portanto, foram excluídos da amostra analisada no presente estudo.

Variáveis Socioeconômicas e Demográficas

As seguintes variáveis foram incluídas na análise: estados do país; sexo do chefe do domicílio (masculino, feminino); escolaridade do chefe do domicílio, em anos de estudo (0–4 anos, 5–8 anos, 9–11 anos, ≥ 12 anos); a cor da pele do chefe do domicílio (branca, parda, preta, amarela, indígena); a idade do chefe do domicílio, em anos completos (≤ 29 anos, 30–39 anos, 40–49 anos, 50–59 anos, ≥ 60 anos); os quintos de renda domiciliar mensal per capita; e a presença de idoso de 60 anos ou mais no domicílio. A renda domiciliar mensal per capita e a escolaridade do chefe do domicílio foram considerados indicadores da condição socioeconômica. Nos domicílios com mais de um chefe, foi utilizada como referência para as análises a informação do chefe de maior idade.

Gastos com Plano Odontológico

Foram analisados a quantidade total e o valor médio per capita anual gasto com planos exclusivamente odontológicos (empresarial e particular). O recordatório dessas despesas foi de 90 dias. Para estimar os gastos domiciliares per capita, o gasto total do domicílio foi dividido pelo número de moradores daquele domicílio.

Os domicílios foram considerados como unidades de análise, uma vez que a decisão de aderir a um plano odontológico é, em geral, realizada pelo chefe da família que compra um plano familiar ou faz o pagamento do plano para outros membros da família.

Análise de Dados

As bases de dados da POF são de domínio público e foram obtidas no sítio eletrônico do IBGE. Os dados foram analisados utilizando o pacote estatístico Stata/IC versão 14.0 e considerando o desenho amostral da POF e os fatores de expansão disponibilizados pelo IBGE. Os valores foram deflacionados pela POF tendo como referência a data de 15 de janeiro de 2009. O valor do salário mínimo nesse mesmo período correspondia a R$415,00. A cotação do dólar nessa data era de R$2,38, o equivalente a U$1,00.

Os dispêndios totais das famílias com saúde foram estimados a fim de conhecer o percentual total que as despesas com odontologia somam. O bloco de despesas odontológicas foi então detalhado para investigar o quanto os gastos com planos odontológicos representam em relação ao total desse bloco. Posteriormente, os gastos com planos odontológicos foram analisados segundo características demográficas e socioeconômicas dos domicílios e estados do Brasil. Os gastos com consultas e tratamentos odontológicos básicos e especializados, conforme categorização previamente descrita na literatura44. Cascaes AM, Camargo MBJ, Castilhos ED, Silva AER, Barros AJD. Gastos privados com saúde bucal no Brasil: análise dos dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares, 2008-2009. Cad Saude Publica. 2017;33(1):e00148915. https://doi.org/10.1590/0102-311X00148915
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, foram analisados segundo o dispêndio com plano odontológico.

Para facilitar a interpretação e apresentação dos resultados, optou-se por dividir os números absolutos de domicílios por 1.000. Por último, realizou-se análise ajustada de associação entre gastos com planos odontológicos e características demográficas e socioeconômicas dos domicílios. As razões de médias e os intervalos de confiança de 95% foram estimados a partir de regressões de Poisson brutas e ajustadas. Incluímos, no ajuste final, as variáveis cujo valor de p na análise bruta foi < 0,2. O modelo final de ajuste considerou como variáveis associadas aos gastos com plano exclusivamente odontológico aquelas que apresentaram valor de p < 0,05.

RESULTADOS

Segundo a POF 2008–2009, os gastos médios anuais com assistência à saúde no Brasil somam R$1.849,74, o equivalente a 5,9% dos gastos totais domiciliares. O total de gasto anual domiciliar per capita com assistência à saúde foi de R$543,70, dos quais R$42,19 foram gastos em assistência odontológica (planos odontológicos, consultas e tratamentos dentários). Do total de gastos com assistência odontológica, R$5,10 foram relacionados com planos exclusivamente odontológicos, sendo maior parte composta por gastos com planos exclusivamente odontológicos particulares (R$4,07). Apenas 2,5% dos domicílios brasileiros relataram desembolsar com planos exclusivamente odontológicos.

A Tabela 1 apresenta a distribuição dos domicílios pesquisados e as despesas domiciliares per capita anuais com planos exclusivamente odontológicos, segundo as características das famílias dos domicílios. Com relação às características do chefe dos domicílios, aproximadamente 70,0% é homem, 23,8% têm 60 anos ou mais de idade e 40,0% apresentou entre zero e quatro anos de escolaridade. Não houve diferença entre a média de gasto per capita entre chefes do domicílio segundo sexo, idade e cor da pele do chefe e presença de idoso no domicílio. Contudo, o gasto com os planos odontológicos aumenta à medida que a escolaridade aumenta. A renda segue a mesma tendência da escolaridade.

Tabela 1
Distribuição dos domicílios pesquisados e despesas domiciliares per capita anuais com plano exclusivamente odontológico, segundo características do domicílio. Pesquisa de Orçamentos Familiares, Brasil, 2008–2009.

A análise ajustada da associação entre gastos com planos odontológicos e características do domicílio estão descritas na Tabela 2. Foram incluídas nas análises ajustadas apenas sexo do chefe, escolaridade do chefe e renda familiar. Permaneceram associadas apenas escolaridade e renda. Entre os mais ricos, o gasto médio foi 13 vezes maior, após o ajuste por escolaridade e sexo do chefe do domicílio (Tabela 2).

Tabela 2
Regressões de Poisson bruta e ajustada entre despesas domiciliares per capita anuais com planos odontológicos e características do domicílio. Pesquisa de Orçamentos Familiares, Brasil, 2008–2009.

A Tabela 3 analisa os dispêndios com consultas e tratamentos odontológicos de acordo com o desembolso de planos exclusivamente odontológicos. Os resultados mostram que domicílios que desembolsam com planos gastaram significativamente mais com consultas e com procedimentos odontológicos especializados. Por outro lado, desembolsar ou não com planos odontológicos não alterou o gasto com procedimentos básicos.

Tabela 3
Média de gasto anual per capita com consultas odontológicas e procedimentos odontológicos básicos e especializados de acordo com o desembolso de planos exclusivamente odontológicos. Pesquisa de Orçamentos Familiares, Brasil, 2008–2009.

A Figura 1 descreve os gastos domiciliares per capita com planos exclusivamente odontológicos segundo os estados da federação. Os estados de São Paulo (R$10,90), Santa Catarina (R$7,50) e Paraná (R$5,70) foram os que tiveram a maior média de gastos. Entre os que menos gastaram estão o Amazonas (R$0,70), Tocantins (R$0,90) e Piauí (R$1,00).

Figura 1
Despesas domiciliares per capita (em reais) com planos exclusivamente odontológicos, segundo os estados brasileiros. Pesquisa de Orçamentos Familiares, Brasil, 2008–2009.

A Figura 2 apresenta as prevalências de domicílios que relataram gasto com planos exclusivamente odontológicos. São Paulo (4,6%), Bahia (3,1%) e Rio de Janeiro (2,8%) foram os três estados com as maiores prevalências de domicílios com gastos. Entre os estados com menor proporção de domicílios com esses gastos estão Tocantins, Maranhão e Piauí, todos com menos de 0,1%.

Figura 2
Percentual de domicílios que gastaram (per capita) com planos exclusivamente odontológicos, segundo os estados brasileiros. Pesquisa de Orçamentos Familiares, Brasil, 2008–2009.

DISCUSSÃO

De nosso conhecimento, este estudo é o primeiro, em nível nacional, que quantifica detalhadamente os gastos e o percentual dos domicílios brasileiros que relataram desembolsos com planos exclusivamente odontológicos. Do total de gastos anuais com saúde (R$1.849,74), menos de 1% se deve ao gasto com planos exclusivamente odontológicos. Em relação ao total gasto com assistência odontológica (R$42,19), a despesa com os planos é de aproximadamente 12%, e a proporção de domicílios com esse tipo de despesa foi de 2,5% no país.

As distinções entre assistência médica e odontológica implicam em diferenças na estruturação dos planos e, consequentemente, na sua aquisição. Conforme discutem Covre e AlvesffCovre E, Alves SL. Planos odontológicos: uma abordagem econômica no contexto regulatório. Rio de Janeiro: Agência Nacional de Saúde Suplementar; 2002 [citado 19 out 2017]. (Série Regulação em Saúde, v.2). Disponível em: http://www.ans.gov.br/images/stories/Materiais_para_pesquisa/Materiais_por_assunto/ProdEditorialANS_Serie_regulacao_e_saude_Vol_2.pdf , um consumidor opta pela aquisição de um plano médico-hospitalar com a finalidade de se proteger financeiramente em relação a um risco de adoecimento que, na maioria das vezes, é incerto. Os riscos para a saúde bucal são razoavelmente previsíveis e, no geral, limitados às consequências das duas doenças bucais mais prevalentes, a cárie e a doença periodontal. Com exceção de traumas, acidentes ou dores de origem dentária, a necessidade de tratamento odontológico raramente é uma emergência que põe a vida em risco. Nesse sentido, os indivíduos podem planejar quando desejam realizar um tratamento. Portanto, um consumidor adquire um plano odontológico com intuito de financiar o investimento que deseja realizar nos seus dentes. Ao receber a primeira consulta odontológica, o indivíduo recebe uma previsão de quantas consultas serão necessárias para conclusão do seu tratamento. Após a adesão ao plano odontológico, observa-se um pico de utilização, com alta frequência de eventos de baixo custo e, posterior tendência de estabilização, reduzindo custos e sinistralidade ao longo do tempo. Ademais, esse consumidor tem a possibilidade de entrar em um plano odontológico, fazer o tratamento e encerrá-lo. Por essas razões, não há uma relação direta entre aumento da idade e nível de utilização dos planos odontológicos, mesmo achado do presente estudo em relação ao padrão de gastos. Em decorrências dessas particularidades, a frequência de domicílios brasileiros que gastam com planos odontológicos ainda é tímida quando comparada à área médica – 24% com plano de assistência médica77. Garcia LP, Ocké-Reis CO, Magalhães LCG, Sant’Anna AC, Freitas LRS. Gastos com planos de saúde das famílias brasileiras: estudo descritivo com dados das Pesquisas de Orçamentos Familiares 2002-2003 e 2008-2009. Cienc Saude Coletiva. 2015;20(5):1425-34. https://doi.org/10.1590/1413-81232015205.07092014
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versus 2,5% com plano odontológico, segundo dados da POF 2008–2009.

Maior escolaridade e maior renda familiar per capita estiveram associados com maior gasto com os planos odontológicos. A mesma associação é destacada em diversos estudos sobre gastos com assistência em saúde22. Barros AJD, Bastos JL, Damaso AH. Catastrophic spending on health care in Brazil: private health insurance does not seem to be the solution. Cad Saude Publica. 2011;27 Supl 2:S254-62. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2011001400012
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,33. Boing AC, Bertoldi AD, Barros AJD, Posenato LG, Peres KG. Desigualdade socioeconômica nos gastos catastróficos em saúde no Brasil. Rev Saude Publica. 2014;48(4):632-41. https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2014048005111
https://doi.org/10.1590/S0034-8910.20140...
,66. Garcia LP, Sant’Anna AC, Magalhães LC, Freitas LRS, Aurea AP. Gastos das famílias brasileiras com medicamentos segundo a renda familiar: análise da Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2002-2003 e de 2008-2009. Cad Saude Publica. 2013;29(8):1605-16. https://doi.org/10.1590/0102-311X00070912
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,77. Garcia LP, Ocké-Reis CO, Magalhães LCG, Sant’Anna AC, Freitas LRS. Gastos com planos de saúde das famílias brasileiras: estudo descritivo com dados das Pesquisas de Orçamentos Familiares 2002-2003 e 2008-2009. Cienc Saude Coletiva. 2015;20(5):1425-34. https://doi.org/10.1590/1413-81232015205.07092014
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. O poder aquisitivo é determinante na compra de um plano de saúde ou pode estar representando indivíduos que possuem empregos mais qualificados e que oferecem planos odontológicos como benefício. Ao comparar as diferenças de cobertura de planos exclusivamente odontológicos divulgados pela ANS e os percentuais de domicílios que desembolsaram com esse tipo de serviço, podemos sugerir que boa parte dos usuários tem o benefício concedido pelo empregador. Em 2016, 73% dos planos odontológicos enquadravam-se na modalidade coletiva empresarial e 8%, na coletiva por adesão, indicando que esse benefício é subsidiado pelo empregador, integral ou parcialmenteccAgência Nacional de Saúde Suplementar (BR). Beneficiários, operadoras e planos. Cad Inf Saude Supl. 2016 [citado 19 out 2017];10(1):1-65. Disponível em: http://www.ans.gov.br/images/stories/Materiais_para_pesquisa/Perfil_setor/Caderno_informacao_saude_suplementar/caderno_JUNHO_2016_total.pdf . Os dados da POF, entre os domicílios que relataram gasto com planos odontológicos, mais de 90% desembolsam com planos particulares; sendo assim, apenas uma pequena parcela adiciona recursos no pagamento de planos concedidos por empresas. A odontologia tem se firmado entre os benefícios oferecidos aos indivíduos inseridos no mercado formal de trabalho, mas que não chegam a constituir a elite econômica, com a prerrogativa de redução de absenteísmo, aumento da produtividade e melhoria da autoestima e da qualidade de vida1111. Pietrobon L, Silva CM, Batista LRV, Caetano JC. Planos de assistência à saúde: interfaces entre o público e o privado no setor odontológico. Cienc Saude Coletiva. 2008;13(5):1589-99. https://doi.org/10.1590/S1413-81232008000500023
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.

Mesmo que a intenção ao aderir um plano de saúde seja a de reduzir desembolsos diretos com tratamentos, isso parece não ocorrer. Barros et al.22. Barros AJD, Bastos JL, Damaso AH. Catastrophic spending on health care in Brazil: private health insurance does not seem to be the solution. Cad Saude Publica. 2011;27 Supl 2:S254-62. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2011001400012
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utilizaram dados da POF 2002–2003 para mostrar que a posse de plano não foi capaz de prevenir os gastos privados com assistência em saúde. Além da duplicidade de cobertura dos serviços de saúde, o caráter suplementar do setor de planos privados no Brasil introduz problemas referentes ao acesso e uso de serviços e ao bolso dos cidadãos consumidores. Essa segmentação não só penaliza indivíduos mais pobres, como também faz com que gastem duplamente com assistência em saúde22. Barros AJD, Bastos JL, Damaso AH. Catastrophic spending on health care in Brazil: private health insurance does not seem to be the solution. Cad Saude Publica. 2011;27 Supl 2:S254-62. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2011001400012
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. Os detentores de planos privados continuam utilizando serviços públicos e frequentemente são favorecidos no encaminhamento ao SUS para realização de procedimentos não cobertos na cláusula do plano, contribuindo com o aumento das iniquidades em saúde1414. Santos IS, Uga MAD, Porto SM. O mix público-privado no Sistema de Saúde Brasileiro: financiamento, oferta e utilização de serviços de saúde. Cienc Saude Coletiva. 2008;13(5):1431-40. https://doi.org/10.1590/S1413-81232008000500009
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No caso da odontologia, possuir um plano também não significa a isenção de gastos extras, pelo menos com consultas e procedimentos especializados, segundo os dados analisados. O rol de procedimentos incluídos nas operadoras é comumente limitado a procedimentos de baixa complexidade e menor custo. Quando inclui procedimentos de maior custo (e.g., especializados), o beneficiário ainda enfrenta, em muitas situações, o problema de recusa dos cirurgiões-dentistas em cobrir tal procedimento, uma vez que o valor repassado pelas operadoras é considerado insuficiente pelos profissionais55. Garbin D, Mattevi GS, Carcereri DL, Caetano JC. Odontologia e Saúde Suplementar: marco regulatório, políticas de promoção da saúde e qualidade da atenção. Cienc Saude Coletiva. 2013;18(2):441-52. https://doi.org/10.1590/S1413-81232013000200015
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. O maior gasto com consultas odontológicas para quem já desembolsa com plano pode decorrer da exigência de coparticipação imposta nos contratos estabelecidos. Conforme discutido anteriormente, a aquisição de um plano odontológico está geralmente vinculada à busca pela facilitação de pagamentos de procedimentos especializados e de alto custo, e não sua total isenção. Assim como acontece para os planos de saúde, a duplicação de gastos para usuários dos serviços odontológicos de planos privados é notória.

O estudo sobre os gastos das famílias brasileiras com saúde, conduzido por Menezes et al.gg Menezes T, Campolina B, Silveira FG ,Servo LM, Piola S. O gasto e a demanda das famílias em saúde: uma análise a partir da POF de 2002- 2003. In: Silveira FG, Servo LM, Menezes T, Piola S, organizadores. Gasto e consumo das famílias brasileiras contemporâneas. Brasília (DF): Instituto de Pesquisa e Economia Aplicada; 2006 [citado 19 out 2017]. p.313-44. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/livros/160104_gasto_e_consumo_familiar_vol1_ipea_2007_web.pdf a partir dos dados da POF 2002–2003, identificou que, entre as famílias mais pobres, o desembolso com remédios representa a maior parte dos gastos (79,4% do total do gasto com saúde) e, entre as mais ricas, o maior desembolso é devido a planos e seguros de saúde (82,8%). No presente estudo, observamos resultado semelhante, uma vez que o quinto mais alto de renda teve um gasto com plano odontológico 13 vezes maior quando comparado ao quinto mais pobre. Além disso, a busca por plano de saúde médico-hospitalar nos grupos com melhores condições socioeconômicas tende a ser acompanhada pela busca de um plano adicional odontológicohhAgência Nacional de Saúde Suplementar (BR). Planos odontológicos: evolução, desafios e perspectivas para a regulação da saúde suplementar. Rio de Janeiro: ANS; 2009 [citado 20 out 2017]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/planos_odontologicos.pdf .

Um maior nível de escolaridade pode resultar em maior preocupação com a saúde bucal e consciência da importância de se ter acesso aos serviços odontológicos. Além dos determinantes socioeconômicos estudados, a compra de serviços e planos de saúde é influenciada por uma gama complexa de fatores, como percepção de necessidade de tratamento, questões psicossociais, seguridade social, disponibilidade de serviços públicos, contexto epidemiológico e sociocultural, os quais também podem estar relacionados com o padrão de compra por planos odontológicos1616. Zucchi P, Del Nero C, Malik AM. Gastos em saúde: os fatores que agem na demanda e na oferta dos serviços de saúde. Saude Soc. 2000;9(1-2):127-50. https://doi.org/10.1590/S0104-12902000000100010
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A hipótese de que domicílios com chefe do sexo feminino e mais idosos apresentariam maiores dispêndios com planos odontológicos não foi confirmada. Análises da Pesquisa Nacional de Saúde, realizada em 2013, revelam que as mulheres não só utilizam mais os serviços odontológicosiiInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde 2013: acesso e utilização dos serviços de saúde, acidentes e violências. Brasil, Grandes Regiões e Unidades da Federação. Rio de Janeiro: IBGE; 2015., como referem mais necessidade de consultar com o dentista1010. Peres MA, Iser BPM, Boing AF, Yokota RTC, Malta DC, Peres KG. Desigualdades no acesso e na utilizacao de serviços odontológicos no Brasil: análise do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doencas Crônicas por Inquérito Telefônico (VIGITEL 2009). Cad Saude Publica. 2012;28 Supl:s90-100. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2012001300010
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. Os dados da POF indicam um gasto aumentado com planos odontológicos nos domicílios chefiados por mulheres, embora a associação não tenha sido significativa. No quesito idade, quanto mais idoso, maiores são as necessidades normativas de tratamento odontológico; contudo, o uso de serviçosiiInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde 2013: acesso e utilização dos serviços de saúde, acidentes e violências. Brasil, Grandes Regiões e Unidades da Federação. Rio de Janeiro: IBGE; 2015. e a percepção de necessidade de ir ao dentista são inversamente proporcionais à idade. A alta prevalência de edentulismo e de usuários de próteses totais na população brasileira são fatores que contribuem para a baixa utilização regular de dentista pelos adultos mais velhos comparados aos mais jovens, uma vez que muitos acreditam que a ausência de dentes naturais dispensa cuidados no dentista88. Martins AMEBL, Barreto SM, Pordeus IA. Uso de serviços odontológicos entre idosos brasileiros. Rev Panam Salud Publica. 2007;22(5):308-16. https://doi.org/10.1590/S1020-49892007001000003
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. Outra hipótese não confirmada é a de que domicílios com chefes brancos gastariam mais em relação aos demais; porém, o desembolso direto com consultas, tratamentos e planos odontológicos não difere em relação à cor da pele na POF44. Cascaes AM, Camargo MBJ, Castilhos ED, Silva AER, Barros AJD. Gastos privados com saúde bucal no Brasil: análise dos dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares, 2008-2009. Cad Saude Publica. 2017;33(1):e00148915. https://doi.org/10.1590/0102-311X00148915
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Os estados que apresentaram os maiores gastos per capita foram São Paulo, Santa Catarina e Paraná. A cobertura de planos de assistência médica é maior entre os residentes de áreas urbanas, municípios mais populosos e regiões mais industrializadas dos estados, com maior renda e maior oferta de emprego formal e de serviços de saúde, situação encontrada nas regiões Sul e Sudeste11. Albuquerque C, Piovesan MF, Santos IS, Martins ACM, Fonseca AL, Sasson D, et al. A situação atual do mercado da saúde suplementar no Brasil e apontamentos para o futuro. Cienc Saude Coletiva. 2008;13(5):1421-30. https://doi.org/10.1590/S1413-81232008000500008
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,1212. Pinto LF, Soranz DR. Planos privados de assistência à saúde: cobertura populacional no Brasil. Ciecn Saude Coletiva. 2004;9(1):85-98. https://doi.org/10.1590/S1413-81232004000100009
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. O padrão de gastos privados com planos odontológicos parece indicar a mesma lógica em relação à cobertura de planos de assistência médica. Contudo, considerando a baixa cobertura de planos odontológicos, os serviços privados pagos pelos usuários ainda são a principal fonte de assistência odontológica no Brasil e o Sistema Único de Saúde (SUS) ocupa a segunda posição1010. Peres MA, Iser BPM, Boing AF, Yokota RTC, Malta DC, Peres KG. Desigualdades no acesso e na utilizacao de serviços odontológicos no Brasil: análise do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doencas Crônicas por Inquérito Telefônico (VIGITEL 2009). Cad Saude Publica. 2012;28 Supl:s90-100. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2012001300010
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. O fortalecimento da odontologia enquanto política de saúde pública acessível à imensa maioria dos brasileiros que dela depende ainda permanece um grande desafio55. Garbin D, Mattevi GS, Carcereri DL, Caetano JC. Odontologia e Saúde Suplementar: marco regulatório, políticas de promoção da saúde e qualidade da atenção. Cienc Saude Coletiva. 2013;18(2):441-52. https://doi.org/10.1590/S1413-81232013000200015
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O fato de a posse de planos odontológicos estar concentrada nos estratos socioeconômicos mais privilegiados e nos estados federados com melhor desenvolvimento econômico contribui para o aumento das iniquidades no acesso e utilização de serviços de saúde da população brasileira e no desenvolvimento dos serviços privados que a população tem maior dificuldade de acesso77. Garcia LP, Ocké-Reis CO, Magalhães LCG, Sant’Anna AC, Freitas LRS. Gastos com planos de saúde das famílias brasileiras: estudo descritivo com dados das Pesquisas de Orçamentos Familiares 2002-2003 e 2008-2009. Cienc Saude Coletiva. 2015;20(5):1425-34. https://doi.org/10.1590/1413-81232015205.07092014
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, como é o caso dos serviços odontológicos especializados. O mercado de planos odontológicos privados é também desigual quanto às modalidades de cobertura, com segmentação de produtos de acordo com clientela, além de diversas formas de estruturação e financiamento. Embora existam mais de 300 operadoras de planos odontológicos, 74 delas concentram 91% dos beneficiáriosccAgência Nacional de Saúde Suplementar (BR). Beneficiários, operadoras e planos. Cad Inf Saude Supl. 2016 [citado 19 out 2017];10(1):1-65. Disponível em: http://www.ans.gov.br/images/stories/Materiais_para_pesquisa/Perfil_setor/Caderno_informacao_saude_suplementar/caderno_JUNHO_2016_total.pdf .

Observa-se no Brasil uma estagnação do setor privado da odontologia, com concomitante expansão do segmento suplementar e de serviços odontológicos no SUS. A exemplo da área médica, a odontologia no Brasil se depara com dois movimentos: o primeiro diz respeito ao fortalecimento da inserção da saúde bucal no cenário das políticas públicas e o segundo é direcionado ao crescimento da oferta dos serviços no setor suplementarhhAgência Nacional de Saúde Suplementar (BR). Planos odontológicos: evolução, desafios e perspectivas para a regulação da saúde suplementar. Rio de Janeiro: ANS; 2009 [citado 20 out 2017]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/planos_odontologicos.pdf . Ao contrário do SUS, o modelo suplementar de atenção odontológica brasileiro enfoca a execução de procedimentos curativos e restauradores, com predominância de tecnologias duras e leve-duras, tornando-se um modelo de alto custo e baixa efetividade55. Garbin D, Mattevi GS, Carcereri DL, Caetano JC. Odontologia e Saúde Suplementar: marco regulatório, políticas de promoção da saúde e qualidade da atenção. Cienc Saude Coletiva. 2013;18(2):441-52. https://doi.org/10.1590/S1413-81232013000200015
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. Conceitos como acolhimento e vínculo não são considerados pelos cirurgiões-dentistas, bem como os determinantes sociais, ambientais e comportamentais do processo saúde-doença bucalhhAgência Nacional de Saúde Suplementar (BR). Planos odontológicos: evolução, desafios e perspectivas para a regulação da saúde suplementar. Rio de Janeiro: ANS; 2009 [citado 20 out 2017]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/planos_odontologicos.pdf . A produção de cuidado está à mercê dos limites contratuais e da regulação praticada pelas operadoras.

No sentido de adequar o modelo de atenção suplementar aos princípios do SUS, a ANS estabeleceu regras nas relações entre operadoras, produtos e beneficiárioshhAgência Nacional de Saúde Suplementar (BR). Planos odontológicos: evolução, desafios e perspectivas para a regulação da saúde suplementar. Rio de Janeiro: ANS; 2009 [citado 20 out 2017]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/planos_odontologicos.pdf . A partir de 2001, o número de cancelamentos de registros de operadoras aumentou, o que pode estar associado a essas novas imposições. Apesar dos avanços, a ANS encontra dificuldades para cumprir seus objetivos, pois atua em um mercado que já funcionava há quase 40 anos e que se expandiu desordenadamente, com diversos planos e operadoras que atendem uma grande variedade de interesses e nichos de mercado11. Albuquerque C, Piovesan MF, Santos IS, Martins ACM, Fonseca AL, Sasson D, et al. A situação atual do mercado da saúde suplementar no Brasil e apontamentos para o futuro. Cienc Saude Coletiva. 2008;13(5):1421-30. https://doi.org/10.1590/S1413-81232008000500008
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A POF é realizada mediante cuidadoso processo de planejamento, revisão crítica de instrumentos e coleta primária de dados, os quais geram uma valiosa fonte de informações sobre orçamento das famílias brasileiras. Entretanto, o presente estudo não está livre de limitações. Uma delas refere-se ao tipo de informação, autorreferida, o que pode ter ocasionado valores de gastos não fidedignos ao realmente despendido. O recordatório de 90 dias utilizado para avaliar as despesas com planos, por um lado, auxilia a reduzir viés de informação, mas por outro, limita a captação de famílias que tenham desembolsado com esses planos no período de um ano. A POF possui informação sobre posse individual de plano de saúde, mas não de plano exclusivamente odontológico. Os valores relatados referem-se aos gastos diretos das famílias com os planos odontológicos, não sendo possível avaliar a parcela paga por empresas a seus empregados, nem se o valor pago representa algum percentual do benefício concedido pelas empresas. Nesse sentido, é inviável estimar a cobertura de posse individual de planos exclusivamente odontológicos por meio da POF. A cobertura estimada refere-se ao percentual de domicílios com desembolso direto para compra desses planos. Portanto, os valores percentuais encontrados na POF não são comparáveis aos da ANS, que informa a cobertura nacional de planos exclusivamente odontológicos, independentemente da forma de desembolso. Ademais, os cálculos de cobertura apresentados pela ANS são uma aproximação, mesmo após aplicação de um fator de correção, uma vez que o Sistema de Informações de Beneficiários registra vínculos de planos, sendo esse número um pouco maior que o número de indivíduos11. Albuquerque C, Piovesan MF, Santos IS, Martins ACM, Fonseca AL, Sasson D, et al. A situação atual do mercado da saúde suplementar no Brasil e apontamentos para o futuro. Cienc Saude Coletiva. 2008;13(5):1421-30. https://doi.org/10.1590/S1413-81232008000500008
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. Apesar das limitações mencionadas, o estudo traz conhecimentos adicionais a respeito da magnitude e abrangência dos desembolsos diretos das famílias brasileiras com planos exclusivamente odontológicos no Brasil.

O presente estudo mostrou que uma pequena parcela dos domicílios brasileiros desembolsa com plano exclusivamente odontológico. O valor per capita com esse tipo de dispêndio foi, em média, R$5,10. Maior renda familiar, maior escolaridade do chefe e domicílios pertencentes a estados com melhores níveis socioeconômicos apresentaram maiores valores per capita e prevalências de domicílios com gasto de planos exclusivamente odontológicos. Este estudo fornece elementos que permitem melhor compreensão do mercado de odontologia suplementar no Brasil e complementa informações disponibilizadas pela ANS. Em um país com aproximadamente 200 milhões de habitantes, e diante das desigualdades apontadas, é evidente as limitações do mercado de odontologia suplementar na assistência em saúde bucal dos brasileiros. A continuidade e qualificação da política Brasil Sorridente, bem como a elaboração de propostas que contribuam com a adequação do mercado suplementar aos princípios e diretrizes do SUS devem ser reforçadas.

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  • Financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq – Processo 447320/2014-9 – Edital MCTI/CNPQ/Universal 14/2014).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Fev 2018

Histórico

  • Recebido
    3 Nov 2016
  • Aceito
    22 Fev 2017
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revsp@org.usp.br